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JAN 2015
Ficha Técnica Direção: INDIEROR Redação: Diogo Martins Martins, Marta da Costa, Rúben Sevivas, Tiago Ribeiro Colaboradores (Residentes): Ana Xavier, Manuela Raínho, Ernesto Areias, Paulo Coimbra, Tânia Santos, Wilson Pinto Design: INDIEROR, Wilson Pinto Grafismo: Tiago Ribeiro, Diogo Martins Martins Revisão: Marta da Costa Fotografia: Marta da Costa, Tiago Ribeiro A Ror de Coisas é propriedade da INDIEROR. Todos os artigos originais são propriedade da mesma.
1º Edição | 2015
É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotografias ou ilustrações da revista Ror de Coisas para quaisquer fins, incluindo comerciais, sem autorização expressa da Direção.
Índice
O Grito a Ouvir
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Transmontanos pelo Mundo
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A União de Facto entre Chaves e a Modernidade
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Entrevista a Isabel Seixas
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Uma Viagem Contemporânea pela Arquitectura Flaviense
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O Misticismo de uma Terra Prometida
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O Sistema Solar na Malha Urbana de Chaves
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Entre Aspas
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No Dia em que a Cultura Morrer
48
*
50
Os Poderes Imateriais
52
Coordenadas
54
Agenda Cultural
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ror
| s.m.
ror |么| substantivo masculino [Popular] Grande quantidade; multid茫o.
O Grito
a Ouvir
As árvores quando estão a morrer gritam. Foi das poucas publicações do Facebook que se destacou no meio de tantas selfies e mensagens esperançosas de mudança para este novo ano. Ainda assim, não deixa de ser uma notícia peculiar para início de um novo ano, bem como para início de um ciclo de atividade como será o ROR de Coisas. Portugal está a morrer. O interior do país está a morrer. Trás-os-Montes há muito que assinou a sentença de morte e, ainda assim, não se ouviam gritos. Foi nesta linha de pensamento que o projeto INDIEROR surgiu: a preocupação com a identidade transmontana, aliada à necessidade de conceber cultura em regiões inanimadas levou à criação de uma produtora cultural. E quais as bases desta produtora? A formação académica dos quatro fundadores dita a linha de ação dos INDIEROR, aliando o poder da imagem à
multimédia, numa produtora que se apresenta como Independente e disposta a realizar um ROR de atividades de qualidade laudável. E assim nasce ROR de Coisas, uma revista de cariz cultural, focada na província transmontana, cujo intuito passa pela divulgação das atividades que já se realizam na região, e pela abertura do espírito do interior norte de Portugal às necessidades culturais do país e do mundo. Com um grupo de colaboradores espalhados por vários pontos do globo, ROR de Coisas apresenta-se de forma bimestral, esperando contribuir para que este grito de quem tem orgulho em ser transmontano se faça ouvir por todo o mundo. Ainda não estamos prontos para morrer. Gritemos então. _
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Transmontanos pelo Mundo Ana Xavier 25 anos Londres | Reino Unido Fotografia | Ana Xavier
Acabei em Londres por mero acaso: a minha melhor amiga ia para lá estudar ilustração e convenceu-me a juntar-me a ela; já tinha visitado Londres antes mas nunca me tinha passado pela cabeça ir para lá viver. Depois de terminar a minha licenciatura em Ciências da Comunicação, ter estagiado na extinta Rádio Clube Português e Regiões TV, e ter trabalhado durante quase um ano na Rádio Larouco como jornalista e locutora senti que precisava de uma formação mais específica em rádio, e que sítio seria o melhor para aprender do que o Reino Unido? Acabei por escolher o curso de Advanced Radio Production da escola de produção musical
Point Blank em Shoreditch pelos cursos serem para grupos pequenos e em part-time, o que me permitia trabalhar também em part-time, abater os gastos (que só em renda e transportes rondam as cerca de £500/600!) e claro, tirar o pó ao inglês mais rapidamente! Trabalhar em média em Londres é muito, muito difícil, afinal de contas, o mundo inteiro quer trabalhar na “capital da Europa” e tal como em todos os países, as redacções ainda são muito jovens. Notei que existe uma maior mobilidade de emprego no mercado inglês do que no português e a progressão profissional é
também muito mais veloz: se estás na mesma função numa empresa durante mais do que um ano toda a gente começa a inquirir o porquê, porque é suposto estares constantemente à procura do próximo desafio!
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Neste momento divido a minha semana a trabalhar em marketing digital e em rádio: ser freelancer permite-me uma grande liberdade na forma como organizo o meu tempo entre projectos; para além disso, consigo aproveitar a cidade de outra forma por ter um horário mais livre. Quanto ao trabalho em rádio, há já dois anos que faço um programa sobre cultura e artes no este de Londres chamado EastCast show. Inicialmente apenas queria fazer a produção mas gradualmente envolvi-me mais com a parte da locução e desde então já vão mais de dois anos de programa! Descobri projectos muito interessantes: o “Museu das Curiosidades” que é um museu alternativo que inclui ossos de Dodó, uma escultura feita de pó e arte erótica japonesa; “O grupo das Cassarolas”, um projecto intergeracional e intercultural que junta jovens de Tower Hamlets com residentes idosos para partilharem histórias da área e “Guerilla Science”, um projecto que
pretende trazer o conhecimento e a ciência à praça pública através de iniciativas arrojadas como um “Banquete de cérebros” ou exposições sobre sons do cérebro. Pelo caminho também fizemos várias emissões em directo de locais como o mercado de “Chrisp St”, o primeiro mercado pedestre a ser construído em Londres depois da reconstrução da cidade após a II Guerra Mundial; ou a emissão da “Narrow Way” com os residentes de Hackney para um projecto conjunto com o Museu de Hackney. Uma coisa fantástica que existe no Reino Unido é rádio para hospitais: isso mesmo, uma rádio que é emitida dentro do próprio hospital, unicamente para o hospital, ou melhor dizendo, para os utentes que estão internados durante longos períodos de tempo. Estas rádios são geridas e compostas unicamente por voluntários que se dividem por grupos: uns são responsáveis
pela locução dos programas, outros percorrem as camas do hospital numa especie de "discos pedidos", onde aproveitam para trocar "dois dedos de conversa" com quem se sinta mais solitário ou simplesmente para ficar a saber a história por trás do próprio pedido! Pessoalmente sempre me interessou mais estar envolvida com rádios comunitárias, porque existe maior liberdade criativa para fazer os programas ou entrevistas. 9
Acasos: Algo a que não damos muito valor em Portugal e que aprecio imenso em Londres é a espontaneidade de encontrar alguém conhecido na rua, num contexto (por norma sempre) improvável - bom, o facto de numa cidade só haverem tantos habitantes como em Portugal inteiro torna tudo já por si bastante improvável! Enquanto escrevo este texto estou a caminho de Portugal para passar o Natal com a minha família e no mesmo vôo encontrei dois amigos de amigos por mero acaso, também eles prontíssimos para desfrutar da comida transmontana!
