DEZEMBRO 2016 4ª EDIÇÃO
ENTREVISTA EM EXCLUSIVO
DR. PAULO DE MORAIS
TRANSPARÊNCIA CRESCIMENTO ECONÓMICO
INDICIUM | 1
EDITORIAL
Coordenação: Rita Martins (coordenacao.indicium@gmail.com)
Administração: Jorge Castro (ad.indicium@gmail.com)
Departamento Editorial: • Mariana Madeira • Cristiana Loureiro • Denise Ferreira • Hugo Andrade • Jéssica Jacinto (colaboradora)
2016 foi o ano da Indicium Embora os primeiros preparativos tivessem começado ainda no final de 2015, foi em 2016 que o projeto da revista do DEGEIT arrancou. Ainda que lentamente e com algumas fragilidades, juntando alunos de áreas, conhecimentos e gostos um pouco díspares. 2016 foi um ano de desafios, incertezas, (re)aprovações e aprendizagens, que contribuíram para o crescimento e melhoria do nosso trabalho… Certamente que nos completou enquanto estudantes e cidadãos. Aprofundou as relações interpessoais, não só entre membros da equipa, como também entre professores, profissionais e organizações, que nos apoiaram e colaboraram connosco. A todos os que acreditaram na Indicium desde logo, assim como os que ainda acompanham e se interessam pelo nosso trabalho, deixamos um especial e sincero agradecimento. Este projeto de jovens é mais uma prova de dinamismo, de criatividade e de capacidade de resiliência, que mostra a todos que é possível verem nascer os seus projetos. O segredo é acreditar e não desistir à primeira. Ainda que nos faltem cumprir certas ambições, a equipa Indicium prometerá manter-se fiel aos seus leitores e, por isso, cá vos esperamos para mais um ano e para mais um semestre. Até lá, votos de excelentes leituras e festas felizes!
(editorial.indicium@gmail.com)
Departamento de Comunicação: • Pedro Silva • Stefania Moscato (comunicacao.indicium@gmail.com)
Departamento Comercial: • Beatriz Silva • Inês Sousa • Patrícia Jesus • Fábio Vaz (colaborador) (comercial.indicium@gmail.com)
Departamento Recursos Humanos: • Eduarda Reis • Ana Malheiro • Catarina Madeira • Melissa Ferreira • Luís Gameiro (recursoshumanos.indicium@gmail.com)
Mariana Madeira Responsável Editorial da Revista Indicium
Os
artigos
encontram-se
escritos
conforme a vontade dos autores.
Agradecimentos Esta edição não teria sido possível, sem um conjunto de pessoas a quem gostaríamos de deixar um especial agradecimento: -
Prof. Dr.º Carlos Costa Prof. Joana Costa Dr.º Paulo de Morais Dr.º Carlos Jalali
-
Dr.º João Batalha Engenheiro Canas Ricardo Silveira (Cualimetal) AIESEC AVEIRO
ao
abrigo (ou não) do acordo ortográfico,
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ÍNDICE 1 EDITORIAL
5
3 ECONOMIA NÃO REGISTADA
5 7
5 OS CUSTOS DA CORRUPÇÃO João Paulo Batalha
7 ENTREVISTA Dr. Paulo de Morais
11 MONLOU O doce cantinho de Aveiro
11
13 O CAMINHO PARA A CASA BRANCA DE DONALD J. TRUMP Dr. Carlos Jalali
15 EXISTE IGUALDADE DE
13
DIREITOS HUMANOS? AIESEC Aveiro
19 A CULTURA DOS DIREITOS HUMANOS
22 OPINIÃO
29
Desinteresse na política
23 ACONTECE NO DEGEIT 29 Dágeito Professora Joana Costa
ECONOMIA Por Mariana Madeira
NÃO
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REGISTADA
“Economia paralela atingiu mais de 27% do PIB nacional em 2015 e cresce desde 1970” Jornal Expresso, Nov. 2016 O peso da economia não registada (ENR) aumentou novamente no ano de 2015. Segundo os dados do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), este valor representa 27,29% relativamente ao Produto Interno Bruto (PIB) português, tendo vindo a crescer desde a década de 70, que se situava aproximadamente nos 9%. A ERN corresponde, assim, à parte da atividade económica que não é avaliada pela contabilidade nacional e, por isso, não é incluída no cálculo do PIB. O relatório Measurement of the Non Observed Economy, da OCDE (2002) tem em conta 5 áreas inerentes à ENR: - produção ilegal; produção não declarada (oculta ou subterrânea); produção informal; - produção para uso próprio/autoconsumo; - produção
subcoberta por deficiências estatísticas. A produção ilegal caracteriza-se pela produção, venda e distribuição de bens/serviços que são proibidos por lei (como as drogas, prostituição, contrabando, etc. em Portugal) ou que são legais, mas proibidos a indivíduos não autorizados (como a prática de medicina sem licença). Por outro lado, a produção oculta é caracterizada pela produção de bens/serviços legais, embora essa atividade não seja declarada para evitar pagar impostos ou taxas ou o cumprimento de normas de normais legais (como pagamento de salários mínimos, limite de horas de trabalho, regras de segurança e saúde no trabalho) e de procedimentos administrativos.
“Andam €49 mil milhões na economia paralela” Revista Visão, Nov.2016
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A produção informal é bem visível em atividades desempenhadas por camponeses, trabalhadores domésticos, pequenos comerciantes etc, com o intuito de gerar rendimentos e emprego para os indivíduos, e não “fugir” aos impostos ou contribuições. Por norma, a produção é feita em pequena escala, sem divisão entre os fatores produtivos, capital e trabalho. A produção para autoconsumo tem como objetivo a produção de bens, a serem consumidos por quem os produz.
“Taxa de 20% sobre economia paralela pagaria orçamento da Saúde” Jornal de Negócios, Nov. 2016
Segundo o OBEGEF, a excessiva carga fiscal relativamente aos impostos diretos (como o IRS e IRC) e indiretos (como o IVA), assim como as contribuições para a Segurança Social poderão estar nas principais causas da ENR. Fazendo-nos refletir que o fato de, em 2013, as empresas serem obrigadas a emitir fatura conduziu a uma “descoberta” de casos de não-contabilização da atividade para efeitos nacionais. Com essa obrigação, muitos negócios viram-se obrigados a encerrar pela insustentabilidade face às despesas (fiscais) que teriam que suportar. É também de salientar que na ausência de ENR, o peso do défice (em percentagem do PIB) poderia ser apenas de 0,85%, existindo portanto uma relação negativa entre o índice de ENR obtido, e o crescimento económico. Deste modo, para combater e atenuar esta problemática, há que haver uma maior transparência na gestão dos recursos públicos,
assim como um combate à fraude empresarial, como ao branqueamento de capitais. Para tal as entidades reguladoras terão que intervir de forma mais ativa e responsável, assim como a justiça agir de forma eficaz e rápida, e/ou possíveis alterações na legislação, de forma a ser mais adequada e rígida.
