Dia D 2016: "A máquina do mundo", por José Miguel Wisnik

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aula

a mĂĄquina do mundo, por JosĂŠ Miguel Wisnik

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José Miguel Wisnik deu conta de um enxame: as tantas e tantas vezes que a palavra “mundo” aparece na obra poética de Carlos Drummond de Andrade. Vasto mundo. Sentimento. Máquina. Nascido no beco sem saída de montanhas de ferro em Itabira. Espraiado em Copacabana, na ilha de Manhattan. Nas recônditas profundezas do espírito. Poesia sem nenhuma concessão, concisa, penetrante, e que assim mesmo ficou popular com seus perenes achados. Há seis anos este mundo consubstancia-se em um dia. O Dia d, Dia de Drummond, iniciativa do Instituto Moreira Salles, onde dorme acalentado precioso acervo do poeta e onde vinga no jardim uma muda de árvore plantada por seu neto e seu bisneto.

flávio pinheiro superintendente executivo/ ims




Diz um poema de Waly Salomão que a obra de Carlos Drummond de Andrade é “pico de Itabira/ que a máquina mineradora não corrói”. A referência vem bem a propósito: além de ser percorrida de ponta a ponta por um fio íntimo que a liga à história da mineração, a trajetória de Drummond, desde A rosa do povo, correu em paralelo e em surdina com a exploração destruidora do pico do Cauê, ponto destacado da paisagem natal drummondiana, “primeira visão do mundo” inscrita em “perfil grave” na sua memória afetiva. Entre a primeira compra da mina pelos ingleses (já assinalada em Alguma poesia, 1930) e “A montanha pulverizada” (Menino antigo, Boitempo ii, 1973) está “A máquina do mundo”, pedra totalizante no meio do caminho, núcleo secreto dessa história.

josé miguel wisnik


a máquina do mundo E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera

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e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas, assim me disse, embora voz alguma ou sopro ou eco ou simples percussão atestasse que alguém, sobre a montanha, a outro alguém, noturno e miserável, em colóquio se estava dirigindo: “O que procuraste em ti ou fora de teu ser restrito e nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou se rendendo, e a cada instante mais se retraindo, olha, repara, ausculta: essa riqueza sobrante a toda pérola, essa ciência sublime e formidável, mas hermética, essa total explicação da vida, esse nexo primeiro e singular, que nem concebes mais, pois tão esquivo se revelou ante a pesquisa ardente em que te consumiste... vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.” As mais soberbas pontes e edifícios, o que nas oficinas se elabora, o que pensado foi e logo atinge

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distância superior ao pensamento, os recursos da terra dominados, e as paixões e os impulsos e os tormentos e tudo que define o ser terrestre ou se prolonga até nos animais e chega às plantas para se embeber no sono rancoroso dos minérios, dá volta ao mundo e torna a se engolfar, na estranha ordem geométrica de tudo, e o absurdo original e seus enigmas, suas verdades altas mais que todos monumentos erguidos à verdade; e a memória dos deuses, e o solene sentimento de morte, que floresce no caule da existência mais gloriosa, tudo se apresentou nesse relance e me chamou para seu reino augusto, afinal submetido à vista humana. Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, a esperança mais mínima — esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra; como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face

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que vou pelos caminhos demonstrando, e como se outro ser, não mais aquele habitante de mim há tantos anos, passasse a comandar minha vontade que, já de si volúvel, se cerrava semelhante a essas flores reticentes em si mesmas abertas e fechadas; como se um dom tardio já não fora apetecível, antes despiciendo, baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida, se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas.

claro enigma, #°\#

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ims-c 80 ANOS DE

ALGUMA POESIA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

LANÇAMENTO DE ALGUMA POESIA – O LIVRO EM SEU TEMPO

ORGANIZAÇÃO DE EUCANAÃ FERRAZ (INCLUI FAC-SÍMILE DA EDIÇÃO ORIGINAL DE 1930) COM LEITURA INTEGRAL DOS POEMAS POR

ANTONIO CICERO ARNALDO ANTUNES DAVI ARRIGUCCI JR. MARIA ESTHER MACIEL

DOMINGO, 30 MAIO, 18H INSTITUTO MOREIRA SALLES, RJ

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<"#" outubro

novembro

Lançamento da edição fac-similar de Alguma poesia — O livro em seu tempo (ims/ org. Eucanaã Ferraz)

Lançamento da edição ampliada de Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema (ims/ org. Eucanaã Ferraz)

Leitura de poemas com Antonio Cicero, Arnaldo Antunes, Davi Arrigucci Jr. e Maria Esther Maciel

Vídeo No meio do caminho (ims) — leitura do poema em 11 idiomas diferentes Leitura de aforismos de O avesso das coisas, com Paulo José e Maria Luisa Mendonça

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<"## junho

outubro

Lançamento de Versos de circunstância

Filme Consideração do poema (ims/ org. Eucanaã Ferraz, Flávio Moura e Gustavo Rosa de Moura) — leitura de poemas com importantes nomes da cultura brasileira Sessões de cinema: O padre e a moça, de Joaquim Pedro de Andrade; O fazendeiro do ar, de David Neves e Fernando Sabino; O amor natural, de Heddy Honigmann Mesa-redonda mediada por Ricardo Oiticica, com Sérgio Mota, Roberto Corrêa dos Santos e Ramon Mello

diasD Leitura de poemas com Paulo José e Giulia Gam. Cenografia de Daniela Thomas

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Mostra de cinema Drummond homenageia Greta Garbo: Grande hotel, de Edmund Goulding; A dama das camélias, de George Cukor; Ninotchka, de Ernst Lubitsch Mesa-redonda com Eucanaã Ferraz, Ferreira Gullar e Ivan Marques e lançamento do no 27 dos Cadernos de Literatura Brasileira, dedicado a Carlos Drummond de Andrade

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D R UM M OND HOM ENAG E I A G R E TA G AR B O

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Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade: uma leitura — poemas, fragmentos de cartas, crônicas, diário e crítica, roteiro de Eucanaã Ferraz, com Joca Reiners Terron, Antonio Cicero, Alberto Martins e Afonso Henriques Neto; cenografia de Raul Mourão

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Lançamento do dd Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade: uma leitura (ims/ roteiro e direção de Eucanaã Ferraz; fotografia de Walter Carvalho), com Joca Reiners Terron, Antonio Cicero, Alberto Martins e Afonso Henriques Neto

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Recital Rosas de A rosa do povo, com Nelson Xavier e Aderbal Freire-Filho

Lançamento de Drummond: jogo e confissão, livro de ensaios de Marlene de Castro Correia


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agradecimentos Cristina Zappa Editora Companhia das Letras José Miguel Wisnik Lucia Riff Luis Mauricio Graña Drummond Pedro Graña Drummond livreto realização Instituto Moreira Salles concepção Eucanaã Ferraz pesquisa Elizama Almeida produção executiva Beth Pessoa projeto gráfico Claudia Warrak jornalista responsável Marília Scalzo / mtb 15444 fotos da mineração em Itabira e planta de situação Arquivo Público Mineiro, mg demais imagens Acervo ims

ims rua marquês de são vicente, @_^ gávea, rio de janeiro — rj (<#) ><~@ _@"" ims.com.br

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