Revista serrote 26½

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#26 ½  EDIÇÃO ESPECIAL PARA A FLIP 2017



Diário íntimo Lima Barreto apresentação e seleção Beatriz Resende


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Diamantes descartados Beatriz Resende

O diário começa otimista, com registros de Foi do historiador Francisco de Assis Barbosa, biógrafo de Lima Barreto e organizador da sonhos, possibilidades, planos que não serão primeira edição sistemática de seus escritos, cumpridos, ambições frustradas: “Um amor. a iniciativa de reunir sob os títulos Diário Um bom livro. E uma viagem pela Europa e íntimo e Diário do hospício as notas em que pela Ásia.” Nas cadernetas esboçava trechos o romancista registrou, em cadernetas ou de futuros romances ou crônicas que serão nas costas do papel timbrado do Hospital escritas sobre o Rio de Janeiro que atravesNacional dos Alienados, relatos de sua curta sava, cruzando o centro da cidade, indo até vida. O Diário do hospício, escrita biográfica o Leme, passando pelo campo de Sant’Anna: muito especial e rara, por trazer o relato da “Fui à rua do Ouvidor; como estava bonita, internação manicomial de um escritor que semiagitada! Era como um bulevar de Paris não era louco, mas delirante por alcoolismo, visto numa fotografia.” tem sido reeditado e estudado, com a atenAinda que pouco convencional, trata-se ção que merece. Já o Diário íntimo, apesar de de um registro de escritor, aproximando-se na fonte decisiva para estudos sobre o autor e essência dos mantidos por seus pares, que elaboração de suas biografias, foi pouco edi- anotaram em cadernos pessoais o processo de tado depois de 1956, quando publicado nos criação. Em um momento de seu longo diário, 17 volumes das Obras de Lima Barreto – que Virginia Woolf relê o que escrevera ali mesmo tiveram ainda como organizadores Antônio no ano anterior e faz uma observação imporHouaiss e M. Cavalcanti Proença. tante sobre a relação entre escrita íntima e Não se trata exatamente de um diário, orga- obra publicada: “Se eu parasse para refletir, nizado e alentado, a exemplo dos deixados por nunca haveria de o escrever; e a vantagem escritores como Franz Kafka, Cesare Pavese deste método é que vai amontoando ao acaso ou Sylvia Plath. São anotações esparsas de um várias coisas dispersas que eu teria excluído se cotidiano quase sempre difícil, datadas, porém, hesitasse, mas que são diamantes da lixeira”.1 sem a regularidade sugerida pelo formato, Alguns desses diamantes do escritor mais frequentes no início de cada ano, escas- carioca que escaparam da lata de lixo têm já o seando com o passar dos meses e das inten- formato do que hoje é estudado pela chamada ções disciplinadoras do calendário. A essas se “crítica biográfica”. Ou se assemelham ao juntam esboços de textos, anotações contábeis que Serge Doubrovsky denominou, usando de seus parcos recursos, trechos de obras que categoria polêmica, mas de certa sagacidade, serão ou não desenvolvidas posteriormente, como autoficção. São registros de enconobservações sobre a recepção insatisfatória de tros com impossíveis amores ou simples testeseus livros, registros da vida na casa da família. munhos de vivências emocionadas, de dicção


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lírica, que não cabiam em sua ficção crítica, espécie de diário passado a limpo e submepróxima à realidade. É exemplo o registro de tido a censuras: “Se estas notas forem algum 10 de fevereiro de 1908, quando Lima passa dia lidas, o que eu não espero, há de ser difía tarde com a portuguesinha que é amante cil explicar esse sentimento doloroso que de um amigo, naquele momento ausente. Ao eu tenho da minha casa, do desacordo procomentar esse fragmento no ensaio pioneiro fundo entre mim e ela: é de tal forma nuan“Os olhos, a barca e o espelho”, de 1987, Anto- çoso a razão de ser disso que para ser bem nio Candido observa que, nele, o documento compreen­dido exigiria uma autobiografia que nunca farei”. O diário foge à publicidade, biográfico desliza para a criação literária.2 Meu argumento é que o diário, por si só, existe e deve conservar-se no âmbito do pripode ser considerado uma forma da criação vado. É relato privado mesmo quando de coiliterária tal como a entendemos hoje, livre sas públicas, como disputas intelectuais ou das amarras de gêneros e independente de conflitos da vida literária. O temor ao publiinstâncias legitimadoras canônicas. Esses cismo assume a forma de desejo de discrição: escritos da intimidade se apresentam, e assim “Aqui bem claro declaro que, se a morte me têm sido bastante usados, como momentos surpreender, não permitindo que as inutilize, de autobiografia. De fato, o diário pode servir peço a quem se servir delas que se sirva com aos biógrafos como fonte, mas está longe de o máximo de discrição, porque mesmo no se constituir em autobiografia, livre que é, em túmulo eu poderia ter vergonha”. geral, dos pecados da vaidade que acabam por É evidente que Lima nunca cometeu o gesto de Medeia de destruir suas crias, gesto dar o tom de tais escritos hagiográficos. A própria Virginia Woolf menciona diver- que se mostrou também impossível a Kafka, sas vezes nos diários a vontade de um dia quando expressou o desejo de ter seus escriescrever sua autobiografia, algo diferente do tos destruídos, mas os confiou a um amigo registro que vinha fazendo. A autobiogra- como Max Brod – sábio e, por isso, traidor. fia seria deliberadamente voltada para um Bem ao contrário, todos os escritos de Lima público leitor ao invés de ser um registro pri- Barreto foram por ele guardados em pastas vado, em seu caso restrito ao círculo domés- ou amarrados: rascunhos de cartas, a tentatico que eventualmente tinha acesso aos escri- tiva interrompida de transpor para romance tos. Em determinado trecho, chega a datar o a experiência relatada no Diário do hospício, projeto do livro autobiográfico: aos 60 anos, uma listagem dos livros de sua sofisticada biblioteca, recortes de revistas recebidas do iria escrevê-lo. Aos 59, interrompeu sua vida. Lima Barreto também torna evidente essa exterior, crônicas já publicadas em jornais. diferença, que faria da autobiografia uma Ajudado pela irmã do escritor, Francisco de


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Assis Barbosa recolheu do guarda-comidas aos urubus. Nem esperanças aos urubus.”3 da casa de Todos os Santos, subúrbio do Rio Ana Cristina Cesar, que por toda a sua obra de Janeiro, manuscritos em letra quase inde- poética joga com a ideia e a forma do diário, cifrável, mas de cuja importância o próprio anota no dia 16 de outubro de 1983, sintetiautor tinha absoluta certeza. zando muito do que provocante e doloroso Das várias possibilidades que a escrita existe num diário: “Diário não tem graça, mas íntima num diário oferece ao leitor voyeur, esquente, pega-se de novo a caneta abandoinvasor autorizado, espião oportunista, a nada, e o interlocutor é fundamental. Escrevo mais forte é a de ser uma forma de confissão, para você sim. Da cama do hospital. A lesma confissão sem público, sem confessor e sem quando passa deixa um rastro prateado. perdão possível. É o momento em que a mais Leiam se forem capazes.”4 Só ao diário Lima dura escrita de si se supõe impublicável: “No Barreto confessa, em 13 de julho: “Noto que dia 30 de agosto de 1917, eu ia para a cidade, estou mudando de gênio. Hoje tive um pavor quando me senti mal. Tinha levado todo o burro. Estarei indo para a loucura?” mês a beber, sobretudo parati. Bebedeira sobre Barthes hesita em publicar seus diários bebedeira, declarada ou não. Comendo pouco e registros de amores por outros homens e dormindo sabe Deus como. Andei porco, na França homofóbica no século 20. Toma a imundo.” Na leitura dos mais emocionantes “deliberação” de não os publicar. Mais uma vez diários que nos foram revelados, podemos amigos infiéis franqueiam aos leitores os texconstatar, frequentemente, que a experiência tos do belo volume Incidentes. dessa escrita de si se dá em situações de recluÉ nas cadernetas que Lima Barreto consão, e é movida por um sentimento de exclusão. fessa o interesse por mulheres que acreditava O texto autodestinado surge, então, como não poder conquistar por ser negro ou que uma espécie de mediador entre o espaço do dele merecem unicamente momentos de praconfinamento e o espaço público impossível, zer sexual: “Como a prostituição me parece proibido, negado ou mesmo indesejado. sagrada; se não fora ela, esta minha mocidade, A ameaça do enlouquecimento é exclu- órfã de amor, de carinho de mulher, não teria dente para Sylvia Plath e Virginia Woolf. O recebido esse raio louro de um sorriso e de poeta Torquato Neto, que durante interna- um olhar, para me recordar esse misterioso ção em sanatório do Piauí manteve um diá- amor que se sofre, quando se o tem, e se rio, fala da mesma necessidade de garantir padece, quando se não o tem”. a “sanidade” pela escrita em um de seus texMas a maior e mais dolorosa exclusão será, tos mais conhecidos: “É preciso fechar para por toda a vida, a causada pela discriminação balanço e reabrir. É preciso não dar de comer racial vivida numa sociedade racista e elitista