INDICIUM | 5
OS CUSTOS DA CORRUPÇÃO Por João Paulo Batalha, dirigente da Transparência e Integridade, Associação Cívica
«Corruption? Corruption is government intrusion into market efficiencies in the form of regulations. That's Milton Friedman. He got a goddamn Nobel Prize. We have laws against it precisely so we can get away with it. Corruption is our protection. Corruption keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are prancing around in here instead of fighting over scraps of meat out in the streets. Corruption is why we win.» Esta citação pertence ao filme “Syriana” – uma exploração da forma como se fazem negócios e política na indústria do petróleo. O monólogo é a reação de um executivo da indústria petrolífera ao saber que vai ser alvo de acusações criminais por ter subornado um Governo do Médio Oriente em troca de um contrato. O argumento do executivo é claro: é graças à corrupção que ganhamos. Ou seja, a proibição de subornar governantes estrangeiros constitui um obstáculo indevido ao negócio. Deixa os países cumpridores em desvantagem competitiva face às potências que não se impressionam em trocar um envelope por baixo da mesa, aqui e ali. “Corruption is why we win”. A questão, no entanto, é: “Who's we?”. Ganha quem, exatamente?
João Paulo Batalha é licenciado em História pela Universidade Nova de Lisboa. Trabalhou como jornalista e consultor de comunicação e foi um dos membros fundadores da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), a representante portuguesa da rede global de ONG anti-corrupção Transpa rency International. Atualmente, é dire tor de comunicação e outreach da TIAC.
INDICIUM | 6 É impossível medir com preci-
deste ano para um valor de 50
mais fraco – o cidadão – os
são os impactos económicos
mil milhões de euros de eco-
custos sociais, ambientais e
da corrupção. Sendo por defi-
nomia paralela em Portugal
políticos. A corrupção vive do
nição um negócio oculto, as
(conceito que abrange negó-
acesso ao poder e da relação
suas
são
cios corruptos e fuga ao fisco,
privilegiada com ele. No limite,
sempre imprecisas. Podemos
mas inclui também outro tipo
vive da captura de um poder
fazer
de criminalidade, como o tráfi-
que deixa de dar resposta à
co de droga).
prossecução do bem comum
reais
dimensões
estimativas,
sempre
discutíveis. No seu relatório
para se pôr ao serviço de inte-
anti-corrupção publicado em 2014, a Comissão Europeia
Sempre houve teóricos – ou
resses particulares. É a corrup-
estimou em 120 mil milhões
práticos, como o executivo
ção que agrava as desigualda-
de euros anuais as perdas
petrolífero do filme “Syriana”,
des sociais e afoga as peque-
financeiras causadas pela cor-
a apontar as externalidades
nas e médias empresas e os
rupção nos negócios públicos
positivas da corrupção como
jovens empreendedores em
na UE. Em Portugal, o Índice
ferramenta
contornar
impostos e regulação, para
de Economia Não Registada
burocracias e viabilizar investi-
proteger os grandes grupos
compilado anualmente pela
mentos. O problema é que a
que se servem do orçamento
Faculdade de Economia do
corrupção não é democrática
do Estado.
Porto apontava em janeiro
e deixa sempre para o elo
“
para
A Comissão Europeia estimou em 120 mil milhões de euros anuais as perdas financeiras causadas pela corrupção nos negócios públicos na UE
Recentemente, uma análise
que já lá estão”, em prejuízo
recuperar a integridade das
do Observador deu-nos outra
dos que querem iniciar algo
instituições e a autoridade do
métrica destes custos: 92% do
novo, entrar no mercado de
Estado
orçamento para investimento
trabalho, abrir um pequeno
privados que o capturam é, na
da Infraestruturas de Portugal
negócio. Ter uma oportunida-
essência, devolver aos cida-
em 2017 está já capturado
de. Para proteger uma fatia de
dãos a possibilidade de em-
para pagar as Parcerias Públi-
92% do bolo para os patrões
preenderem,
co Privadas rodoviárias. É um
das PPP, as próximas gerações
livremente, de decidirem em
brutal custo, não só económi-
perdem o direito a fazer esco-
conjunto o rumo a dar ao país.
co mas social, que qualquer
lhas sobre o seu futuro. Os
Recuperar
jovem empreendedor ou estu-
jovens ao serviço dos incum-
essencial para o desenvolvi-
dante universitário conhece
bentes. O futuro asfixiado pelo
mento
bem: Portugal é um país de
passado.
urgência que não tem preço.
incumbentes. É uma sociedade que protege e privilegia “os
Romper com a corrupção,
face
aos
de
poderes
investirem
essa
económico,
liberdade, é
uma
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ENTREVISTA
Por Mariana Madeira e Rita Martins
Dr. Paulo de Morais Paulo Alexandre Baptista Teixeira de Morais, licenciado em Matemática, com Mestrado em Comércio Internacional e Doutoramento em Engenharia e Gestão Industrial expõe, nesta entrevista, as suas ideias acerca do desenvolvimento económico e da eficiência do Estado. Transparente e sem receios de apontar situações corruptas, o ex-candidato à Presidência de Portugal, vem assim clarificar, na primeira pessoa, a realidade política e do estado português.
Percurso pessoal
A Matemática é a área de formação base do Doutor Paulo de Morais. Como é que o percurso académico o auxiliou na vida profissional? O pensamento matemático sempre foi essencial na forma como exerci a minha vida, tanto no plano pessoal como profissional. Aprendi a valorizar o rigor, o cumprimento de horários, o respeito pelos prazos de entrega, as contas certas. Mas há ainda dois outros aspectos que gostaria de salientar que, estando relacionados com a minha formação matemática, têm sido centrais na forma como exerço todas as minhas actividades. Por um lado, sempre tentei valorizar o pensamento estratégico, porque penso que só vale a pena desenvolver uma qualquer tarefa, por simples que seja, se percebermos qual o objectivo final do nosso trabalho e de que forma se integra na estratégia global da organização a que pertencemos. E, por outro lado, quem pensa de forma matemática tenta sempre abordar os problemas com que se depara de forma analítica, percebendo que um problema aparentemente insolúvel pode sempre dividir-se em dois ou três,
passíveis de ser enfrentados. É aversão optimista da Matemática. Foi dirigente associativo. Que momentos recorda do seu tempo de estudante? As recordações são imensas… e boas. Mas valorizo, enquanto Presidente da Associação de Estudantes de Ciências (no Porto, nos anos 80) a luta pela dignidade dos estudantes, que à época eram maltratados, no plano pedagógico e até de relacionamento, por muitos dos professores. Lembro uma bela jornada de luta, uma greve que durou mais de um mês no curso de Matemática, cujo objectivo era afastar um professor que não respeitava os seus alunos e, portanto, não tinha dignidade para o exercício do magistério da docência. Enquanto representante dos alunos da Academia do Porto nos Serviços Sociais, insurgia-me contra a qualidade miserável das refeições, ao mesmo tempo que os gastos públicos com as cantinas eram milionários. Já aí identificava os circuitos da corrupção, nos quais se esvaíam muitos recursos públicos.
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Que competências consolidou no exercício dessa função? Adquiri competências de gestão, quer de recursos humanos, quer financeiros, na administração da Associação. Mas a mais aprendizagem consistiu em compreender que devemos sempre, independentemente dos resultados, lutar pelos princípios em que acreditamos; e tentar juntar à nossa volta quem nos ajude nessa luta. E para isso é necessário desenvolver competências de liderança. As associações de estudantes trabalham em prol da promoção individual ou do bem-estar coletivo? Só faz sentido que trabalhem em função do colectivo: do bem-estar colectivo dos estudantes de hoje, sem perder de vista que todas as atitudes que hoje tomamos condicionam o futuro da Universidade e as
condições de que vão beneficiar (ou não) os estudantes futuros.
