Cinema do IMS Paulista, agosto de 2024

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Cidade; campo, de Juliana Rojas
(Brasil, Alemanha, França | 2024, 119’, DCP)

destaques de agosto de 2024

Distâncias e conflitos entre Pequena África, um filme de Zózimo Bulbul realizado em 2002, e Uma nêga chamada Tereza (1973), de Fernando Coni Campos, mobilizam o programa Pretitudes em atrito. Essa é a estreia da sessão INDETERMINAÇÕES, uma iniciativa da plataforma de mesmo nome dedicada à crítica e ao cinema negro e brasileiro, que pesquisa o cinema como uma atividade eminentemente coletiva para além da ideia de autoria negra centrada na direção cinematográfica.

A mostra As câmeras de Bodanzky apresenta parte do material do cineasta depositada nos acervos do IMS com acompanhamento musical ao vivo por Sarine e Yantra. Um recorte de registros em Super-8 e vídeo que reúnem imagens feitas nos entornos da recéminaugurada rodovia Transamazônica e jornadas por São Paulo, Brasília e Berlim, aliados a uma trilha que combina a organicidade dos tambores, flautas e cordas com o futurismo dos sintetizadores, loops e drum machines. Em cartaz, os mais recentes trabalhos dos brasileiros Karim Aïnouz, Juliana Rojas, Ary Rosa e Glenda Nicácio, do argentino Eduardo Williams e do britânico Ken Loach.

Transamazônica e Belém-Brasília, de Jorge Bodanzky (Brasil | 1973, 33’, trechos de filmes em Super-8 transferidos para vídeo digital)

[imagem da capa]

Uma nêga chamada Tereza, de Fernando Coni Campos (Brasil | 1973, 80’, Arquivo digital)

Motel Destino, de Karim Aïnouz (Brasil, França, Alemanha | 2024, 115', DCP)
Min Tanaka em La Borde, de Josephine Guattari, François Pain (França | 1986, 13’, Arquivo digital)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

A flor do buriti

João Salaviza e

Renée Nader Messora | DCP

Mugunzá

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Sessão INDETERMINAÇÕES

Pequena África

Zózimo Bulbul | DCP

Uma nêga chamada Tereza

Cidade; campo

Juliana Rojas | DCP

Greice

Leonardo Mouramateus | DCP

O auge do humano 3

(El auge del Humano 3)

Eduardo Williams | DCP

Fernando Coni Campos | DCP

lha

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

O último pub (The Old Oak)

Ken Loach | DCP

Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca

Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M.

Doimo | DCP

Motel Destino

Karim Aïnouz | DCP

A partir de agora, é possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br.

As câmeras de Bodanzky

Jorge Bodanzky em Super-8

Sessão com trilha ao vivo por Sarine e Yantra

Caminhos de Valderez

Jorge Bodanzky e Hermano Penna | DCP

Jari

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | DCP

A propósito de Tristes trópicos

(A propos de Tristes tropiques)

Jean-Pierre Beaurenaut, Jorge Bodanzky, Patrick Menget | Arquivo digital

Pandemonium

Jorge Bodanzky | Arquivo digital

Meu barco é veleiro

Ewerton Belico & Irmãos Pretti | DCP

O Muiraquitã

Ewerton Belico & Irmãos Pretti | DCP

Tenta louvar o mundo mutilado

Ewerton Belico & Irmãos Pretti | DCP

Limites do diáfano

Ewerton Belico & Irmãos Pretti | DCP

Triálogos com Guattari

Min Tanaka em La Borde (Min Tanaka à La Borde)

Josephine Guattari, François Pain | Arquivo digital

As pulsões

Rogério da Costa, Jô Gondar | Arquivo digital

16:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

17:30 A flor do buriti (125')

20:00 Pandemonium (50')

20:00 Jorge Bodanzky em super 8, com trilha ao vivo de Sarine e Yantra (55')

16:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

17:30 Greice (110')

20:00 Mugunzá (101')

16:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

17:30 A flor do buriti (125')

20:00 Ilha (98')

15:30 O último pub (113')

17:40 O auge do humano 3 (121')

20:00 A propósito de Tristes trópicos (46')

15:30 Greice (110')

17:50 Ilha (98')

20:00 O último pub (113')

15:30 Greice (110')

17:50 Ilha (98')

19:45 O último pub (113')

15:30 Mugunzá (101')

17:40 O último pub (113')

19:50 O auge do humano 3 (121')

16:00 O auge do humano 3 (121')

19:00 Sessão INDETERMINAÇÕES:

Pequena África + Uma nêga chamada

Tereza (95') seguida de debate com Carla Italiano, Gabriel Araújo e Lorenna Rocha

16:30 O auge do humano 3 (121')

19:00 Triálogos com Guattari: Min Tanaka em La Borde + As pulsões (46') seguido por uma conversa com Suely Rolnik

15:00 O auge do humano 3 (121')

15:30 Ilha (98')

17:40 O último pub (113')

19:50 O auge do humano 3 (121')

15:30 O auge do humano 3 (121')

17:45 Motel Destino (115')

20:00 Cidade; campo (119')

16:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

17:30 A flor do buriti (125')

20:00 Mugunzá (101')

22:00 Greice (110')

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 Ilha (98')

17:30 Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano (61')

19:00 A flor do buriti (125')

21:30 Greice (110')

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 A flor do buriti (125')

17:50 Mugunzá (101')

19:45 O último pub (113')

22:00 Greice (110')

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 Greice (110')

17:40 Mugunzá (101')

19:40 O auge do humano 3 (121')

22:00 O último pub (113') 23

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 Ilha (98')

17:30 O auge do humano 3 (121')

19:50 O último pub (113')

22:00 Greice (110')

30

15:00 O último pub (113')

17:20 O auge do humano 3 (121')

19:40 Cidade; campo (119')

22:00 Motel Destino (115')

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

16:00 Ilha (98')

18:00 Caminhos de Valderez + Jari (81')

19:40 O auge do humano 3 (121')

22:00 O último pub (113') 24

14:00 Ilha (98')

16:00 A flor do buriti (125')

18:30 A propósito de Tristes trópicos (46')

19:40 O auge do humano 3 (121')

22:00 O último pub (113') 31

18:30 Pandemonium (50')

19:40 Cidade; campo (119')

22:00 Motel Destino (115')

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 A flor do buriti (125')

17:50 Greice (110')

20:00 Mugunzá (101') 11

14:00 Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')

15:30 Ilha (98')

17:30 A flor do buriti (125')

20:00 O último pub (113')

18

15:00 A flor do buriti (125')

17:30 O último pub (113')

19:50 O auge do humano 3 (121') 25

14:00 Greice (110')

16:10 Mugunzá (101')

18:10 Pequena África + Uma nêga

chamada Tereza (95')

20:00 O último pub (113')

1/set

20:00 Cidade; campo (119')

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

Jorge Bodanzky em Super-8

Jorge Bodanzky

No dia 13 de agosto, às 20h, uma seleção de filmes super-8 realizados por Jorge Bodanzky nos anos 1970 e depositados no acervo do IMS será exibida em cópias digitais com trilha sonora ao vivo executada pelos músicos Sarine e Yantra. Nesta sessão especial, registros em vídeo de viagens à Amazônia e trabalhos de experimentação visual são combinados à organicidade dos tambores, flautas e cordas e ao futurismo dos sintetizadores, loops e drum machines

Comecei a fazer cinema porque sempre gostei de ouvir e de contar histórias.

Ainda bem jovem, na década de 1960, fiz muitos filmes para a TV alemã, sempre em parceria com algum repórter. Esses trabalhos, assim que os entregava, ficavam inteiramente perdidos para mim.

Os escritores costumam carregar uma caderneta onde anotam ideias e diálogos entreouvidos, episódios e situações que, mais tarde, eles pretendem desenvolver em seus escritos. Então, tive a ideia de, ao tempo que filmava para a ZDF, fazer registros pessoais, através de fotos e de uma câmera super-8. Isso funcionava para mim como um “caderno de notas”, e eu ficava feliz de sempre poder guardar lembranças desses trabalhos.

Com a recente digitalização do meu acervo pelo IMS (filmes, fotos e super-8), esse arquivo pessoal passou a ter visibilidade, principalmente para mim. Tive a oportunidade de revisitar todo o material que guardei e que, com o passar dos anos, ganhou um outro significado, muito além daquele para o qual fora produzido à época.

esse material se transformou numa espécie de viagem para o meu passado, presente e –por que não? – para o meu futuro. Além disso, a trilha sonora sobreposta aos super-8 originalmente silenciosos é surpreendente, com todas as possibilidades que sugere.

Pela primeira vez, depois de restaurados, e concomitantemente à exposição, estão sendo exibidos no IMS cerca de 20 filmes realizados nos meus 50 anos de atividade.

No entanto, ao lado da imensa alegria de vê-los tão bem cuidados e recuperados, surge uma enorme tristeza pois, na verdade, a crua realidade neles retratada continua surpreendentemente atual. Ao longo de cinco décadas, fica evidente que os problemas só se agravaram: trabalho escravo, desmatamento, queimadas, extração ilegal de madeira, garimpo, prostituição infantil, gado e mineração.

A sessão tem entrada gratuita, com distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição e limite de uma senha por pessoa.

Na exposição que o IMS organizou para mostrar um recorte do meu trabalho, relativo aos anos de chumbo do regime militar no Brasil (1964-1985), surgiu a ideia de editar esses registros em super-8. Com roteiro de Ewerton Belico e edição dos irmãos Luiz e Ricardo Pretti,

A visão equivocada que os governos sempre tiveram quando da ocupação da Amazônia durante a ditadura militar ainda persiste na atualidade. As políticas públicas não levam em conta o saber dos povos originários, sua cosmogonia, seu manejo adequado do solo e da floresta, seus usos e costumes, sua cultura.