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que não está disposta, absolutamente, a abrir publicamente, no mesmo diapasão usado no espaço ao escritor negro do subúrbio carioca. diário: “Eu quero ser escritor, porque quero Talvez não estejam longe disso as razões de o e estou disposto a tomar na vida o lugar que Diário íntimo não ter sido republicado. Diários colimei. Queimei os meus navios; deixei tudo frequentemente incomodam. O de Kafka por essa coisa de letras.”5 incomodou a ele próprio, que incendiou a O Diário íntimo nos confirma, mais uma parte final. O poeta Ted Hugues, marido de vez, que dentre todos os personagens inesSylvia Plath, destruiu dois cadernos de capa quecíveis de Lima Barreto, entre Policarpo dura que documentavam os últimos dias da Quaresma e Olga, Isaías Caminha ou Clara dos escritora, até o seu suicídio. Afirma-se, assim, Anjos, o mais rico, contraditório e provocante o diário como texto que evoca uma leitura é mesmo Afonso Henriques de Lima Barreto. toda especial – leitura impura –, pois não temos que ler tudo, mas queremos, e o narrador também não tem que contar tudo. Em relação ao conjunto da obra de um autor, o 1. Virginia Woolf, Diário, v. 1. Lisboa: Bertrand, 1987, p. 137. Antonio Candido, “Os olhos, a barca e o espelho”, in: A educação aspecto fragmentário do diário importa, um 2. pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. breve registro ou a nota que guarda uma reve- 3. Torquato Neto, Os últimos dias de Paupéria. São Paulo: Max 1982. (Sem número de página – registro de 28/10.) lação podem ser decisivos para a compreen- 4.Limonard, Ana Cristina Cesar, Inéditos e dispersos. São Paulo: Brasiliense, são da obra, não só por conter uma decifração, 1985, p. 198. 5. Beatriz Resende e Rachel Valença (orgs.), Lima Barreto. Toda também por propor uma elaboração teórica crônica. Rio de Janeiro: Agir, 2014, p. 90. determinada, a da crítica biográfica. O que aqui se apresenta são alguns dos diamantes escolhidos da escrita dolorosa de nosso autor em anotações que se iniciam em 1900 e vão até um ano antes de sua morte, em 1 de novembro de 1922. Ao final da vida, ele inter- Beatriz Resende (1948) é crítica literária, professora e pesquisadora, com olhar atento à produção literária conrompe o diário. Trabalha muito, escreve inin- temporânea. É também da geração pioneira que estudou terruptamente para jornais da Capital Federal. Lima Barreto na universidade. Doutora em literatura Faz, então, da escrita pública, quase cotidiana, comparada, é professora titular da Faculdade de Letras na UFRJ. Publicou, entre os mais recentes, Lima Barreto uma espécie de diário, relatando várias vezes e o Rio de Janeiro em fragmentos (Autêntica, 2016), Lima experiências pessoais, construindo momentos Barreto – Cronista do Rio (Autêntica, 2017), Impressões de de escrita que bem poderiam fazer parte de leitura e outros textos críticos (Companhia das Letras, 2017) e Sobre Lima Barreto (e-galáxia, 2017). Organizou as atuais experiências de escrita íntima. Afinal fora em reedições de Numa e a Ninfa e Bruzundangas, ambos de uma crônica, “Esta minha letra”, que dissera, Lima Barreto (Carambaia, 2017).


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1903 Um Diário Extravagante Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto. Tenho 22. Sou filho legítimo de João Henriques de Lima Barreto. Fui aluno da Escola Politécnica. No futuro, escreverei a História da escravidão negra no Brasil e sua influência na nossa nacionalidade.

Nasci em segunda-feira, 13-5-81.

O meu decálogo: 1 – Não ser mais aluno da Escola Politécnica. 2 – Não beber excesso de coisa alguma. 3 – E…

Dia 12 de junho de 1903. Acordei-me da enxerga em que durmo e difícil foi recordar-me que há três dias não comia carne. Li jornais e lá fui para a sala dar as aulas, cujo pagamento tem sido para mim sempre uma hipótese. Tomei café. Escrevi o memorial para o Serrado. Não o achou bom e eu sou da opinião dele. Continuo a pensar onde devo comer. Há chance de ser com o Ferraz. Ah! Santo Deus, se depois disso não vier um futuro de glória, de que me serve viver? Se, depois de percorrido esse martirológio, eu não puder ser mais alguma coisa do que o idiota Rocha Faria – antes morrer. E os dez mil-réis! Idiota. Noite. Ainda não jantei. Às seis horas, com um tostão, comi uma empada. Que delícia! Ah! se o futuro… E os dez mil-réis do tal visconde! Idiota. Os protetores são os piores tiranos.


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1904 Janeiro. Dolorosa vida a minha! Empreguei-me há seis meses e vou exercendo as minhas funções. Minha casa ainda é aquela dolorosa geena pra minh’alma. É um mosaico tétrico de dor e de tolice. Meu pai, ambulante, leva a vida imerso na sua insânia. Meu irmão, C…, furta livros e pequenos objetos para vender. Oh! Meu Deus! Que fatal inclinação desse menino! Como me tem sido difícil reprimir a explosão. Seja tudo que Deus quiser! A Prisciliana e filhos, aquilo de sempre. Sem a distinção da cultura nossa, sem o refinamento que já conhecíamos, veio em parte talvez prender o desenvolvimento superior dos meus. Só eu escapo!

6 de novembro. Hoje (6 de novembro) fui à ilha, pagar dívidas de papai (490); paguei-as uma a uma; entretanto, na volta, estava triste; na estação de São Francisco (vim pela Penha), ao embarcar, me invadiu tão grande melancolia, que resolvi descer à cidade. Que seria? Foi o vinho? Sim, porque tenho observado que o vinho em pequenas doses causa-me melancolia; mas não era o sentimento; era outro, um vazio n’alma, um travo amargo na boca, um escárnio interior. Que seria? Entretanto, eu o quero atribuir ao seguinte: Na estação, passeava como que me desafiando o C. J. (puto, ladrão e burro) com a esposa ao lado. O idiota tocou-me na tecla sensível, não há como negá-lo. Ele dizia com certeza: – Vê, “seu” negro, você me pode vencer nos concursos, mas nas mulheres, não. Poderás arranjar uma, mesmo branca como a minha, mas não desse talhe aristocrático. Suportei o desafio e mirei-lhe a mulher de alto a baixo e, dentro de alguns anos, espero encontrar-me com ela em alguma casa de alugar cômodos por hora.

26 de dezembro. Hoje, comigo, deu-se um caso que, por repetido, mereceu-me reparo. Ia eu pelo corredor afora, daqui do Ministério, e um soldado dirigiu-se a mim, inquirindo-me se era contínuo. Ora, sendo a terceira vez, a coisa feriu-me um tanto a vaidade, e foi preciso tomar-me de muito sangue frio para que não desmentisse com azedume. Eles, variada gente simples, insistem em tomar-me como tal, e nisso creio ver um formal desmentido ao professor Broca (de memória). Parece-me que esse homem afirma que a educação embeleza, dá, enfim, outro ar à fisionomia. Por que então essa gente continua a me querer contínuo, por quê?


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Porque… o que é verdade na raça branca não é extensivo ao resto; eu, mulato ou negro, como queiram, estou condenado a ser sempre tomado por contínuo. Entretanto, não me agasto, minha vida será sempre cheia desse desgosto e ele far-me-á grande. Era de perguntar se o Argolo, vestido assim como eu ando, não seria tomado por contínuo; seria, mas quem o tomasse teria razão, mesmo porque ele é branco. Quando me julgo – nada valho; quando me comparo, sou grande. Enorme consolo.

1905 1 de janeiro. Muni-me de uma ida e volta para o Leme e no elétrico voei linhas afora até o meu destino. A viagem até ao largo do Machado foi banal e corriqueira. No banco em frente a mim iam dois burgueses, desses respeitáveis, passados dos 50 e ainda em santa paz conjugal. O homem era dos vulgares em sua classe. A mulher tinha características fisionômicas. Uma penugem rala crescia-lhe dos cabelos até o pescoço, fazendo supor que, como um debrum simétrico, fosse pelas pernas, o busto, até aos pés. A cintura quase lhe ficava no pescoço e os seios empinados dentro de uma blusa cor-de-rosa de seda acabavam o seu todo grotesco. Na rua Marquês de Abrantes, embarcam a Odete C. P. e outras. Nada de notável, a não ser a vulgaridade. Pleno Leme. O dia é meigo. O Sol, ora espreitando através de nuvens, ora todo aberto, não caustica. Nos dois abarracamentos cheios de gente, espoucam garrafas de cerveja que se abrem. A praia se estende graduada, harmônica, desde o monte do Leme à igrejinha. A ponta recurva desta é como a cauda de um peixe que se dobrasse num “samburá”. Por detrás, a lombada de morros pintalga de verde-esmeralda, verde-garrafa, verde-mar, variando cambiantes aqui, ali, consoante as dobras do terreno e a incidência da luz, pintalga o azulado opalino do dia. O mar muge suavemente. As ondas verde-claras rebentam antes da praia em franjas de espuma. Pelo ar havia meiguice, e blandícias tinha o vento a sussurrar. A gente que há é a vulgar dos piqueniques. Gente simplória que, enclausurada em casa uma semana, um mês, um ano, quem sabe, resfolegava naquele dia ao ar livre. Havia um deputado e família, o que não diminui nem altera a minha observação. No bonde, na altura da rua dos Voluntários, tomaram-no dois rapazes e uma rapariga. A rapariga sentou-se ao meu lado. Como era de meu dever, comecei a observar-lhe discretamente. Ela não se aborreceu e observou-me. Estendeu a mão, mirei-lhe a mão com amor e firmeza. Ela escondia. Eu fingia olhar para outro lado, ela estendia, eu olhava. E assim fomos até ao Leme. Era uma espécie de galanteio que eu tinha inventado e


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que agradara a italiana (falava em patoá italiota com os rapazes). Já nas curvas, ela avançava mais do que eu. Dava-me encontrões. Preparei o flirt para o botequim, mas, aí chegando, o cioso irmão, percebendo, levou-a para longe. A minha covardia não permitiu que a seguisse, nem que a esperasse, de volta. Com isso, eu adquiri uma certeza; embora mulato, os meus olhares podem interessar as damas e desconfiar os irmãos delas. Fui ao bastião do Leme. Na concavidade que há ali, fizeram um bastião poligonal a terminar nas duas asas da curva. Um velho canhão de ferro com as quinas repousa indolentemente num dos ângulos: é como um funcionário aposentado. Na volta, o Teixeira Mendes veio. Benzi-me. Saía do São João Batista. Adiante conversava com umas senhoras elegantemente vestidas (garanto, é verdade). Falavam de coisas familiares. Na praia de Botafogo, a senhora mais velha, olhando as obras, disse: – Vamos ter um Rio de Janeiro bonito! – Parece… A questão é que as cabeças não andam direito, disse o apóstolo. O apóstolo fala como se falou há 20 mil anos. Nada novo. Cediço. Puh! Pagou duas vezes a passagem (do cemitério ao largo do Machado e do largo à Glória), em nenhuma delas recebeu coupons. Singular! Não atino por quê. Talvez seja um modo especial de ser altruísta: permitindo que o condutor furte. Puro anarquismo!