“
Sempre tentei valorizar o pensamento estratégico
Quando e como nasceu a sua consciência política? Nasci numa família com forte consciência política. Desde muito cedo, conversava com o meu Pai sobre os problemas do País. E é logo na adolescência que me apercebo que havia uma diferença abissal entre o potencial de Portugal e as condições miseráveis em que viviam e vivem os portugueses. Portugal dispõe de condições únicas, quer no plano físico, quer patrimonial e humano. E, no final, os cidadãos não usufruem das riquezas a que têm legitimamente direito. Se a
Desenvolvimento Económico e Transparência
Num momento, em que estão a emergir tendências protecionistas, de que forma o comércio internacional, aos mais diversos níveis, aproxima os países? O comércio internacional é um dos principais factores de aproximação de povos, culturas e países. Sou um defensor, o mais possível, da livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Com regras, pois há que defender um mercado verdadeiramente livre; e tal só tem lugar quando são equivalentes os regimes fiscais que produzem os bens em concorrência. Não é aceitável que operem em Portugal empresas que distribuem os seus lucros na Holanda ou que utilizem armazéns pertencentes a fundos imobiliários sedeados no Luxemburgo. Livre
concorrência, sempre houver equidade fiscal.
“
que
O comércio internacional é um dos principais factores de aproximação de povos, culturas e países
De que forma a transparência pode abrandar ou estimular o crescimento económico? A transparência é sempre um factor de desenvolvimento. Há aliás uma forte correlação positiva entre os Índices de Desenvolvimento Humano disponibilizados anualmente pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e os Índices de Transparência fornecidos, também anualmente pela Transparency International, nomeadamente o CPI, Corruption Perception Index.
matéria-prima é boa e o produto final é mau, o que falha é a gestão. E gestão numa empresa da dimensão de um país designa-se de… política. O que falha fundamentalmente em Portugal é a política. Conseguiu exercer essa consciência nos cargos que lhe foram atribuídos? Os cargos políticos e públicos que até hoje ocupei e ocupo nunca constituíram um fim em si mesmo. Foram apenas instrumentos para aplicação dos princípios que defendo, nomeadamente a transparência, o combate à mentira, o uso responsável dos dinheiros públicos, a luta incessante pela dignidade da pessoa humana.
“
Portugal dispõe de condições únicas, quer no plano físico, quer patrimonial e humano
Como poderá separar-se a privacidade do direito à informação, numa sociedade onde a cultura gira em torno das redes sociais? Estaremos a fomentar transparência ou voyeurismo? Na vida pública a transparência deve ser total, o acesso à informação deve ser regra. E incluo aqui a vida patrimonial de todos quantos andam na vida política ou pública, sejam deputados, ministros ou dirigentes de associação de intervenção pública, como é hoje o meu caso. O único aspecto da vida de todos que deve ser salvaguardado é o da intimidade (vida familiar e afectiva); e tão-só.
Na vida pública a transparência deve ser total, o acesso à informação deve ser regra
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Organização Política e Eficiência do Estado Se devidamente conduzidas, as obras do urbanismo poderão fomentar a coesão social? Como materializou esta matéria durante o seu mandato? O planeamento urbanístico deve estar ao serviço da coesão social. Para tal, é necessário que uma cidade ou vila se constitua como um conjunto de pontos de encontro e que a organização urbana e viária permita o fluxo de e para esses pontos de encontro. Deve haver um equilíbrio entre as funções comercial, habitacional e turística e deve combater-se todo o tipo de segregação social, geracional ou outra. Enquanto vice-presidente da Câmara do Porto, responsável pelos pelouros de Desenvolvimento Social, Urbanismo, Via Pública e Habitação procurei combater todo o tipo de guetização.
Tirámos as escolas do interior dos bairros sociais, abrimos vias que os arejassem; medidas entre muitas outras, tendentes em trazer para a vida da cidade as cerca de cinquenta mil pessoas que viviam sequestradas em alguns dos bairros sociais. Quando a recuperação social, num contexto urbano se revelou impossível, como no caso do Bairro São João de Deus de má memória, extinguiu-se o espaço, demoliu-se o bairro. Aprovaram-se muitos projectos (milhares) urbanísticos de pequena dimensão no centro histórico que era então desértico e inseguro. E muitas outras medidas, sempre tendentes a aproximar os cidadãos entre si e a integrar os núcleos familiares na cidade. De que forma o desenvolvimento e crescimento económico
Presentemente, os pensadores económicos vaticinam o colapso do modelo capitalista. Nos novos modelos é dado o papel de destaque às micro-comunidades. Qual o poder do papel autárquico na transição de paradigma? A Europa do futuro próximo, mais do que uma Europa de países, será constituída por uma rede de cidades de média dimensão. A concorrência dar-se-á ao nível das cidades. Aquelas que conseguirem melhorar os seus índices de qualidade de vida terão o maior sucesso. Pois serão estas cidades que virão a captar os melhores recursos humanos e serão estes que aportarão os projectos mais inovadores, as empresas mais rentáveis. E, com estes, virá, no médio prazo, a riqueza e o desenvolvimento. Qual a incumbência do Comité
Europeu Económico e Social? Sente que esse organismo cumpre com as suas funções que lhe foram atribuídas? O CEES emite regularmente pareceres que interpretam o sentido dos diversos actores europeus, é certo. Mas como a Comissão Europeia e os governos estão reféns dos grandes grupos económicos, só os acolhem quando os pareceres não afectam os interesses instalados. A maioria dos documentos que produz passam assim a ter um interesse meramente académico e limitado. Com o actual nível de (in)eficácia, será melhor que o CEES se extinga. Qual é no seu entender, o verdadeiro papel do Estado na Economia? O Estado deve deixar a economia funcionar livremente, em função da livre iniciativa dos indivíduos.
“esmagaram” as culturas locais? Poderá o poder local travar este fenómeno? O crescimento que esmagou a cultura local foi o da especulação imobiliária desenfreada que expulsou muitos cidadãos dos locais onde estavam enraizados para dar lugar a mamarrachos completamente desinseridos e desumanizados.
“
O crescimento que esmagou a cultura local foi o da especulação imobiliária desenfreada
Mas para que os indivíduos possam ter livre iniciativa é imperioso que disponham de igualdade de oportunidades; o que só é garantido com bons sistemas de Educação e de saúde. Bons e gratuitos. Para que as empresas concorram livremente, têm de existir modelos que garantam a concorrência, o que em Portugal não acontece. A Autoridade da Concorrência não cumpre o seu papel: há níveis de concentração inadmissíveis. No retalho, o conglomerado Jerónimo Martins controla a rede de supermercados “Pingo Doce” e simultaneamente a Unilever, que distribui uma percentagem significativa dos produtos de consumo doméstico que lá são vendidos. Na edição de livros, a
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a Porto Editora adquiriu as livrarias Bertrand, e até o Círculo de Leitores, mitigando a concorrência. E já para nem falar das entidades reguladoras da Electricidade ou das Comunicações - que têm estado controladas pelos operadores dominantes. Porque razão não emergem os movimentos de cidadãos em Portugal? Penso que irão emergir em breve. São necessários e até imprescindíveis. Até aqui a participação cívica tem sido praticamente nula. Tal acontece por diversas razões, mas eu salientaria duas. A primeira reside no facto de que os actores políticos normalmente discutem assuntos que estão distantes da vida dos cidadãos, ficam pelo acessório e esquecem o essencial. Só a título de exemplo, aquando da discussão pública do
Orçamento de Estado, no Parlamento o debate incide apenas em despesas que representam cerca de cinco por cento do total de despesa, que orça em perto de 80 mil milhões de euros. Os temas que habitualmente a política discute estão desfasados da vida dos cidadãos e representam questões menores. O segundo aspecto é a forma acrítica como a comunicação social recebe a informação dos políticos, das empresas, dos grupos de pressão, sem escrutinar minimamente a relevância ou até a veracidade da informação veiculada. Assim, a mentira ganha caminho quando se fala da necessidade (falsa) de recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos; e oculta-se o facto de que os proprietários que têm os seus imóveis em fundos de
investimento imobiliário estão isentos de IMI (imposto municipal sobre imóveis), ou até que se gastam anualmente cerca de dois mil milhões em rendas de parcerias público-privadas, resultantes de contratos ruinosos. A classe política e os media são cúmplices na ocultação dos maiores problemas do país. Os media, que deveriam constituir o quarto poder, capaz de escrutinar os outros três, reduziram-se à condição de cadeias de transmissão de todo o poder económico.