Sou imensamente grato ao IMS pela feliz combinação de unir fotografia, cinema e vídeo para abranger a totalidade da minha visão de mundo.

Pretitudes em

atrito

Distâncias e conflitos entre Pequena África (Zózimo Bulbul, 2002) e Uma nêga chamada Tereza (Fernando Coni Campos, 1973) nos mobilizam a desenhar Pretitudes em atrito.

No curta de Zózimo Bulbul, o desejo pelo fio da continuidade olha para o passado no presente e tenta assegurar a memória de um povo desterritorializado. No longa de Coni Campos, a descontinuidade, a desconexão e os impasses dos discursos políticos, econômicos e raciais de uma época colocam, através da música e do corte, a categoria e o adjetivo “negro” em repleta instabilidade.

Esse primeiro gesto de aparição, que inaugura as sessões INDETERMINAÇÕES

no Instituto Moreira Salles, busca traduzir o programa da plataforma de crítica e cinema negro e brasileiro: olhar tanto para o cinema como uma atividade eminentemente coletiva quanto para a pretitude em sua dinamicidade radical. Não por acaso, abrimos mão da ideia de autoria negra centrada na direção cinematográfica e nos lançamos a navegar entre filmes e materiais audiovisuais diversos que, mais do que enunciar uma experiência ou totalidade preta, apresentam dinâmicas, métodos e operações que vibram o saber-fazer preto.

Num país tão complexo e contraditório como o Brasil, a busca por uma noção pura

ou autossuficiente da “negrura” não só nos parece contraproducente como tem balizado um apagamento sistemático de uma história que foi realizada e trançada em plena assimetria. É desse ponto de partida que se delineia esta faixa de programação, projeto que materializa nosso horizonte de acender debates em torno da cinematografia nacional, conectando tempos aparentemente fora de sincronia e estabelecendo contato entre repertórios criativos de diversos profissionais audiovisuais negros e negras que pavimentam, reelaboram, ampliam e questionam o fazer cinematográfico brasileiro.

Conectamos, assim, Zózimo Bulbul a Fernando Coni Campos, Jorge Ben Jor à Pequena África, Dr. Silvanus à Pedra do Sal, Barbarella ao Dia da Consciência Negra. Morenice sim, black power não ? Um convite à diferença e ao atrito. Ainda no contexto da sessão, as pesquisadoras e curadoras Carla Italiano e Kariny Martins compartilham impressões sobre os filmes em debate pós-exibição no IMS Paulista e Poços de Caldas. Já os pesquisadores GG Albuquerque e Izabel de Fátima Cruz Melo, com os ensaios “A polifonia ganha volume” e “Negritudes imaginadas no cinema brasileiro: dessemelhanças, aparições e apagamentos”, compõem a edição de agosto da

revista de programação do Cinema do IMS. Nem sempre em convergência, os textos embaralham sentidos e proposições de negrura, África e Brasil tendo como referência elementos dos filmes em exibição. Em seus diferentes tempos, territórios e pontos de partida, Pretitudes em atrito estabelece o desencontro como chave principal para pensar as identidades negras, o cinema negro e a história do cinema brasileiro.

Pequena África, de Zózimo Bulbul

A polifonia ganha

volume

Ensaio em torno de Pequena África (Zózimo Bulbul, 2001) e Uma nêga chamada Tereza (Fernando Coni Campos, 1970)

GG Albuquerque

Lançados em um intervalo de 31 anos, Pequena África (2001) e Uma nêga chamada Tereza (1970) incorporam diferentes formas de entender e lidar com a ancestralidade afro-brasileira e, vistos em sequência, nos indicam rotas para as nuances da agência política da negritude. Enquanto o curta de Zózimo Bulbul é permeado pela busca de uma conexão histórica perdida e apagada com um continente africano idealizado, o longa de Fernando Coni Campos (na época visto como um filme despolitizado, recebendo pouca nota da crítica de seu tempo) é palco de um encontro África-Brasil em que o espelho se parte e os pontos de contato são as dessemelhanças (e não o reflexo), dando corpo a um ideal dinâmico, de ancestralidade em movimento.

Uma nêga chamada Tereza é produzido no período em que outros ídolos musicais da juventude chegavam aos cinemas interpretando versões ficcionais de si mesmos – os casos mais famosos são o de Roberto Carlos na trilogia dirigida por Roberto Farias e, antes dele, os Beatles em Os reis do iê-iê-iê (A Hard Day’s Night, 1964) e Help! (1965). Mas o longa protagonizado por Jorge Ben não parece ter causado a mesma excitação. A atriz pernambucana Aurora Duarte, distribuidora do filme, esteve no Recife para lançá-lo

e declarou ao Diário de Pernambuco: “Não é de fato um filme excelente. Não. Ele é simplesmente… Joia! Um filme de cuca, pra gente de cuca. É a primeira produção do ‘cinema doido’ nacional. E tem um som da pesada para curtir adoidado.” A coluna social do mesmo Diário de Pernambuco relatou que o filme foi “um sucesso de público” no cinema Art Palácio.

Fora isso, a repercussão não parece ter sido tão grande (nem mesmo positiva). Segundo o pesquisador Alexandre Pires, da Universidade Federal Fluminense (UFF), os jornais cariocas, como O Globo, não fizeram menção ao longa. Na Folha de S.Paulo, foi descrito como “apenas uma fita de boas intenções. Uma frustrada tentativa de se captar um público que, depois desse filme, vai continuar vendo Jorge Ben em shows.” O debate racial do filme parece ter passado sem nota da crítica, ecoando a visão generalizada de que Ben não era um artista politizado. No entanto, como observou Allan da Rosa, coautor do livro Balanço afiado, Jorge Ben, como tantos artistas negros, disfarçava sua contundência ao afirmar uma ausência de luta onde pulsavam provocações.

Na trama do filme, uma quadrilha de golpistas liderados por Barbarella (Pepita Rodrigues) bola um plano infalível: substituir

o favorito ao prêmio, Jorge Ben, por um sósia aliado ao grupo, para assim ficar com o prêmio da competição musical. Em paralelo, o casal de africanos Makeba Za-Retê (“uma ex-pistoleira profissional, museóloga nas horas vagas e que não sabe dizer nada a ninguém”, interpretada pela atriz e modelo Marina Montini) e Dr. Silvanius (“um verdadeiro pancada querendo provar que legal mesmo é o crioulo e nada mais”) aterrissam no Brasil para conhecer o cantor e assistir ao festival. O desencaixe – ou dissonância, pode-se dizer – dos africanos frente a símbolos da cultura afrodiaspórica dão corpo a uma miríade de contradições e fraturas em visão essencialista e unívoca de identidade negra – em uma de suas primeiras aparições, a dupla ri descontroladamente ao ver uma figa, como quem desdenha do amuleto de proteção espiritual usado nas religiões de matriz afro.

O filme abre com “Brasil eu fico”, um dos hinos nacionalistas de Wilson Simonal –outro músico negro visto como alienado ou mesmo pró-militares. Sob um fundo vermelho, letras brancas cintilam os slogans da ditadura: “Ninguém segura este país”. Em outro momento, Dr. Silvanius está rodeado de homens brancos, que lhe perguntam sua opinião sobre líderes do movimento negro. Com um sorriso aberto, o personagem

interpretado por Antonio Pitanga debocha de Martin Luther King e dos Panteras Negras e os desqualifica. Bom mesmo é o Rei Pelé, o Fio Maravilha: “A força negra, a beleza negra, o humor negro”, afirma.

Após assistirem à apresentação de Jorge Ben no Festival da Canção, os visitantes africanos derretem-se encantados: “Espetacular! Que mocotó!”, suspira Makeba, que, então, decide ficar de vez no Brasil, rompe com Silvanius e muda seu nome para Tereza, tornando-se a nega que dá nome ao hit de Ben e ao filme. “Morenice sim, black power não!”, exclama triunfante o narrador ao fim do filme. Soma-se isto ao fato de os personagens africanos falarem em idioma indiscernível, que mistura onomatopeias aleatórias com saudações nagô e iorubá a orixás, e poderíamos nos perguntar: estamos diante de caricaturas racistas que nada produzem além de uma reiteração dos mitos da democracia racial?

Paradoxalmente, encerrar-se nessa conclusão seria escantear a presença preta da música de Jorge Ben, que povoou a música brasileira com o imaginário de Zumbi, Muhammad Ali, Fio Maravilha pelas lentes do mistério alquimista. Assim como o samba esquema novo reconfigurou os pilares do samba, os africanos do filme parecem encontrar na negritude brasileira de Jorge

Ben uma outra coisa : não é black power norte-americano, não é Pantera Negra, não é África. Ao ouvir Jorge Ben, parecem encontrar elos, mas não um espelho de si mesmos. Jorge Ben, no fim das contas, não pode ser substituído nem pelo seu sósia mais semelhante.

Os planos de Barbarella e sua gangue fracassam. O mocotó azeda, e todos vão para a prisão, enquanto Pedro Paulo, o sósia do Jorge Ben, encontra uma forma de tornar-se piloto de corridas automobilísticas no exterior. Aparentemente submisso e ingênuo, o preto do interior usa a ciência da malandragem para driblar as condições que lhe foram impostas e, ao final, sair por cima. Pedro Paulo, Jorge Ben e Uma nêga chamada Tereza apontam para o fazer político insidioso, que é operado pelas costas, no silêncio, nas sombras.