Também trabalho para a Dame Kelly Holmes Trust, uma fundação que faz um trabalho incrível: ajuda atletas de alta competição a fazer a transição para a vida pós-competição profissional e através deles, inspira jovens a encontrarem um rumo na vida: seja re-matricularem-se na escola, encontrarem emprego ou inscreverem-se em formações profissionais. O meu trabalho passa um pouco por todos os departamentos porque estou encarregada da estratégia das redes sociais, design de documentos oficiais, packs informativos e também de criar/editar case studies dos jovens/atletas. _
No último ano notei um aumento enorme do número de portugueses a viver em Londres, principalmente no este, onde sempre morei. É curioso perceber que áreas como Hackney, Shoreditch, Dalston, Bethnal Green e Clapham que já por si são bastante multiculturais, têm-se tornado num grande pólo de tugas (e para ser sincera, de Londres inteira, já que nos últimos cinco anos se tornou muito cool viver no este). O encanto desta cidade é sem dúvida a capacidade que tem de se auto-renovar e de se modificar constantemente e é isso que faz com que a frase de Samuel Johnson continue a fazer sempre sentido: “When a man is tired of London, he is tired of life; for there is in London all that life can afford”. O encanto dela é também a forma como nos muda e marca, só tens é que deixar.
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A União de Facto entre Por Marta da Costa
A 11 de Dezembro de 2013, Chaves via partir um dos filhos que mais longe levou o nome da terra. Nadir Afonso morria aos 93 anos deixando um extenso e rico espólio artístico em diversas áreas. Pouco mais de um ano após a sua morte, a cidade de Chaves prepara a inauguração do Museu Nadir Afonso, um projeto ambicioso que pretende incluir Chaves na rota cultural nacional e internacional. O ceticismo está presente, mas a Câmara Municipal de Chaves não tem dúvidas: o Museu Nadir Afonso será “uma mais valia cultural para a cidade e para o país”.
Chaves e a Modernidade
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A ostentação de um projeto Siza Vieira Em 2002 foi estabelecido um acordo entre o então Presidente da Câmara de Chaves – João Batista – e o mestre Nadir, cujo objetivo seria o de criar um edifício para a sua Fundação. Nadir Afonso propõe o arquiteto Siza Vieira como responsável pela projeção do edifício e, o agora Museu Nadir Afonso, começa a ser planeado. A ideia inicial é a de ser estabelecido um regime de comodato com a Fundação (que na altura ainda não estava constituída e definida como Fundação Nadir Afonso), isto é, a Câmara disponibiliza o espaço, e a Fundação ficaria responsável por toda a gestão e manutenção do edifício. A morte de Nadir inverte o rumo do projeto. Desta
forma, é a Fundação que faz o comodato das obras do mestre à Câmara Municipal para expor, guardar e conservar naquele edifício. A mudança de ideia face à gestão deve-se, segundo Laura Afonso, ao facto do projeto ser bastante ambicioso – “nós (Fundação Nadir Afonso) não tínhamos estrutura capaz de sozinhos dar continuidade a um projeto destes”. Ainda assim enfatiza que “será um grande projeto para Chaves. Irá colocar Chaves na rota da cultura, nos centros de cultura dos grandes museus e, uma pequenina instituição como a Fundação Nadir Afonso, não tinha capacidade para assegurar o funcionamento de um museu desta envergadura”.
As elevadas expectativas repousam na assinatura Siza Vieira, que já atraiu a visita de arquitetos e a publicação de um artigo na revista internacional Monocle. O Presidente da Câmara de Chaves realça e valoriza estes factos afirmando que “estamos a falar de uma obra de arquitetura do Sr. Arquiteto Siza Vieira; só por si já vale, já atrai gente”.
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O preço da ostentação Um projeto desta dimensão está avaliado em 10 milhões de euros, sendo que 25% desse valor é pago pelos flavienses. É no campo financeiro que as críticas se fazem ouvir, chegando à Câmara Municipal de Chaves que afirma de forma convicta que “há aí uma certa crítica de que o museu vai dar prejuízo à Câmara Municipal na sua gestão: é verdade”. António Cabeleira adianta que acredita “que em Portugal nenhum museu dará lucro. Nenhum museu em Portugal cobre as despesas de funcionamento”, ainda assim este pensamento não deverá servir de desculpa para não se apostar na cultura, segundo o autarca. “Infelizmente os hábitos culturais dos portugueses são fracos e a quantidade de pessoas que vai ao teatro, a espetáculos de música, exposições, etc, não é tão grande quanto isso que desse para a receita de entrada sustentar os diferentes equipamentos e as diferentes atividades culturais. Então se assim fosse isto fechava tudo e
éramos um país triste”, comenta António Cabeleira que não considera o Museu Nadir Afonso um projeto arriscado. Laura Afonso não gosta de falar em prejuízo – “A Cultura desenvolve o turismo e automaticamente toda uma comunidade. Se tem muitos visitantes há possibilidade de haver gastos em cafés, restaurantes..., cria conhecimento e é um fator de divulgação incrível. Não podemos encarar isso como um prejuízo. É uma mais-valia”. O financiamento do Museu Nadir Afonso foi alcançado através do Programa Nacional de Valorização do Território (POVT), um programa nacional gerido através de Lisboa. Para aqueles que ainda assim pensam que o dinheiro investido deveria ter sido aplicado noutro projeto, António Cabeleira defende que “este projeto é de interesse nacional. São muito poucos os equipamentos culturais financiados pelo POVT e Chaves teve a felicidade de ter um.
Se Chaves não candidatasse a Fundação Nadir Afonso e tivesse candidatado outras coisas a esse POVT, provavelmente não seriam aprovados e o país teria gasto esse apoio comunitário noutro ponto do território”. O autarca não tem dúvidas: “valeu a pena ter tido esta ousadia porque isto vai constituir-se como um ícone para Chaves e Trás-Os-Montes sem sombra de dúvida”.