Será que os partidos políticos portugueses ainda não se esgotaram? Os actuais partidos dominantes estão capturados pelos negócios. Ou se libertam, renovam, ou morrerão lentamente. Sente que a atividade política precisa de ser credibilizada? Em Portugal, vive-se o grau zero da política. Esta está capturada pelos negócios. Os vários partidos têm como principal
actividade conseguir negócios para os seus financiadores; e distribuir empregos pelos seus apaniguados. E têm por único objectivo a manutenção do poder; para distribuirem mais negócios e mais “tachos” pelos “boys”, num ciclo vicioso infernal. A política carece de uma regeneração que a transforme na mais nobre de todas as actividades sociais: a tomada de decisões corajosas, sempre na defesa do interesse público e na
rejeição da corrupção. O poder que é delegado pelo povo nos seus representantes não pode estar ao serviço de interesses particulares. Enquanto os interesses particulares dominarem a política nacional, não haverá futuro para os nossos jovens. Nem presente para cada um de nós.
“
O poder que é delegado pelo povo nos seus representantes não pode estar ao serviço de interesses particulares. Enquanto os interesses particulares dominarem a política nacional, não haverá futuro para os nossos jovens.
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O doce cantinho de Aveiro Por Cristiana Loureiro e Denise Ferreira
Aconchego. É, precisamente, esta a palavra que emerge na mente de quem, pela primeira vez, entra na Monlou. Assim que os olhos perscrutam o ambiente ao seu redor, todas as sensações de bem-estar, conforto e segurança são ativadas e, de repente, o cliente sente-se em casa. Até mesmo, o próprio nome é associado, por vários visitantes, às expressões querido e doce. Este espaço inovador, que se identifica como uma Cake and Coffee House, inspirado em estabelecimentos semelhantes, que encantam em vários pontos do Mundo, como na América do Norte e Austrália, vem assim colmatar um vazio existente em Aveiro neste aspeto e, diga-se, com muito sucesso! Na Monlou tudo é estudado, pormenorizadamente, para agradar: desde a apresentação/decoração e design dos folhetos, totalmente criados e construídos pelos proprietários, ao atendimento, existe um cuidado desmedido, para que o cliente encontre ali o espaço ideal para desfrutar da plenitude dos seus sentidos. Procura-se, deste modo, levar o sorriso e a boa
disposição às pessoas, gerando-se uma relação informal e descontraída, mas educada. O serviço é, assim, adaptado a todo o tipo de clientes, desde os mais simples até aos que possuem um gosto mais refinado. Este local jovial nasceu há dois anos, do desejo dos seus proprietários de encontrar em Aveiro um lugar diferente. E, apesar dos contratempos iniciais, que todos os bons negócios sofrem, a Monlou apareceu, timidamente na rua Infante D. Henrique, para satisfazer todos, de todas as idades, que estejam abertos a um conceito distinto, trazendo uma lufada de ar fresco à cidade. Rapidamente, conquistou a população aveirense, não precisando de grandes gastos para divulgar o espaço. Bastou um exímio atendimento e os próprios clientes acabaram por fazer o resto, principalmente pelas críticas positivas recebidas nas redes sociais e até no entusiasmo demonstrado na sugestão de novas apostas de produtos
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Afinal, aqui não se toma o café simples ao balcão, como, nas tantas pastelarias e cafés, acontece. O cliente tem uma infinidade de bebidas para escolher, que se adequam aos gostos de cada um e, das quais pode degustar, no próprio local, com uma boa música de fundo, ou levar consigo, nos airosos copos, para que a possa saborear pelo caminho. Mas, não só de café se faz a Monlou. Existe uma ementa pensada, com um leque restrito de produtos: apenas aqueles que possam tornar a experiência do cliente a mais extraordinária possível. Assim, é imperativo, para quem entra pela primeira vez pela catita porta de vidro, provar os deliciosos croissants com Nutella ou os Muffins de chocolate Milka. As bebidas de época também são veementemente aconselhadas – o Pumpkin Spice no Outono e os refrescantes batidos no Verão. Claramente, muitos dos produtos são sazonais e devido, por vezes, aos nomes diferentes, pelos quais são denominados, a Monlou considera, também, como um dos seus papéis, instruir os seus clientes, no sentido de lhes explicar a composição de cada um. Mesmo sendo, um dos proprietários, engenheiro, não é fácil encontrar a R. Infante Dom Henrique, nº11 Aveiro 234 420 932 Monlou Cake and Coffee House
fórmula milagrosa para o sucesso. No caso da Monlou, preza-se pela qualidade dos produtos, do atendimento e pelo próprio espaço em si. Contudo, para alcançar tais atributos, ressalva-se um constante trabalho, brio e inúmeras horas dispensadas a estudar a melhor maneira de adoçar Aveiro. Afinal, para que a Monlou se torne, progressivamente, um marco no quotidiano do Aveirense é necessária uma aprendizagem constante dos hábitos e desejos do cliente e, com a constante mudança social, há a necessidade de uma adaptação, que se mostra fundamental para o crescimento da empresa. O plano atual cinge-se sobretudo na estabilização deste negócio local, tanto a nível de oferta de produtos, como na formação de colaboradores, para que, com estes, futuramente, se expandam para outras cidades do país, tal como ambicionam. Para quem vem a Aveiro e quer passar um serão deveras acolhedor, como se em casa se encontrasse, começa a ser inevitável visitar o pequeno espaço de chão e mesas de madeira e cheiro de chocolate e canela no ar. Imperdível!
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O CAMINHO PARA A CASA BRANCA
DE DONALD J. TRUMP Por Carlos Jalali, Diretor do Mestrado em Ciência Política DCSPT e GOVCOPP, Universidade de Aveiro
A 20 de Janeiro de 2017, Donald Trump tomará posse como o 45º Presidente dos Estados Unidos. Nessa data, formalizar-se-á um dos mais improváveis resultados políticos em democracia do período pós-guerra. Que factores levaram a este improvável desfecho? Esta análise é necessariamente exploratória, dada a ausência de dados individuais. Contudo, sugere que foram factores económicos e o desejo de mudança a impelirem o resultado de Trump, mais que as questões identitárias, mostrando a forte ligação entre economia e política.