Em Pequena África , o tom é bem diferente. A visão política é bem mais pronunciada e definida. O curta de Zózimo Bulbul apresenta um olhar esmiuçado em prol do reconhecimento e da valorização da região da Pedra do Sal, praça Mauá, Gamboa e Santo Cristo, onde a população negra escravizada instalou-se no Rio de Janeiro. Trata-se dos espaços físicos (os casarios, o Cemitério dos Pretos, o Valongo, a Casa da Engorda) mas também da memória de

Uma nêga chamada Tereza, de Fernando Coni Campos

uma cultura viva (o samba, a comida, a religião, as relações familiares), na região que o sambista Heitor dos Prazeres chamou de “África em miniatura”. Enquanto Uma nêga chamada Tereza nos lança em torno de experiências negras em mutação, neste curta a negritude é uma experiência determinada a partir de africanidade vista sob a lógica da remanescência – a África que veio ao Brasil e que, apesar de escondida, enterrada, permanece presente na vida dos habitantes daquela região e dos negros como um todo.

As imagens bucólicas, estilo cartão-postal, acompanhadas por uma versão suave da música “Cordeiro de Nanã”, ao fundo enquadram uma visão idílica de África, fazendo do continente uma espécie de geografia ficcional e denominação geral para ancorar uma história comum. Todo aquele que nasce nesta terra ou partilha da mesma cor ou ancestrais é um irmão ou irmã. Mas como falar em história comum se um dos resultados do comércio de escravizados no Atlântico foi precisamente a dispersão pelo mundo, as quebras intransponíveis, a descontinuidade? No ensaio “As formas africanas de autoinscrição”, o filósofo Achille Mbembe provoca: “Como se pode inscrevê-los [os negros] em uma nação definida racial e geograficamente, quando

a geografia e a história os arrancaram do local de onde seus ancestrais vieram?”.

No final do curta, o ator e cineasta Waldir Onofre conversa com crianças, que, após terem aprendido sobre a história do local, comentam que a Pequena África deveria se tornar “ponto turístico”. Anos depois, o projeto tornou-se realidade. Mas por um projeto higienista, movido a especulação imobiliária, que excluiu aqueles que historicamente ocuparam a região. Tornar-se monumento não basta. A experiência da vida, cultura e arte negra nos demanda também um exercício de imaginação política.

No encontro entre os dois filmes, a polifonia ganha volume: Pequena África inclina-se para uma valorização da cultura negra tendo como estratégia o estabelecimento de pontos de origem. Uma nêga chamada Tereza , por outro lado, nos faz pensar a negritude em sua qualidade anoriginal e irrastreável, como diria Fred Moten, em um enredo que faz diversos acenos ao cinema de gênero (às vezes filme de aventura, em outros momentos um filme de espionagem e em outros pontos vira um filme de cangaceiro) e uma montagem fragmentada, que ficou ainda mais Frankenstein após os cortes da censura – segundo o Diário de Pernambuco, foram “18 tesouradas”.

Com esses remendos, a trilha sonora com as músicas de Jorge Ben acaba por sustentar o filme com as canções que oscilam em um amplo espectro de pretitudes, de uma versão solar de “Asa branca” à explosiva bossa de “Bicho do mato” e uma versão acústica, cantada em falsete, de “Nascimento de um príncipe africano”, ouvida na parte final do filme, quando o amigo africano de Dr. Silvanius lhe diz: “Estou é de saco cheio de ficar discutindo crioulo, branco, briga de raça. Vou é tomar um grande porre, entrar de cabeça no Carnaval. E endoidar de vez. Jorge Ben, a Nêga Tereza e o Gilberto Freyre que fiquem cada um na sua.” Ao fim do longa, o príncipe africano (re)nasce ao abrir o peito para a experiência do Carnaval brasileiro, embaralhando os sentidos supostamente originários da diáspora negra, coroando-se na folia de fevereiro sem qualquer pretensão à pureza ao mesmo tempo que subverte a democracia racial pela festa.

Negritudes imaginadas no

cinema brasileiro: dessemelhanças, aparições e apagamentos

Izabel de Fátima Cruz Melo

Quantas Áfricas são possíveis de imaginar a partir do Brasil? Quantos Brasis podem ser imaginados desde o cinema? Quais e quantas constelações são possíveis para imaginar essas respostas?

Essas são algumas das perguntas que me habitam ao responder ao desafio de colocar em relação o Pequena África (2002), de Zózimo Bulbul, e Uma nêga chamada Tereza (1973), de Fernando Coni Campos. Filmes díspares em seus contextos de produção, circulação, trajetória dos diretores e fortuna crítica, por exemplo. Entretanto, do ponto de vista da pesquisa, podem evocar uma categoria em comum: a ideia de apagamento –que, sob a nossa perspectiva, circunda cada um dos filmes de forma diferente, haja vista as dessemelhanças já pontuadas.

Como o tempo é menino que se desdobra em muitos caminhos e direções, e muitas vezes o que parece vir depois veio mesmo antes, parece-me fazer mais sentido começar pela Pequena África. Conforme aponta Ana Paula Alves Ribeiro,1 este filme

faz parte de um conjunto de cinco curtas-metragens realizados de forma descontínua entre 1981 e 2005. Neles, Bulbul se dedica, de forma geral, a registrar os territórios negros, suas articulações e seus modos de existência na cidade do Rio de Janeiro.

No que tange ao filme, nota-se um diálogo entre temporalidades inscritas no território e nos personagens que nele se deslocam contando a sua história por meio de uma perspectiva negra. Este enegrecimento da narrativa histórica, além de fazer parte do projeto estético-político do diretor, acaba por ser ressaltado quando observamos que a sua realização se deu durante o período do recrudescimento das tensões em torno dos usos e das disputas políticas das memórias da região portuária da cidade.

1. RIBEIRO, Ana Paula Alves. “Rio de Janeiro e sua herança africana: históricas contadas por Zózimo Bulbul”. Todas as Artes: Revista Luso-Brasileira de Arte e Cultura. Disponível em: ojs.letras.up.pt/index. php/taa/article/view/10753.

Desse modo, evocar Nanã – considerada a mais velha das divindades afro-brasileiras, comumente sincretizada com Nossa Senhora de Sant’Ana –, cujo frontispício da igreja aparece nos primeiros minutos, já aponta para os caminhos da memória e suas temporalidades múltiplas – pois, além da dimensão memorial e ancestral que as duas divindades trazem nas suas dimensões religiosas, o próprio filme nos coloca em relação com camadas temporais diversas: nos relatos, na geografia, em fachadas, cemitérios e diálogos.

Em um quintal contemporâneo, o menino (Douglas Silva) nos diz: “Aqui é a Pequena África. Fins dos anos 1800 e início dos anos 1900. Aqui era onde moravam os ex-escravos.” Em seguida, Tia Jurema descreve, a partir da sua experiência familiar, como era aquele território, os frequentadores e as festas. Por sua vez, a menina (Flávia Souza da Cruz) deambula pela Pedra do Sal, Casa da Engorda, cemitérios dos Pretos Novos e dos Ingleses, bem como Waldir Onofre, pelo morro da Providência. Ambos conversam

com outras pessoas, identificando os locais e sublinhando a importância desses fragmentos preciosos de um passado ao qual, durante muito tempo, foi recusado fazer parte da história, mas que insiste em permanecer por meio dos seus descendentes, que continuam a ocupar e disputar esse espaço físico, simbólico, histórico – e cinematográfico.

Por sua vez, diferente de Zózimo Bulbul, Fernando Coni Campos tem uma fortuna crítica rarefeita e concentrada basicamente em dois filmes, Viagem ao fim do mundo

(1968) e Ladrões de cinema (1977). No que diz respeito a Uma nêga chamada Tereza (1973), essa ausência se alarga ainda mais, visto que, até então, não havia nenhuma publicação a seu respeito, além das críticas da época do lançamento.

Uma nêga chamada Tereza é um filme de ficção em longa-metragem, realizado e ambientado nos anos 1970, com todas as contradições de um país imerso na ditadura e com diferentes concepções de nacionalidade concorrentes, tanto à direita, quanto

Pequena África, de Zózimo Bulbul

à esquerda. Além disso, faz-se necessário ressaltar as tensões que envolveram a sua realização, com interferências da censura, três remontagens feitas à revelia e que, segundo Coni Campos, alteraram substancialmente as suas ideias e o próprio sentido do filme, o que o levou a rejeitar a direção e progressivamente afastar-se dele.

No filme, um trio de personagens africanos – Dr. Silvanius (Antonio Pitanga), Makeba Za-retê (Marina Montini) e Katoka (Samuel dos Santos) – vem ao Brasil acompanhar o Festival Internacional da Canção, no qual Jorge Ben, interpretando a si mesmo, é o favorito. Contudo, uma quadrilha, encabeçada por Barbarella (Pepita Rodrigues) pretende trocá-lo por um sósia e roubar o prêmio.

Com o malogro do plano, os golpistas são presos, Jorge Ben segue sua carreira exitosa, Makeba muda de nome para Tereza, e resolve ficar no Brasil.

O que à primeira vista parece apenas um filme excêntrico que transita entre a comédia e o musical traz alguns pontos que consideramos merecer atenção. Aqui, em virtude da proposta da sessão, nos aproximamos daqueles que apontam para o imaginário relativo à África, à negritude, aos movimentos de emancipação negra e aos incômodos das esquerdas e seus intelectuais no cinema brasileiro do período. Makeba, por exemplo,

é uma referência direta à cantora sul-africana Miriam Makeba, já conhecida no Brasil à época. Cabe observar também a explícita relação com as musicalidades negras urbanas do período, haja vista a centralidade de Jorge Ben, os nomes de algumas personagens, que correspondem às suas músicas, que também constituem uma ponte para a soul music brasileira, além da participação do Trio Mocotó, banda matriz do samba-rock.