3 de janeiro. O espetáculo circundante nada apresenta de novo. Ontem, eram 11 horas, eu estava no meu quarto, escrevendo, passou um pequeno da vizinhança. Chegando em frente à nossa casa, deu boas-noites. Pelo jeito, pareceu-me que o dera para a minha irmã ou para a tal Paulina, que é uma vulgar mulatinha, muito estúpida, cheia de farofas de beleza e de presunção, que é ou que pode ser namorada. Achei aquilo inconveniente. Que um sujeito, passando por uma casa fechada, desse boas-noites a moças recolhidas num quarto de dormir. Nesse sentido, inquiri minha irmã, que desmentiu. Há em minha gente toda uma tendência baixa, vulgar, sórdida. Minha irmã, esquecida que, como mulata que se quer salvar, deve ter um certo recato, uma certa timidez, se atira ou se quer atirar a toda a espécie de namoros, mais ou menos mal intencionados, que lhe aparecem. Até bem pouco era na casa do tal Carvalho, onde se reunia toda a espécie de libertinos vagabundos; cortei essas relações. Agora é na casa do idiota do Sardinha, casa de positivista, o que quer dizer fábrica de namoros. Se a minha irmã não fosse de cor, eu não me importaria, mas o sendo dá-me cuidados, pois que, de mim para mim, que conheço essa nossa sociedade, foge-me o pensamento ao atinar por que eles as requestam. A tal Paulina é vulgar, chata como um percevejo, e a meu pai nunca perdoarei essa sua ligação com essa boa negra Prisciliana, que grandes transtornos trouxe a nossa vida.


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A uma família que se junta uma outra, de educação, instrução, inteligência inferior, dá-se o que se dá com um corpo quente que se põe em contato com um meio mais frio; o corpo perde uma parte do seu calor em favor do ambiente frio, e o ambiente, ganhando calor, esfria o corpo. Foi o que se deu conosco. Eu, entretanto, penso me ter salvo. Eu tenho muita simpatia pela gente pobre do Brasil, especialmente pelos de cor, mas não me é possível transformar essa simpatia literária, artística, por assim dizer em vida comum com eles, pelo menos com os que vivo, que, sem reconhecerem a minha superioridade, absolutamente não têm por mim nenhum respeito e nenhum amor que lhes fizesse obedecer cegamente. Entretanto, é por meu pai e, por assim ser, levarei a cruz ao Calvário, pois que, se meu pai fez tal coisa, foi por supor que nunca nos atingiria, mas a desgraça não quis e a coisa nos atingiu. O filho da tal negra despediu-se do emprego em que o pus para ficar em casa escrevendo versos. É o que se dá comigo e me faz dia e noite sangrar de dor. Se estas notas forem algum dia lidas, o que eu não espero, há de ser difícil explicar esse sentimento doloroso que eu tenho de minha casa, do desacordo profundo entre mim e ela; é de tal forma nuançoso a razão de ser disso que para bem ser compreendido exigiria uma autobiografia, que nunca farei. Há coisas que, sentidas em nós, não podemos dizer. A minha melancolia, a mobilidade do meu espírito, o ceticismo que me corrói – ceticismo que, atingindo as coisas e pessoas estranhas a mim, alcançam também a minha própria entidade –, nasceu da minha adolescência feita nesse sentimento da minha vergonha doméstica, que também deu nascimento a minha única grande falta. Hoje, pois, como não houvesse assunto, resolvi fazer desta nota uma página íntima, tanto mais íntima que é de mim para mim, do Afonso de 23 anos para o Afonso de 30, de 40, de 50 anos. Guardando-as, eu poderei fazer delas como pontos determinantes da trajetória da minha vida e do meu espírito, e outro não é o meu fito. Aqui bem alto declaro que, se a morte me surpreender, não permitindo que as inutilize, peço a quem se servir delas que se sirva com o máximo cuidado e discrição, porque mesmo no túmulo eu poderia ter vergonha.

5 de janeiro. Hoje, no trem, vim com uma menina que me despertou a atenção. Ela não era bonita, antes feia e sardenta, porém, de corpo, apetitosa, era dessas que os franceses chamam fausses maigres. Cheia de carnes, redondinha, ela despertava facilmente o furor báquico. Vinha no trem com pai e irmãos. Sentara em um banco afastado e, cobrindo-se de expressão dolorosa, repousava


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a cabeça sobre a mão, que, em começo, bonita, polpuda e abacial, acabava nas pontas de dedos feios, chatos. Mas o que me chamou a atenção foi um detalhe da toilette. Evidentemente menina pobre – mesmo as mãos denunciavam, naquelas pontas de dedos feios, os estragos do trabalho manual –, pobre, pois, não tendo talvez um vestido decotado e querendo sair com um assim, dobrara a gola do casaco afogado para dentro na altura das espáduas. A coisa foi boa, porquanto as suas espáduas eram das melhores.

7 de janeiro. A manhã bonita. Desço. O ar acaricia. Tudo azul. A paisagem é de algum modo europeia. Praia Formosa. Serra dos Órgãos aparece por entre os morros de São Diogo e os de Barro Vermelho. Azul-ferrete com tons de aço novo. Os cumes beijavam as nuvens; à meia encosta, condensavam cúmulos. O mar aparecia espelhante, semelhava de nível mais alto do que a terra. Campo de Sant’Ana. Ar polvilhado de alegria. Azul diáfano. Tudo azul. As árvores verdoengas do parque destoam. O rolar das carroças é azul; os bondes azuis; as casas azuis. Tudo azul.

17 de janeiro. Hoje, à noite, recebi um cartão-postal. Há nele um macaco com uma alusão a mim e, embaixo, com falta de sintaxe, há o seguinte: “Néscios e burlescos serão aqueles que procuram acercar-se de prerrogativas que não têm. M”. O curioso é que o cartão em si mesmo não me aborrece; o que me aborrece é lobrigar se, de qualquer maneira, o imbecil que tal escreveu tem razão. “Prerrogativas que não tenho…” Ah! Afonso! Não te dizia… Desgosto! Desgosto que me fará grande.

31 de janeiro. Ontem, saindo da secretaria, fui à rua do Ouvidor, estive com alguns idiotas e fui à botica. Encontrei o V…, C…, um meu antigo colega de colégio. Bom rapaz, avarento, míope de inteligência e sem nenhum bovarismo. Está a se formar em medicina e com isso enche o seu ideal de fazendeiro médico. Deixando a botica, fui à rua do Ouvidor; como estava bonita, semiagitada! Era como um boulevard de Paris visto em fotografia.


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Fui de trem, meditei durante a viagem sobre o meu livro, e em casa compulsei as notas para acabar o terceiro capítulo. Agora acabo de achar uma pequena cena para o segundo, com a qual dar-lhe-ei mais força, mais vida, mais verossimilhança. Agita-me a vontade de escrever já, mas nessa secretaria de filisteus, em que me debocham por causa da minha pretensão literária, não me animo a fazê-lo. Fá-lo-ei em casa.

9 de julho. Domingo. Amanhã, hoje, ontem, fatídicas palavras com o mesmo significado. Tédio, consequência da miséria. Haverá de fato necessidade de submissão? Ou será inútil semelhante coisa, podendo a sociedade existir sem ela? Nansen, Viagem ao polo, lida pela quinta vez, hoje, 9 de julho, muito frio, pouco dinheiro, nenhum é melhor dizer. 1905. Encantadora viagem, saborosa como uma ficção; entretanto, aqui, ali, há coisas pueris, reflexões vulgares, que, entre nós, publicada aquela obra, não haveria quem não as atribuísse ao Conselheiro Acácio, vulgus fecus. Depois de três meses de interrupção, deu-me vontade de escrever, ou continuar a escrever meu livro. Publicá-lo-ei? Terá mérito? En avant. Escrevi um bilhete ao Manuel Ribeiro.

Sem data. Vai se estendendo, pelo mundo, a noção de que há umas certas raças superiores e umas outras inferiores, e que essa inferioridade, longe de ser transitória, é eterna e intrínseca à própria estrutura da raça. Diz-se ainda mais: que as misturas entre essas raças são um vício social, uma praga e não sei que coisa feia mais. Tudo isto se diz em nome da ciência e a coberto da autoridade de sábios alemães. Eu não sei se alguém já observou que o alemão vai tomando, nesta nossa lúcida idade, o prestígio do latim na Idade Média.