O peso das questões identitárias Ao longo da campanha, vários comentadores argumentaram pela primazia das questões identitárias nestas eleições. Nesta perspectiva, a vitória de Trump seria reflexo de uma revolta de votantes brancos e masculinos. Contudo, os dados das exit polls1 contrariam esta leitura, com mais mulheres que homens a votarem em 2016: 53% das primeiras vs. 47% dos segundos, proporção idêntica às presidenciais de 2012. De igual modo, Trump obteve exactamente a mesma proporção de votos de homens que Mitt Romney, o candidato republicano em 2012 (52%); e perde eleitores brancos quando comparado com Romney,, obtendo 58% destes contra 59% de Romney. Mais surpreendente ainda, Trump
aumenta o voto republicano entre as minorias étnicas, obtendo 6% dos afro-americanos (contra 4% de Romney); 29% dos latinos (contra 27% de Romney); 29% dos asiáticos (contra 26% de Romney); e praticamente o dobro de votos de muçulmanos relativamente a Romney.
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O peso do voto económico Emerge uma importante componente de voto económico em Trump nestas eleições. Assim, 62% dos eleitores avaliavam negativamente a situação económica do país por altura destas eleições. Destes eleitores, Trump obteve 62%, o dobro de Hillary Clinton (31%). Trump consegue também aumentar a votação relativamente a Romney entre os eleitores menos afluentes. Nestes grupos, Trump obtém 41% dos votos, mais 3 pontos percentuais que Romney em 2012, o que poderá ter ajudado na vitória em estados decisivos do Rust Belt, o antigo cinturão industrial americano. Também relevante nestes estados poderá ser a posição crítica à globalização de Trump, afirmando-se contra a deslocalização industrial, obtendo 65% dos
O peso da mudança Ao mesmo tempo, o factor económico parece surgir em interacção com outro: a mudança. Para os eleitores, a qualidade mais importante dos candidatos era ser capaz de gerar mudança, com 39%. Este valor é praticamente o dobro da segunda resposta mais comum, ter experiência adequada. Os votantes em busca de mudança votaram esmagadoramente em Trump, que mobilizou 83% destes eleitores. Este factor ajuda a explicar não só as eleições presidenciais mas também as primárias do Partido Republicano. Nestas, Trump derrotou o grande favorito do establishment do Partido Republicano, Jeb Bush – irmão do 43º Presidente, George W. Bush; e filho do 41º Presidente, George H. W. Bush. Houve um Bush ou um Clinton nos mais altos cargos executivos do país durante 32 dos últimos 36 anos, com Clintons e Bushes não só como Presidentes mas também como Vice-Presidentes ou Secretários de Estado. Num contexto em que
eleitores que consideram que o comércio internacional leva a perda de empregos nos EUA. De notar que este grupo é maior que aqueles que consideram que o comércio cria empregos (42% vs. 38%).
os eleitores desejavam mudança, a falta de experiência política de Trump tornou-se uma vantagem; e a experiência e ligações a Washington de Jeb Bush e Hillary uma considerável fraqueza.
O Presidente dos EUA é descrito como o homem mais poderoso do mundo. Mas no sistema político de checks-and-balances americano, com partidos comparativamente pouco coesos, um Presidente está longe de deter todo o poder. Será Trump capaz de ultrapassar esses constrangimentos? Tanto a teoria como a história sugerem que tal desfecho é improvável. Mas também convém notar que Trump já conseguiu o improvável uma vez, ao vencer estas eleições.
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A IGUALDADE DOS DIREITOS HUMANOS
?
EXISTE
“É sempre com gosto que a AIESEC em Aveiro
colabora
Nesta
com
edição
a
INDICIUM!
apresentamos
testemunhos de jovens que passaram algum tempo integrados em culturas diferentes das suas e que nos trazem perspetivas humanos,
sobre baseadas
os nas
direitos suas
experiências.” Sara Silva, Presidente AIESEC-Aveiro
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Volunteering is the ultimate exercise in democracy. You vote in elections once a year, but when you volunteer, you vote every day about the kind of community you want to live in. Author Unknown
André Gomes de Castro Soares
Beatriz Dias
To: Portugal
To: Portugal
From: Egypt
From: China
Human rights have two main characteristics that make them unique, they are entitled to every human being and equality. Seems really straightforward, right? There is just one problem, in real life it’s exactly the opposite not every human you may come across is equal and has the same rights. When facing this fact you either have two options, just accept it or focus on creating solutions. It was with the mindset of creating solutions that I decided to volunteer in an AIESEC project, in Egypt. Has you may guess, it’s a different country and even though in theory, Egyptian society recognizes the same human rights as Portugal, in practice it doesn’t. Let’s consider equality of gender for an instance. Man have clearly more power in society than women, which are still seen as the housewife. In Egypt it’s common for young man to go out at night to have fun, but for most young women, their family expects them to stay at home where it’s safe. Has you may find inequality in human rights among man and woman you may also find other rights from politics to education which Egyptians aren’t full entitled with. So are they wrong in behaving like this? Actually no, it’s a matter of history and culture more than anything else, so if you think about it, Egyptian society isn’t that different from what the Portuguese society was a few decades ago, which makes me feel optimistic about the future.In the end one my biggest learning points , was that the kind of improvement our society needs don’t just happen by magic, each one of us should take responsibility for the world and start creating actions that will contribute to the kind of community we want to live in.
I was surprised when I got to China, there was none of the expected government brainwash people told me about in Portugal. People were critical of the government and I found several places that soldsouvenirs specially to make fun of Mao. So me and the other EPs assumed the stories and rumours about China were just grandly exaggerated. And I was happy about that, freedom of speech is one of the most important human rights to me, as long as it doesn’t harm anyone, I think all should be and act as they want. One night we were all strolling near pearl river and when we looked at the Canton tower, which as usual was glowing in rainbow colours, we asked what were the political views on gay marriage here. The answer was a surprised There are no gay people on China.. We didn’t push the subject, even though we all thought there was no way that was true. We started to pay more attention to the subject, and it was true that after 2 weeks in a city as big as Guangzhou we didn’t spot a single same-sex couple. After some research we found out that no it isn’t illegal to be in a homosexual relationship. But there is ban on media so that it doesn't show any type of homosexual relationship. But even though there is a serious force from the government to erase it, there are still gay people in China. In fact, some have been having ceremonial weddings, and since even middle schoolers can just get a VPN and access the internet that is blocked by the government, some awareness is starting to grow. So maybe in the future China won’t erase or try to hide a part of it’s population.
INDICIUM | 17
Tiago Fonseca
Raquel Lopes
De: Portugal
De: Portugal
Para: Índia
Para: Kharagpur, Calcutá, Índia
Na minha opinião, os direitos humanos são muito mais do que as normas/tentativas de leis que estão estipuladas. Para mim, os direitos humanos transpõem-se e aplicam-se no quotidiano, em tudo o que fazemos. Num resumo, os direitos humanos são tudo aquilo a que um ser humano deveria ter acesso a, sem ter que contribuir monetariamente para tal. São algo que todos nós deveríamos exigir e que exigem uma luta constante e gradual, visto que cada vez menos podemos “usufruir” dos mesmos e que se têm tornado cada vez mais em ideais pouco concretizáveis. No estágio que fiz na Índia, lidei com uma sociedade completamente diferente, na qual os direitos humanos deixam de o ser. Assuntos como educação, saneamento básico, trabalho, saúde, entre outros, não são providenciados na sua totalidade e quando o são, são-no em muito má qualidade. Contactei com crianças que tinham aulas na rua, no meio do lixo, dos animais, sem uma mesa ou uma cadeira para se sentarem e sem nada para calçarem. Na Índia, a diversidade cultural não é grande. São um país no qual não se vêm muitos estrangeiros, o que complica em muito uma possível diferenciação entre indianos e pessoas de outras origens. Nenhum de nós tem direito sobre os direitos de ninguém. Somos humanos e isso é, sem dúvida, o aspeto mais comum a todos nós. Como tal, os direitos humanos devem ser encarados igualmente por toda a humanidade e todos nós, independentemente da nossa origem, raça ou etnia devemos poder usufruir dos mesmos. A minha experiência de voluntariado na Índia foi enriquecedora, tendo contribuído em muito para o meu crescimento pessoal. É fácil pesquisar imagens para corroborar ou refutar as nossas perceções sobre um dado país, mas mais difícil é presenciar e viver o mesmo. Considero que a minha preparação mental antes de embarcar nesta aventura foi fundamental, para que o choque cultural não fosse tão grande. No entanto, há sempre aspetos dos quais nunca nos poderemos defender a 100%.