Contudo, apesar dessa aproximação, os personagens africanos são caricatos, uma perspectiva normalizada para personagens negros, sobretudo pelo humor televisivo do período – a presença de Arnaud Rodrigues como roteirista é um indício importante nesse sentido. O repertório da militância negra oriundo dos EUA é tratado nessa mesma chave, ao passo que os personagens falam uma “língua africana” que diegeticamente só é compreendida por eles, e para a qual há uma legendagem flutuante para os espectadores, causando um pretenso efeito cômico, deslocado e racialmente estereotipado. Além disso, Jorge Ben é compreendido e acionado em uma perspectiva diluidora das tensões raciais brasileiras.

Nessa perspectiva, considero que o filme opera em movimento ambíguo, pois, apesar da expressiva quantidade de personagens e temática negra, há um apagamento por

adequação das experiências negras em prol de um discurso de identidade nacional, que, mesmo em crise, e por isso também questionada pelo próprio filme, seguia disputada pelas esquerdas e pela ditadura.

Desse modo, ao olhar a partir de 2024 para as Áfricas imaginadas, tanto pelas lentes da memória enegrecida acionadas por Bulbul nos anos 2000 e, por sua vez, pela musicalidade de Jorge Ben e estereótipos setentistas encontrados no filme de Coni Campos, menos me interessa uma perspectiva de disputa, e sim a necessidade de efetivamente constelar outros filmes para observar e compreender quando e como variam as formas de apreensão, apagamentos e reaparições sobre as Áfricas e seus descendentes, e o quanto isso fala das concepções de Brasil na historicidade do próprio cinema brasileiro.

A flor do buriti

João Salaviza e Renée Nader Messora | Brasil, Portugal | 2023, 125’, DCP (Embaúba Filmes)

profissional, política e artisticamente junto a eles. Dessa colaboração, já havia saído o filme Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, que foi vencedor do prêmio do júri da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, em 2018. Em 2023, A flor do buriti recebeu o prêmio de Melhor Equipe, na mesma mostra. Elaborado a partir de um processo coletivo junto aos Krahô, o filme conta com a participação de Sonia Guajajara, atual ministra dos Povos Indígenas, e tem como corroteiristas os indígenas Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô e Henrique Ihjãc Krahô.

nós, vendo esse filme, mais tarde percebemos que nós, por outros caminhos, também andávamos aqui atrás desse rasto, acho que é uma dimensão historiográfica que tem A flor do buriti, pensar uma historiografia feita nos termos Krahô.”

Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um brutal massacre, perpetrado pelos fazendeiros da região. Em 1969, os filhos dos sobreviventes são coagidos a integrar uma unidade militar, durante a ditadura brasileira. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô continuam a caminhar sobre a sua terra sangrada, reinventando a cada dia infinitas formas de resistência.

Companheiros de vida e trabalho, a cineasta paulista Renée Nader Messora e o cineasta português João Salaviza vivem próximos do povo Krahô – como os chamam os brancos – e atuam

“O que eu e João temos é um tempo de convivência na comunidade que a gente filma, que nos permite ter uma leitura da realidade que está na nossa frente. É uma leitura engajada junto de uma escuta sensível, isso fez e faz com que a gente consiga errar menos”, comenta a diretora em entrevista à Veja São Paulo. “Só existem imagens no meu material bruto que eles (os Krahô) se sintam à vontade, que eles se reconhecem, confiem e acreditem. Nós (Renée e João) fizemos uma espécie de tradução e tentamos chegar a um lugar onde faça sentido para os não indígenas que irão assistir ao filme.”

Ao portal esquerda.net, Salaviza comenta: “No momento de filmar não temos referências. As poucas referências que temos são as do cinema indígena – há um grande filme que foi exibido aqui, na mostra de cinemas indígenas do Porto –, um filme feito por um coletivo de cineastas Maxakali, que é um outro povo que está em Minas Gerais. Há imensas dimensões que estão nesse filme e que

“Nós fomos parados na rua por um descendente de um dos que participou no massacre em 1940. Ele estava indignado e agressivo. E ficámos com medo. Ele dizia: ‘Vocês não têm fontes para falar sobre isso! Não há dados, não há bibliografia! O processo desapareceu. Quem são vocês para falar sobre isso?’ Houve algumas fontes, de um antropólogo dos anos 1970, que encontrou documentos que falavam, na altura, de 30 mortos. Mas nós falámos com parentes mais velhos do Hyjnõ e da Cru, a bisavó que sobreviveu ao massacre, e falam em 70-80 mortos. A questão é, então, como é que um filme traz a possibilidade de historiografar o passado dos Krahô. Porque a tradição Krahô obedece à memória oral, e, como essas coisas foram passadas para os avós e netos, como o Hyjnõ diz no filme, ‘foi preciso muito sangue para nós termos esta terra’”.

[Depoimentos extraídos de: bit.ly/florburiti-ims e bit.ly/florburiti-ims2]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Cidade; campo

Juliana Rojas | Brasil, Alemanha, França | 2024, 119’, DCP (Vitrine Filmes)

Duas histórias de migração.

Após o rompimento de uma barragem inundar sua terra natal, a trabalhadora rural Joana se muda para São Paulo para encontrar sua irmã Tânia, que mora com o neto Jaime. Joana terá que lutar por melhores condições de vida na “cidade do trabalho”.

Flávia se muda com sua companheira, Mara, para a fazenda que herdou do pai recém-falecido. O casal em busca de uma nova vida tem um choque de realidade ao enfrentar o cotidiano rural e a natureza vai obrigá-las a confrontar antigas lembranças e fantasmas.

“A motivação original pro filme veio de uma vontade de falar sobre esses deslocamentos. Sobre o local de origem e a adaptação em um local que seja diferente. E da diferença de vivência entre cidade e campo, que são espaços com uma identidade diferente, um tempo diferente, uma relação com a natureza que é diferente”, comenta Rojas em entrevista à RFI Brasil. “Eu sempre pensei em construir um filme com duas histórias que não se conectassem, que fossem

personagens distintos em lugares distintos, mas que eu pudesse mostrar as duas perspectivas: de quem sai do campo pra cidade e de quem vai da cidade pro campo. Sempre pensando de o campo estar no final como se fosse um regresso à nossa origem, à nossa ancestralidade.”

Protagonizado por Fernanda Vianna, Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer, Cidade; campo teve sua estreia mundial na seção Encounters do Festival de Berlim deste ano, onde foi premiado com Melhor Direção.

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/cidadecampojr]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Greice

Leonardo Mouramateus | Brasil, Portugal | 2024, 110’, DCP (Vitrine Filmes)

Leonardo Mouramateus, mas a personagem confunde-se com o filme, e também Greice inverte as noções de verdade e se constrói às arrecuas. Como é costume no cinema do realizador, a trama é uma complexa teia de indícios, onde facto e ficção, sujeito e olhar, objeto e representação se fundem e confundem. Só que em Greice esse jogo ganha requintes quase barrocos, onde tudo é sinal, onde a (auto)biografia se esconde num labirinto de espelhos e onde cada coisa reflete a coisa do lado (numa potência de infinito – que, no limite, consegue transformar a própria natureza bífida da produção luso-brasileira do filme num comentário metafílmico sobre a condição do realizador). Onde começa e acaba o (auto)retrato? Nem Greice nem Leonardo tem a resposta, porque a eles o que lhes interessa é o jogo da representação.”

Greice, uma jovem brasileira de 22 anos, estuda belas-artes em Lisboa. Nos primeiros dias do verão, Greice envolve-se com o misterioso Afonso. O casal é responsabilizado por um estranho acidente que ocorre na festa de recepção dos calouros. Greice precisa, então, voltar a Fortaleza, mas se esconde num hotel para evitar que sua mãe descubra os apuros em que se envolveu. Com a ajuda de alguns amigos, Greice procura um lugar no mundo.

Por ocasião da exibição de Greice no IndieLisboa, em 2024, o programador e crítico

Ricardo Vieira Lisboa escreveu: “A certa altura, ainda o filme vai no início, uma personagem explica que ‘a Greice é amiga das circunstâncias, transforma o que é mentira em verdade e escreve de trás para a frente’. Refere-se, claro, à protagonista que dá nome ao novo filme de

Terceiro longa-metragem de Mouramateus, a obra é protagonizada pela atriz Amandyra, paulista radicada no Ceará, e traz no elenco ainda nomes como o cantor Dipas, as atrizes Faela Maya, criadora da webnovela Pobreza Brasil, e Isabel Zuáa. O filme teve sua estreia internacional no Festival de Roterdã deste ano e, após uma carreira internacional, chegou ao Brasil no festival Olhar de Cinema.

[Citação extraída de: bit.ly/greiceims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Emerson, um jovem da periferia, quer fazer um filme sobre a sua história na Ilha, lugar de onde os nativos nunca conseguem sair. Para isso, ele sequestra Henrique, um premiado cineasta. Juntos, os dois reencenam a própria vida, com algumas licenças poéticas.

Se, em seu primeiro longa-metragem, Rosa e Nicácio se concentram em experiências majoritariamente femininas de trauma e dos seus esforços de superação a partir do encontro e do coletivo, no filme seguinte, Ilha, esse processo será vivido sobretudo pelos personagens masculinos. Ao decidir filmar a própria vida, Emerson precisa reviver e repensar uma série de imagens de violência. Em entrevista à revista Cinética, que dedicou um dossiê à obra da

Ilha
Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2018, 98’, DCP (Elo Studios)

produtora Rosza Filmes, Glenda Nicácio fala sobre essa articulação da violência no filme: “A bruteza existe, sem dúvidas, ela é o chão do filme. E quando digo isso, vale ressaltar que, ainda assim, Ilha é um filme que também tem céu, que articula sutilezas e cuidado, coexistindo numa mesma mise en scène. É assim que enredamos a bruteza que o filme traz, porque ela, por si só, ela só por doer, não nos interessa. Nesse sentido, não é nem de brutalidade que eu tô falando, é de bruteza – porque é isso que eu enxergo nos planos e no regime que fomos criando –, e a vejo presente principalmente na forma. Acho que a violência está no modo que escolhemos filmar; no grão da imagem, no movimento abrupto, no desconforto do imprevisível. De todo modo, sim, existem cenas em que a encenação fica ali no jogo com a bruteza, e acho que é um limite bem fino, é um risco mesmo entre a bruteza e a brutalidade, mas é uma carga que é dividida entre a criação de linguagem e a encenação. E tudo muito conversado, com processos muito compartilhados, para a construção dos personagens e para a construção da imagem e do som. Essas questões nos são muito caras, e nos (per)seguem até a sala da montagem. Temos grande preocupação com as imagens que evocam a violência. A tentativa é não ignorar, posto que ela também é linha da trama da ficção

e do real, e ela nos afeta cotidianamente. É dela que queremos, ou precisamos, também, falar. Todos os nossos filmes passam por esse lugar, de alguma forma. E o limite só encontramos olhando para cada filme. São jogos e construções muito específicas, e a nossa dosagem depende do limite de cada filme, o que cada personagem aguenta.”

[Íntegra da entrevista: bit.ly/aryeglenda-ims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Motel Destino

Karim Aïnouz | Brasil, França, Alemanha | 2024, 115', DCP (Pandora Filmes)

O Motel Destino, um motel de beira de estrada que fervilha sob o céu azul escaldante da costa nordeste do Brasil, é administrado por Elias, um homem de cabeça quente, e sua inquieta esposa Dayana. A chegada inesperada de Heraldo, um jovem em fuga, perturba a ordem estabelecida. O mais recente filme de Karim Aïnouz, diretor de Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006) e A vida invisível (2019), estreou este ano na mostra competitiva do Festival de Cannes. Em entrevista ao portal DW, por ocasião da estreia, o diretor comentou: “Eu acho que sexo e comédia têm a ver com a vida. Não são questões morais, são sinais de vida. Depois desses quatro anos de tanto terror

e energia de morte, cheguei no set querendo mostrar cor e vida. É um filme onde explode cor, explode tesão, explode humor. É um filme muito inspirado em pornochanchadas e naqueles programas policiais que passam na TV tipo meio dia. É um policial erótico.”

“O motel é um lugar onde tudo é permitido. É uma arena dramatúrgica muito brasileira. Sim, é algo que só tem no Brasil. Acho que só tem uns na Colômbia, em Tóquio. Mas o motel como instituição, com essa arquitetura toda especial, isso é uma coisa nossa. Uma verdadeira invenção brasileira. E que me permitiu usar muita fantasia neste filme.”

[Íntegra da entrevista: bit.ly/moteldestinoka]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Mugunzá

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2022, 99’, DCP (Elo Studios)

“A Arlete é uma atriz que participou de todos os nossos filmes, desde Café com canela até agora”, conta Ary Rosa em entrevista a Vânia Dias para o festival Panorama Coisa de Cinema de 2022. “E é uma atriz que a gente se identificou muito com ela, ela muito com a gente, e a gente acabou se transformando numa família. Mugunzá nasce da vontade de escrever mesmo uma história pra ela, podendo usar de toda a potencialidade que essa atriz tem, que é uma grande atriz, mas também uma grande cantora, tem um domínio de corpo muito bonito. E é um filme em que ela brilha, é um filme para ela mesma.”

Arlete acorda e está tudo fora do lugar. Ela perdeu um amor, um filho, a casa, e agora quer justiça.

Em Mugunzá, Ary e Glenda apresentam uma anti-heroína contemporânea que desafia o poder coronelista. Os cineastas retomam a estrutura do filme de locação única, poucos personagens e equipe reduzida, mas se aprofundam em novas direções: Mugunzá é um musical que se passa inteiramente em um teatro. Arlete Dias, veterana nos filmes da Rosza Filmes, interpreta uma personagem homônima e contracena com Fabricio Boliveira, que faz os cinco diferentes personagens masculinos da história.

“A Arlete da ficção é um pouco de nós, mulheres, que estamos atravessando esse tempo não só de hoje, mas tentando sobreviver dentro da sua própria comunidade”, complementa Glenda Nicácio. “Não só sobreviver, mas podendo viver com liberdade de escolha, de amor, política. Com tudo que cabe um corpo.”

[Depoimento extraído de: bit.ly/mugunzaims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O auge do humano 3

El auge del Humano 3

Eduardo Williams | Argentina, Portugal, Holanda, Taiwan, Brasil, Hong Kong, Sri Lanka, Peru | 2023, 121’, DCP (Retrato Filmes)

anteriores, como os personagens jovens ou em estado de juventude, uma relação de inadequação com o ambiente do trabalho, o salto entre lugares e culturas distintas, as paisagens “estranhas” ou estrangeiras. O diretor segue também com a técnica de filmar com uma câmera de 360º, iniciada no curta Parsi (2019), e de incorporar ao filme suas deformações e glitches.

Diferentes grupos de amigos vagam em um mundo chuvoso, escuro e onde venta muito. Eles passam um tempo juntos, tentando fugir de seus empregos deprimentes, perambulando constantemente em direção ao mistério e a novas possibilidades.

“Uma ligação em espiral de países e pessoas que normalmente não vemos associados”, diz o diretor, que também assina O auge do humano (não existe um volume 2) e tem uma extensa carreira no curta-metragem. O auge do humano 3 dá prosseguimento às pesquisas formais e narrativas operadas por Williams em seus filmes

“Aprendi com Parsi a editar e enquadrar na pósprodução com um dispositivo de realidade virtual. Gravei meus movimentos enquanto visualizava as imagens, de modo que o enquadramento era ditado pelo que eu fazia com a cabeça e o corpo. Isso foi muito interessante para mim e fiquei curioso sobre como fazer isso em um longametragem e com uma câmera de qualidade superior. Minha intenção era que o espectador às vezes sentisse a presença da câmera e a estranheza da imagem e, às vezes, se conectasse mais com as pessoas ou determinadas situações e esquecesse a imagem e a câmera. Durante a filmagem, descobri muitas coisas na imagem: movimentos robóticos, erros, etc. Sempre que uso uma câmera nova, tento descobrir o que a câmera faz e o que não permite que eu faça apenas enquanto estou filmando.”

“O cinema é minha tentativa de ter um trabalho que seja interessante. Quando terminei a faculdade, percebi que era muito difícil ter um emprego que me parecesse interessante. Todos nós nos identificamos com isso de maneiras diferentes, mas ficou claro que as pessoas que eu conhecia não tinham empregos interessantes.

Isso era assustador, mas ainda mais assustador era a dificuldade de escapar disso. Quando comecei a viajar para fazer meus filmes, para o Vietnã, para Serra Leoa, para as Filipinas, descobri que todos os jovens – antes de serem totalmente absorvidos pelo sistema de trabalho – sentem a mesma coisa. Era exatamente a mesma coisa em todos os lugares. ‘Eu gostaria de ser isso, mas vou ser aquilo, porque é o que dá dinheiro’. Então a maioria das pessoas nem está tentando ser o que quer. Acho que há muito disso no filme, e talvez também a ideia de não saber como resolver o problema ou o que fazer, mas pensar: ‘vamos apenas tentar.’”

[Depoimentos de Eduardo Williams extraídos de entrevistas ao Mubi e ao portal Film Comment, disponíveis em inglês em: bit.ly/auge3ew e bit.ly/ auge3ims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O último pub

The Old Oak Ken Loach | Reino Unido, França, Bélgica | 2023, 113’, DCP (Synapse)

No mais recente filme de Ken Loach, o dono de um pub luta para manter seu negócio vivo em uma cidade decadente. Quando refugiados sírios começam a ocupar as casas vazias da região, a tensão aumenta e a união dos habitantes locais é colocada à prova.

“Fizemos dois filmes no nordeste [da Inglaterra]”, comenta Ken Loach em uma extensa entrevista à revista Jacobina. “O primeiro [Eu, Daniel Blake, 2016] sobre a forma como as pessoas vulneráveis não recebem o apoio financeiro a que têm direito por um Estado que vê a pobreza como uma forma de disciplinar punitivamente a classe trabalhadora. O segundo filme [Você não estava aqui, 2019] foi sobre a insegurança do trabalho, a economia em torno dos empregos temporários e informais. Nessas situações, o trabalhador não tem qualquer segurança no emprego e é visto como um contrato independente, quando na

realidade trata-se de um empregado – porém, sem os direitos dessa posição e, na verdade, sem quaisquer direitos trabalhistas. Tratava-se das consequências desses trabalhos para a vida familiar.”

“A região nordeste da Inglaterra desperta interesse por ser muito específica, por ter características singulares e uma cultura de classe trabalhadora muito forte. Ela se baseia nos antigos setores, como construção naval, aço e mineração de carvão. E todos eles desapareceram; todos eles foram fechados. Os vilarejos são exemplos muito claros e visuais do que está acontecendo – ou seja, das consequências do neoliberalismo. Nada deve impedir que as empresas privadas obtenham o máximo de lucro possível. Portanto, não se pode tolerar sindicatos fortes, por exemplo. Não se pode tolerar organizações fortes. Não se pode tolerar a resistência dos trabalhadores e as demandas por melhores salários, porque isso atrapalha os lucros e a concorrência.”

“[...] A mina, as casas ao redor, a igreja, o bemestar dos mineiros, o pub, a escola, o médico e o campo – quando a mina fecha, tudo fecha com ela, exceto as pessoas que ainda permanecem e são abandonadas. Queríamos contar essa história, mas precisávamos de um catalisador que a revelasse. E Paul [Laverty, roteirista] ouviu a história da chegada dos refugiados sírios da guerra na Síria. Eles foram enviados para lá porque ninguém daria notícias deles. A imprensa de direita não ficaria reclamando deles o tempo todo; são pessoas fora do radar, ninguém passa por lá – não veem motivo para isso. Eles chegam traumatizados da guerra e não trazem nada além de uma mala e a roupa do corpo. E a população

local também é despossuída. Como essas duas comunidades conviverão?”

“Muitos moradores locais estão amargurados e irritados com o que aconteceu com seu vilarejo, que era uma comunidade próspera e forte. Agora ela está vazia. Paralelamente, tem-se a tradição antiga dos mineiros, baseada na solidariedade e no internacionalismo. Quando houve a grande greve [de 1984], eles foram para outros países e pessoas de outros países foram para os seus, e eles foram recebidos com muita hospitalidade. O que aconteceu com isso? Essa tradição ainda existe? Ou ela foi dominada pela amargura, pela raiva e pelo ressentimento? Qual dessas duas tendências vencerá? Os sírios não falam o idioma local e não possuem nada. Eles poderão viver juntos? Ou o ressentimento vencerá no final?”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/ultimopubkl]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca

Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M. Doimo | Brasil | 2023, 74’, DCP (Vitrine Filmes)

A pequena traça Teca vive com sua família e seu fiel ácaro de estimação Tuti numa caixa de costura. O que eles mais gostam é de comer papel, mas, quando Teca aprende a ler, percebe que os livros não podem ser comidos, afinal eles guardam as histórias que ela adora. Decididos a resolver um grande mistério, Teca e Tuti partem para a biblioteca, em busca da história mais importante de suas vidas.

Os diretores idealizaram Teca e Tuti quando eram estudantes do último ano do curso de imagem e som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mas a animação, feita em stop motion, demoraria 20 anos para ser produzida, dos quais 12 foram investidos na animação quadro a quadro.

“A gente tem que valorizar a cultura. A gente aproveitou essa personagem, que a gente pega exatamente o momento em que ela aprende a ler e traz para as crianças para tentar espelhar isso no comportamento delas”, declarou Tiago Mal ao G1. “É muito importante conseguir levar isso para as crianças, levar essa mensagem e mostrar para todo mundo um trabalho de tantos anos que a gente teve dentro de um estúdio”.

Desde 2023, o filme já foi exibido em países como Rússia, Estados Unidos, País de Gales, Índia, onde foi premiado como Melhor Filme de Animação no 17º Ayodhia Film Festival, e Cuba, onde levou o Prêmio Especial do Júri de Animação no 44º Festival del Nuevo Cine Latinoamericano.

[Depoimento extraído de: bit.ly/tecaetuti-ims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Sessão INDETERMINAÇÕES

Pretitudes em atrito

Distâncias e conflitos entre Pequena África (Zózimo Bulbul, 2002) e Uma nêga chamada Tereza (Fernando Coni Campos, 1973) nos mobilizam a desenhar o programa Pretitudes em atrito. No curta, o desejo pelo fio da continuidade olha para o passado no presente e tenta assegurar a memória de um povo desterritorializado. No longa, a descontinuidade, a desconexão e os impasses dos discursos políticos, econômicos e raciais de uma época colocam, através da música e do corte, a categoria e o adjetivo “negro” em repleta instabilidade. Em seus diferentes tempos, territórios e pontos de partida, Pretitudes em atrito estabelece o desencontro como chave principal para pensar as identidades negras, o cinema negro e a história do cinema brasileiro.

Ingressos

15 de agosto - exibição seguida de debate com Carla Italiano, Gabriel Araújo e Lorenna Rocha: entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala. 25 de agosto - reprise: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Pequena África

Zózimo Bulbul | Brasil | 2002, 14’, DCP (a partir de arquivo fornecido pelo CTAv)

Um resgate da história negra do Rio de Janeiro construído por meio da valorização de um lugar habitado pelas pessoas pretas da cidade. Pedra do Sal, Praça Mauá, Gamboa e Santo Cristo são exemplos da “pequena África” que habita a cidade negra do Rio de Janeiro. Um passeio pelos casarios, pelo Cemitério dos Pretos Novos, pelo Valongo e pela Casa da Engorda. Uma discussão sobre o nascimento do samba, a importância da Tia Ciata na Praça XI, a história do Morro da Providência e a lembrança de um bairro que se chamava Pequena África.

Uma nêga chamada Tereza

Fernando Coni Campos | Brasil | 1973, 80’, DCP (a partir de arquivo do acervo do artista)

Um casal africano (Dr. Silvanius e Makeba) vem conhecer o Brasil por ocasião do Festival Internacional da Canção, onde o cantor Jorge Ben é o favorito. Mas uma quadrilha comandada por Bárbarella urde um plano para ganhar o primeiro prêmio: raptar o cantor e substituí-lo por um sósia.

As câmeras de Bodanzky

Jorge Bodanzky em Super-8

Sessão com trilha ao vivo por Sarine e Yantra

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS, com programas mensais ao longo do ano, e a exposição Que país é este?

A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, em cartaz até 28 de julho.

Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema: uma transa amazônica (1974) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Ao longo dos próximos meses, o Cinema do IMS exibe uma seleção dessa obra junto a curtasmetragens comissionados especialmente para esta ocasião. São filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtasmetragens roteirizados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e digitalizações inéditas, coordenadas por Debora Butruce.

O lançamento do filme super-8 pela Kodak, em 1965, revolucionou o cinema amador. Com equipamento leve e prático, o novo formato democratizou a produção, permitindo o surgimento do cinema caseiro e possibilitando que uma nova gama de artistas expressasse suas visões.

Desde os primeiros anos de trabalho, seja nas pesquisas para filmes próprios, enquanto rodava reportagens para a televisão alemã ou em ambiente familiar, Jorge Bodanzky fez uso da fotografia e de técnicas de gravação domésticas (super-8 e vídeo caseiro) como uma espécie de caderno de anotações. Depositado no acervo do Instituto Moreira Salles, na Coleção Jorge Bodanzky, esse material foi apresentado ao público de diferentes formas nos últimos meses. Na exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 19641985, com curadoria de Thyago Nogueira, esses vídeo-cadernos são projetados nas paredes expositivas divididos em 4 eixos temáticos e estéticos.

Nesta sessão especial, estão reunidas as filmagens realizadas na Amazônia, no contexto da inauguração da rodovia Transamazônica, junto a jornadas por São Paulo, Brasília e Berlim. A trilha sonora será executada ao vivo pelos músicos Sarine e Yantra, que combinam a organicidade dos tambores, flautas e cordas com o futurismo dos sintetizadores, loops e drum machines.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Sobre os filmes:

Transamazônica e Belém-Brasília

Jorge Bodanzky | Brasil | 1973, 33’, trechos de filmes em Super-8 transferidos para vídeo digital

Estes filmes super-8 registram a viagem de Bodanzky, Wolf Gauer e Orlando Senna pelas rodovias Transamazônica e Belém-Brasília em busca de locações para o filme Iracema (1974). Com este material, convenceram a tevê alemã ZDF a financiar o longa-metragem, depois de aprovarem um roteiro simplificado. Todos os elementos do filme estão encapsulados nestas tomadas: a rotina de caminhoneiros e das prostitutas em beiras de estradas, os desmatamentos, os colonos, o movimento das balsas e dos mercados. O palco estava pronto para que os protagonistas brilhassem.

Cidades

Jorge Bodanzky | Brasil, Alemanha | déc. 1970, 32’, trechos de filmes em Super-8 transferidos para vídeo digital

Uma jornada visual por São Paulo, Brasília e Berlim, com suas ruas movimentadas, arranha-céus e habitantes. No viaduto do Chá, em São Paulo, Bodanzky acompanha um transeunte solitário, um grupo de mulheres negras conversando e o movimento frenético nas escadarias e avenidas congestionadas.

Os filmes também enquadram a paisagem urbana com lente grande-angular e a partir de um carro em movimento. Em São Paulo, o trajeto segue pelo sobe e desce do Minhocão. Em Brasília, Bodanzky registra o vaivém da rodoviária e ícones arquitetônicos, como a praça dos Três Poderes e a Torre de TV. Um tour pela Berlim nevada passa ao lado do Checkpoint Charlie, famoso posto militar que controlava a circulação entre as duas Alemanhas. Um cartaz diz: “Muro da vergonha”, referindo-se ao muro que dividiu o país entre 1961 e 1989.

Sobre os músicos:

Sarine

É multi-instrumentista com foco em percussão e bateria. Conhecido inicialmente pelo seu trabalho com a banda Deafkids, lançou recentemente seu primeiro disco solo, Raízes aéreas, inspirado por ragas indianos e mestres africanos como Mamman Sani e Abdou El-Omari.

Yantra

É o trabalho solo de Douglas Leal, multiinstrumentista e artista visual também integrante da banda Deafkids. Inspirado pelos aspectos metafísicos da música, sons da natureza, música modal e suas heranças populares, Douglas faz uso de diversos instrumentos acústicos, explorando uma linguagem sonora orgânica.

A propósito de Tristes trópicos

A propos de Tristes tropiques

Jean-Pierre Beaurenaut, Jorge Bodanzky, Patrick Menget | França | 1990, 46’, Arquivo digital (Acervo do artista)

O filme refaz a viagem que o antropólogo Claude Lévi-Strauss realizou no Mato Grosso nos anos 1935 e 1938 e que resultou no livro Tristes trópicos. Reúne imagens da expedição original, entrevistas com Lévi-Strauss em diferentes momentos e imagens das três expedições à região realizadas pela equipe.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplausos, Bodanzky narra o processo de realização: “Minha relação com o livro Tristes trópicos, de Claude Lévi-Strauss, levou cinco anos para se transformar em filme. Em 1985, enquanto montava Igreja dos oprimidos, em Paris, cometi a imprudência de fazer a proposta diretamente a Lévi-Strauss por telefone, e ainda por cima no

meu péssimo francês. Eu queria voltar às aldeias indígenas do Mato Grosso que ele visitou em 1935 e 1938 para verificar o seu estado atual, assim como a memória que ainda houvesse dos encontros, a partir das suas fotografias e dos filmes que sua mulher, Dina, rodou na ocasião. Lévi-Strauss não foi especialmente gentil, mas pediu que lhe mandasse uma proposta por escrito. Foi o que fiz. Poucos dias depois, recebi uma resposta amável, autorizando a referência ao seu livro e o uso dos filmes. Mais que isso, ele se dizia “vivamente interessado em rever, filmadas por você no seu estado atual, as regiões que percorri há meio século”.

“A produção de À propos de Tristes tropiques só se viabilizaria em 1989, através da empresa Les Films du Village. (...) O antropólogo Patrick Menget, da Universidade de Nanterre, um velho amigo e ex-doutorando de Lévi-Strauss, entrou como uma espécie de roteirista, embora nosso roteiro de verdade fosse o texto de Tristes trópicos.”

“Com o livro e as fotos na mão, fizemos uma primeira viagem em 1989 para localizar as aldeias e eventuais resquícios de memória. O cinegrafista francês Alain Salomon filmou em 16 mm, eu gravei com a V-8 e David Pennington fez o som. Levamos os filmes da Dina Lévi-Strauss telecinados para mostrar aos índios. Lévi-Strauss era reticente ao se referir a esse material, ressaltando seu caráter de registro amador e falta de intenção científica. Para ele, o próprio Tristes trópicos seria um interlúdio de férias dentro do seu trabalho científico.”

“A exibição dos vídeos e do equipamento era

sempre uma festa. As cenas de reconhecimento se repetiram diante das nossas câmeras. Filmamos um longo e fascinante ritual funerário bororo; pedimos aos Kadiwéus – como tinha feito Lévi-Strauss – que pintassem no papel as insígnias de clã que antigamente pintavam no rosto. (...) A locomoção entre as aldeias era às vezes muito difícil. Enfiávamos nossa Rural Willis em riachos e atoleiros, verificando que as dificuldades de acesso a certas tribos ainda eram as mesmas que Lévi-Strauss descreveu nos anos 1930. O carro servia também para iluminar as filmagens no interior das malocas, a exemplo do que eu havia feito com o caminhão em Iracema.”

“Ao fim das filmagens, fiz uma seleção do material bruto e mostrei a Lévi-Strauss no Laboratório de Antropologia Social do Collège de France, em Paris. Alguns dias depois, fizemos uma entrevista com ele, conduzida pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha. Havia uma reverência muito grande ao mestre por parte dos franceses. Para mim, Lévi-Strauss era uma pessoa simpaticíssima, de trato fácil e muito organizada, que ficava inteiramente ao nosso dispor pelo tempo pré-determinado. Seu interesse pelo Brasil transparecia a cada palavra.”

“Fui muito cerceado no processo de edição, feito na França. O produtor não me permitiu usar uma trilha musical do africano Manu Dibango a partir dos sons indígenas que tínhamos gravado. Ele queria o filme mais seco, estritamente antropológico, enquanto eu pretendia enfatizar o teor de aventura. Tampouco contei com a

prometida colaboração de Patrick Menget no roteiro de edição. Por fim, o trabalho se estendeu além do tempo que eu poderia permanecer em Paris e foi finalizado, à minha revelia, por JeanPierre Beaurenaut, redator da produtora, que assina o filme junto comigo e Menget.”

"A propos de Tristes Tropiques cumpriu bem o seu papel no meio etnográfico. Frisou a importância do Brasil na carreira de LéviStrauss e chamou atenção para a importância do material filmado por Dina. Mas o seu tom austero impediu o salto para uma categoria mais ampla de documentário. Uma pena, pois Lévi-Strauss, que, além de antropólogo, é escritor, merecia um tratamento mais emotivo.”

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Pandemonium

Jorge Bodanzky | Brasil | 2010, 52’, Arquivo digital (Acervo do artista)

Neste ensaio fílmico de média-metragem, Jorge Bodanzky investiga o impacto das mudanças climáticas e os novos desafios na área energética. Dois grandes especialistas brasileiros, o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite e o meteorologista Carlos Nobre, apresentam três diagnósticos e propostas que lançam luz sobre questões cruciais para o desenvolvimento humano no século XXI.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Caminhos de Valderez

Jorge Bodanzky e Hermano Penna | Brasil | 1971, 23’, DCP (Arquivo inédito produzido a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira)

Desde o início de sua fundação, Brasília mostrou-se em sua dupla face: de um lado, a cidade arrojada e utópica e, de outro, um espaço em que sua diversificada população podia explorar o misticismo e a espiritualidade. O filme tenta analisar as razões disso, retratando a jovem Valderez, que, paralelamente a uma vida civil comum, desenvolvia atividades no campo espiritual. A ditadura imperava, e eram vários os mecanismos para driblar sua presença maciça. O filme pode ser visto como um ensaio para o Iracema, com sua linguagem inovadora e a fusão de documentário e ficção.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, a partir de pesquisa e uma série de conversas e entrevistas com Bodanzky, Carlos Alberto Mattos conta a vida do cineasta em primeira pessoa. Sobre Valderez, realizado quando o cineasta já colaborava com a televisão alemã, o

livro relata: “A saudade de Brasília fez com que eu a escolhesse para cenário do meu primeiro ensaio de direção cinematográfica. O tema de Caminhos de Valderez nasceu de minhas observações, à época da UnB, sobre a tendência de fuga para o misticismo entre a população brasiliense. Já naquela época, Brasília e seus arredores eram um grande celeiro místico e esotérico, apinhado de cartomantes, fanáticos, terreiros de umbanda, o Vale do Amanhecer, a Cidade Eclética etc. Todos os meus amigos, e até a minha prima Sylvia Orthof, tinham alguma ligação com aquele mundo.”

“Hermano Penna e eu, que juntos roteirizamos e dirigimos o filme em 1971, queríamos retratar essa dualidade de Brasília não com um documentário puro e simples, mas através de uma personagem ficcional que a representasse. Alguém que tivesse uma existência civil comum e uma atividade paralela no campo do misticismo. Sylvia indicou uma aluna de seu grupo de teatro, Valderez Reis, moça bonita e interessante, que tinha laços com a umbanda. Criamos com ela uma personagemhomônima, dona de casa, esposa de funcionário público e mãe de dois filhos, que tinha um lado identificado com o fantástico. Em parte, o filme documenta elementos do cotidiano real de Valderez, inclusive o terreiro que ela frequentava, com boa dose de improviso no processo. Mas também ficcionalizamos a narrativa, inserindo a personagem em outros contextos místicos e criando sua vida de mãe de família. [...] Havia também um fundo político. Valderez via-se perseguida por um grupo de policiais e mal conseguia escapar. Parecia atingida por um trauma político que poderia ser real ou fruto de sua imaginação. A ideia era retratar o clima

de opressão e mostrar como as pessoas se alienavam por meio da religião.”

“A essa altura, eu já estava certo de preferir o cinema à fotografia. A cumplicidade e a criação em equipe me agradavam bem mais que o trabalho solitário do fotógrafo. [...] Daí veio o desejo de dirigir meus próprios filmes, em vez de apenas fotografar os dos outros. A ideia de buscar uma interação entre documentário e criação ficcional me apaixonava desde que tomei contato pela primeira vez com os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes. Admirava o humor de Rouch e a naturalidade com que ele conduzia não atores em seus filmes africanos. No Cassavetes de Husbands [Os maridos], 1970, por exemplo, impressionavam-me o despojamento com que ele filmava os atores profissionais, a maneira como eles improvisavam e a câmera, que os flagrava de maneira quase documental. Outro filme que me marcou nessa época foi The Harder They Come (Balada sangrenta), 1972, de Perry Henzell, que lançou a música reggae no mundo e reencenou experiências da vida de Jimmy Cliff. Eram todos filmes de câmera leve, com ênfase nos planossequência e acentos documentais.”