1908 5 de janeiro. O ano que passou foi bom para mim. Em geral, os anos em 7 fazem grandes avanços aos meus desejos. Nasci em 1881; em 1887, meti-me no alfabeto; em 1897, matriculei-me na Escola Politécnica. Neste andei um pouco, no


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caminho dos meus sonhos. Escrevi quase todo o Gonzaga de Sá, entrei para o Fon-Fon, com sucesso, fiz a Floreal e tive elogio do José Veríssimo, nas colunas de um dos Jornais do Commercio do mês passado. Já começo a ser notado. Pelas vésperas do Natal, fui ao Veríssimo, eu e o Manuel Ribeiro. Recebeu-nos afetuosamente. Ribeiro falou muito, doidamente, difusamente; eu estive calado, ouvi, dei uma opinião aqui e ali. Deu-me conselhos, leu-me Flaubert e Renan, aconselhando aos jovens escritores. Falou da nossa literatura sem sinceridade, cerebral e artificial. Sempre achei a condição para obra superior a mais cega e mais absoluta sinceridade. O jacto interior que a determina é irresistível e o poder de comunicação que transmite à palavra morta é de vivificar. A Floreal vai mal.

No dia 2, fui à casa do M… A… Ele vive amancebado com uma rapariga portuguesa, de 24 anos, por aí. Fui lá, dizia, entrei para a sala de jantar, sentei-me e ela veio ao meu encontro: – M… não está. Tinha ido a um jantar, disse-me ela. Tinha esquecido o rendez-vous etc. etc. Em começo, tive uma alegria de devasso – quem sabe? – que passou depressa e felizmente. Ela sentou-se na minha frente, fumei desesperadamente e conversei. Nunca estive tão bem. Tenho 26 anos e, até hoje, ainda não me encontrei com uma mulher de qualquer espécie de maneira tão íntima, de maneira tão perfeitamente a sós; mesmo quando a cerveja, a infame cerveja, me embriaga e me faz procurar fêmeas, é um encontro instantâneo, rápido, de que saio perfeitamente aborrecido e com a bebedeira diminuída pelo abatimento. A Cecília, tal é o seu nome, é pequena, dá-me pelo peito; é pálida, com aquela palidez mate das prostitutas um tanto diminuída; simples de inteligência, não tem quatro ideias sobre o mundo, aceita o seu estado, acha-o natural, não deita arrependimentos, tem vontade de empregar as elegâncias que aprendeu com as francesas dos grandes bordéis em que andou (Valéry, Richard etc. etc.). Para mim, apesar da sua maneira de apertar a mão com as pontas dos dedos, ela me fica sendo sempre uma cachopa dos arredores do Porto, meiga, simples, ignorante e um tanto obstruída de inteligência, que um vendaval de miséria trouxe para esta África disfarçada, diminuindo em sua mãe o sentimento de família, aproveitada essa diminuição pela concupiscência dos patrícios que lhe atiraram à grande prostituição, acenando-lhe com a riqueza e a fortuna, que ela não alcançou, talvez porque fosse fundamentalmente boa. Eu a tenho observado muito e, com grande medo da minha inexperiência, eu a quero boa, doce, sem arrependimento, mas a desejar um casamento que a nobilite e eleve. Quando saio de sua casa, depois de sua ingenuidade, depois de sentir que a prostituição


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lhe roçou de leve, posso dizer com M. de Vogué, a respeito da Casa dos mortos, de Dostoiévski: fico contente em ver que a nossa humanidade é melhor. Sinto por ela que há um cristal de pureza inalterável como núcleo eterno da pessoa humana, e que raramente ele se desagrega, mesmo sob o império das mais baixas degradações por que possamos passar. Essa rapariga, que viu bordéis, ladrões, estelionatários, rufiões e jogadores; que se meteu em orgias; que certamente se atirou a desvios da sexualidade, aparece-me cândida, ingênua e até piedosa. Estou a ver daqui os seus cabelos castanhos, os seus olhos de um azul desmaiado, e não sei por que me lembram Maria Madalena. Há não sei que separação entre o seu passado e presente e a sua alma verdadeira, que tenho um delicioso bem-estar em vê-la. É como se ela me trouxesse “uma redoma de alabastro cheia de bálsamo”. Nessa tarde, eu, com 26 anos, e ela, com 24, ainda muito lembrada da vida antiga, conversamos, das seis e meia às dez horas, inocentemente, e creio que saí com os pés ungidos de nardo, mal enxugados pelos seus lindos cabelos. Eu a olhava com o meu olhar pardo, em que há o tigre e a gazela, de quando em quando, e ela, sempre, constantemente, me envolvia com o seu olhar azul, macio e sereno, que lhe iluminava o sorriso de afeto, eterno e constante, espécie de riso da natureza fecunda e amorável por uma manhã límpida e suave de maio, quando as flores desabrocham para frutos futuros. Nunca mais hei de me esquecer desta sua frase: – Senhor Barreto, M… não está. O senhor janta e depois vai-se embora, não é? Esse “depois vai-se embora” foi dito com tal singeleza, com tal espontaneidade, como se pronunciasse uma donzela ou uma senhora casada. E quantas destas seriam capazes de dizer isso com tanta candura?!! Por que razão o destino tê-la-ia prostituído e atravessado no caminho da minha vida? No jantar, nunca foi tão cordial a nossa palestra. – Não faça cerimônia, senhor Barreto. Gosta de feijão? – Muito, e a senhora? – Muito também. – Admira… – Os portugueses gostam… – O feijão tem uma coisa, disse eu, é feio… – Mas é gostoso, acrescentou ela alegre, e como muita gente feia, mas gostosa. Depois do jantar, conversamos longamente; não vi como a conversa começou e resvalou para coisas de jogo, de mulheres. Ela bebeu mais que de hábito, e houve um instante que ela me disse, ao tomar um copo de vinho, cheia daquela espontaneidade que dominou a entrevista toda: – Eu não posso viver sem gostar de alguém. É de tarde, chove, embora assim olho a janela, para ver se dou no céu com um pouco daqueles seus olhos de azul límpido, com aquele seu sorriso


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de florescimento da natureza… É feia a tarde, névoa cerrada, moinha de carvão no ar… Como a prostituição me parece sagrada; se não fora ela, esta minha mocidade, órfã de amor, de carinho de mulher, não teria recebido esse raio louro de um sorriso e de um olhar, para me recordar esse misterioso amor que se sofre, quando se o tem, e se padece, quando se não o tem.

5 de julho. Domingo. Levantei-me às dez horas, fiz a barba, consertei a gravata, arranjei melhor a minha roupa velha; pus-me limpo e elegante, enfim. Ia visitar umas damas; isto é, ia à casa de duas raparigas de vida airada, que vivem em semimancebia com dois antigos colegas meus, o A…, M…, e o C…, M… Hoje, ambos são engenheiros da Prefeitura. Cheguei lá às duas horas da tarde. Nenhum dos dois estava. Fiquei a conversar com a amiga do A… Chama-se Maria, Cecília, Celina, ou coisa que valha. Eu simpatizo com essa mulher, porque ela me inspira piedade. E eu a ter piedade! Elas têm outros amigos, com o consentimento deles. É uma coisa da moda, isto, hoje. Os costumes estão desse modo, permitem já a poliandria. Há muita falta de delicadeza e beleza nas nossas coisas. Aborreci-me!

16 de julho. Eu fico só, só com os meus irmãos e o meu orgulho e as minhas falhas. Vai me faltando a energia. Já não consigo ler um livro inteiro, já tenho náuseas de tudo, já escrevo com esforço. Só o Álcool me dá prazer e me tenta… Oh! meu Deus! Onde irei parar? Tenho um livro (300 páginas manuscritas), de que falta escrever dois ou três capítulos. Não tenho ânimo de acabá-lo. Sinto-o besta, imbecil, fraco, hesito em publicá-lo, hesito em acabá-lo. É por isso que me dá gana de matar-me; mas a coragem me falta e me parece que é isso que me tem faltado sempre.

1912 22 de março. Vou comprar um bilhete de 100 contos...

14 de maio. Vou comprar um bilhete de 20 contos.


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1914 20 de abril A minha casa me aborrece. O meu pai delira constantemente e o seu delírio tem a ironia dos loucos de Shakespeare. Meus irmãos, egoístas como eles, queriam que eu lhes desse tudo o que ganho e me curvasse à Secretaria da Guerra. O que me aborrece mais na vida é esta secretaria. Não é pelos companheiros, não é pelos diretores. É pela sua ambiência militar, onde me sinto deslocado e em contradição com a minha consciência. Não posso suportá-la. É o meu pesadelo, é a minha angústia. Tenho por ela um ódio, um nojo, uma repugnância que me acabrunha. Queria ganhar menos, muito menos, mas não suportar aqueles generais do Haiti que, parece, comandaram ou vão comandar em Austerlitz. Demais, o meu feitio é tão oposto àquela atmosfera de violência, de opressão, de bajulação, que me enche de revolta. Não sei o que hei de arranjar para substituir aquilo, e a minha gana de sair de lá é tão grande que não me promove, não me faz dar um passo à frente. Eu fiz parte do júri de um Wanderley, alferes, e condenei-o. Fui posto no índex. Para os jornais daqui estou incompatível. Podia tentar a aventura fora, mas não tenho liberdade; era preciso que estivesse só, só. Enfim, a minha situação é absolutamente desesperada, mas não me mato. Quando estiver bem certo de que não encontrarei solução, embarco para Lisboa e vou morrer lá, de miséria, de fome, de qualquer modo. Desgraçado nascimento tive eu! Cheio de aptidões, de boas qualidades, de grandes e poderosos defeitos, vou morrer sem nada ter feito. Seria uma grande vida, se tivesse feito grandes obras; mas nem isso fiz.

13 de julho Noto que estou mudando de gênio. Hoje tive um pavor burro. Estarei indo para a loucura?

Sem data Estive no hospício de 18-8-14 a 13-10-14.

1916 Março Meu livro, o Policarpo, saiu há quase um mês. Só um jornal falou sobre ele três vezes (de sobra). Em uma delas, Fábio Luz assinou um artigo bem agradável. Ele


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saiu nas vésperas do carnaval. Ninguém pensava em outra coisa. Passou-se o carnaval e Portugal teve a cisma de provocar guerra com a Alemanha. As folhas não se importavam com outra coisa senão com o gesto comicamente davidinesco de Portugal. Enchiam colunas com notícias como esta: “A esquadra portuguesa foi mobilizada. Acham-se em pé de combate o couraçado Vasco da Gama, o cruzador Adamastor, a corveta dona Maria da Glória, a nau Catarineta, a caravela Nossa Senhora das Dores, o brigue Voador e o bergantim Relâmpago.” E não têm tempo de falar no meu livro, os jornais, estes jornais do Rio de Janeiro.

O Policarpo Quaresma foi escrito em dois meses e pouco, depois publicado em folhetins no Jornal do Commercio da tarde, em 1911. Quem o publicou foi o José Félix Pacheco. Emendei-o como pude e nunca encontrei quem o quisesse editar em livro. Em fins de 1915, devido a circunstâncias e motivos obscuros, cismei em publicá-lo. Tomei dinheiro daqui e dali, inclusive do Santos, que me emprestou 300 mil-réis, e o Benedito imprimiu-o. Os críticos generosos só se lembravam diante dele do dom Quixote. V. Oliveira Lima e Afonso Celso. Audaces fortuna juvat.

O Numa e a Ninfa foi escrito em 25 dias, logo que saí do hospício. Não copiei nem recopiei sequer um capítulo. Eu tinha pressa de entregá-lo, para ver se o Marinho me pagava logo, mas não foi assim e recebi o dinheiro aos poucos. Escrevi-o em outubro de 1914. O Marinho era diretor da A Noite.

1917 Março. Devo unicamente ao Lima, pela impressão do Policarpo, a quantia de 442 mil-réis .

3 de junho. Hoje, depois de ter levado quase todo o mês passado entregue à bebida, posso escrever calmo. O que me leva a escrever estas notas é o fato de o Brasil ter quebrado a sua neutralidade na guerra entre a Alemanha e os Estados Unidos, dando azo a que este mandasse uma esquadra poderosa estacionar em nossas águas.


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5 de setembro. De há muito sabia que não podia beber cachaça. Ela me abala, combale, abate todo o organismo, desde os intestinos até à enervação. Já tenho sofrido muito com a teimosia de bebê-la. Preciso deixar inteiramente. No dia 30 de agosto de 1917, eu ia para a cidade, quando me senti mal. Tinha levado todo o mês a beber, sobretudo parati. Bebedeira sobre bebedeira, declarada ou não. Comendo pouco e dormindo sabe Deus como. Andei porco, imundo. Ia para a cidade, quando me senti mal. Voltei para casa, muito a contragosto, pois o estado de meu pai, os seus incômodos, junto aos meus desregramentos, tornam-me a estada em casa impossível. Voltei, porque não tinha outro remédio. Deitei-me, vomitei e andava com fluxo de sangue, que me levava à latrina frequentemente. Numa das vezes em que fui, caí e fiquei como morto. Meus irmãos acudiram-me e trouxeram-me a braços, inclusive o Elói, o filho da Prisciliana, meu afilhado e de minha irmã. Não sei o que se passou; o que sei é que as senhoras da vizinhança acudiram e eu despertei duas horas depois com equimoses nos tornozelos e cercado por elas, cheias de susto. Chamaram médico, o Caire, estudante do meu tempo; e estou sofrendo a medicação mais penosa que me podia ser imposta. Estou em dieta de fruta e água de arroz, pois o meu organismo tem déficit. Se não deixar de beber cachaça, não tenho vergonha. Queira Deus que deixe.

1918 Sem data. Fui aposentado por decreto de 26-12-1918. Presidente da República, vice em exercício, Delfim Moreira e ministro da Guerra, Alberto Cardoso de Aguiar.

Sem data. No Peau de Chagrin, de Balzac, há o seguinte pensamento muito semelhante a um de Nietzche: “L’homme est un bouffon qui danse sur des précipices”.

1919 Janeiro Estive no Hospital Central do Exército, de 4 de novembro de 1918 a 5 de janeiro de 1919.


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Março Eu veria a Vitória de Samotrácia com o mesmo olhar e a mesma emoção com que vejo um manipanso africano. São documentos sociais ambos.

1920 Sem data. A segunda vez que estive no hospício, de 25 de dezembro de 1919 até 2 de fevereiro de 1920. Trataram-me bem, mas os malucos, meus companheiros, eram perigosos. Demais, eu me imiscuía muito com eles, o que não aconteceu daquela vez que fiquei de parte.

1921 13 de dezembro Hoje, 13 de dezembro de 1921, recebi de dona Rafaelina de Barros, que viveu com Emílio de Meneses, um terno de fraque, um de casaca, quatro camisas, gravatas etc. etc., que foram dele. Obrigado à dona Rafaelina e que Deus fale n’alma do Emílio. Amém.


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Viajar, contar, viajar Leila Guerriero

A literatura de viagem está no extremo oposto dos ritos do turista. Nela o escritor enfrenta tempo e espaço para viver numa pátria em que, a cada passo, deve tomar uma séria decisão: o que olhar Viaja-se. Viaja-se para ver as pirâmides do Egito. Para passar dez dias com tudo incluído num resort do Caribe. Para comer, para ver aves e cogumelos, animais. Para tomar vinhos e tirar fotos da natureza. Para mergulhar, para contemplar a Terra a partir da Lua. Viaja-se para conhecer as rotas do presunto e as gôndolas venezianas, os melhores museus e as piores catedrais. Viaja-se para cumprir alguns − ou todos − os ritos do turista: dez dias, sete noites, 14 países da Europa; 20 dias flutuando em um cruzeiro. Viaja-se para dizer eu estive lá, eu vi, eu sei, eu fui, eu andei, eu pisei na rua em que todos pisaram. Sem esquecer as viagens dos que não fazem nenhuma de todas essas coisas − as viagens dos viajantes; e as viagens inúteis: as viagens dos que viajam para contar.

Rodrigo Bivar

Pintura e aparelho de som, 2013

Primeiro, aquilo que não é. Uma crônica de viagem não é um folheto turístico só que mais longo; nem uma propaganda de hotel só que mais bem escrita;


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nem um punhado de adjetivos previsíveis − encantador, mágico, assombroso − aglomerados em volta de montanhas, o pôr do sol, o mar, a ponte, o rio. Uma crônica de viagem não se faz nos momentos livres entre o almoço e a sesta, não se resolve com uma caminhada pelo centro histórico, nem se consegue sem sair de uma piscina cinco estrelas. Fazer crônicas de viagem é um trabalho extenuante e vertiginoso: o cronista enfrentando o espaço − desmesurado − e o tempo − finito − da sua viagem, vivendo numa pátria onde, a cada passo, tem que tomar a única decisão que importa: o que olhar. Não existe um decálogo do bom cronista, mas, se existisse, eu diria que ele é alguém que entra em igrejas e mesquitas, em bares e cemitérios, em clubes e nas casas, que fala pouco, escuta muito, olha tudo − cartazes e colégios, as pessoas na rua, os cachorros, o clima e as comidas − e que, depois de olhar, dá significado a tudo isso: que descobre naquilo que tantos olharam uma coisa nova; que narra Nova York, Paris ou Tóquio como se fossem terra incognita. Em sua crônica sobre Hong Kong, publicada no livro Larga distancia, o escritor e jornalista argentino Martín Caparrós diz: Os jornalistas costumavam falar do Rolls-Royce rosa da senhora Chan, que combinava com seu arminho rosáceo e seu cãozinho tratado a leite de rosas, ou do edifício mais alto e bamboleante do planeta ou dos sete mil cristais de Murano do lustre daquele centro comercial − e não conseguiam perceber que o monumento estava em outro lugar […]. No bar do aeroporto de Hong Kong, logo na entrada, à direita de quem chega da alfândega, há um menu de bronze: nele, os preços das coca-colas e sanduíches do bar gravados no bronze, inscritos no bronze para desafiar o tempo, são um monumento discreto e orgulhoso ao triunfo do capitalismo mais selvagem.

É possível ser Caparrós − e ver isso − ou ir ao bar, olhar o menu, pedir um sanduíche, comer de frente para a placa e não se perguntar − não ver − nada. “Só havia aquilo, o que eu estava olhando; e, embora mais à frente houvesse montanhas e geleiras e albatrozes e índios, aqui não havia nada do que falar, nada que retivesse a minha atenção”, escreve Paul Theroux sobre sua viagem à Patagônia: Só o paradoxo patagônico. Flores diminutas em um vasto espaço. Para permanecer aqui eu teria que ser miniaturista ou, se não, estar interessado em enormes espaços vazios. Não havia uma área intermediária de estudo. Das duas, uma: a enormidade do deserto ou uma pequeníssima flor. Na Patagônia era preciso escolher entre o minúsculo ou o desmesurado.

É possível ser Theroux, e ver a enormidade e o minúsculo, ou estar lá, parado, e escrever, mais uma vez, sobre a imensidão e a lenda da terra patagônica: um lugar-comum já trilhado por meia humanidade. Viajar para contar é, acima de tudo, isto: ver o que está lá, mas ninguém vê.


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Clifford Geertz, em Obras e vidas, diz que uma narrativa de viagem sempre propõe: “Fui ali, estive lá; vi este fenômeno estranho e aquele outro; eu me surpreendi, me entediei, me entusiasmei, me desiludi; não podia ficar parado, e uma vez, no Amazonas… Tudo isso com o subtexto: você não gostaria de ter ido comigo? Ou será que acha que também poderia fazer a mesma coisa?” Uma crônica de viagem é, além de tudo, uma provocação: você faria o que eu fiz, veria o que eu vi, voltaria para contar? E, para os profetas do novo, os cibersábios, os que afirmam que qualquer pessoa munida de um celular e seu bloguinho pode narrar o mundo, a crônica de viagem é o grande exemplo de que nem todos podem fazê-lo. E aqui fazê-lo quer dizer fazê-lo bem.

Viajaram e contaram o que viram Marco Polo e Colombo, Kerouac e Hudson, Darwin e José Martí, Kapuściński e Stevenson, Rimbaud e Hugo Pratt, que fez o Corto Maltese viajar, que viajou depois com muitos outros. E, no entanto, tantos anos depois de todas essas viagens, muita gente ainda viaja para contar, com a fé intacta de serem os primeiros. A diferença é que agora, num planeta conectado por cliques de mouse, em uma terra coberta e descoberta, viajar para contar é uma verdadeira inocência: uma experiência jurássica. Um anacronismo. Por isso merece uma homenagem. Porque não há muita gente, neste mundo ímpio, que possa − e queira − continuar fazendo o que quase ninguém faz: exercer o que já não é costume, insistir no que não é absolutamente necessário.

A argentina Leila Guerriero (1967) é um dos principais nomes do jornalismo latino-americano contemporâneo. É autora de Uma história simples (Bertrand Brasil, 2015), livro-reportagem que nasce do cruzamento da literatura com a reportagem, principal marca de seu trabalho. Publicado na antologia Zona de obras (2015), inédita no Brasil, este texto é a introdução a Travesías inolvidables, livro que reúne as melhores crônicas de viagem da revista Domingo, do jornal chileno El Mercurio. Tradução de Ari Roitman e Pauline Watch Nascido em Brasília e radicado em São Paulo, Rodrigo Bivar (1981) mescla, em suas pinturas figurativas, referências a viagens, obras literárias e cenas do cotidiano.


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Despojos de outubro Sheila Fitzpatrick

Para Eric Hobsbawm, a Revolução Russa – que por acaso ocorreu no ano de seu nascimento – foi o acontecimento central do século 20. Seu impacto prático no mundo foi “muito mais profundo e global” que o da Revolução Francesa um século antes, pois “apenas 30 ou 40 anos depois da chegada de Lênin à Estação Finlândia em Petrogrado, um terço da humanidade vivia sob regimes diretamente derivados da [Revolução] […] e do modelo de organização de Lênin, o Partido Comunista”. Até 1991, essa era uma visão bastante comum, mesmo entre historiadores que, diferentemente de Hobsbawm, não se diziam nem marxistas nem comunistas. Mas ao encerrar seu livro no início dos anos 1990, Hobsbawm acrescentaria uma advertência: o século cuja história ele escrevia era o “breve” século 20, compreendido entre 1914 e 1991, e o mundo que a Revolução Russa havia moldado era “o mundo que se desfez em pedaços no final dos anos 1980” – um mundo perdido, em suma, que era agora substituído por um mundo pós-século 20 cujas linhas gerais ainda não podiam ser claramente definidas. Há 20 anos, ainda não estava claro para Hobsbawm o lugar que a Revolução Russa ocuparia na nova era, e, em grande medida, ainda não está claro para os historiadores de hoje. Aquele “um terço da humanidade” que vivia sob sistemas de inspiração soviética antes de 1989-1991 decaiu dramaticamente. Em 2017, no centenário da Revolução, não há no mundo mais que um punhado de países comunistas, com a China em uma posição ambígua e apenas a Coreia do Norte ainda agarrada às velhas verdades.


Divididos entre a apologia e o revisionismo conservador, historiadores avaliam a herança da Revolução Russa sob a inevitável sombra do fim da União Soviética

Imagens da exposição Imagine Moscow

Projetos de arquitetos soviéticos para Moscou jamais realizados Design Museum, Londres, 2017

Projeto de Boris Iofan para o Palácio dos Sovietes, 1933/Cortesia do Museu de Arquitetura Shchusev


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1. China Miéville, October: The Story of the Russian Revolution. Londres: Verso, 2017.

Projeto de Boris Iofan para o Palácio dos Sovietes, 1933/ Cortesia do Museu de Arquitetura Shchusev

Fracasso atrai fracasso, e o desaparecimento da União Soviética lança uma sombra sobre os historiadores que abordam o centenário da Revolução. Poucos enfatizam a persistência de seu significado, e quase todos soam algo apologéticos. Representando esse novo consenso, Tony Brenton se refere à Revolução como provavelmente um dos “grandes becos sem saída da história, como o Império Inca”. Além disso, despida da antiga grandeza marxista da necessidade histórica, ela acaba parecendo mais ou menos um acidente. Os trabalhadores – lembra quando as pessoas costumavam discutir apaixonadamente se de fato se tratava de uma revolução dos trabalhadores? – foram tirados de cena pelas mulheres e pelos não russos das fronteiras do Império. O socialismo se tornou uma espécie de miragem, e parece até menos cruel evitar mencioná-lo. Se existe uma lição a ser tirada da Revolução Russa, é a lição desoladora de que as revoluções geralmente pioram as coisas, sobretudo na Rússia, onde levou ao stalinismo. É esse tipo de consenso que desperta meu lado contestador, mesmo que em grande medida eu faça parte dele. Meu livro A Revolução Russa, publicado em 1982, com uma edição revista lançada em 2017, é imparcial com a revolução dos trabalhadores e com sua necessidade histórica, e faz questão de se colocar acima da disputa política (imagine só, eu escrevi a versão original durante a Guerra Fria, quando ainda existia essa disputa política, acima da qual eu tentava me posicionar). Portanto, não costumo ser vista como uma revolucionária entusiasta. Mas não seria o caso de alguém assumir esse papel? Esse papel, como se verá, é o de China Miéville, mais conhecido por livros de ficção científica como Estação Perdido e A cidade & a cidade e um simpatizante da esquerda que descreve a própria obra como “bizarra”. Miéville não é historiador, embora tenha feito a lição de casa, e seu October 1 não é nada bizarro, mas sim elegantemente construído e inesperadamente comovente. O que ele se propõe a fazer, e realiza de forma admirável, é uma história empolgante sobre 1917 para leitores simpáticos à revolução em geral e à revolução bolchevique em particular. Sem dúvida, Miéville, como qualquer um, admite que tudo terminou em lágrimas, pois, com o fracasso da revolução em outros lugares e a natureza prematura da revolução na Rússia, o resultado histórico foi “o stalinismo: um Estado policial paranoico, cruel, assassino e kitsch”. Mas isso não fez com que ele desistisse das revoluções, nem o impediu de expressar


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Projeto de Ivan Leonidov para edifício da ONU, 1947-48/ Cortesia da Fundação Tchoban

2. Mark D. Steinberg, The Russian Revolution 1905-1921. Oxford: Oxford University Press, 2017.

3. S.A. Smith, Russia in Revolution: An Empire in Crisis, 1890 to 1928. Oxford: Oxford University Press, 2017. 4. Sean McMeekin, The Russian Revolution: A New History. Nova York: Basic Books, 2017.

5. Tony Brenton (org.), Historically Inevitable? Turning Points of the Russian Revolution. Londres: Profile Books, 2016.

suas esperanças com extrema coerência. A primeira revolução socialista do mundo merece ser celebrada, ele diz, porque “as coisas mudaram uma vez, e podem mudar novamente” (o que dizer dessa tímida reivindicação?). “A luz tênue da liberdade” brilhou brevemente, mesmo que “aquilo que poderia ter sido um amanhecer [tenha se revelado] um crepúsculo.” Mas tudo poderia ter sido diferente na Revolução Russa e, “se suas frases ficaram incompletas, cabe a nós completá-las”. Mark Steinberg é o único historiador profissional que, ao escrever sobre a Revolução, confessa ainda ter alguma ligação emocional com ela. É claro, o idealismo revolucionário e os ousados saltos no desconhecido costumam resultar em quedas duras, mas, segundo Steinberg, “admito que para mim isso é um tanto triste. Daí minha admiração por aqueles que saltaram mesmo assim.” Mas até Steinberg – cujo estudo da “experiência vivida” em 1917, baseado na imprensa popular da época e em relatos em primeira pessoa, é um dos mais inovadores desses livros recém-lançados2 –, em grande medida, abandona seu interesse inicial pelos trabalhadores em favor de outros “espaços” sociais: mulheres, camponeses, o império e “a política das ruas”. Para entender o atual consenso acadêmico sobre a Revolução Russa, é preciso voltar uma vez mais a algumas antigas controvérsias, especialmente no que diz respeito à sua inevitabilidade. Para Steinberg, isso não é um problema, pois, ao narrar a revolução do ponto de vista de quem a viveu, ele garante uma história cheia de surpresas. Outros autores, porém, se precipitam em advertir que os desdobramentos históricos jamais foram escritos a ferro e fogo, e que as coisas sempre podiam ter sido diferentes. “Não havia nada predeterminado no colapso da autocracia czarista nem no do governo provisório”, escreve Stephen Smith em sua sóbria, bem pesquisada e abrangente obra.3 Sean McMeekin4 concorda, afirmando que “os acontecimentos de 1917 foram repletos de possibilidades frustradas e oportunidades perdidas”, enquanto ao mesmo tempo acena para seu verdadeiro inimigo intelectual: esses acontecimentos estavam “longe de ser uma ‘luta de classes’ escatológica sustentada irresistivelmente pela dialética marxista”. Em outras palavras, os marxistas, ocidentais e soviéticos, estavam todos errados. A antologia Historically Inevitable?5 aborda a questão da necessidade, oferecendo de forma direta uma série de estudos especulativos sobre momentos-chave da revolução.



Projeto de Leonid, Victor e Alexander Vesnin para o Narkomtiazhprom (Comissariado do Povo para Construção e Indústria), 1934/ Cortesia do Museu de Arquitetura Shchusev


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Em sua introdução, Tony Brenton pergunta: “Será que as coisas poderiam ter sido diferentes? Houve momentos em que uma única decisão diferente, um acidente aleatório, um tiro certeiro em vez de um que falhou […] poderiam ter alterado por completo o curso da história russa, e por consequência a europeia e mundial?” Mas Dominic Lieven seguramente fala pela maioria dos colaboradores do volume quando escreve que “nada é mais fatal que acreditar que o curso da história era inevitável”. Decerto esses colaboradores entendem que a contingência desempenhou nas revoluções de fevereiro e outubro um papel mais importante do que no percurso pós-outubro rumo ao terror e à ditadura. Orlando Figes, autor de um estudo bastante lido sobre a Revolução, A tragédia de um povo (1996), dedica um ensaio vigoroso a mostrar que, se Lênin não tivesse conseguido entrar disfarçado no Congresso dos Sovietes de 24 de outubro, “a história poderia ter sido outra”. Aqui estão em jogo diversos argumentos politicamente carregados sobre a história soviética. Primeiro, há a questão da inevitabilidade do colapso do antigo regime e do triunfo bolchevique. Esse é um velho dogma soviético, ferozmente desmentido no passado por historiadores ocidentais e, especialmente, por historiadores emigrados russos, que viram o regime czarista, em vias de uma modernização e uma liberalização que a Primeira Guerra Mundial interrompeu, mergulhando o país no caos e proporcionando a vitória até então inimaginável dos bolcheviques. (Lieven, em um dos ensaios mais sofisticados do volume, caracteriza essa interpretação da situação da Rússia em 1914 como “um poderoso autoengano”.) No contexto dos debates acadêmicos do passado sobre a Revolução, levantar a questão da inevitabilidade era interpretado não apenas como uma reivindicação marxista, mas também pró-soviética, pois implicava a “legitimidade” do regime. Muito pelo contrário, a posição antimarxista era a da contingência, nos termos da Guerra Fria – exceto quando, confusamente, a contingência em questão se aplicava ao desfecho stalinista da revolução, em oposição ao seu início, período em que o senso comum defendia que o desfecho totalitário era inevitável. Figes defende o mesmo ponto de vista: ainda que a contingência tenha tido um grande papel em 1917, “da insurreição de outubro e o estabelecimento da ditadura bolchevique ao Terror Vermelho e à Guerra Civil – com todas as consequências para a evolução do regime soviético –, existe uma linha de inevitabilidade histórica”. Em ataque a todo o gênero da história especulativa, Richard J. Evans sugeriu que “na prática […] esse tipo de especulação tem sido mais ou menos monopólio da direita” cujo alvo é o marxismo. Isso não é necessariamente verdade sobre a coletânea organizada por Brenton, apesar da inclusão de historiadores políticos de direita, como Richard Pipes, e da ausência dos grandes historiadores sociais americanos da Revolução, que eram adversários de Pipes durante as amargas controvérsias historiográficas dos anos 1970. O próprio Brenton é um ex-diplomata, e a última frase de Historically Inevitable? – “Certamente temos


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Projeto de El Lissitzky para o conjunto de arranha-céus horizontais Nuvem de Ferro, que conectaria residências, escritórios e estações de trem, 1925/Cortesia do Van Abbemuseum

o dever diante das muitas vítimas [da Revolução] de perguntar se poderíamos ter encontrado outro caminho” – sugere afetuosamente a propensão de um diplomata para tentar resolver os problemas do mundo real, em oposição ao costume do historiador profissional de analisá-los. Pipes, que serviu como especialista em União Soviética no Conselho de Segurança Nacional de Reagan no início dos anos 1980, é também autor de um livro de 1990 sobre a Revolução no qual adotou uma postura especialmente dura sobre a ilegitimidade fundamental da tomada do poder pelos bolcheviques. Seu argumento era voltado não só contra os soviéticos, mas também contra os revisionistas mais próximos – especialmente um grupo de acadêmicos nos Estados Unidos, sobretudo historiadores sociais com interesse na história do trabalho, que, desde os anos 1970, recusaram a caracterização da Revolução de Outubro como um “golpe” e defenderam que, nos meses cruciais de 1917, de junho a outubro, os bolcheviques tiveram cada vez mais apoio popular, especialmente da classe trabalhadora. A obra dos revisionistas de 1917 amparava-se numa pesquisa sólida, geralmente com informações dos arquivos soviéticos a que eles tiveram acesso graças aos recém-oficializados intercâmbios estudantis para alunos americanos e britânicos; e boa parte do campo da história demonstrou grande consideração por esses trabalhos. Porém, Pipes, a bem dizer, considerava esses autores fantoches soviéticos, e tinha tanto desdém por seus estudos que, quebrando o protocolo acadêmico, recusou-se até mesmo a reconhecer a existência deles em sua bibliografia. A classe trabalhadora russa era objeto de intenso interesse para os historiadores nos anos 1970. Não apenas pelo fato de a profissão de historiador social estar na moda na época – com a história do trabalho tornando-se uma subárea bastante popular –, mas também por causa das implicações políticas: será que o Partido Bolchevique tinha de fato apoio da classe trabalhadora e tomou o poder, conforme alega, em nome do proletariado? Boa parte dos trabalhos revisionistas ocidentais sobre a história social e do trabalho na Rússia, desprezados por Pipes, se concentrava na consciência da classe trabalhadora e indagava se ela era mesmo revolucionária; e alguns de seus praticantes, mas não todos, eram marxistas. (No campo não marxista, irritei outros revisionistas por ignorar a consciência de classe e escrever sobre mobilidade ascendente.)


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Os autores desses livros sobre o centenário têm suas próprias histórias, que são relevantes aqui. O primeiro livro de Smith, Red Petrograd (1983), cabia na rubrica da história do trabalho, ainda que, como um acadêmico britânico, ele fosse um tanto distante das lutas americanas, e seu trabalho sempre tenha sido cuidadoso e judicioso demais para permitir qualquer sugestão de viés político. Ele não parou por aí, e escreveu um belo e pouco valorizado estudo, Revolution and the People in Russia and China: A Comparative History (2008), no qual trabalhadores e movimentos trabalhistas continuaram desempenhando papel central. Steinberg, um acadêmico americano da geração seguinte, publicou seu primeiro livro sobre a consciência de classe dos trabalhadores, Proletarian Imagination, em 2002, quando a história social já havia dado sua “guinada cultural”, com uma nova ênfase na subjetividade e menos interesse em dados socioeconômicos “duros”. Mas esse foi praticamente o último grito pela classe trabalhadora na literatura sobre a Revolução Russa. Pipes rejeitou-o logo, defendendo que a Revolução poderia ser explicada apenas em termos políticos. Figes, em seu influente A tragédia de um povo, se concentraria mais na sociedade que na política, mas minimizaria o papel dos trabalhadores “conscientes”, enfatizando em vez disso um lumpemproletariado em fúria nas ruas promovendo destruição. Em seus novos livros, Smith e Steinberg demonstram estranha reticência sobre o tema dos trabalhadores, embora o crime nas cidades tenha entrado em seus campos de visão. McMeekin, o mais jovem dos autores aqui tratados, dispôs-se a escrever uma “nova história” – querendo dizer com isso uma história antimarxista. Seguindo os passos de Pipes, ainda que com seu toque pessoal, ele inclui no livro uma extensa bibliografia de obras “citadas ou consultadas com proveito”, que omite todas as histórias sociais exceto a de Figes. Isso inclui os primeiros livros de Smith e de Steinberg, assim como o meu A Revolução Russa (mencionado apenas no prefácio, como exemplo de trabalho marxista, de influência soviética). Pode-se argumentar que McMeekin não precisaria ler outras histórias sociais, uma vez que seu foco em The Russian Revolution, assim como em seus trabalhos anteriores, está nos aspectos político, diplomático, militar e econômico. Ele se vale de uma base de dados de arquivos de vários países, e o livro é bastante interessante em seus detalhes, especialmente nos trechos sobre economia. Mas há um toque de paranoia de direita em sua ideia de que o “socialismo maximalista de extração marxista” seria uma ameaça real nos países capitalistas ocidentais de hoje. Ele não chega exatamente a dizer que toda a Revolução, do trem de Lênin em abril de 1917 ao Tratado de Rapallo em 1922, foi uma conspiração alemã, mas é mais ou menos isso que sua narrativa sugere. Os pontos finais escolhidos pelos historiadores da Revolução revelam muito de seus pressupostos sobre o que ela “realmente” foi. Rapallo é, apropriadamente, o ponto final para McMeekin. Para Miéville, é outubro de 1917


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(o triunfo da revolução); para Steinberg, 1921 (não exatamente a vitória na Guerra Civil, como se poderia esperar, mas um final em aberto com negócios revolucionários ainda em andamento); e, para Smith, 1928. Esta última data é uma escolha estranha em termos de drama narrativo, pois significa que o livro de Smith termina com dois capítulos inteiros sobre os anos 1920, quando a Revolução reduziu seu ritmo sob a Nova Política Econômica (nep), um recuo das metas maximalistas do período da Guerra Civil acarretado pelo colapso econômico. De fato, a nep poderia ter sido o resultado da Revolução Russa, mas na verdade não foi, porque Stálin veio em seguida. Os dois capítulos sobre a nep, como o restante do livro, são profundos e bem-pesquisados, mas, como final, é mais um gemido que uma explosão. Isso nos traz a outra questão altamente controversa da história soviética: se houve uma continuidade essencial entre a Revolução Russa de Lênin e a de Stálin, ou uma ruptura fundamental por volta de 1928. Meu Revolução Russa inclui a “revolução de cima para baixo” de Stálin no início dos anos 1930, assim como seus Grandes Expurgos do final da década, mas isso é inaceitável para muitos marxistas antistalinistas. (Não é de se estranhar que a bibliografia anotada de Miéville o considere “útil […], embora associado de forma pouco convincente a uma perspectiva ‘inevitabilista’ de que Lênin levou a Stálin”.) O recorte feito por Smith dos historiadores sociais de 1917 geralmente coincide com o de Miéville, em parte porque era intenção dos dois defender a Revolução da mancha do stalinismo, mas, nesse livro, como em muitas questões, Smith se exime de adotar uma posição categórica. Stálin certamente via a si mesmo como um leninista, ele comenta, mas, por outro lado, Lênin, se tivesse vivido, provavelmente não teria sido tão brutalmente violento. A “Grande Virada” de Stálin em 1928-1931 “merece plenamente o termo ‘revolução’, uma vez que mudou a economia, as relações sociais e os padrões culturais de maneira mais profunda do que a Revolução de Outubro”. Mais do que isso, demonstrou que as “energias revolucionárias” ainda não estavam exauridas. Ainda assim, do ponto de vista de Smith, isso foi um epílogo, não parte intrínseca da Revolução Russa. A imparcialidade é a marca registrada do sólido e respeitável livro de Smith, e me dou conta de talvez não ter feito justiça às suas muitas virtudes. Na verdade, seu único problema – como o de muitos outros livros publicados neste 2017 do centenário – é que não fica claro o que o impeliu a escrevê-lo, a não ser talvez uma encomenda da editora. Ele identificou esse problema em si mesmo durante um recente simpósio sobre a Revolução Russa. “Vivemos uma época que não é especialmente favorável à ideia de revolução. […] Creio que, embora tenha aumentado significativamente o nosso conhecimento sobre a Revolução Russa e a Guerra Civil, em alguns aspectos-chave, nossa capacidade de entender – e certamente de simpatizar com – as aspirações de 1917 diminuiu.” Outros colaboradores do simpósio se mostraram igualmente melancólicos. O historiador russo Boris Kolonitsky chegou a observar


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que, embora a descoberta da verdade sobre a Revolução Russa parecesse de enorme importância para ele na Leningrado dos anos 1970, o interesse sobre esse assunto hoje “decaiu drasticamente”. “Às vezes me pergunto: quem hoje em dia se importa com a Revolução Russa”, diz Steinberg tristemente, enquanto Smith escreve na primeira página de seu Russia in Revolution que “o desafio que a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro de 1917 impôs ao capitalismo global ainda reverbera (mesmo que sutilmente)”. Em termos puramente acadêmicos, a Revolução de 1917 está em segundo plano já há algumas décadas, depois da excitação dos debates dos anos 1970 alimentados pela Guerra Fria. Já passou muito tempo desde que a extinta era imperial podia ser rotulada como “pré-revolucionária” – isto é, interessante apenas na medida em que levou ao desfecho revolucionário. Isso começou a mudar nos anos 1980 e 1990, com historiadores sociais e culturais da Rússia passando a explorar todas as outras coisas interessantes que não necessariamente levaram à Revolução, da literatura policial e popular à igreja. Com o colapso da União Soviética, em 1991, a Revolução se retraiu como tema histórico, revelando por trás de si a Primeira Guerra Mundial, cujo significado para a Rússia (ao contrário de todos os outros países envolvidos) até então fora incrivelmente pouco estudado. Aquele mesmo colapso, expondo as repúblicas não russas da União Soviética, levantou questões sobre o império e as fronteiras (daí o subtítulo do livro de Smith, Um império em crise, e o capítulo do livro de Steinberg, “Superando o império”). Nos anos 1960, era evidente para E.H. Carr, assim como para seus adversários, como Leonard Schapiro, a importância da Revolução Russa. Para Schapiro, essa importância se explicava porque a Revolução havia imposto na Rússia uma nova tirania política que ameaçava o mundo livre; para Carr, porque ela havia sido pioneira na economia do planejamento estatal centralizado, que ele entendia como uma visão do futuro. Abordando o tema nos anos 1970, concluí que, assim como as muitas “traições” da revolução socialista apontadas por Trótski e vários outros, houve muitas conquistas no âmbito da modernização econômica e cultural, financiada especialmente pelo Estado nos anos 1930. Hobsbawm apresentou um argumento semelhante em um panorama mais amplo, ao observar que “o comunismo de base soviética […] se tornaria essencialmente um programa para transformar países atrasados em avançados”. Essa observação sobre a modernização ainda me parece correta, mas, do lado econômico, perdeu seu brilho, pois se tratava de um tipo de modernização que hoje já não parece moderna. Quem ainda quer construir indústrias pesadas em um contexto de crise ambiental? A conclusão confiante de Brenton tem um triunfalismo do livre mercado que, como O fim da história, de Fukuyama, talvez não sobreviva ao teste do tempo, mas que reflete o veredicto negativo de boa parte dos autores de hoje sobre a Revolução Russa:


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Ela nos ensinou o que não funciona. É difícil imaginar algum tipo de retorno do marxismo. Como teoria da história, a Revolução já foi testada e falhou. A ditadura do proletariado não levou à utopia comunista, mas apenas a mais ditadura. Ela também fracassou como receita para o controle da economia. Nenhum economista sério hoje em dia advoga a propriedade exclusivamente estatal como caminho para a prosperidade. […] Uma das lições importantes da Revolução Russa foi que, para a maioria dos propósitos econômicos, o mercado funciona muito melhor que o Estado. A fuga do socialismo desde 1991 tem sido desenfreada.

Se a Revolução Russa possui alguma conquista duradoura, ele acrescenta, provavelmente é a China. Smith, em termos mais cautelosos, faz uma avaliação similar: A União Soviética se mostrou capaz de gerar um crescimento extensivo da produção industrial e de construir um setor de defesa, mas muito menos capaz de competir com o capitalismo, depois que este se adaptou a formas mais intensivas de produção e se encaminhou para o “capitalismo de consumo”. Nesse sentido, o desempenho dos comunistas chineses em promover seu país ao nível das principais potências econômicas e políticas do mundo foi muito mais impressionante do que o do regime em que eles fundamentalmente modelaram o seu. De fato, conforme avança o século 21, pode ser que venhamos a descobrir que a Revolução Chinesa foi a grande revolução do século 20.

Agora estamos diante de uma conclusão que a Rússia de Putin – ainda indecisa sobre o que acha da Revolução e, portanto, também sobre como celebrá-la – deve ponderar: a marca Revolução Russa está em perigo. Talvez, em seu bicentenário, a Rússia já tenha encontrado uma maneira de salvá-la, uma vez que o risco de perder um capítulo da história mundial do século 20 certamente não é algo que um regime patriótico deve ignorar. Para o Ocidente (supondo que a dicotomia extraordinariamente duradoura entre “Rússia” e “Ocidente” ainda sobreviva no próximo século), ela também há de parecer diferente. Os julgamentos dos historiadores, por mais que torçamos pelo contrário, refletem o presente; e boa parte desse rebaixamento apologético e condenatório da Revolução Russa simplesmente reflete o impacto – de curto prazo? – do colapso soviético sobre seu status. Em 2117, quem sabe o que as pessoas vão pensar?

A historiadora australiana Sheila Fitzpatrick (1941) é especializada em história da Rússia moderna. É autora de On Stalin’s Team: The Years of Living Dangerously in Soviet Politics e A revolução russa, que será publicado em 2017 pela editora Todavia. É colaboradora da London Review of Books, onde este ensaio foi publicado originalmente. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza


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#26 ½  julho 2017

instituto moreira salles  Walther Moreira Salles (1912-2001) Fundador Diretoria Executiva João Moreira Salles Presidente  Gabriel Jorge Ferreira Vice-Presidente Mauro Agonilha, Raul Manuel Alves Diretores Executivos

serrote é uma publicação do Instituto Moreira Salles que sai três vezes por ano: março, julho e novembro. Esta serrote #26 ½ só circula, gratuitamente, na flip 2017.  COMISSÃO EDITORIAL Daniel Trench, Eucanaã Ferraz, Flávio Pinheiro, Guilherme Freitas, Gustavo Marchetti, Heloisa Espada, Paulo Roberto Pires e Samuel Titan Jr.  editor Paulo Roberto Pires  diretor de arte Daniel Trench  editor-assistente Guilherme Freitas  coordenaÇÃO EDITORIAL Flávio Cintra do Amaral  ASSISTENTE DE ARTE Gustavo Marchetti  PRODUÇÃO gRÁFICA Acássia Correia  preparação e revisão de textos Flávio Cintra do Amaral, Juliana Miasso, Rafaela Biff Cera, Rita Palmeira, Sandra Brazil e Vanessa Rodrigues checagem José Genulino de Moura Ribeiro  © Instituto Moreira Salles  Av. Paulista, 2439/6º andar  São Paulo sp Brasil 01311-300 tel. 11.3371.4455 fax 11.3371.4497  www.ims.com.br  impressão e tratamento de imagens Ipsis As opiniões expressas nos artigos desta revista são de responsabilidade exclusiva dos autores. Os originais enviados sem solicitação da serrote não serão devolvidos.

© Beatriz Resende; © Leila Guerriero; © Rodrigo Bivar; © Sheila Fitzpatrick, ensaio publicado originalmente na London Review of Books (www.lrb.co.uk) agradecimentos Design Museum; Galeria Millan; Galeria White Cube; Leila Guerriero; Rodrigo Bivar; Teresa Berlinck capa Daniel Trench

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