Chegada à Índia, o principal impacto explodiu nos primeiros minutos no centro de Calcutá: sujidade, pobreza extrema, odor a sofrimento e três gerações da mesma família a viverem na rua, a lavarem os dentes e a tomarem banho com a opaca água de um único balde. Foi agonizante testemunhar a precariedade de seres humanos completamente abandonados no cerne de uma cidade enorme, como se de objetos substituíveis se tratassem. A uma estudante europeia, estas situações não passam indiferentes como aos restantes indianos que percorrem, diariamente, aquelas ruas de lama, cegos à miséria que os rodeia. Não me é possível descrever o que se sente quando se sofre um choque cultural destes; por mais informados que estejamos, nada nos prepara para a realidade das ruas de uma das cidades mais pobres do mundo. Como noticiado nos media, a Índia é conservadora relativamente aos direitos das mulheres. Apesar de nunca ter sofrido qualquer atitude discriminatória devido ao meu género, fui venerada e perseguida, tal celebridade, por ser branca e ter cabelo aos caracóis. Se para as crianças eu era uma novidade entusiasmante, para os adultos era uma aberração. Acredito que estas atitudes discriminatórias sejam fundamentadas pela escassez de caucasianos com cabelo encaracolado nas zonas rurais do país. Após alguns dias na Índia, percebi que existe uma profunda disparidade de conceitos com a nossa cultura quanto a direitos humanos, qualidade de vida, discriminação e respeito. Entendi que, apesar das diferenças culturais e ideológicas, o fator que determina a presença de opressão é comum: incompreensão para com os outros seres humanos. Foi assustador verificar o quanto uma mente se pode expandir e que, na vida, eu nunca tive realmente problemas. Atualmente, considero que a cultura indiana não está correta nem incorreta quanto aos seus comportamentos sociais, que somente exala uma perspetiva divergente da europeia.
O nosso parceiro para esta edição
CUALIMETAL N A V E S
I N D U S T R I A I S
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INDICIUM | 19
CULTURA DOS
DIREITOS HUMANOS Por Cristiana Loureiro e Denise Ferreira
Ao longo da história da humanidade, muitos são os casos que se contam, revoltantes e verdadeiros, e que, atualmente, horrificam quem os ouve. O coliseu em Roma foi palco de várias lutas de escravos – os gladiadores – que treinavam e combatiam entre si, ou contra animais selvagens, para deleite de quem assistia e, no final, decidia sobre as suas vidas. Já mais tarde, a partir do ano de 1450, o negócio de escravos despoletou, sendo Portugal um dos primeiros países a enveredar pelo comércio de escravos africanos. Estes, são, apenas, dois exemplos de afronta aos direitos humanos, que ocorreram outrora, num tempo que, para muitos é, longínquo. Afinal, para
grande parte da população mundial, são águas passadas e a história não se tem repetido: o tempo em que ninguém possuía quaisquer direitos e tudo, bom ou mau, se podia praticar, acabou e faz parte de uma história negra, que a maior parte quer esconder, por vergonha alheia. Mas será que assim é? Será que em pleno século XXI, tudo isso acabou e os direitos do Homem são respeitados? Haverá ainda situações, ao redor do Mundo, em que é necessário proteger a vida humana? A título de exemplo, vejamos o que tem acontecido no Qatar, país acolhedor do Mundial de futebol de 2022.
INDICIUM | 20
Os trabalhadores imigrantes têm sido alvo de exploração laboral: vivem em condições paupérrimas, retêm-lhes os documentos e recebem uma miséria como salário. A denúncia foi apresentada pela Amnistia Internacional, que pediu, ainda, aos principais patrocinadores da FIFA, para a pressionarem a resolver este problema e a elaborar um plano de prevenção de abusos em projetos futuros. Recentemente, foi, então, assinado um acordo que visa a realização de inspeções internacionais aos estádios, no próximo ano, bem como às condições oferecidas aos operadores. Deste modo, será que este relato não se trata de escravidão disfarçada pela toma de outra designação? Será que exploração laboral difere muito de escravidão? Até que ponto os empregadores têm direito a submeter estes funcionários a condições degradantes?
Será que por serem estrangeiros possuem menos direitos que os residentes no Qatar? Estará enraizado, na sua cultura, que é normal tratar assim os imigrantes? De que forma é que a FIFA tem direito a intervir? A sua perspetiva sobrepõe-se à dos empregadores deste país? São várias as questões que se colocam e suscitam dúvidas relativamente à real evolução do homem.
INDICIUM | 21
Outro exemplo bem latente é a tentativa de proibição da utilização de burkinis nas praias francesas. Ultimamente, na comunicação social proliferam notícias acerca de atentados, por parte de radicalistas muçulmanos, em vários países europeus. Com a maior incidência destes casos, começa a crescer a intolerância às crenças muçulmanas: a islamofobia. Para muitos, esta proibição pareceu natural, pois justificou-se como um bem maior: a luta contra o Islão radical. Afinal, não significará o burkini a ostracização e a escravidão da mulher? Mas, que direito tem um país de proibir, pessoas de credos diferentes, de seguirem as suas crenças? Não está bem explícito na Declaração Universal de Direitos Humanos que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a
liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos?”
seu direito de escolha? Porque temos nós, ser humano, de generalizar o pensamento de muitos ao pensamento do todo? A nossa liberdade acaba onde a de outro começa: esta é a frase que facilmente traduz a maneira correta de lidar com as diferenças culturais, com respeito, por todos, e com vista a um mundo pacífico.
Esta tentativa de proibição, que depressa foi levantada, foi algo contestada e vista pelo alto comissariado da ONU para os Direitos Humanos como uma forma de estigmatização e perpetuação das ideias islamofóbicas, afirmando que “os códigos de vestuário, como os decretos antiburkini, afetam de maneira desproporcional as mulheres e as jovens e abalam sua autonomia ao negar a sua aptidão para tomar decisões independentes sobre sua maneira de vestir.” E a religião católica? Não usam as freiras vestes que tapam todo o corpo? Qual a diferença nos dois casos? Porque é que no primeiro, para muitos, é errado e no segundo é natural? Que direito tem qualquer um de nós de proibir uma mulher do
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OPINIÃO
Desinteresse na política Depois da eleição de Donald Trump como próximo Presidente dos E.U.A. as pessoas em todo o mundo despertaram para a política. O sociólogo Boaventura Sousa Santos perdeu a conta às conversas que teve sobre Trump. No entanto, os dados indicam que os cidadãos estão afastados da política. Nas eleições americanas apenas seis Estados e no distrito de Columbia é que um dos candidatos teve mais votos do que a abstenção. Temos o caso paradigmático do que acontece na Colômbia, onde neste momento se tenta pôr fim a uma guerra de mais de 50 anos entre o Governo e as FARC (neste referendo 63% dos cidadãos não votaram). Várias conclusões se podem tirar do estudo levado a cabo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), como por exemplo, o facto de 50% dos colombianos não estarem interessados na política. O estudo da OCDE mostra que em Portugal a percentagem é de 41% (como mostra o gráfico). A média da OCDE ronda os 20%. Um outro facto que é importante realçar, é o facto de que à medida que a idade desce o desinteresse pela política aumenta. Carlos Jalali, professor da Universidade de Aveiro, alerta para este problema: “Há muito pouca reflexão sobre como devemos enquadrar os jovens. Mas há uma lacuna na educação.” Para Boaventura Sousa Santos os cidadãos não estão alheados da política. O sociólogo defende que os cidadãos estão afastados dos políticos que as têm representado ao longo da História. O mesmo é dizer que estão afastados do sistema. Segundo Boaventura Sousa Santos: “Demitem-se de um certo tipo de política. Quando, em 2011, surgiu o movimento dos indignados, foi claro que estava errada a premissa de que os jovens estavam despolitizados porque tinham entrado na sociedade de consumo e não tinham outas preocupações. Eles não estão despolitizados, não estão é interessados na política dominante existente.” A política atual segue uma nova direção, que está por conhecer.