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Outro tributo a 25km É impossível falar do Museu Nadir Afonso de Chaves sem mencionar a existência do Centro de Artes Nadir Afonso, em Boticas. Este último não tem um nome forte da arquitetura associado mas, tal como o edifício de Chaves, presta homenagem a Nadir Afonso através das exposições que apresenta. O Presidente da Câmara de Chaves destaca o cariz instrutivo do projeto flaviense, uma vez que existe um ateliê de trabalho idealizado para artistas transmitirem os seus ensinamentos. Ainda assim, o autarca chama à atenção para o facto de não haver “qualquer intenção do Museu Nadir Afonso, em Chaves, se sobrepor ao Centro de Artes, em Boticas, mas
também não queremos que aconteça o contrário; está nas mãos da Fundação fazer a articulação perfeita entre este edifício e o outro”. Laura Afonso, à semelhança do autarca flaviense, defende a necessidade de existir complementaridade entre os dois espaços: “A nossa ideia é trabalhar em rede. O que está lá não pode estar aqui. A nossa ideia é rodar”.
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A caminho do futuro A Fundação Nadir Afonso e a Câmara Municipal partilham a opinião de que este projeto representa uma mais-valia para a cidade de Chaves. A equipa de gestão do edifício pertence à Câmara e, Laura Afonso, realça a necessidade de se trabalhar com uma equipa pequena e polivalente. Por sua vez, o Presidente da Câmara salienta o facto de ser criada uma divisão dedicada à Cultura – “Não há muitos municípios do pais a ter uma divisão de cultura; Vamos ter uma equipa que se vai preocupar só com cultura e com a promoção cultural da nossa região”. Os dados estão lançados: a modernidade que António Cabeleira afirma que faltava
em Chaves é alcançada no projeto Siza Vieira; e o intento de colocar a cidade flaviense na rota cultural nacional está bem marcado. No entanto, existe um longo caminho a percorrer no que toca ao acolhimento da população local face a este edifício. O historial de projetos culturais caídos no esquecimento ou no menosprezo continua bastante presente, pelo que as dúvidas face ao Museu Nadir Afonso são infindas. Resta esperar que o entendimento face à importância deste projeto e da aposta na Cultura atinja toda a população. Tal como afirma o Presidente da Câmara de Chaves, “a cultura também transmite mensagens que nos devem fazer melhores
cidadãos e consequentemente melhor sociedade”.
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Entrevista a Por Manuela Rainho Fotografia | Manuela Rainho
Isabel Seixas
Manuela Rainho: Para si, o que representa escrever?
Isabel Seixas é uma das melhores poetisas flavienses. De formação académica ligada ao universo das ciências ditas exactas, Isabel Seixas extravasa na sua obra poética a vertente humana e espiritual da sua vida profissional e académica. Filha de Trás-os-Montes, a escritora transparece uma atitude de orgulho e dignidade relativamente ao regionalismo diferenciador que é ser transmontano.
Isabel Seixas: Escrever para mim é ser eu própria; é dar largas a uma das minhas dimensões que às vezes é mais obscura, outras vezes é espontânea e retrata muito um estado de espírito do momento; escrever é a minha liberdade, a minha libertação, é aquele momento em que ser mulher é conseguir uma igualdade que por vezes nos está vedada em termos de expressão como pessoa, quando estamos muito condicionados por normas, por aspectos sociais que acabam por nos castrar. Na escrita, tenho essa permissão;
sem ser permissiva é-me dado esse direito, por que há sempre uma espécie de aceitação por parte das pessoas pelo que escrevemos. Embora personalizem e saibam que somos nós que escrevemos, atribuem-nos sempre uma certa tolerância relativamente ao que escrevemos, embora a leitura do que escrevemos é de cada um e acaba por aumentar a subjectividade, visto que escrevemos mas não sabemos de que forma vai ser lido pois o texto acaba por vestir um bocadinho as vivências da pessoa que lê. Escrever para mim também é uma das formas que encontro para poder dar vivas ao que não posso fazer em termos de expressão. Há questões que nós por vezes
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gostaríamos de expressar, mas depois o nosso entorno, a nossa envolvência obrigam-nos a ter um determinado comportamento relacionado com o que esperam de nós. Na escrita eu quase consigo essa libertação. Quase porque às vezes, mesmo em termos de linguagem surge alguma contenção. Não sei se escrevo poesia. Por vezes equaciono-me sobre isso. Depende muito do conceito de poesia. Penso que escrevo mais prosa poética ou poesia em prosa… não sei se existe esta última. Desconheço a que critérios obedece o conceito de poesia, o que é um bom poeta. Para mim, bom escritor é aquele que é lido, porque tem um quórum, impulsiona as pessoas a retratarem-se no que escreve, a pegarem num livro, a lerem-no. Não sou muito ambiciosa, mas gostava de um dia despertar o interesse no leitor anónimo para me ler. Por enquanto, sou eu que ofereço os livros.
M.R. : Penso que mesmo a nível nacional, a poesia é um género literário com uma tiragem muito baixa. Mesmo os chamados grandes poetas não são lidos por uma grande faixa de leitores. Por isso, o facto de gostar de ser lida, de comprarem os seus livros, é uma ambição lícita uma vez que escrevemos para ser lidos, no entanto, para além disso é importante sermos coerentes connosco próprios. Do que disse até agora penso que você é muito. A segunda questão tem a ver com a criatividade. Considera-se um ser criativo? E como é que decorre o processo criativo relativamente ao que escreve? I.S.: O meu processo criativo é algo anárquico, porque quem me inspira são os momentos do quotidiano, são as pessoas com quem convivo. A minha profissão é uma grande fonte de inspiração. Sou enfermeira, portanto ser enfermeira é mesmo a minha pele. Lidar com a dor é um
grande gerador da minha criatividade. Penso que a dor acaba por despoletar nas pessoas as respostas humanas que mais mágoa suscitam; a dor é a alma despida da pessoa a que nós, enfermeiros, temos acesso. Principalmente quando há dor e sofrimento. Eu considero-me bastante criativa. E isto que digo não tem nada de positivo ou é reflexo de uma auto-estima inflacionada. Se pudesse só escrever, se pudesse viver só com a escrita, sei que era capaz de escrever constantemente coisas diferentes. O meu processo criativo nasce dessa necessidade de escrever. Embora não tenha um conceito muito definido sobre o que é a criatividade, sei que sou capaz de ser criativa. Criatividade é também essa capacidade de fazer coisas diferentes e que as pessoas que contactam com a obra do artista consigam de facto ver um horizonte diferente e identificar-se com ele. A criatividade é também algo de
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controverso e versátil. Por outro lado, para mim a criatividade tem de ser algo de inovador. Pode até ser um plágio criativo, se pegarmos numa ideia já trabalhada por outro autor e aperfeiçoá-la, dar-lhe corpo – claro que sempre respeitando os direitos de autor –. Criatividade é um certo empreendedorismo das ideias. M.R.: Gostei dessa sua última definição de criatividade. Uma outra questão. Pensa que existe uma identidade cultural transmontana? De que forma é que ela se manifesta na sua obra?
I.S.: Não consigo dissociar esta identidade cultural do sítio onde vivo. Nasci em Bornes de Aguiar, uma aldeia da freguesia de Pedras Salgadas. Pedras Salgadas é que tem nome porque efectivamente é um local de passagem, um local que tem as águas que lhe dão fama, aquele parque e o casino… Portanto nasci mesmo em Trás-os-Montes. Embora com algumas ligeiras diferenças de região para região: a diferença no sotaque, nas questões que são específicas de cada zona, há uma identidade cultural que nos uniformiza de certa forma. Essa uniformidade tem muito a ver com a nossa espontaneidade, tem muito a ver com a nossa simplicidade, que julgo ser
fabulosa, com uma sinceridade que às vezes é crua. O transmontano tem uma sensibilidade muito própria; é muito inteligente. Independentemente do seu estatuto e da sua formação de base, encontramos aquele olhar perspicaz no pastor ou em qualquer um de nós que tem formação. É aquele olhar de apreensão da realidade, de observação dos sentimentos, de observação da sensibilidade de cada um. Penso que frequentemente somos muito injustos com a aceitação dessa própria identidade. Influenciados por um certo snobismo, nomeadamente nas grandes cidades, nas nossas capitais que nos
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exigem um limar da nossa linguagem e o não preservar as características dessa nossa identidade que pensam que deve ser escondida, o que é mentira. Para mim, o poeta que constrói melhor a nossa identidade cultural é Miguel Torga. É um poeta fascinante. Ele traduz isso nos seus poemas; ele captou essa identidade através da urze, das giestas, dos cardos, da nossa própria gestação, a pura forma condensada como escreve. Ninguém melhor do que Torga para definir o que é a identidade transmontana. M.R. : Torga é um poeta substantivo. Tem muito a ver com a nossa identidade substantiva. Ainda que eu não seja transmontana, vivo cá há trinta anos e por isso considero-me afectivamente transmontana. Ora, enquanto pessoa de cultura que vive na era da globalização, de que forma ser transmontano a condiciona ou a integra?
I.S.: Condiciona-me naturalmente, pois é uma das questões que mesmo que eu quisesse fugir, não conseguia. Vivi sempre aqui nesta região, adoro esta zona, sinto-me de certa forma abençoada por viver aqui, tenho uma certa vaidade em ser transmontana. Portanto, obviamente que isso me condiciona em tudo. Mas também me integra, porque esta nossa vivência é invejável. Nós temos a oportunidade de contactar com todo o tipo de vivências, com a pobreza, que nos dá logo uma substância enorme e uma essência para descrevermos o que é o mundo, o que é a vida, aquele paralelismo entre vida morte. Essa linha que divide a vida e a morte que traduz as vivências do percurso que é a vida. A aprendizagem do ciclo vital, aprender a viver no fio da navalha aqui é muito fácil. Todas essas diferenças são uma mais-valia para cada escritor. Ser transmontana integra-nos através da nossa dimensão agreste. Toda a gente
espera algo de agreste de nós. Se temos uma postura mais polida suscitamos admiração, espanto. Mas isso tem a ver com a nossa educação, com o nosso berço, seja ele qual for, com as nossas opções. Penso que ser transmontano é integrador porque há uma certa curiosidade relativamente a nós. M.R.: Como definiria Isabel Seixas enquanto pessoa de cultura e de escrita? I.S.: É um bocado difícil sem fazer marketing. Nós construímos a nossa imagem um bocado a partir da nossa percepção do mundo. Penso que essa verdade tem a ver com o autoconhecimento. Uma pessoa é um todo muito superior à soma das partes. É uma visão global, holística. Assim, de forma humilde posso dizer que sou boa pessoa, que em termos de escrita já fui muito mais primária; já escrevi muito mais aquilo que me apetecia escrever. Hoje, a
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minha faceta de mãe lima um pouco esse ser primário e primordial. Às vezes por causa dos meus filhos substituo as palavras, escrevo mais por eufemismos… mas basicamente tento preservar cada vez mais a minha identidade, ser eu própria naquilo que penso serem as minhas características principais: sou uma pessoa simples, nasci numa taberna e digo-o com orgulho. É curioso que houve um tempo que tinha dificuldade em assumir isso com naturalidade. Hoje, não. Penso mesmo que a minha riqueza advém daí, pois desde miúda confrontei-me com as emoções mais subliminares do Homem. Estou a escrever um livro que nunca mais acabo
que se chama A Taberna, um romance. Esse romance traduz tudo aquilo que a Isabel Seixas é, naquela diversidade de todas as personagens. Faz parte da minha arquitectura emocional. Os meus pais tinham uma venda que também tinha taberna e foi aí que comecei a erigir a minha personalidade. Guardei essas imagens das expressões de revolta, de perplexidade do Homem por não perceber porque havia tanta distinção social. Uns tinham de viver com fome, frio, a pedir e por que razão outros tinham de subjugar. Tem muita influência também nas minhas ideias e opções políticas. Por isso considero-me uma pessoa de esquerda mas duma
esquerda apartidária que deseja limar injustiças, a assimetria social.
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Uma Viagem Contemporânea pela Arquitectura Flaviense Por Tânia Santos Fotografia | Tânia Santos
Introduzo este excerto com a questão: o que é a Arquitetura? Dúvida simples, que exige resposta complexa. Talvez nunca se encontre a tal explicação “certa e única” que qualquer ser curioso persegue, mas certamente que existem aquelas que nos satisfazem mais e outras que nos parecem mais discutíveis. Pessoalmente, associo a Arquitetura a uma atividade humana intimamente ligada à Construção. E a elas se juntam outras disciplinas, como a História, a Teoria, a Geografia, a Antropologia, a própria Matemática, que são determinantes na produção das soluções arquitetónicas.
Por outras palavras, a Arquitetura possui um caráter interdisciplinar; condição que se adapta perfeitamente ao projeto dos INDIEROR, quando este propõe tratar a cultura de forma “independente” e a partir de um “ror” de coisas. A propósito do objetivo de divulgar a cultura local, igualmente assumido pelo grupo, propus criar uma rúbrica baseada na seleção de algumas obras arquitetónicas que integram o panorama da região flaviense. Obras estas que passam despercebidas ao público, que no entanto desempenham um papel relevante na teoria da arquitetura portuguesa.
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Nesse sentido, o debate das próximas publicações concentra-se num período compreendido entre o século XX até à atualidade. Assim, não foram incluídas construções alusivas ao património histórico dos séculos anteriores, vulgarmente consideradas as responsáveis pela imagem (encantadora) da nossa cidade. Com isto não pretendo desvalorizar os feitos dos nossos construtores "pré-contemporâneos". Procuro antes explicar os motivos que, nestes últimos dois séculos, conduziram a produção arquitetónica por caminhos muitas vezes incompreendidos pela sociedade.