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Jari

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil | 1979, 58’, DCP (Arquivo inédito produzido a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira)

O documentário acompanha os parlamentares designados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a devastação da Amazônia, na região do polêmico Projeto Jari, de Daniel Ludwig, milionário americano que investia na região. O filme debate o processo de industrialização da Amazônia, mostrando os aspectos contraditórios daquilo que pretendia ser o maior empreendimento privado da região.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de relatos do cineasta, é descrita a origem e a repercussão do filme: “Todo um novo capítulo do meu trabalho na Amazônia começou no dia em que conheci o senador Evandro Carreira, do MDB. Ele me procurou solicitando algumas imagens de Iracema para apresentar numa entrevista à TV Bandeirantes. Embora achasse o pedido um tanto insólito, cedi, porque vi nele uma figura

interessante. Seu discurso sobre a Amazônia tinha uma qualidade utópica, mas era coerente, corajoso e bastante diferenciado do que se propunha para a região naquele momento. [...] O Senador “Pororoca” – como o chamavam devido à prolixidade – era contraditório, espalhafatoso, fazia uma política antiquada, mas conhecia profundamente seu território e demonstrava preocupações legítimas. Tanto que estava prestes a visitar o Projeto Jari, como integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da devastação da Amazônia.”

“Eu e Wolf logo acertamos com ele a realização de um filme sobre essa viagem. Conhecer in loco o controvertido Projeto Jari era sonho de quase todo jornalista brasileiro na época. Tudo era muito controlado, o acesso era complicado. Um gigantesco complexo de extração de madeira e fabricação de celulose estava implantado às margens do rio Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá. [...] Ao fim da visita oficial, decidimos ficar por nossa conta e risco, apesar da insistência dos administradores da usina para que partíssemos junto com os políticos. Percebemos certo mal-estar. Disseram que não se responsabilizariam por nós a partir dali. Mesmo assim, resolvemos arriscar.”

“Um dos engenheiros, corajosamente, nos ofereceu hospedagem e nos levou no seu carro para documentarmos o outro lado do Jari. [...] Bastava afastar-se 300 metros daquela fábrica com tecnologia de ponta para se dar de cara com o Brasil real: uma imensa favela de palafitas, coalhada de gente miserável e de prostitutas, onde a lei parecia não chegar. Desvinculados dos políticos e da diretoria do projeto, não

tivemos dificuldade em colher bons depoimentos sobre a situação dos operários, em grande parte imigrantes nordestinos, suas queixas das condições de trabalho e de alimentação, o xadrez privado para aqueles que reclamavam, malária, assassinatos, exploração pelo comércio do Beiradão. Nas entrevistas, eu e Wolf captamos também o medo de falar, as especulações sobre um patrão cujo rosto quase ninguém via.”

“Já na montagem, antecipamos a destinação que o filme deveria ter: a de ser um instrumento de debate sobre a industrialização da Amazônia. Confrontamos depoimentos contraditórios, expusemos a falácia de quem defendia a exploração irresponsável da floresta e da mão de obra. [...] Já a partir de maio de 1980, tínhamos entre 15 e 20 cópias circulando constantemente através da distribuidora Dinafilme. Jari foi um dos poucos filmes concebidos e realizados especificamente para o circuito alternativo. A televisão da época não absorveria um filme com tal conteúdo crítico. Nos cinemas, não havia espaço para um média-metragem documental em 16 mm. O filme foi exibido no Senado e na Escola Superior de Guerra. [...] Evandro Carreira e Modesto da Silveira usaram Jari em suas campanhas com nosso pleno consentimento.”

“O filme se propunha a ser uma arma política e, portanto, quanto mais fosse exibido e usado, melhor. As projeções se sucediam em cineclubes, universidades, sindicatos, associações de classe e assembleias legislativas de vários estados, além dos comitês do Movimento de Defesa da Amazônia. Era muito estimulante ver como o trabalho chegava ao público e gerava debates amplos, muito além do conteúdo do filme. Cerca de 200 mil pessoas viram Jari naquele momento, quando a televisão, de maneira geral, ignorava solenemente a realidade brasileira.”

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Acervo Jorge Bodanzky

Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foi transformado em um conjunto de curtas-metragens inéditos roteirizados por Ewerton Belico e editado por Luiz e Ricardo Pretti. Ao longo da mostra, esses filmes serão apresentados junto aos demais trabalhos dirigidos e fotografados por Bodanzky.

Uma iniciativa do Instituto Moreira Salles com produção de Vasto Mundo & Errante.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Meu barco é veleiro

Ewerton Belico e Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS)

Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.

O Muiraquitã

Ewerton Belico e Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS)

Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas.

Tenta louvar o mundo mutilado

Ewerton Belico e Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS)

A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latinoamericanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.

Limites do diáfano

Ewerton Belico e Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 9’, DCP (Acervo IMS)

Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala. Triálogos com Guattari

Félix Guattari foi um dos pensadores mais inquietos e engajados da geração dos anos 1970 na França, fortemente identificado com o movimento de Maio de 1968 e seus efeitos subjetivos e micropolíticos. Em paralelo à sua militância política e sua atividade filosófica junto a Gilles Deleuze, com quem escreveu vários livros, notabilizou-se pela sua intervenção no campo “psi”. Analisando de Lacan por anos, rompeu com ele através da exploração de outras dimensões do inconsciente, de uma prática de psicoterapia institucional a partir da clínica de La Borde, bem como da elaboração da esquizoanálise, em confronto com certa ortodoxia psicanalítica. Parte dessa trajetória aparece no filme intitulado As pulsões, no qual discorre livremente sobre algumas dessas temáticas pouco antes de sua morte, entrevistado por um filósofo e uma psicanalista brasileiros, estudiosos de sua obra. Juntamente com este filme, será exibido um curta-metragem feito por sua esposa Joséphine Guattari e por François Pain, belíssimo registro de uma dança de butô apresentada por Min Tanaka na clínica de La Borde.

Na esteira desses filmes, a psicanalista e pensadora Suely Rolnik explorará o legado clínico e político de Guattari à luz de nosso presente, inspirada também por um livro recentemente publicado na França, intitulado Trialogues: exercices de schizoanalyse (Triálogos: exercícios de esquizoanálise). Trata-se da transcrição de conversas clínicas entre Guattari, Danielle Sivadon e Jean-Claude Polack, encontradas numa antiga fita cassete, a serem publicadas em português pela n-1 edições.

Esta sessão é uma realização da n-1 edições.

Min Tanaka em La Borde

Min Tanaka à La Borde

Josephine Guattari e François Pain | França | 1986, 13’, Arquivo digital (Acervo do artista)

O famoso dançarino japonês Min Tanaka apresenta uma performance de dança butô nos jardins da Clínica de La Borde, na França, e ouve os comentários tocantes dos pacientes e moradores.

As pulsões

Rogério da Costa e Jô Gondar | Brasil | 1992, 33’, Arquivo digital (Núcleo de Estudos da Subjetividade - PUC SP)

O célebre pensador e psicanalista Félix Guattari, criador da esquizoanálise, responde em arquivo único às perguntas do filósofo Rogério da Costa e da psicanalista Jô Gondar a respeito das pulsões, na última entrevista concedida por ele em seu apartamento em Paris, pouco antes de sua morte. Filme encomendado pelo Núcleo de Estudos da Subjetividade do Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Clínica da PUC-SP.

Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho | Brasil | 1962-1984 | 119min

Em matéria de 1985 para o Jornal do Brasil,

Roberto Mello escreveu: “As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth e, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Ele exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.”

Extras:

- A família de Elizabeth Teixeira [65 min. aprox.] e Sobreviventes de Galileia [27 min. aprox.], de Eduardo Coutinho

- Faixa comentada com Carlos Alberto Mattos, Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho

- Livreto com textos de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, Sylvie Pierre, José Carlos Avellar e outros.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes

Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos

Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série

Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci

Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi

Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov

Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo

Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes

Shoah, de Claude Lanzmann

Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Serviço de legendagem

eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral e Juliana Travassos

Os filmes de agosto

O programa do mês tem o apoio do CTAv, do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade do Programa de Pós-Graduação

em Psicologia Clínica da PUC-SP, da n-1 edições, da plataforma INDETERMINAÇÕES, da produtora Rosza Filmes, das distribuidoras Elo Studios, Embaúba Filmes, Pandora Filmes, Retrato Filmes, Synapse, Vitrine Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Gabriel Araújo, GG Albuquerque, Izabel de Fátima Cruz Melo, Lorenna Rocha, Luís Abramo, Peter Pelbart, Suely Rolnik.

Sessão Indeterminações

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e produção: Gabriel Araújo e Lorenna Rocha

As câmeras de Bodanzky

Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS

Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites

Deutsches Fernsehen (ZDF)

Coordenação de digitalização: Débora Butruce

Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes

Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia Matsuura

Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz

Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Denise Miller, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani Heffner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb, Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Nuno Godolphim, Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti.

Agradecimentos Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Maria Clara Villas, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.

Sessão com trilha ao vivo: Cadernos de notas: Jorge Bodanzky em Super-8

Direção: Jorge Bodanzky

Edição: Thyago Nogueira

Montagem: Bruna Callegari, com assistência de Lorena Pazzanese

Sinopses dos 2 filmes exibidos: Horrana de Kássia Santoz e Thyago Nogueira

Curadoria musical: Juliano Gentile

Músicos: Sarine (Mariano Melo): bateria, congas, baixo elétrico, drum machine, sintetizadores, efeitos e percussões. Yantra (Douglas Leal): guitarra, synth, congas, djembe, efeitos, flautas e outros sopros.

Som: Lilla Stipp

Luz: Grissel Piguillem Manganelli

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

O auge do humano 3 (El auge del Humano 3), de Eduardo Williams (Argentina, Portugal, Holanda, Taiwan, Brasil, Hong Kong, Sri Lanka, Peru | 2023, 121’, DCP)

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h. Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br ims.com.br

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@imoreirasalles

@imoreirasalles /imoreirasalles

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O último pub (The Old Oak), de Ken Loach (Reino Unido, França, Bélgica | 2023, 113’, DCP)

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