Por Hugo Andrade
Os cidadãos deixaram de acreditar nos partidos, na sua capacidade de lhes resolver os problemas concretos, no entanto continuam-se a concentrar em causas. Os partidos políticos precisam de se reinventar com “sangue novo” atraindo os melhores para a causa pública. No entanto, há um longo caminho a percorrer, onde os jogos de interesse devem ser ultrapassados.
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ACONTECEU
NO DEGEIT
A
presente
rúbrica
constitui
um
ponto
fundamental na revista Indicium, pois permite mostrar
de
atividades
uma do
forma
DEGEIT,
mais
específica
as
essencialmente,
as
realizadas pelos núcleos e associações. Nesta quarta edição o Núcleo de Estudantes de Economia
da
AAUAv,
a Associação
de
Engenharia e Gestão Industrial de Aveiro, a AIESEC
e
contribuíram
a de
Aveiro forma
Smart exímia
Business e
por
isso
deixamos o nosso especial agradecimento.
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II Encontro Nacional de Dirigentes Associativos de Economia e Gestão – Coimbra No passado dia cinco de novembro do presente ano, o Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica da Universidade de Aveiro (NEEC-AAUAv) deslocou-se a Coimbra para participar em mais um Encontro Nacional de Dirigentes Associativos de Economia e Gestão (ENDAEG). Com o objetivo de melhor representar todos os estudantes destas áreas realizou-se um trabalho conjunto entre dirigentes conseguindo,
assim, dar passos importantes para a criação da Associação Nacional de Estudantes de Economia e Gestão. Em cooperação com o NEG-AAUAv, defendeu-se os interesses dos estudantes da nossa Universidade, mantendo uma posição firme durante toda discussão. No próximo dia dezassete de dezembro realizar-se-á mais um ENDAEG, desta vez, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
AIESEC AVEIRO: Personal Devlopment Cycle – 3ª Edição No dia 23 de Novembro, decorreu no DEGEIT a terceira edição do Personal Development Cycle! Como um complemento às competências, que se adquire durante as aulas, este evento foi pensado para ajudar a melhorar e explorar as softs skills dos estudantes da Universidade de Aveiro. Neste sentido, na 3ª Edição do Personal Development Cycle, a AIESEC contou com três oradores diferentes que visaram orientar/motivar os alunos da UA. Os temas desta 3ª edição foram:
http://www.aiesec.pt/ www.facebook.com/aiesecinaveiro/ general@aveiro.aiesec.pt
Comunicação, abordado pelo professor Silvio Santos, professor de Rádio e Jornalismo Multimédia da Universidade de Coimbra; Inovação, abordado pelo diretor Ricardo Correia da TotalFun, agência de viagens e animação turística de Coimbra; Empreendedorismo, abordado pela professora Mariana Pita, da Universidade de Aveiro.
INDICIUM | 25
"The Art of Negotiation Business Meeting" Estudantes convidados a conhecer os segredos da arte da negociação A Associação de Engenharia e Gestão Industrial de Aveiro (AEGIA) promoveu no dia 30 de novembro, entre as 15h30 e as 23h00, o "The Art of Negotiation Business Meeting". A decorrer no auditório do Departamento de Mecânica e no restaurante Olá Ria, o evento foi iniciado com a realização de duas palestras com duas temáticas sobre negociação, integrando as componentes de "negotiation skills" e de "networking". A primeira, dedicada à temática “How to Negotiate”,orientada por João Bogalho, e a segunda, com o tema “Beyond Reason” foi da responsabilidade do CSO da WALK, João Magalhães. Ao final da tarde, com uma vertente mais prática, decorreu o “Negotiation Skills”, que consistiu numa breve avaliação da apresentação que os participantes fizeram de um caso de negociação sugerido, por parte de 16 empresas de renome nacional e internacional, entre as quais a SONAE, WALK, EDP, Altice Labs, Yazaki, Mahle, Geisertech, PSiEngine, Pecol, Grupo Simoldes, Exatronic, AEVA, Prio Energy, Leroy Merlin, ECCO e Gestluz Consultores. A finalizar, realizou-se um jantar no restaurante Olá Ria que pretendeu promover um momento de networking entre os participantes e as empresas. Este evento contou com a presença de mais 60 alunos de 3 Universidades diferentes e 4 departamentos da Universidade de Aveiro. A primeira edição do “The Art of Negotiation – Business Meeting”, surge assim com o propósito de promover o contacto entre os estudantes da Universidade de Aveiro e o tecido empresarial sob a temática de negociação, de modo a dar importância a esta arte e às oportunidades que esta cria.
www.aegia-lgaveiro.com www.facebook.com/aegia.ua degei-aegia@ua.pt
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Aveiro Smart Business Clip solidário - Make a change Este Natal, a Aveiro Smart Business lança-te um desafio. A ideia é seres solidário enquanto te divertes. E a ideia é a seguinte: A Smart dá-te um clip e tu podes trocá-lo por outro bem (por exemplo: alimentos, brinquedos, material escolar, roupa, etc.). Os bens serão recolhidos à entrada do DEGEIT, onde estará uma caixa devidamente identificada. Esta encontrar-se-á lá entre os dias 13 a 21 de dezembro. Após esta data, os bens recolhidos serão entregues a instituições de cariz social. Para conseguirem obter os vossos clips poderão entrar em contacto com alguns dos nossos membros, presencialmente, por mail (para gestordeprojetos@asmartbusiness.pt), podem dirigir-se ao gabinete da Smart, 10.2.18, ou podem dirigir-se à Assistente Operacional do DEGEIT, a D. Célia. É de salientar que podem existir múltiplas trocas, por exemplo: uma pessoa pode começar com um clip, trocá-lo por uma caneta e depois
trocar a caneta por um jogo. Para além disso, cada pessoa pode convidar amigos a unirem-se a este movimento: se tu trocares uma caneta por um livro, a pessoa que ficou com a caneta pode também ser convidada a trocar a mesma por bens para oferecer às instituições. Assim, a Smart convida todos os estudantes, professores e funcionários do nosso departamento e da Universidade de Aveiro a fomentarem o seu espírito solidário nesta época natalícia. O canadiano Kyle MacDonald também começou com o clip e conseguiu alcançar uma casa. E tu, o que conseguirás oferecer uma casa?