A aceitação de valores contemporâneos raramente resulta de um processo imediato. Para compreender é necessário tempo de reflexão; é necessário entender a circunstância que motiva determinada ação; é necessário dosear a nostalgia que nos domina (e esta aplica-se bastante ao povo português); e, por fim, é necessário ouvir e intervir. A intenção fundamental deste discurso é reavivar um pensamento que permanece esquecido: aquilo que hoje (re)construímos também fará parte da história do futuro.
Esta primeira publicação configura uma introdução à discussão preconizada nos próximos artigos. Dado que me foi concedida liberdade total na exploração dos assuntos, dentro do ramo da arquitetura, também achei pertinente esclarecer a razão que me leva a realizar ‘Uma viagem contemporânea pela arquitetura flaviense’. 27
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O Misticismo de uma Em busca de Trás-os-Montes pelo cinema português Por Rúben Sevivas
O cinema português, em história, é apenas 1 ano mais novo que a invenção do cinematógrafo dos irmãos Lumière. Contudo, estes 119 anos de cinema português não são um espelho de modelo industrial contínuo e rentável, nem tão pouco um exemplo de amizade duradoura com os seus espectadores. Na verdade, são poucos os filmes portugueses conhecidos e apreciados pelos portugueses. A história encarregar-se-á de o mostrar; a mim, cabe-me estreitar a distância entre o cinema português e o leitor.
Sendo assim, levanto a seguintes questão: qual de vós, que lê estas palavras, viu mais
Terra Prometida
que 10 filmes portugueses? Atrevo-me a responder que serão muito poucos. Diversos fatores estarão em cima da mesa: fraca distribuição; desprezo pelo cinema português; poucos recursos que, irrevogavelmente, sacrificam a qualidade técnica, mas não artística, dos filmes; etc… Enfim, um punhado de situações e circunstâncias que se poderiam debater. Contudo, e deixem já esclarecer que, por mais que se tenha tentado, o cinema português é frequentemente feito para apreciadores e não tanto para consumidores, o sentido artístico do cinema português é de alta qualidade e com variado interesse para quem a ele se dedica e estuda.
E, neste caso português, encontramos diversas referências a Trás-Os-Montes: seja pelas paisagens, pelos costumes ou até pelos contos e lendas - Sabiam que um dos principais filmes da filmografia nacional foi filmado em Curalha, Chaves, pelo nada mais, nada menos, Manoel de Oliveira? Por tudo isto, vou atrever-me falar e comentar alguns filmes que me parecem mais significativos desse propósito. Ainda que seja difícil ao leitor aceder à maioria dos mesmos, em boa qualidade, contento-me com a ideia de ter conhecimento da sua existência. 30
Trรกs-os-Montes (1976)
(1976) António Reis e Margarida Cordeiro
O filme é uma experiência de evocação de memórias e de gentes. Transporta em si a resistência ancestral que caracteriza Trás-Os-Montes e, acarreta, por assim mesmo, uma espécie de sonho inatingível que poderá parecer pejorativo. Como se o espectador fosse Fernando Pessoa que comtempla um Alberto Caeiro que nunca será, se me permitem a comparação.
É verdade, existe um filme que se chama Trás-Os-Montes! Pelo nome, sabemos, a priori, o que retratará: os que por cá do Marão residem. Contudo, esclarecendo desde já a questão, o filme foi muito mal recebido pelas gentes que retrata e ainda hoje gera polémica. O filme foi rodado entre 1974 e 1975 entre Bragança e Miranda do Douro. É uma das primeiras docuficções nacionais e, apesar da receção nortenha, teve imenso apreço por parte do restante público cinéfilo nacional e internacional, tendo saído arti-
Não é um filme com intenções objetivamente etnográficas, é antes uma exploração artística com pretensão vincada e com propósitos certos. Deve entender-se a obra, assim mesmo, como obra cinematográfica que decompõe uma realidade qualquer de modo a fortificar uma realidade fílmica e artística distinta. As gentes, as paisagens e as ações são as mesmas, todavia, o cinema permite-se
Cartaz Trás-os-Montes
Trás-os-Montes
gos na revista Cahiers du Cinéma e no jornal Le Monde, por exemplo.
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Foto de rodagens, Trás-os-Montes
pensar o que filma e, como arte humana, não espelha uma realidade, mas a visão de quem a constrói. Num universo onírico, propositadamente encenado, que contrasta com a realidade das gentes, deixa transparecer uma pureza terreste, que se renasce através das estações e transmite uma sensação de perda e de ausência que nos asfixia quase pelo final do filme. Um filme que chama, grita, pelo seu pai. Por uma figura paternal ausente que deixou uma qualquer semente para trás agora arvore adulta.
“Não fica ninguém!” - diz a senhora de ar apático perto do final do filme - “ontem, foi-se embora a filha da Mariana. Amanha, quem será?”. Bem sei que é ilusão cinematográfica, mas que seja! Para mim, era 1975 na tela, contudo, o sentimento de perda era de 2015 e ainda dele não consegui sair.
Trás-os-Montes (1976) António Reis e Margarida Cordeiro “O cinema que fazemos é também uma experiência individual; construímo-lo, sem dúvida, a partir de nossa viagem interior. Ele destina-se à comunidade, sim, mas nós cremos que se faz tanto mais para a comunidade quanto mais se é radicalmente individual – é esse o percurso próprio da arte.” _ António Reis e Margarida Cordeiro
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Por Wilson Pinto
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O Sistema Solar na Malha Urbana de Chaves Por Paulo Coimbra Fotografia | Paulo Coimbra
Ao longo da nossa existência, vamo-nos acostumando lentamente à noção de escala. De início, temos o berço, o quarto, a casa, o jardim… De visita à casa da avó, apercebemo-nos que existe uma rua, uma aldeia, uma vila, uma cidade. Mais tarde vamos de férias e notamos que afinal ainda existe um “mundo” mais longínquo. Quando damos conta, tomamos consciência que afinal habitamos um calhau que orbita em torno de uma estrela, o Sol, a uma bela distância de aproximadamente 150 000 000 km da mesma, demorando 365 dias para o fazer Para os mais atentos (ou mais curiosos), torna-se afinal evidente que o nosso Sistema Solar não passa de um mero agrupamento de astros, algures vagueando na imensidão duma galáxia tão pequena
(ou tão grande), que a luz demora cerca de 100 000 anos a ir de uma extremidade à outra, à vertiginosa velocidade de 300 000 km por segundo. Para nos ajudar a perceber a grandeza do nosso Sistema Solar, Chaves brinda-nos com uma ferramenta espetacular: a sua representação, à escala, na malha urbana da cidade! Assim, percorrendo as suas belas artérias, conseguimos ter a noção do tamanho do nosso sistema planetário. O percurso começa obviamente no Sol,
situado na margem esquerda do Rio Tâmega, mais precisamente no encontro da ponte pedonal – um círculo metálico com 62 cm de diâmetro, implantado no pavimento, perto do Banco da Matemática. Já no tabuleiro, deparamo-nos com Mercúrio e Vénus, junto ao primeiro e segundo tirantes, respetivamente. A Terra está já na margem direita, com o seu satélite natural, a Lua. Aqui começamos a ter uma ideia mais precisa da escala, uma vez que conseguimos visualizar a distância da Terra à Lua, a distância da Terra ao Sol, bem como a distância a que se encontram os planetas Mercúrio e Vénus.
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Continuando a nossa caminhada, descemos a escadaria e reparamos em Marte, situado em plena via. Rumamos em direção à Rua de Santo António para conseguirmos encontrar Júpiter, situado junto ao quiosque aí existente. Novamente tomamos consciência da grandeza das distâncias em jogo: enquanto os planetas telúricos se encontravam perto do Sol, com Júpiter já não se passa o mesmo. A distância ao Sol é já enorme. O passeio continua. Vamos encontrar Saturno no Jardim do Bacalhau e Úrano na
Avenida Nuno Álvares, perto do Cino Chaves. Para chegar a Neptuno temos que seguir pela Av. Heróis de Chaves, encontrando-o após a rotunda, no passeio à esquerda. Finalmente o planeta anão Plutão, encontramo-lo quase no final da Avenida da Trindade, à direita, antes da rotunda. Foram percorridos a pé mais de 2600 metros, que representaram cerca de 5 900 000 000 km reais! _
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“Entre Aspas Por Manuela Rainho
” integrador é a síntese das suas experiências enquanto enfermeira, isto é, alguém que lida de perto com situações limite em que o ser humano é confrontado com a fragilidade e imperfeição. Resquícios de Luz é ainda uma obra que espelha a atitude de alguém marcado por enorme humanismo, dignidade e respeito pelo próximo.
“ A rúbrica de opinião “Entre Aspas” abre com a poetisa Isabel Seixas. E por que razão? Primeiro porque penso que uma abordagem literária à produção regional deveria iniciar-se pelo género lírico quanto mais não seja por uma questão de homenagem ao grande poeta nacional que foi Miguel Torga. Por outro lado, do que me apercebi, há um grande número de autores femininos neste género, logo como a primazia, manda a regra do cavalheirismo, deve ser dada às senhoras… É por uma poetisa que inicio esta incursão pela literatura que se produz no nosso rincão transmontano.
Enunciadas as razões que levaram a esta escolha, passemos à apresentação da autora e da sua obra. Isabel Seixas tem formação académica e científica ligada à área da Enfermagem com especializações ligadas à reabilitação, psiquiatria e saúde mental. Para além de exercer a sua obra poética, foi também professora da Escola Superior de Enfermagem de Chaves. A autora publicou três obras de poesia: Resquícios de Luz, de 2005; Espaço de Ilusão, de 2007 e Chaves… Musa Inspiradora, de 2008. Abordemos o seu primeiro livro. É uma colectâne de poemas cujo fio condutor e
Mãe menina, menina mãe/ Tu que dás teu colo/ Para dar consolo/ Precisas também/ De um colo de alguém. ” Poemas como Mãe Menina (pp. 18), traduzem em poema a compaixão no feminino a solidariedade de género da autora relativamente a alguém que através dos meandros retorcidos da vida se viu obrigado a crescer demasiado depressa. o poema Insónia retrata as noites de vigília
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do enfermeiro que trabalha por turnos visto que a doença não funciona em horário normal… Neste livro temos ainda a presença inesperada do poeta enquanto tal. Um texto exemplificativo dessa vertente da autora, tem como título, Preciso de um Poema, assim como se a necessidade fosse incontrolável. Sabe quando o dependente diz, «preciso urgentemente de um café»? Assim a autora sente uma necessidade física de escrever um poema que funcione como «analgésico» e a catapulte para fora dessa realidade cruel e dura com que é confrontada reiteradamente. Julgo que
“ Novamente a escuridão/ Pensamentos como breu/ Dormir derradeira solução. ”
parte de Isabel Seixas espelha uma sensibilidade que por força das circunstâncias quotidianas tem de afogar constantemente e só o consegue sublimar essa frustração perante a dor e o sofrimento através da criação poética. Se puder, leia o livro. Não lhe asseguro que todos os poemas são excepcionais, não. No entanto, há imensos que reflectem de forma inquestionável uma escritora dotada de grande sensibilidade e criatividade. Um ser capaz de transfigurar a realidade crua e feia. Alguém que sabe tirar de cada momento o seu lado mais luminoso, ainda que esses momentos sejam apenas «resquícios». 44
“ O espaço de ilusão é o espaço da paisagem da nossa mente que recriamos para manter o alento durante o percurso nos processos de vida mesmo quando se desencadeiam perdas sistemáticas que nos fazem esmorecer.
- Isabel Seixas
”
Por sua vez, a colectânea Espaço de Ilusão parece ser a mais conseguida. Toda a obra reflecte não apenas a realidade profissional da autora mas sim a sublimação de todo o seu percurso enquanto pessoa. É frequente nos poemas desta colectânea a presença de um «tu» ausente mas presente para a poetisa com quem ela estabelece monólogos dialogantes. Relativamente a esse «tu», há por parte da autora uma entrega vigilante, uma interpretação das reacções do outro, inerentes à alma feminina. É precisamente essa escrita no feminino que me atrai neste livro de Isabel Seixas. A forma digna e despudorada com
que deixa transparecer estados de alma, emoções; a forma sensível e notável como expõe sentimentos e emoções que vivencia e/ou vivenciou, traduzem uma nobreza de carácter clara, cintilante e esplendorosa. Não há neste livro pretensões «intelectualóides» nem tiques de erudição balofa, mas sim um despojamento da alma de quem escreve que nos toca e sensibiliza. Um livro a ler e a reler. Relativamente ao terceiro livro da autora, Chaves… Musa Inspiradora, a marca que me pareceu mais evidente foi a necessidade da intertextualidade. Do que pude depreender da sua leitura, a autora sentiu
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a necessidade premente de partilhar a sua paixão com todos os que se consideram flavienses e que com ela compartilham esse amor inequívoco pela bela cidade de Chaves. Pode ser uma questão de gosto, não sei, pode ser por a autora ter aceitado tacitamente todas as participações, mas creio que esta colectânea é a menos conseguida essencialmente em termos literários. O tema aglutinador é obviamente a cidade de Chaves. No entanto, há como que uma explosão de abordagens e perspectivas onde a ausência de critério aglutinador induz a uma profusão caótica de visões que me parecem pouco conseguidas. No entanto esta é uma visão, falível e
discutível, como deve inferir. A parte do livro onde predominam os textos da escritora já tem uma orientação focalizada num percurso que a escritora enceta através da cidade e que nos vai descrevendo a partir da sua mundividência exclusiva e única. Os textos são prosa poética com qualidade. Isabel Seixas, a poetisa, dá-nos a sua visão pessoal que reflecte todo um conjunto de experiências e recordações singulares, raras e gratificantes para cada um de nós, conhecedores daqueles espaços físicos que se tornaram por força das vivências experienciadas espaços de emoção. Pelo que foi referido, qualquer um dos
livros publicados pela autora devem ser lidos por nós, transmontanos e não só. Eles reflectem uma perspectiva, a da autora, onde cada um de nós, de uma forma ou de outra se vê retratado. Afinal o que é a literatura senão isso mesmo: Uma visão singular onde cada qual espelha a sua própria percepção do mundo?
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No Dia em que a Por Diogo Martins Martins
Cultura Morrer
Olhamo-la como se ainda nos pertencesse. A Cultura. Como se os dias que passaram pudessem ser apagados pela memória que insistimos em não criar. Exige esforço, o desprezo. O desprezo exige atenção. E os homens criam os dias com esforço. Com esforço conseguimos os dias para os quais trabalhamos. Um dia chegará, e esse dia será definitivo. Absoluto. Nesse dia não haverá bola. Nem haverá novela. Nesse dia não haverá discussão à mesa na hora do jantar. E não haverão orgulhos ou
disputas, porque nesse dia, também não haverá vontade nem querer. Nesse dia não teremos pais. Nem irmãos. E há muito teremos esquecido os avós. Esse é o dia em que a cultura morre. E não morre de velha. Morre de podre, por descuido. No dia em que a Cultura morrer, morrem as desculpas. Morrem os comodismos, os dinheiros, as invejas e as agendas. E com ela vão os queixumes, os tristes fados, os remédios e as orações. No dia em que a cultura morrer, seremos finalmente todos iguais. Seremos todos culpados. Morrem os cantos, os montes, as vestes e as danças.
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No dia em que a cultura morrer, morrem as palavras. Todas. As feias, as bonitas, as da boca e as do coração. Só resistirá o tempo. E mesmo o tempo como o conhecemos, morrerá. O tempo será mais distante. Mais brando. Neste tempo não haverá pressa de chegar ou de fazer. Este tempo não terá presente, nem futuro, nem passado. Este tempo será insípido, porque neste tempo não existirá a receita da avó nem o travo que a panela lhe dava. O que não irá resistir será a memória. Essa vai-se toda. Como já se foi antes. Porque no diam que a Cultura morrer, não morre
só o que é de hoje. No dia em que a Cultura morrer morrem os amigos, os amores, as paixões e os afectos. Morrem os teimosos, os vaidosos, os de vícios e os de fé. Não há fé que nos salve nesse dia, porque a fé não terá casa e os santos não terão corpo. No dia em que a cultura morrer, estamos todos condenados pois com ela morre tudo o que somos. No dia em que a Cultura morrer, morreremos todos com ela. _
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Por Wilson Pinto
*
É Noite. A Noite fez-se Escura. Rodam máquinas em silêncio pela rua deserta, caem ruídos nos passeios despojados enquanto cintilam amarelos doentes no piso molhado. Foram escravos do sono. Os reflexos preenchem-se vazios. Pobres. Uma ausência de vida esbate-se nos destinos dos passeios. As revistas desprezadas coroam elegantemente as beiras dos passeios. Uma rídicula tempestade tropeça na mente ébria, agigantam-se temores desenhados pela solidão. Passos pavoneiam-se pela dimensão do infinito. O Tempo parou. Uivam as esquinas curvadas pela ausência, enquanto sombras bailam uma cacofonia em betão.
Ao longe, a ferrugem esculpe berços. Metais macabros fazem-se janelas, negras de velório. Geometrias retorcidas fazem adivinhar o horizonte. Perdeu-se o rastro. O nevoeiro sucumbe lentamente acariciando o chão em beijos rebuscados. A Noite fechou-se em paredes de tortura flamejando metal homicida. Brumas chegam em círculos atraídas pelo doce movimento da sombra. Descobre-se a silhueta de terror. É um assassino.
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Este espaço pode ser seu. Entre em contacto connosco atravÊs de indieror@gmail.com
Os Poderes Por Ernesto Salgado Areias
Imateriais
Quando falamos em poder ou poderes vem-nos sempre à ideia o poder político exercido das mais variadas formas entre a democracia e a tirania, o poder dos grandes exércitos e, mais recentemente, com particular ênfase, o poder do dinheiro, designadamente do capital financeiro e dos seus mentores e lacaios. Não é desses poderes que irei falar mas sim dos poderes imateriais que, poderemos também designar por poderes espirituais. Nesses poderes incluo as religiões, muitas vezes, donas do pensamento e da consciência dos cidadãos condicionando a sua mundividência; do poder da imprensa
e das instituições universitárias. A estes poderes acrescento o da língua e, correlativamente, o da literatura sem excluir as artes plásticas, o teatro, o cinema e outras formas de manifestação cultural e artística. Os pilares mais robustos e fundamentais da soberania de qualquer país são a sua história, a língua e memória a que junto a identidade e a literatura; tudo isto bem mais importante do que o poder do dinheiro e de todos os exércitos. Assistimos hoje às terríveis consequências do fundamentalismo islâmico cuja base assenta numa hermenêutica próxima da literalidade e do enviesamento interpreta-
tivo do Corão tendo como consequência o terrorismo que tem vindo a condicionar de forma indelével a civilização ocidental. Como vemos é este poder imaterial a condicionar a vida de numerosas nações colocando em causa o seu bem-estar e segurança. Num plano benfazejo também o poder da língua e da literatura e de todas a outras manifestações de pensamento e arte a que fiz referência são fundamentais. Todos sabemos dizer quem foi Sócrates, Platão e Aristóteles mas poucos saberão as motivações da guerra do Peloponeso ou
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as guerras Púnicas. Todos sabemos quem foram Miguel Ângelo, Rafael ou Leonardo da Vinci mas, por certo, não alinharíamos de memória como se dividiam as repúblicas italianas. Há mais cidadãos que conhecem a Gioconda do que todos os reis de Itália. Entre nós seremos em maior número os que conhecemos Camões, Pessoa ou Saramago do que os que conhecem o tratado de Alcanices que definiu as fronteiras de Portugal no século XIII ou de todos os políticos que enxameiam de mediocridade os canais de televisão.
Daqui a cem anos ninguém saberá o nome de nenhum dos gurus do capital financeiro, mas todos saberão, por certo, quem foi o papa Francisco que na simplicidade das suas palavras é ouvido e amado por milhões de cidadãos em todo o mundo. Foi maior o legado dos filósofos gregos que continuam a ser estudados do que o de todos os reis de Esparta, a cidade militar, ou de Atenas. O mesmo sucede com os poderes da investigação científica. O mundo viveria muito mal sem os antibióticos como também não seria o mesmo se não tivesse chegado até nós a Odisseia de Homero, a
Poética de Aristóteles ou a República de Platão. Afinal, são os poderes imateriais o grande sustentáculo das mudanças. O mundo não muda por decreto mas antes pelo poder das ideias.
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Coordenadas Por Tiago Ribeiro
41.738424 -7.469856
O frio corrói o corpo. É janeiro e Chaves gosta de lembrar que somos do norte. Abrimos a porta e somos engolidos num ambiente quente e acolhedor, que emana das paredes de madeira, dos pilares de pedra e da decoração rústica. Entrámos na cervejaria “O Abade”.
funcionárias dirige-se a nós de cardápio na mão. Chegou o momento de fazermos o nosso pedido, mas em vez de haver certezas na escolha, surgem as dúvidas. Se o ambiente rústico nos relembra uma “tasca” portuguesa, o cardápio transporta-nos por todo o mundo.
Sozinho ou acompanhado, aqui há lugares para toda a gente. Desde as mesas grandes adaptadas a vários tipos de grupos, passando pelas mais pequenas ou pelos lugares junto ao balcão, “O Abade” consegue dar-nos o conforto e o bem-estar necessários. Estamos sentados. A simpatia das
Existem mais de 60 cervejas diferentes à escolha, de vários pontos do planeta: cerveja holandesa, belga, mexicana, espanhola e, claro, as tradiconais cervejas portuguesas de fabrico artesanal. Existem apenas quatro cervejas de pressão: uma preta (Kostritzer), uma de trigo (Erdinger) e duas outras com sabores distintos - uma
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mais suave e outra com um sabor bem mais vincado (ambas Pilsener). No que toca às cervejas em garrafa, a oferta é muito maior, direcionada a todos os gostos e idealizada para partilhar em grupo. A escolha é difícil. O melhor é pedir opinião a quem aqui trabalha e, mais uma vez, a cortesia e a amabilidade não desiludem. Beber cerveja n’O Abade é mais que um gesto normal. A cerveja é servida e degustada como em nenhum outro sitio, fazendo deste espaço um ponto de referência dos bares da cidade de Chaves.
O ABADE Rua do Sol, Chaves Seg – Sex 12h – 02h Sab 12h – 04h Dom 12h – 00h
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Agenda
Cultural
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Belle
Sebastião Antunes
TEF expõe -
(Concerto) 31 | Jan | 2015 21h30 Pavilhão Municipal de Chaves
(Exposição) 2 | Fev | 2015 até 27 | Fev | 2015 14h30 Cine Teatro Bento Martins
Dido Elizabeth Belle é a filha do capitão britânico John Lindsay com uma escrava africana. Após a morte da mãe, Dido vai morar em Inglaterra com os seus tios, Lord Mansfield e Lady Mansfield, para ser criada como uma dama da aristocracia inglesa do século XVIII. Lutando contra os preconceitos sociais e tendo como pano de fundo de escravidão controverso, Belle é também a história de amor entre Dido e John Davinier...
Sebastião Antunes, um dos melhores músicos portugueses, foi mentor do que em tempos foram os “Peace Makers” e que, desde 1991, deu origem ao grupo Quadrilha. Ao vivo continuam a transpirar de alegria e emoção numa fusão entre a tradição portuguesa, a música de raiz certa e os aromas do Norte de África. Neste concerto ninguém ficará indiferente... Todos a dançar, a ouvir, a pular, a cantar e a desfrutar!
Estará presente no átrio uma exposição alusiva à história do TEF para comemorar os 35 anos de existência da nobre instituição cultural flaviense. Estará representada a sua história no contexto cultural da cidade de Chaves, do país e de Espanha; os momentos marcantes ao nível artístico; e algumas fotografias do ambiente interno de convívio e amizade entre as pessoas que marcaram esta associação.
(Cinema) 30 | Jan | 2015 21h30 Cine Teatro Bento Martins
35 anos de História
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Carai Valha-me Noé Deus (Teatro) 07 | Fev | 2015 21h30 Cine Teatro Bento Martins
(Cinema) 28 | Fev | 2015 21h30 Cine Teatro Bento Martins
300|A Ascenção de um Império
Ir de férias para as Caraíbas cura a depressão? As ovelhas do Pereira terão o dom da dupla existência? Afinal, de quem é a burra do Esteves? O pai do Calé come criancinhas ou só pertence à comandita? E que tal um restaurante em Londres, dentro do conceito pastel de nata? A crise poderá dar para as tetas? São imbróglios como estes que dão corpo a CARAI VALHA-ME DEUS, divertida comédia de José Carlos Barros, que gira à volta do dinheirinho que vem da Europa e do uso que dele é feito.
Noé vive com a esposa Naameh e os filhos Sem, Cam e Jafé, numa terra desolada onde os homens se perseguem e se matam uns aos outros. Um dia, Noé recebe uma mensagem do Criador de que deve encontrar Matusalém. Durante o percurso ele acaba por salvar a vida da jovem Ila, que tem um ferimento grave na barriga. Ao encontrar Matusalém, Noé descobre que tem a tarefa de construir uma grande arca, que abrigará os animais durante um dilúvio que acabará com a vida na Terra, de forma a que a visão do Criador possa ser resgatada.
Após a morte do pai, Xerxes dá início a uma jornada de vingança e ruma em direção à Grécia com o seu exército, sendo liderado por Artemisia. Enquanto os 300 espartanos liderados por Leonidas tentam combater o Deus-Rei, os exércitos do resto da Grécia unem-se para uma batalha com as tropas de Artemisia no mar. Themistocles é o responsável por liderar os gregos. Não perca este filme espetacular da saga "300".
Grupo: Teatro Fórum Boticas Autor: José Carlos Barros
(Cinema) 20 | Fev | 2015 21h30 Cine Teatro Bento Martins
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