http://asmartbusiness.pt/ facebook.com/asbusiness geral@asmartbusiness.pt
Núcleo de Estudantes de Economia da AAUAv: Atividades Realizadas Ainda durante o mês de novembro, o NEEC-AAUAv em conjunto com o NEEQu-AAUAv organizou uma das conferências do Fórum 4e cujo nome foi “O caminho para o sucesso”. Esta palestra teve como objetivo tirar dúvidas aos estudantes e dar conselhos aos mesmos para terem um melhor desempenho e sucesso desde o momento de uma candidatura a um emprego até ao momento de integrar a empresa. A palestra correu muito bem e teve sala cheia, motivo de orgulho para a organização. No penúltimo dia de novembro, o NEEC-AAUAv continuou com mais uma das suas rubricas, o ContraPonto. Nesta edição, o tema foi a legalização da prostituição e contamos com a presença do professor Hugo Figueiredo para nos ajudar a perceber melhor esta temática.
facebook.com/NEEC.AAUAv neec@aauav.pt
DE NATAL
Charles Dickens
Por Joana Costa, docente DEGEIT
DÁ geito
UM CONTO
INDICIUM | 27
Nas primeiras décadas do séc. XIX, a moda era retratar os detalhes da vida quotidiana através de novelas, sempre que possível ficcionando nomes, maquilhando detalhes e exagerando factos dando algo mais de épico ao simples quotidiano e adicionar ilustrações que dariam algum humor a factos doutra forma entediantes. É assim que se imortaliza e dá a conhecer a vida Inglesa nos tempos Victorianos, elevando-a ao tom de sátira, sendo que doutra forma estaria condenada ao esquecimento dos vulgares. Charles Dickens é considerado como um dos notáveis da literatura do seu tempo, sendo um génio criativo e um modelo seguido por muitos. Destaca-se nas suas obras a mordacidade e transversalidade da crítica social. Os seus escritos reincidem na descrição da economia e da ordem social recorrendo a personagens de certa forma cómicos e repulsivos. Quiçá a razão do sucesso das histórias Dickens resida no facto de que as suas obras não sejam tão ficcionais quanto isso, tendo uma forte dose de realidade.
Um conto de Natal (1843) não será disso excepção, aliás, o nosso autor escreveu-o em poucas semanas com o intuito de reunir fundos para liquidar as suas dívidas. Esta não seria a primeira vez que o sobre-endividamento assolava os Dickens. Na sua infância, o seu pai foi condenado à prisão por dívidas, arrastando consigo a mãe e irmãos do nosso autor, que apenas escapou por ser mais velho. Nessa época, todos aqueles que se revelassem incapazes de solver os seus compromissos financeiros teriam de desenvolver trabalhos forçados por forma a angariar o necessário para restituir os seus credores. Viveu uma infância e juventude com severas privações, e entre várias ocupações desse tempo foi jornalista. Dickens permaneceu revoltado com a condição dos pobres, bem como na sua incapacidade em mudar a sua sorte; estes desgraçados viviam, a duras penas, de empréstimos com juros proibitivos num limbo entre a miséria e o cativeiro. Dickens revisita as privações que também sofreu vendo a vida dos operários fabris da época e revolta-se contra este facto.
INDICIUM | 28
DÁ geito A desgraça dos sobre-endividados é satirizada de forma única em Um conto de Natal, a desgraça da sua dependência e a forma implacável como lhes eram exigidos juros que não conseguiam suportar. Sendo um severo crítico da pobreza extrema e da estratificação social presentes na sociedade Victoriana, Dickens aborda o problema da insolvência em várias das suas obras criticando-o e procurando alertar as consciências para a necessidade da busca de uma solução para este flagelo social.
“
Dickens permaneceu revoltado com a condição dos pobres, bem como na sua incapacidade em mudar a sua sorte
Esta história relembra à economia do flagelo dos esquecidos, do trabalho infantil, das condições laborais miseráveis, dos horários intermináveis, e, procura alertar a sociedade para as suas consequências. Aliás, o próprio Marx sublinha a contribuição de Dickens para os problemas sociais e económicos, dando-lhe mais credibilidade do que a vários políticos e economistas da época. O enredo gira em torno de Ebenezer Scrooge, um prestamista avarento que explora o seu funcionário tal como todos os seus devedores, que despreza. Diz-se que Dickens se inspirou no pensamento Malthusiano para construir este personagem. As cobranças de Scrooge são implacáveis em tempo e montante, aplica sucessivas multas e coimas a todos os que se atrasam. Indiferente a toda a desgraça que o envolve, desdenha e sente-se quase enojado com os desgraçados que dele dependem levando-os muitas vezes à insolvência. Focado na sua avidez em acumular riqueza, Scrooge dedica todos os dias ao trabalho sem excepção do Natal. Para ele o Natal era uma fraude,
entendendo-o como um dia roubado ao calendário pela falta de produção generalizada, incluindo a do seu assistente.préstimos com juros proibitivos num limbo entre a miséria e o cativeiro. Dickens revisita as privações que também sofreu vendo a vida dos operários fabris da época e revolta-se contra este facto.
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DÁ geito Na noite de Natal, revoltado e sozinho, Scrooge vai deitar-se e em sonhos é visitado por fantasmas que o aterrorizam. Entre estes, contam-se o do seu sócio, que o alerta para a desgraça causada pela sua avareza e para a infelicidade a que está condenado; pelo fantasma dos Natais idos, onde revisita, por momentos a felicidade que viveu quando era mais flexível nos seus contratos e quando repartia o seu tempo com a sua família; em seguida aparece-lhe o fantasma do Natal presente, que lhe faz ver a sua própria desgraça, solidão e infelicidade, e lhe mostra tudo o que está a perder, bem como toda a felicidade daqueles que, mesmo materialmente diminuidos tem o calor das suas famílias; e, por último e não menos assustador, o fantasma dos Natais futuros, que lhe mostra uma morte próxima, num leito de sofrimento e esquecimento. Este último fantasma,
afecta-o particularmente, já que lhe mostra a sua doença e morte, roubado pela sua governanta e enterrado de forma absolutamente indigna. Nesse sonho, o avaro Scrooge assiste à morte de Tiny Tim, filho do seu empregado, que sucumbe doente pela falta de meios económicos do seu pai, que Scrooge explora. Confortado com a desgraça do pequeno, e a sua própria, Scrooge implora ao fantasma tempo para corrigir os seus actos indignos.
O pedido de Scrooge é atendido, e este acorda espavorido com o objectivo de corrigir os seus excessos. Aumenta o seu funcionário, pagando-lhe um salário justo; ajuda Tiny Tim abandonado por um sistema de saúde inexistente e flexibiliza as exigências aos seus devedores. Este comportamento, em lugar de o empobrecer enriquece-o financeira e pessoalmente, gerando um entorno positivo à sua volta. Talvez esta novela tenha mais de económico do que possamos pensar, a apesar de ter sido escrita há quase dois séculos seja mais actual do que nunca. Talvez Dickens nos quisesse explicar que a pobreza não é um problema confinado aos pobres e que a sua desgraça tarde ou cedo contagiaria os ricos. Talvez possamos aceitar que nem todos os que estão em situação difícil tem exclusiva responsabilidade por isso, e, talvez metê-los numa cadeia não seja a solução. Talvez o afrouxar de exigências insuportáveis aos mais fracos beneficie
mais os que deles exigem do que a eles próprios. Talvez seja esta a solução para o estado de muitas economias ditas desenvolvidas nos dias que correm...
A INDICIUM DESE JA
UM FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO