Apoio:
Volume 1 • Número 1 Agosto 2016 ISSN 2525-4294
Educação Integral:
Agosto 2016
ISSN 2525-4294
Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana
Volume 1 • Número 1
INEQ / FAEP Volume 1 – Número 1 ( Agosto de 2016) Periodicidade: Trimestral 1.Coexistência de ideários nos Parques Infantis 2. Reformas Educacionais e Ideias Docentes. 3. As relações entre Brasil e África.
Apoio:
4. Probabilidade e estatistica: concepções e conhecimentos revelados por um grupo de professores em um
O INEQ – Instituto Nacional de Educacional e Qua-
curso de formação continuada.
lificação Profissional fundado em 2007 pelos professores Dr. Claudinei Aparecido da Costa e Ms. Clemente Ramos
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira
dos Santos que ao longo de sua trajetória, tem se notabili-
reponsabilidade dos autores.
zado pela formação continuada de educadores e profissio-
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem
nais envolvidos com educação, em diferentes níveis, tanto
prévia autorização dos autores.
da rede pública como privada.
As ações educativas propostas e implementadas
pelo INEQ desde seu início, tem primado por dialogar e incorporar as mais variadas investigações acadêmicas, desenvolvidas por seu corpo docente, à complexa dimensão
CONSELHO EDITORIAL Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa; Profº Ms. Clemente Ramos dos Santos; Profº Ms. Alex Benjamim de Lima; Profª Ms. Ana Maria Gentil.
educacional e escolar, cuja abordagem abarca desde a dimensão do processo educacional, às implicações teórico
EDITOR CHEFE
–procedimentais da gestão democrática, numa perspecti-
Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa;
va centrada na reflexão-ação diante da realidade contemREVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS
porânea.
Filosofia essa que tem se espraiado para além
do círculo de seus cursos e alunos, com a fundação da Faculdade de Educação Paulistana, FAEP, instituição de ensino superior construída a partir desse percurso, numa perspectiva do aprofundamento da tríade fundamental: reflexão, ação e formação.
Nesse sentido e com essa premissa, apresenta-
mos nossa recém criada revista, “Educação Integral”, a fim de alargar e potencializar o processo de ensino-aprendizagem, pesquisa e extensão dos nossos alunos e também
Vania Aparecida da Costa Marina Pereira Borges Dayane Tavares Galego de Oliveira CAPA E PROJETO GRÁFICO Stevens Santos Santana Richard Augusto de Lima Fotografia: Fernanda de Almeida INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
do público externo.
Meus mais sinceros agradecimentos a todas as
pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a concretização desta primeira edição, em especial a Profa
Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras, Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000 Tel.: (11) 3218-0088 e-mail: educacaointegral@ineq.com.br
Ms. Ana Maria Gentil. Prof. Dr. Claudinei Aparecido da Costa Editor - chefe
ISSN 2525-4294 INEQ - Educação integral
3
APRESENTAÇÃO
rais para a Educação Básica, os responsáveis pela organização do documento apontam a necessidade do trabalho nas instituições com a plenitude dos aspectos cognitivos, psicológicos, físicos e sociais que, inter-relacionados, deveriam orientar todos os planejamentos educacionais do país. Este documento indica a prioridade do cuidar e educar nas etapas da Educação Básica, na perspectiva do trabalho com todas as dimensões humanas.
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EDUCAÇÃO INTEGRAL
Considera também a formação para a cidadania
O objetivo desta revista é refletir sobre o
e a aquisição de meios para acessar o mundo do
conceito de Educação Integral e sua concretiza-
trabalho e a possibilidade da continuidade de Es-
ção em diferentes tempos e espaços. Pretende
tudos da Educação Superior. Esses princípios são
também expor ideias para auxiliar na busca das
compatíveis com a perspectiva da revista, pois
intenções e visões de mundo que estão implícitas
seus artigos pretendem defender um movimento
no conceito de integralidade. As ideias sobre a for-
contrário à cisão entre trabalho intelectual e tra-
mação do homem integral pela educação estão
balho manual e ao dualismo presente no pensa-
presentes nos escritos de estudiosos e pesqui-
mento educacional brasileiro em que os “futuros
sadores de diferentes áreas que fundamentam a
trabalhadores” irão para as escolas técnicas e os
Pedagogia e aquelas que compõem o seu corpo
grupos favorecidos economicamente poderão in-
teórico. O termo “integral” encontra-se também
gressar facilmente nas melhores universidades do
em diferentes textos legais e documentos institu-
país.
cionais que integram as políticas públicas para a
educação. A proposta é possibilitar aos trabalha-
ção do patrimônio cultural da humanidade, defen-
dores da educação, pesquisadores e interessados
dendo uma educação que possibilite que todos os
nos temas aqui propostos a reflexão sobre Edu-
sujeitos envolvidos na ação educativa participem
cação Integral, abordando diferentes enfoques e
da constituição do seu processo de humanização
perspectivas.
e de uma formação plena. Procura-se criar sub-
Ao buscar as ideias de Educação Integral
sídios teóricos para a reflexão e ação que possa
na legislação, encontra-se na Constituição Federal
combater a distribuição desigual da cultura huma-
(CF/88) a explicitação de objetivos que demons-
na.
tram a preocupação com uma educação voltada
para o sujeito em sua inteireza: em primeiro lugar
parecem querer transformar a realidade desigual.
“Pleno Desenvolvimento da Pessoa” e, logo após,
Para o Programa Mais Educação, desencadeado
“Preparo para o Exercício da Cidadania”, por últi-
pelo MEC, a proposta de Educação Integral tem
mo, “Qualificação para o Trabalho”. Esses objetivos
como objetivo atuar na inclusão social alterando
aparecem novamente na Lei de Diretrizes e Bases
o quadro das desigualdades sociais. Para tanto, o
da Educação Nacional e demonstram a intenção
documento indica uma mudança de tempo (perí-
dos organizadores dos documentos e leis em in-
odo de permanência dos educandos nas institui-
dicar uma educação voltada para a formação inte-
ções educativas) e de espaço (apropriação dos es-
gral.
paços locais, regionais e globais), possibilitando o
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais GeINEQ - Educação integral
Neste sentido, pretende - se a democratiza-
Alguns programas institucionais também
alcance real do acesso, da permanência e da qua-
para educandos, que precisam de professores de-
lidade de educação para todos. Esse documento
tentores do saber e controladores de conteúdos
propõe um diálogo intragovernamental e com as
parciais e minimizados que seriam “absorvidos” e
comunidades locais para garantir o direito à edu-
devolvidos em versões semelhantes aquelas pre-
cação.
tensamente ensinadas.
A concepção explicitada na revista, inspi-
Para tanto, defende-se as ideias de Vitor
rada nos estudos e pesquisas recentes sobre o
Henrique Paro, professor e pesquisador da FE - USP,
tema, amplia para a perspectiva social a ideia de
que concebe a educação como atualização histó-
Educação Integral, considerando a importância
rico – cultural, compreendendo a cultura como o
das experiências coletivas para a humanização
conjunto de elementos criados pelo homem e que
dos sujeitos de forma mais abrangente e comple-
precisa ser apropriado pelas gerações por meio da
ta. Esta perspectiva expande a ideia de Educação
educação. Esses elementos incluem, além de co-
Integral para além dos próprios limites de sujei-
nhecimentos e informações: arte, costumes, va-
tos particulares, envolvendo obrigatoriamente no
lores, filosofia, ciência, tecnologia, direito e todos
processo educacional outros sujeitos da mesma
aqueles que foram criados pelo homem na relação
idade e de diferentes idades nas instituições edu-
com a natureza. Para ele, a educação é a única
cativas e a comunidade local.
forma de o homem constituir-se como humano-
O conceito de Educação Integral integra
-histórico, desenvolver potencialidades, construir
também o pensamento dos clássicos da filosofia
a sua personalidade viva. Essa concepção indica
e da educação, chegando aos percussores da Es-
o respeito à condição de sujeito dos alunos, que
cola Nova, especificamente nos escritos de John
para aprender imprimem vontade, atribuem valor
Dewey e na escola soviética de Pistrak e Maka-
ao que será aprendido, estabelecendo objetivos
renko, que defendiam, fundamentados nas ideias
para esta apropriação e organizando ações para
marxistas, a educação omnilateral (oposta a edu-
alcança-los.
cação unilateral) ou polítecnia e visavam a educa-
ção nas múltiplas dimensões humanas.
bre Educação Integral, definido o posicionamento
A denominação dada a esta revista “Educa-
dos idealizadores como uma Educação Humaniza-
ção Integral” refere-se a discussões que ultrapas-
dora, Integrada e Integradora que pretende a apro-
sam a perspectiva de “escola de tempo integral”,
priação pelos educandos e educadores de todos
no sentido da ampliação da permanência dos edu-
os elementos da cultura e que inclui todas as rela-
candos nas instituições educativas. Pretende au-
ções e integrações necessárias para a efetivação
xiliar na reflexão sobre uma mudança conceitual
deste objetivo, como: as práticas democráticas no
que possa democratizar a cultura como constru-
interior das instituições, as relações intersetoriais
ção humana, abordando os significados da inte-
e com a comunidade local, a interlocução com a
gralidade como foco da educação, em função das
gestão dos responsáveis pelas políticas públicas
visões de mundo e de sociedade, de acordo com o
educacionais e uma infinidade de perspectivas que
contexto histórico, social, econômico e político.
possibilitem reflexões que transformem os olhares
Os organizadores desta revista adotaram o termo
e as ações de educadores e políticos no sentido de
Educação Integral a partir de um conceito científi-
democratizar o acesso aos bens culturais.
Neste sentido, a revista pretende refletir so-
co rigoroso de educação, que rompe com a ideia de transmissão de conhecimento e informação
Conselho Editorial INEQ - Educação integral
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SUMÁRIO
07
A COEXISTÊNCIA DO IDEÁRIO DOMINANTE NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E DA VIVÊNCIA DAS INFÂNCIAS NOS PARQUES INFANTIS – Ana Maria Gentil
14
REFORMAS EDUCACIONAIS E IDEIAS DOCENTES SOBRE EDUCAÇÃO – Maria Socorro Gonçalves. Torquato
23
AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ÁFRICA: REFLEXÕES SOBRE O PROTAGONISMO NEGRO – Silene Ferreira Claro
31
PROBABILIDADE E ESTATISTICA: CONCEPÇÕES E CONHECIMENTOS REVELADOS POR UM GRUPO DE PROFESSORES EM UM CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA – Clemente Ramos dos Santos
6
INEQ - Educação integral
A coexistência do ideário dominante na História da Educação no Brasil e da vivência das infâncias nos Parques Infantis Profª Ms. Ana Maria Gentil1
RESUMO
As ideias de proteção à infância funda-
Este artigo propõe revisitar a história da
mentavam-se na necessidade de induzir a crian-
educação brasileira, especificamente a trajetória
ça, desde a mais tenra idade, à educação moral
da Educação Infantil e dos Parques Infantis, expli-
ao possibilitar a vivência de práticas e processos
citando o ideário presente nas políticas públicas,
educativos, prescritivos e normativos e criar uma
nas práticas administrativas e pedagógicas e re-
estrutura de saúde e assistência, que inserissem a
velando os paradoxos presentes nas instituições
nação brasileira no mundo civilizado. A educação,
que procuravam orientação nas propostas gover-
nesse contexto tornou-se, ao lado da medicina, um
namentais e, ao mesmo tempo, lidavam com a
meio ordenador de ação antecipatória e preventi-
emergência de desejos cravados nas dimensões
va, sendo um investimento essencial para produzir
humanas dos protagonistas da educação infantil
sujeitos integrados às forças da nacionalidade e
e na proposta de uma educação que envolvesse a
ao mundo do trabalho (Kuhlmann, 2002: 466-93).
formação humana integral.
PALAVRAS – CHAVE : Políticas Públicas.
Educação Infantil. Formação Integral
A educação escolar presidiria, assim, prá-
ticas simbólicas no sentido de modelar exemplarmente a criança em benefício da formação de um homem novo para a sociedade futura (Gondra,
Ao longo dos tempos, a criança foi com-
2002: 116-24).
preendida de diferentes formas, sendo ignorada (século XV e XVII), considerada em sua pureza e
A ideologia do progresso, investindo na
em sua completude e passando a ser vista como
criança como imagem do futuro, acabou por reves-
um problema, como uma candidata natural à mor-
tir a educação de rituais de iniciação à vida adulta
te prematura (séculos XIX e XX). No Brasil, para
também como rituais de preparação para o mundo
consolidação do regime republicano, ela foi com-
capitalista de produção, bem como para o mape-
preendida como um período de transição em que
amento cultural da divisão de trabalho e das rela-
se é incapaz de falar por si mesma e de discernir.
ções de poder presentes na relação adulto-criança
1 - Mestrado em Educação pela FE – USP ( 2003), graduação em Pedagogia pela Universidade Mackenzie e pós – graduação em Psicopedagogia pela UNIP. Docente do Curso de Pedagogia nas Faculdades Integradas Campos Salles. Professora e coordenadora pedagógica na Prefeitura Municipal de São Paulo durante 33 anos. Professora de cursos de pós – graduação em diferente áreas, tais como: de Gestão Escolar, Educação Infantil, Alfabetização.
INEQ - Educação integral
7
(op. cit.: 157-59). As sociedades influenciadas pelo
lanovista, que clamava pela elaboração do plano
capitalismo, aliado à tecnificação e à burocratiza-
científico para o desenvolvimento da educação
ção da vida social, privilegiavam a ideologia do de-
brasileira e para a reconstrução nacional. Esse
senvolvimento e do progresso, cuja consequência
pensamento expressou-se nos discursos e na le-
principal é a racionalização generalizada. (Porto,
gislação, nos projetos, nos planos e nas reformas
1999: 89).
das décadas seguintes.
Também sob a égide da busca de um mun-
Neste período, e em muitos outros adiante,
do perfeito, do desenvolvimento do país do futuro,
Fonseca (1998: 217-20) destacou que não existiu
emerge a tendência de cientifização da Pedagogia
um consenso quanto aos objetivos sociais e edu-
(e das Ciências Humanas) com a psicometria. As
cacionais da educação infantil.
práticas laboratoriais, nessa perspectiva, poderiam aferir as possibilidades das pessoas diante
Segundo o autor, podemos dizer, mesmo
dos imperativos da civilização. As políticas de re-
correndo o risco de uma simplificação, que a ne-
construção social, com a tipificação das patolo-
cessidade da educação infantil foi consequência
gias sociais, acreditaram na influência maléfica
de dois fatores: as transformações do mundo do
ou benéfica do meio, sendo responsabilidade das
trabalho (crianças pequenas de mães e pais traba-
ciências oferecerem instrumentos para distanciar
lhadores em instituições de cuidado, guarda, abri-
a sociedade do passado e engendrar um tipo de
go ou tutela e antecipação da escolaridade, prepa-
modernização para o futuro, na qual o ponto de
ratória para a formação do cidadão/trabalhador
partida fosse a criança que atingiria um “ethos” de
no ensino fundamental e médio) e a evolução das
civilidade pautado na nova disciplina social remo-
ciências pedagógicas e médicas.
deladora.
Para Kuhlmman (1998: 8-16), a história da
O higienismo (ciência precursora da orga-
educação infantil no Brasil também apresenta um
nização do sistema público de ensino) e a métrica
processo contraditório e ambíguo. Ele afirma que
(ciências da aferição) transformariam, assim, um
ao lado do atendimento às famílias as instituições
país arcaico e doente em um país moderno e sau-
educativas de educação infantil sempre foram re-
dável. A escola ativa seria a baseada na fisiologia,
conhecidas como dignas e legítimas, passíveis de
a educação se constituiria em sinônimo de Saúde
fornecer uma boa educação para as crianças pe-
Pública e a escola pública um campo de ação da
quenas e que a história da educação dos peque-
organização sanitária moderna.
nos está em estreita relação com as questões que
dizem respeito à história da infância, da família, da
No início do século XX, de acordo com Dib
(2002:24), a educação pública e popular como for-
população, da urbanização, do trabalho e das relações de produção.
ma de ascensão social e de democratização no
8
País, alimentada pela compulsão de formar e pelo
positivismo gestionário, oriundos da mentalidade
enfrentar as desigualdades sociais com princípios
moderna, penetrava profundamente na educação
democráticos também permaneceu ao lado da ra-
brasileira. O ideário pedagógico e político – ideoló-
cionalidade científica e tecnológica, do desenvolvi-
gico liberal predominava com o movimento esco-
mento harmônico da sociedade, da ideia de educa-
INEQ - Educação integral
Ao longo dessa história, a necessidade de
ção como ordenadora social e preparatória para o
Infantis, que possibilitava o desenvolvimento de
futuro.
atividades lúdicas e artísticas para os paulistanos, a convivência com as diferenças culturais, na persEm diferentes momentos políticos do país,
pectiva da construção “das identidades” em uma
aconteceram ameaças de desagregação social
“cultura nacional”. Essas intenções consubstancia-
(Girardet apud Souza, 2000: 177). Nesses mo-
vam-se em rituais que, junto à ideia da permanên-
mentos de crise e ruptura social os mitos políticos
cia da ordem e da necessidade de reiterar o perten-
exercem a função das antigas religiões, especial-
cimento nacional propagado pela administração
mente as de legitimação e ritualização da ordem
pública, integravam uma diversidade de símbolos
social. Os rituais cívicos e comemorativos e os de
inerentes àqueles dos povos e grupos brasileiros.
reafirmação dos valores morais tradicionais asse-
Os Parques Infantis, fundados no tríplice objetivo
guravam, em cerimônias coletivas a coesão social
de educar, assistir e recrear, atendiam, segundo
e a reunificação dos laços de solidariedade, cons-
Fonseca (1978: 24-33), às necessidades naturais
tituindo um universo simbólico capaz de atualizar,
da infância de fazer experiências excitantes, de li-
pelo rito, o mito político das sociedades modernas
berdade, sociabilidade, socialização, fantasia e li-
- a Unidade.
berdade. Pretendiam utilizar o jogo como fruição,
considerando a criança um ser ativo, capaz do au
Assim, para Souza (2000: 178), “a ruptura
social da proclamação da República provocou um
toconhecimento, da auto-atividade e da auto-experimentação.
movimento para constituir um novo universo mítico capaz de conferir legitimidade ao novo regime polí-
Para Kuhlmann (1998: 197-209), essas instituições
tico”. Após esse movimento, as instituições da so-
eram consideradas extraescolares e atendiam
ciedade trabalharam para assegurar a integração
crianças de três a doze anos (educação pré-esco-
da nação, evitando a ameaça da “desordem” (pela
lar e correlata), com uma proposta, diferenciada
ruptura da coesão social), passando ser a Unidade,
das mais amplamente assistencialistas (desde
o mito político da sociedade contemporânea.
1896) e daquelas orientadas para a preparação, o confinamento e a disciplinarização da criança.
Em documentos históricos do município
Segundo o autor, organizavam-se por uma visão
de São Paulo, observei a coexistência de duas for-
menos funcionalista, racional e objetiva da edu-
ças ocidentais que disputaram entre si, excluíram-
cação infantil, garantindo o direito ao tempo livre,
-se e incluíram-se nos movimentos de retomada
por meio do espaço público fora das ruas e das
do humanismo na tecnologia, dos rituais religiosos
moradias com poucas possibilidades de lazer e
e dos mitos da “embriaguez” e do progresso. O uni-
superando alguns elementos da concepção assis-
verso da religião, da mística, da poesia, da litera-
tencialista pela recreação planejada, observada e
tura, do amor, da paixão, tornou-se o contraponto
estudada. A educação como prática social, reunia,
do universo, hiperobjetivo, pragmático, empírico,
assim, grupos integrados de educadores, com fins
prosaico, técnico e burocrático.
educativos, em espaços exteriores à vida privada,
atendendo ao direito à infância em uma perspecti
Neste contexto, o diretor do Departamen-
va pedagógica.
to de Cultura, Mário de Andrade pretendia garantir o direito ao espaço público de lazer nos Parques
A coexistência de ideias sobre educação INEQ - Educação integral
9
infantil encontra-se nos Parques Infantis em seu
ção Nacional, objetivava proteger as crianças de
ato de Criação – Acto nº 767, de 9 de janeiro de
doenças (provocadoras da mortalidade infantil) e
1935:
das condições familiares e habitacionais adversas, proporcionando condições de abrigo aos peque...é necessário despertar nas novas gera-
nos cujas mães saíam para o mundo do trabalho
ções o gosto e criar o hábito de empregar
complementando ou suprindo as necessidades
seus lazeres em atividades saudáveis de
básicas de sobrevivência. Afirmava Nicanor Mi-
grande alcance moral e hygienico (...) con-
randa (1941: 20 e 21), em documentos municipais:
siderando que as atividades lúdiccas exer-
“Se uma assistência médica preventiva não for ri-
cem uma funcção importante no processo
gorosamente estabelecida, o Parque Infantil cons-
educativo e social (...) proporcionando-lhes
tituirá, aqui, como em outras partes, um foco de
oportunidades e meios de recreação ao ar
moléstias”.
livre, estreitando o conviveo de crianças
Por outro lado, expressando a diversidade e a con-
de todas as classes sociaes (...) providen-
vivência de ideias, o próprio Nicanor Miranda regis-
ciar para que os tanques de vadear cons-
trou no documento acima citado, a compreensão
tantemente alimentado por água corrente
de Parque Infantil como logradouro público, onde,
e sejam renovados os” stands “de areia de
pela recreação e pelo jogo organizado, procurava-
praças de grande freqüência (...) propagar
-se educar a criança
a prática de brinquedos e jogos nacionaes,
.
cuja tradição as crianças já perderam ou
tendem, dia a dia a perder.
documento apresenta a descrição das competên-
No artigo 49 do Acto 861, de 30/05/35, o
cias do instrutor, que explicitavam a força da luNessa conciliação de propostas diferencia-
dicidade nas atividades recreativas propostas, nas
das, os rituais pretendiam plasmar as regras e re-
quais a espontaneidade infantil não deveria ser
gulamentos do microssistema no interior de cada
ameaçada, possibilitando a participação coletiva
espaço infantil, buscavam impor sua ordem, cen-
em atividades lúdicas, a propagação de jogos e
tralizar e monopolizar o controle, inibindo a com-
brinquedos nacionais ou universais. Esses jogos
plexidade dos grupos locais. Acreditava-se que a
deveriam ser dignos de fazerem parte das tradi-
possibilidade de um processo de identificação –
ções locais e do Brasil, para que não se perdessem
projetiva de uma educação municipal se concre-
as possibilidades de constituição da identidade.
tizaria no controle da organização, eliminando a
As crianças deveriam desenvolver atividades ar-
desorganização do sistema educacional público
tísticas e culturais: teatro, marcenaria, desenho,
e descartando a possibilidade do conflito. O povo
modelagem, danças, recortes, bailado, leitura, jo-
passava a ser, nesse eixo, o educando por excelên-
guinho, aparelhos, ginástica e banho de sol.
cia desse “Estado-Pedagogo” – passagem do rito revolucionário ao mito da modelagem das almas
No artigo 45 do Acto nº 861 do Depar-
(Boto, 2000: 72-107).
tamento de Cultura e Recreação encontra -se a orientação para prover, junto aos educadores da
O movimento, pretensamente homoge-
infância, um inquérito permanente de pesquisas
neizador, acompanhando a criação dos Parques
folclóricas e etnológicas entre a população, re-
Infantis, que, considerando o Histórico da Educa-
colhendo as tradições, costumes, superstições,
10
INEQ - Educação integral
adivinhas, parlendas, histórias, canções e brinque-
intenções de moralização e estavam expressos
dos para serem catalogados, organizados e publi-
nas orientações dadas às educadoras no Parque
cados na Revista do Departamento. Além disso,
Infantil: brincar com a criança, ensiná-la a brincar,
essa legislação indicava a organização de festas
não tirar lições de moral das histórias tradicionais
infantis, que serviriam à educação social, moral e
e não interferir enquanto às crianças brincam. Sen-
estética das crianças, mas também reviveriam os
do “a arte, filha da preguiça, nascida dum bocejo
costumes tradicionais, contribuindo para que as
sublime, ganha o seu valor ao lado da brincadeira
famílias se interessassem pelos centros populares
e do jogo, pelo prazer de sua fruição e não por uma
de saúde e alegria.
suposta utilidade vinculada ao mundo do trabalho”. Através da arte, folclore, jogos, brincadeiras e
Para Faria (1999: 60-5), o processo de
institucionalização da infância deveria garantir a
preguiça os Parques Infantis construíam uma cultura nacional (op. cit.: 15 e 60).
sua separação do contexto social de origem para transformá-la e fazer um suporte integrado a um
Mário de Andrade, educador, administra-
novo sistema político e econômico, constituindo
dor, artista e intelectual importante de sua época,
uma verdadeira obra de engenharia social. Com
apresentava propostas de ações para a infância,
o pretexto de proteger a infância e a sua inocên-
compreendendo-se que o artista-educador foi um
cia, a criança é controlada, disciplinada e educada
“crianço” , que pretendia educar os filhos das fa-
para uma nova ordem social. Nesse sentido “seria
mílias operárias: elevando sua cultura através da
inconcebível” formar um futuro trabalhador sem
arte e do lúdico, respeitando a cultura popular e
essa preparação antes da escola primária, caben-
proporcionando novas produções em busca da
do a ela: garantir a vida, guardá-la e educá-la para
construção da identidade nacional. Para ele, o País
o futuro. Essa proposta implicava em dar novos
Moderno e o Estado Novo não se caracterizariam
conhecimentos necessários à vida de cidadã e à
pelo controle disciplinador e pelas marcas do pro-
vida escolar: fazer fila, tomar banho, não falar ao
gresso, mas por “um projeto cultural que engloba-
mesmo tempo em que os mais velhos etc. Esse
va atores habitualmente excluídos: as crianças e a
movimento trazia rituais que pretendiam a educa-
classe operária” (op. cit.: 1999: 29).
ção para a ordem social pelo caráter disciplinador do tempo livre.
Este educador e artista acreditava que as
crianças, em sua diversidade cultural, trocavam, Entretanto, segundo a autora (op cit: 48-
produziam e consumiam cultura, constituindo-se
53), nos Parques Infantis a criança participava do
como pertencentes ao conjunto de brasileiros e
projeto de construção da cultura nacional, mas
paulistanos. Assim, mesmo sendo um intelectual
também recriava a cultura e produzia cultura in-
e planejador da época, Mário de Andrade não te-
fantil, brincando criando, preocupando-se com a
mia a inserção de “culturas estranhas” ao ideal de-
criança-cidadã e não apenas enquadra-la na nova
mocrático nacional, trazendo as culturas diversas
realidade industrial brasileira, que reduziu os prin-
do país para serem vividas e revividas em rituais,
cípios educacionais aos de ordem, à quantificação,
festas e comemorações.
ao controle e a planificação.
O ócio e a liberdade conviviam com as
As vivências nas piscinas e nos banhos
diários provavelmente significavam o espaço coINEQ - Educação integral
11
tidiano do vivido-junto. Choros e risos comparti-
era proporcionar às crianças a aquisição de
lhados possibilitaram a comunhão com todos os
hábitos saudáveis... dentre os hábitos sa-
outros integrantes do Parque, rompendo com a
dios... salientam-se os exercícios físicos, a
força organizadora do prazer-higiênico e discipli-
vida ao sol e ao ar livre, os quais em si já
nador, mas ao mesmo tempo se constituindo em
constituem uma das necessidades orgâni-
um ritual que proporcionava ao grupo vivenciar a
cas do educando, que nessa idade precisa
ludicidade do diálogo corpo-água.
de movimentação para descarregar energias excedentes (a imobilidade nesta fase é
A preocupação com o cuidado do corpo e
condenada porque não é natural) (...) brin-
a educação da mente aparecia de forma paralela
quedos preferidos (...) movimentação (...)
nos documentos sobre os Parques Infantis, em
brincar com areia (...) com água (...) cons-
alguns momentos privilegiando a disciplinariza-
tituem atividades ao ar livre de grande valor
ção do corpo para desenvolver a cognição e, em
educativo (SMEC, 1957).
outros, possibilitando a manifestação natural das dimensões humanas lúdicas e criativas sem, en-
Nas festas, as crianças aprendiam e apre-
tretanto, compreender explicitamente que o corpo
sentavam bailados, jogos, ginástica, modinhas,
é o veículo da carga simbólica organizadora da cul-
canções e danças folclóricas e hinos oficiais para
tura.
apresentarem o coral em festas e comemorações, educando-se, segundo relatos da época, do ponto
Douglas (1966: 141-143) destacou que as formas
de vista artístico e emotivo. Nas dramatizações,
de delinear os contornos e as estruturas do cor-
as crianças apresentavam reprodução de histó-
po estão ligadas, inclusive ritualmente, ao contro-
rias, comédias e cenas, demonstrando espírito
le dos limiares e da marginalidade, em que estão
imaginativo e inventivo. No final de cada ano, rea-
as fontes do simbolismo, do perigo e do poder.
lizava-se uma festa para despedida daqueles que
Acreditava-se que, controlando a forma, os limites
não voltariam ao Parque no ano seguinte, consti-
externos e as margens e estruturas internas do
tuindo-se em um ritual de passagem para a escola
grupo social, por meio das margens corporais in-
primária (menores) ou para a vida de jovem/adulto
vestidas de poder e perigo, impedia-se a contami-
(maiores).
nação com a diferença sociocultural.
As atividades e festas folclóricas eram in-
Mesmo com essas intenções explícitas,
troduzidas por Mário de Andrade, pois ele consi-
continuavam a conviver aspectos antagônicos e
derava o folclore como fonte de brasilidade, que
concorrentes: a função disciplinarizadora e mo-
retomando as tradições populares, possibilitava a
delizadora da infância e a ideia da arte como cria-
unificação da nação por meio de um continuum
ção, das brincadeiras como diversão; a imobilida-
entre popular e erudito. Era um caminho para a
de artificial no universo infantil e as festas como
modernização do país, sendo que os folcloristas,
recriadoras de tempos e espaços. Existem vários
ao falarem em nome do outro – diferente, possi-
relatórios que registraram a história dos Parques
bilitavam a construção da identidade cultural bra-
Infantis e os objetivos do trabalho com a infância:
sileira pela incorporação do homem do campo, do
operário, do nordestino etc., através de uma linguaO objetivo primordial do jardim da Infância
12
INEQ - Educação integral
gem poética. (Faria, 1999: 52 - 179).
Aqueles que compreenderam a realidade
dos Parques Infantis e das pré-escolas no município de São Paulo sob a visão clássica de fazer ciência, ignoraram muitas vezes a dimensão simbólica e a complexidade do real. Essa dimensão foi considerada por Mário de Andrade que proporcionou uma educação específica para a criança pequena e, sem escolarizá-la, tratou-a como diferente do adulto, como um sujeito que cria uma determinada cultura, a cultura infantil. Ele possibilitou oportunidades de expressão estéticas e artísticas, possibilitando que a s crianças vivenciassem a especificidade infantil, propiciando experiências lúdicas, jogos tradicionais do folclore e brincadeiras. Por meio da oralidade, as crianças recriaram os jogos tradicionais, reinventando o passado no presente, alterando a realidade, construindo e reconstruindo elementos culturais e vivendo o ser criança, não apenas consumidor, mas criador de cultura (Faria 1999: 74 e 154).
Esta trajetória dos Parques Infantis, re-
pleta de ideias e ações antagônicas, abre espaço para uma reflexão sobre a realidade educacional brasileira e permite potencializar movimentos que emergem da latência das instituições de Educação Infantil, possibilitando transformar as práticas educativas, de tal forma que as crianças pequenas vivenciem intensamente suas infâncias, sejam ouvidas e consideradas em sua integralidade. BIBLIOGRAFIA BASTOS, M.H.C. Jardim de crianças: o pioneirismo do Dr. Menezes Vieira (1875 – 1887). In: MONARCHA, C. (org.). Educação de Escola Brasileira: 1875 – 1983. Campinas, SP: Editores Associados, 2001. BOTO, C. A Escola do Homem Novo: do Iluminismo à Revolução Francesa. São Paulo: UNESP, 1999. DOUGLAS, M. Pureza e Perigo. São Paulo: Perspectiva, 1966. FARIA, A. L.G. Educação Pré-escolar e cultura. São Paulo: Cortez, 1999. FONSECA, J. P. Da. Educação Infantil. In: Meneses, J. G. de C. Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. São Paulo:
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INEQ - Educação integral
13
REFORMAS EDUCACIONAIS E IDEIAS DOCENTES SOBRE EDUCAÇÃO Profª Dra. Maria Socorro G. Torquato2
RESUMO
neste caso, tem importância secundária e, por úl-
A presente pesquisa se dedicou a apresen-
timo, o coercivo (ETZIONI, 1974). O conceito de re-
tar as ideias sobre educação dos(as) docentes do
forma educacional aqui empregado é baseado em
ensino fundamental II. Como procedimento meto-
Ghanem (1999) e Torres (2000) para quem a refor-
dológico foi investigada duas escolas estaduais
ma compreende práticas cuja lógica implica pla-
da cidade de São Paulo e abordado 12 docentes
nejamento no âmbito externo da execução, ampla
em cada uma. Verificou-se que as ideias docentes
abrangência, respaldo financeiro, homogeneidade
estão embasadas no modelo de escola clássica
e caráter impositivo. Por ideias de docentes sobre
humanista de base científica em que foram forma-
educação, entendo que sejam as que norteiam a
dos e que resistem às práticas contrárias a esse
prática profissional docente e que indicam como
modelo.
deve ser a educação, o que deve ser ensinado, para
Palavras-chave: ideias docentes; reformas educa-
que deve ser ensinado, como deve ser ensinado.
cionais; resistência docente.
Na literatura que aborda as reformas edu-
cacionais, muitos autores afirmam que os docenINTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
tes são empecilhos às reformas. Torres (2000), por exemplo, indica a existência de um histórico
Esta pesquisa se dedicou a estudar a im-
conflito entre docentes e reformadores educacio-
portância das ideias de docentes sobre educação
nais em nível mundial, em particular na América
na sua adesão a reformas educacionais. Embora
Latina. Assim sendo, adverte que, para apreender a
outros fatores tais como o econômico e o coercivo
resistência ou aceitação às reformas, é necessário
possam contribuir para a adesão, foram focaliza-
compreender de que forma os (as) docentes perce-
das somente as ideias, pois, segundo a classifi-
bem e vivem a experiência das reformas. Deve-se
cação da abordagem estruturalista das organiza-
levar em consideração o lado em que estão (o da
ções, a escola é uma organização normativa em
execução, da escola), a condição social (maioria
que a principal fonte de controle dos participantes
mulheres, formada na escola pública, professoras
é a internalização das diretrizes morais aceitas
nos níveis inferiores do sistema público de ensi-
como legítimas, enquanto o aspecto econômico,
no), a relação de subordinação a um Estado cen-
14
2 - Professora universitária, socióloga e pesquisadora do Ceunir (Centro Universitário de Investigação sobre Inovação, Reforma e Mudança Educacional) que integra o diretório de grupos de pesquisa do CNPq, possui mestrado em sociologia e doutorado em educação pela Universidade de São Paulo.
INEQ - Educação integral
tralizado que promove mecanismos de perda de
mas, ao mesmo tempo, depositam neles a respon-
prestígio e baixos salários, a constituição cultural
sabilidade pelo seu êxito e por sua execução. Para
e ideológica convencional apreendida no sistema
os reformadores, a má formação docente seria a
escolar e na sociedade (visão da escola como ins-
responsável pela resistência às reformas.
tituição educacional por excelência, disciplinadora,
Torres (1996), em texto intitulado “Formação do-
docente-enciclopédia e instrutor, indiferenciação
cente: chave da reforma educativa”, descreve os
entre ensinar e aprender, currículo como conteúdo
aspectos do trabalho docente elencados pela críti-
e a pedagogia como método) e a experiência das
ca como aqueles que explicitariam sua má forma-
reformas passadas.
ção: desatualização dos conteúdos e dos métodos
Gajardo3 (1999 apud GHANEM, 2006), por
educacionais; trabalho teórico desvinculado da
sua vez, ao se referir às características gerais das
prática; enciclopédico; defasados em relação às
reformas educacionais da região da América Lati-
novas tecnologias etc. Estas críticas teriam levado
na e Caribe nos anos de 1990, também faz referên-
os reformadores a introduzir melhoras na forma-
cia aos docentes na condição de obstáculo, pois
ção docente, porém, na formação em serviço, pois,
aponta a falta de competências humanas como
segundo Torres,
um dos fatores responsáveis pelos resultados tí-
midos das reformas, além da incapacidade das
años sugieren que docentes con más (años de) es-
instituições e da ausência de redes eficientes de
tudios o más calificaciones no necesariamente lo-
informações e comunicação que facilitem a inte-
gran mejores resultados que aquellos com pocos
ração entre atores e envolvam o conjunto da socie-
estudios e incluso sin ninguna formación pedagó-
dade no processo das reformas.
gica, y, en algunos casos, la relación sería incluso
Da mesma forma, Santos (2011), pesqui-
la inversa. Esto ha acentuado la desconfianza so-
sando sobre resistência e apropriação dos docen-
bre la formación docente em general, y sobre la
tes às políticas educacionais, aponta-os como
formación inicial en particular, por considerarse
entraves à implantação das reformas. Argumenta
una inversión costosa e inútil. (1996, p. 21).
Diversos estudios realizados en los últimos
que estas não são implantadas pelos docentes como querem os reformistas, visto que eles não
Evangelista e Shiroma (2007), em artigo
se sentem partícipes da reforma e, portanto, agem
que discute a formação docente no contexto da
segundo as necessidades do seu fazer imediato,
reforma do Estado no Brasil, sustentam a tese de
da realidade da sala de aula, segundo as condi-
que a reforma objetiva uma nova governabilidade
ções estruturais que encontram, desconhecem a
da educação pública e não as questões educacio-
base das propostas e desacreditam destas. Em-
nais. Aquelas autoras apontam a profissionaliza-
bora as propostas reformistas provoquem desa-
ção docente e a implantação do gerenciamento
comodação na escola, são assimiladas de modo
nas escolas como as vias encontradas pelos orga-
diferente do pensado pelos órgãos oficiais.
nismos internacionais (Organización de los Esta-
dos Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia Ampliando a discussão sobre resistência
y la Cultura – OEI, Organização para a Cooperação
docente às reformas educacionais, Torres (2000)
e o Desenvolvimento Econômico - OCDE, Organi-
assegura que os reformadores veem os docentes
zação dos Estados Americanos – OEA, UNESCO,
e suas organizações como obstáculo às reformas,
UNICEF, BIRD, BM) para alcançar a governabilida-
3 - GAJARDO, M. Reformas educativas na América Latina: balanço de uma década. Tradução de Paulo M. Garchet. Julho de 2000. (Preal Documentos, 15). Disponível em: www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/. Acesso em: 19 fev. 2005.
INEQ - Educação integral
15
de na área educacional. O professor estaria cons-
nal. Na trajetória pré-profissional, eles destacam
tituindo - pelas agências multilaterais, articuladas
a socialização familiar e escolar, dando ênfase
aos interesses dos países capitalistas hegemôni-
para esta última, que seria responsável pelas cren-
cos - obstáculo à reforma educacional e à reforma
ças e práticas docentes do começo da carreira;
do Estado, seja por apresentar uma oposição críti-
enquanto, na trajetória profissional, sublinham o
ca ou por não entender de que se trata a reforma. E
aprendizado com o trabalho com os alunos, com
ainda, os mesmos organismos traçam uma nega-
alguns professores, com a rotina escolar, com o
tiva imagem do professor: corporativista; avesso
material didático utilizado, com os conhecimentos
às mudanças; acomodado pela rigidez da estrutu-
curriculares veiculados pelos programas e com as
ra de cargos e salários da carreira docente; des-
peculiaridades do ofício de professor. Chamam a
motivado; descomprometido com a educação dos
atenção para o fato de os saberes profissionais se-
pobres, um sujeito político do contra; incapaz teó-
rem temporais, construídos através do tempo - o
rico-metodologicamente, incompetente, responsá-
tempo da trajetória pré-profissional, o tempo dos
vel pelas falhas na aprendizagem dos alunos, logo,
primeiros anos de carreira e o tempo do decorrer
em última instância, por seu desemprego.
da carreira. Indicam, ainda, que a trajetória profis-
Como foi dito acima, vários estudos assinalam o
sional dos professores regulares se diferencia dos
docente como obstáculo à implantação das re-
contratados, que teriam dificuldades para domi-
formas e que reformadores e organismos interna-
nar a carreira (aspectos didáticos e pedagógicos,
cionais o veem como barreira a ser transposta via
o ambiente da organização escolar e as relações
formação que atenda as novas demandas educa-
com os pares e com os outros atores educativos)
cionais.
pelas precárias condições de trabalho.
Ao mesmo tempo, encontramos na litera-
tura especializada brasileira inúmeros trabalhos
Compreender os saberes dos professores é
que apontam para a “má formação docente”, res-
compreender, portanto, sua evolução e suas
ponsabilizando-a pela perda da “qualidade da edu-
transformações e sedimentações sucessi-
cação” ou pela deterioração do ensino público (por
vas ao longo da história de vida e de uma
exemplo, MARTINS, 2004; BARBOSA, 2007; PAUL,
carreira; história e carreira que remetem a
2008; GATTI, 2010;).
várias camadas de socialização e de reco-
mendações. (TARDIF; RAYMOND, 2000, p.
Isto posto, fez-se necessário detectar as
15).
ideias sobre educação (como deve ser a educação, o que deve ser ensinado, para que deve ser
16
ensinado, como deve ser ensinado) que norteiam
a prática do professorado e, para isto, contextuali-
dos docentes sobre educação formal, é necessá-
zar a formação docente.
rio considerar suas condições de trabalho, pois,
Tardif (2000) e Tardif e Raymond (2000)
como acreditam Tardif e Raymond (2000) e Tardif
pesquisaram esta contextualização, mostrando a
(2000), as condições de trabalho interferem na so-
composição e a produção do conjunto de saberes
cialização profissional do docente.
que fundamentam o ato de ensinar no ambiente
escolar. Esta formação é engendrada, segundo
tadas como péssimas por Martins (2004) – por-
aqueles autores, pela interação dos saberes cons-
que geram um processo de proletarização do pro-
truídos na trajetória pré-profissional e na profissio-
fessorado, acentuando a divisão entre concepção
INEQ - Educação integral
Nesta perspectiva, para abarcar as ideias
As condições trabalho, contudo, são apon-
e execução – e precárias por Souza (2011) – pois
saberes profissionais (Tardif; Raymond, 2000; Tar-
são condições que reforçam a submissão do do-
dif, 2000).
cente à competitividade e à produtividade. O que
levou à precarização das condições do trabalho
experiências de inovação educacional na América
docente, segundo Souza (2011), foram as refor-
Latina e Caribe, em contextos variados, apontando
mas nas suas relações de trabalho, implantadas a
os professores como atores-chave dos processos
partir da década de 1990, que institucionalizaram
de inovação, reforçam os indícios descritos aci-
a instabilidade no emprego e no trabalho. A primei-
ma. Estes autores trabalharam com o conceito de
ra se caracteriza pelo desemprego e pelo trabalho
inovação muito próximo do conceito de reforma,
temporário ou eventual, a segunda, pelo questio-
uma vez que, de modo geral, atribuem a ambos a
namento da formação e qualificação profissional
ideia de alteração, de novidade, de intencionalida-
assim como pela ausência do reconhecimento e
de e planejamento para introdução de mudanças.
da perspectiva do trabalho docente. Processo este
À ideia de inovações, eles acrescentam a ideia de
que incidiu negativamente sobre a remuneração
transformação substantiva das práticas educati-
docente.
vas em uma instituição e em suas salas de aula e,
consequentemente, de impacto em sua estrutura
A pertinência do problema que eu coloquei
Neirotti e Poggi (2005), ao descreverem
- a importância das ideias dos(as) docentes na sua
profunda.
adesão às reformas educacionais - se deve a não
estar satisfatoriamente esclarecida a relação entre
inovação, dão importância à subjetividade e às ati-
as ideias sobre educação que os professores têm
tudes dos professores no processo, ou seja, levam
(cultura docente) e a resistência às reformas. Tem
em consideração “a instrumentalidade, a congru-
havido ênfase maior a fatores ligados à má forma-
ência e os custos”.
Tais autores, ao analisarem os projetos de
ção do docente e não às suas visões, que podem entrar em conflito com a lógica das reformas.
Entende-se por instrumentalidade a conside-
A hipótese em que esta pesquisa está focalizada
ração sobre “o praticável” de uma proposta,
é a de que o(a) docente de ensino fundamental
para a qual devem ser oferecidas orienta-
em escolas estaduais de São Paulo resiste às re-
ções claras e levadas em conta as contin-
formas, entre outros fatores, porque suas ideias
gências da sala de aula. Por congruência,
sobre educação entram em conflito com as ideias
considera-se a relação entre a nova propos-
que orientam as reformas. De acordo com esta hi-
ta e a “filosofia” educacional dos docentes
pótese, o(a) docente não se mostra mal formado,
(seja ela explícita ou implícita), ou seja,
mas sim formado dentro de uma perspectiva dis-
certas concepções sobre os fins e sobre as
tinta daquela das reformas.
estratégias mais adequadas que conduzam
Entre os indícios que me levaram a ela-
a eles. Nesse sentido, remete também à co-
borar esta hipótese, está o fato de as pesquisas
erência da inovação com as práticas habitu-
apontarem a formação do docente como um dos
ais. Por último, os custos remetem ao tempo
empecilhos à adesão às reformas, não levando em
e ao esforço dos professores para “investir”
consideração que a constituição de tais empeci-
em uma proposta inovadora de suas práti-
lhos é fruto de um processo de socialização que
cas, em relação aos benefícios que se espe-
começa já nos primeiros anos do ensino básico,
ra conseguir na aprendizagem dos alunos.
como aponta Torres (1996), e se completa com os
(NEIROTTI; POGGI, 2005, p. 177, grifo meu). INEQ - Educação integral
17
dispositivos político-econômicos para a organizaEstes mesmos autores chamam também atenção
ção da economia global visando à manutenção do
para a complexidade do aspecto congruência e ob-
capitalismo. Mais do que qualquer outro conjunto
servam que, se a proposta de inovação estiver ex-
de valores, portanto, esta abordagem implica as
cessivamente próxima à prática do docente, pode
forças econômicas operando supra e transnacio-
perder seu caráter de mudança, pois não haverá
nalmente para romper as fronteiras nacionais, ao
tensão para que esta seja provocada.
mesmo tempo em que reconstroem as relações
Huberman (1976) e Neirotti; Poggi (2005)
entre as nações. A adesão à agenda global é vei-
alertam para a complexidade da resistência às re-
culada pela pressão econômica e pela percepção
formas no âmbito escolar e nos fazem pensar na
do interesse nacional próprio.
necessidade de se investigar no cotidiano escolar
a relação entre as decisões extraescolares e as
mente demonstrar a existência e o significado de
mentalidades e práticas escolares.
uma hipotética cultura mundial e a segunda, mos-
Outra questão que se coloca, não menos comple-
trar como é que uma nova forma de força supra-
xa, é explorar a lógica das reformas educacionais.
nacional afecta os sistemas educativos nacionais.
Evangelista e Shiroma (2005) chamaram atenção
(DALE, 2004, p. 454).
A primeira [abordagem] procura essencial-
para a mudança de discurso dos organismos internacionais em relação às reformas educacionais.
No início dos anos 1990, predominavam, segun-
abordagem, defende a existência de uma agenda
do elas, os conceitos de produtividade, qualidade,
global para as políticas dos Estados-nações pau-
competitividade, eficiência e eficácia, já no final
tada no estabelecimento de uma nova cultura de
daquela década, os conceitos eram construídos
desempenho competitivo, pensada por institui-
em torno da justiça, equidade, coesão social, inclu-
ções unilaterais, como o Banco Mundial e a OECD.
são, empoderamento, oportunidade e segurança.
Demonstra que estas instituições orientam a im-
Da política de educação para a competitividade,
plantação de políticas com base e tecnologias co-
migrou-se para a de educação para combate à po-
muns, mecanismos operacionais idênticos e efei-
breza.
tos semelhantes, por isto, sugere a identificação
18
Dale (2004), ao descrever a abordagem
Ball (2001), na mesma linha da segunda
dos aspectos comuns na diferença, ou seja, obser-
dos “institucionalistas mundiais”, afirma que eles
varmos as tendências exógenas das políticas.
defendem a ideia de que há uma cultura educa-
Aponta, ainda, as tecnologias das políticas a partir
cional mundial comum. Desta forma, os Estados
de três elementos que estão inter-relacionados e
teriam suas atividades e políticas moldadas por
são interdependentes: forma do mercado, gestão
normas, valores culturais universais, por uma ideo-
e performatividade. Estas tecnologias seriam res-
logia supranacional dominante (ocidental), logo, as
ponsáveis, em nível micro, pela produção de novas
reformas educacionais seriam baseadas nestes
práticas de trabalho e novas subjetividades dos
recursos culturais partilhados entre os Estados-
trabalhadores, ou seja, novas disciplinas, que, em
-nações autônomos que comporiam a comunida-
nível macro, geram outra base de relacionamento
de internacional.
entre o Estado e o capital assim como no Estado e
nas organizações privadas.
Porém, Dale (2004) propõe outra aborda-
gem, a de uma agenda global estruturada para a
educação, baseada na globalização, conjunto de
determinista, mecanicista na criação das políticas,
INEQ - Educação integral
Porém, aquele autor não propõe uma lógica
advertindo que estas políticas são uma combina-
minar os “conteúdos trabalhados” pelo(a) docente.
ção de lógicas globais, distantes e locais, um ver-
Hipótese B - A educação formal objetiva preparar
dadeiro processo de bricolagem, de hibridização.
o(a) discente para a fase posterior àquela em que
Além disto, ele indica que a implantação também
ele(a) se encontra (ensino médio, vestibular e Exa-
é um processo de reinterpretação, recontextualiza-
me Nacional do Ensino Médio-Enem).
ção pelo pessoal técnico-administrativo nos vários
Hipótese C - O processo de ensino e aprendiza-
níveis e no âmbito pedagógico.
gem equivale à transmissão do conhecimento (conteúdo das áreas de conhecimento) pelo(a) doestamos
cente, basicamente a partir das aulas expositivas.
diante de um amplo campo de pesquisa a ser ex-
Hipótese D - A qualidade da escola é boa com base
plorado, que engloba desde a formulação da refor-
na quantidade de conteúdos trabalhados pelo(a)
ma e suas influências – dentro de uma determi-
docente, e a melhor forma de medir os conteúdos
nada concepção de educação – até a prática com
“apreendidos” são as provas classificatórias.
suas implicações políticas e de valores pessoais e
Hipótese E - Os “conteúdos” das diversas áreas do
locais.
conhecimento que devem ser transmitidos pela
escola são importantes para a vida dos(as) dis-
HIPÓTESE
centes.
A hipótese em que esta pesquisa está fo-
Hipótese F - A relação entre docente e discente é
calizada é a de que o(a) docente de ensino funda-
vertical (de cima para baixo), o(a) docente, que é o
mental em escolas estaduais de São Paulo resis-
detentor do conhecimento, tem o que dizer e ensi-
te às reformas, entre outros fatores, porque suas
nar, ao contrário do(a) discente.
ideias sobre educação entram em conflito com as
Hipótese G - Postura passiva do(a) discente frente
ideias que orientam as reformas. De acordo com
ao conhecimento, o(a) discente não é sujeito e sim
esta hipótese, o(a) docente não se mostra mal for-
consumidor(a) de conhecimento.
mado, mas sim socializado dentro de uma pers-
Hipótese H - A sala de aula homogênea.
pectiva distinta daquela das reformas.
Hipótese I - Não acredita no potencial de transfor-
Contudo para o problema que coloquei e a hipó-
mação da escola e da educação escolar e não vê a
tese levantada, seria necessário identificar se os
escola como um espaço que possa contribuir para
docentes que não aderem às reformas assim pro-
a formação da cidadania.
cedem porque elas contrariam suas ideias sobre
Hipótese J - A classificação e a meritocracia são
educação, no entanto, diante da complexidade
estímulos à aprendizagem.
deste quadro e do prazo para realizar a pesquisa,
Hipótese L - Conceber a cultura discente como
no âmbito deste projeto, será possível apenas ofe-
“baixa” ou ausente, a cultura do(a) aluno(a) não
recer uma contribuição parcial ao enfrentamento
tem valor.
do problema, e me concentrarei em quais concep-
Hipótese N – O(a) docente acredita que a educa-
ções se baseia o trabalho do(da) docente, o que
ção escolar deva ser fruto do trabalho individual de
me parece, cada vez mais, um esforço original.
cada docente.
Como pontua Azanha(1995),
Desta forma levantei hipóteses das ideias docentes sobre educação escolar. São elas:
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Hipótese A - A reprovação é um instrumento ne-
cessário quando o(a) aluno(a) demonstrar não do-
centes em relação à educação no âmbito escolar,
Com o intuito de identificar as ideias do-
INEQ - Educação integral
19
20
fiz um estudo em duas escolas estaduais que se
cada escola; e 4) análise de exercícios e avaliações
situam entre as cidades de Osasco e de São Pau-
aplicadas pelos(as) docentes observados(as).
lo. Uma das escolas situada em um contexto de
RESULTADOS ENCONTRADOS
precarização e vulnerabilidade social e a outra,
num contexto oposto. Foquei os(as) docentes do
cas dos docentes das escolas pesquisadas estão
ensino fundamental II, do período da tarde. A es-
voltadas para uma suposta preparação para a
colha do ensino fundamental II baseou-se em vá-
vida, esta sendo entendida como a instrumentali-
rios fatores: ter sido alvo recente de reformas; ter
zação para as etapas posteriores de escolarização
se universalizado, ao contrário do ensino médio;
que possam ser exitosa como preparação para o
ter um perfil mais definido em relação ao ensino
mercado de trabalho. A estratégia para alcançar tal
médio; e ser de caráter obrigatório há mais tem-
objetivo esta fundada na “transmissão do conheci-
po. Portanto, pareceu-me um nível de ensino mais
mento” – a ideia do conhecimento mais como ob-
estável em relação ao médio, sobre o qual eu já
jeto de erudição que instrumento de ação – por
havia acumulado experiência profissional, engen-
meio de aulas expositivas que trabalham a partir
drando desta forma observações e hipóteses; ao
da homogeneidade da classe,
contrário do ensino fundamenta I, em que nunca
(conteúdos) demandados pelas etapas escola-
atuei. Quanto à escolha do período da tarde, foi
res posteriores (ensino médio, vestibulinho etc.).
aleatória. Foram levadas em consideração as va-
Concebem que a melhor maneira de incentivar o
riáveis: tempo de magistério, idade, situação fun-
aprendizado, a disciplina e a medir o aprendido é
cional (efetivos e contratados), área de formação e
a prova classificatória, a nota por mérito, a qual
atuação (disciplinas), origem social, gênero, parti-
estimularia a competição e seria estímulos aos
cipação em associação sindical e carga horária de
estudos, assim como a reprovação. Desenvolvem
trabalho diária e semanal. A escolha das variáveis
trabalho individualizado, não há interdisciplinarida-
está fundamentada nas pesquisas de Tardif (2000;
de, tampouco conexão com o cotidiano discente.
2002) e Tardif e Raymond (2000), que indicam a
Portanto, os(as) docentes não são movidos pela
importância do tempo na formação dos saberes
ideia de construção de práticas de ação que esti-
dos docentes (tempo de vida e na profissão) bem
mule os(as) discentes a participação, a reflexão, a
como as condições de trabalho.
transformação, haja vista que o grêmio estudantil,
assim como o conselho de classe e série não são
A coleta de dados se deu mediante quatro
As idéias dos(das) que embasam as práti-
conhecimentos
instrumentos: 1) questionário com questões fecha-
usados, explorados pelos(as)
das aplicado a todos(as) os(as) professores(as)
espaços possíveis de aprendizado discente de
do ensino fundamental II, do período da tarde,
práticas de ações voltadas para a convivência e
das duas escolas investigadas; 2) observação de
participação ativa em sociedade.
docentes (12 docentes em cada escola), dentro e
fora de sala de aula – foram observadas situações
ideia de cidadania não é ausente ela aparece de
de ensino, participação em reuniões pedagógicas,
forma abstrata no discurso de alguns poucos(as)
participação em conselho de escola, atuação em
docentes, porém a prática não se efetiva, ficando
reunião de pais, participação em reunião de plane-
no âmbito da disposição a crer, verifica-se a ca-
jamento, dinâmica e conversas informais na sala
rência de hábitos de ação. Constata-se, ainda, que
dos/das professores(as); 3) entrevista semiestru-
o(a) próprio(a) docente não exercita a participa-
turada com os(as) 12 docentes observados(as) de
ção, não é sujeito das deliberações escolares, nas
INEQ - Educação integral
docentes
como
Por conseguinte, podemos afirmar que a
reuniões coletivas (replanejamento e pedagógicas
e do adolescente (ECA) que proíbe punições se-
– ATPC) não se empenham no debate e nas deli-
veras aos(às) discentes etc., legislação esta que
berações das diretrizes do trabalho escolar. Tam-
muitas das vezes é tida como burocracia, portanto,
pouco têm claro quais são as diretrizes do Projeto
ignorada, e a prática acaba sendo orientada pela
Político-Pedagógico e busca conexão das suas
tradição dos costumes autoritários, como indica
aulas. Não existe, na prática, um projeto coletivo
Ghanem (2012).
de ação nas duas escolas, os(as) docentes são
movidos pelas idéias que internalizaram sobre
sário apontar para a precarização das condições
educação escolar as quais vão adaptando ao con-
de trabalho docente, estes(as) sofrem pressão
texto em que trabalham.
para desenvolver uma performance produtivista,
Contexto este de programas governamen-
podendo ser punidos ou premiados com bônus no
tais que por vezes esbarram em suas crenças,
salário, segundo os resultados da escola na ava-
como por exemplo: a Progressão Continuada que
liação externa. Também são avaliados pela prova
só permite a reprovação do final do ciclo e deman-
de mérito evidenciando o questionamento de sua
da avaliação contínua; material didático gover-
formação e qualificação profissional. No que diz
namental que aborda o conhecimento de forma
respeito à condição funcional há aqueles que são
diferenciada da proposta conteudista. Porém, ao
os temporários (categoria O), que além de terem
mesmo tempo em que algumas medidas governa-
seus direitos trabalhistas limitados, vivem a inse-
mentais distanciam das crenças docentes, outras
gurança de perda de aulas durante o ano letivo,
reforçam, como é o caso das avaliações externas
em relação a infra-estrutura material de trabalho
que reiteram a necessidade de preparar os(as)
ela também é precária, haja vista a ausência de
discente para responder a conteúdos em provas
funcionários de apoio e de manutenção para a bi-
externa à escola, o uso de boletim e de notas de 0
blioteca, laboratório de ciências e de informática e
a 10 que reforçam a ideia da classificação, a unifi-
quadra esportiva, por exemplo.
cação curricular.
truindo seus saberes experienciais, aprendendo
Por conseguinte, outras contribuem para
Referente a este contexto, ainda, é neces-
Neste contexto os(as) docentes vão cons-
fragmentação do trabalho escolar,
com a contradição entre a legislação federal, que
como por exemplo, os eventos e projetos que são
aponta para as relações mais democráticas, e as
demandados que a escola realize; “Olimpíadas
imposições da secretaria estadual de ensino, as-
de Matemática”, “Agita Galera”, Projeto da Cultura
sim como, com as contradições inerentes as im-
Afro-descendente etc. Pois, estes eventos e proje-
posições (programas, projetos e eventos) desta
to acabam ocorrendo sem conexão com as aulas,
secretaria, porém, o aprendizado que sobressai é
com pouca organização, tornando se verdadeiros
a necessidade de se adaptar às imposições para
estorvos para os(as) docentes e contribuindo para
sobreviver, além da cristalização do sentimento de
a sensação de impotência docente diante das im-
impotência de transformar o contexto, o qual se
posições externas à escola. Em contra partida a
torna confuso, contraditório e frustrante, na medi-
estas intervenções, há a legislação que demanda
da em que não conseguem aquilo que acreditam
exercício democráticos nas relações de poder na
ser o objetivo da escola, “transmitir os conteúdos”
escola, como por exemplo a gestão participativa
para as fases de escolaridade seguintes.
que requer a construção coletiva do Projeto Políti-
co-Pedagógico, o respeitos ao estatuto da criança
frustração, é encontrada em menor grau na es-
ampliar a
Sendo que, esta sensação de angústia e
INEQ - Educação integral
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cola central, pois aí se encontra uma gestão mais exitosa, em relação a da periferia, na criação de estratégias de punição e controle disciplinar discente para atingir a “transmissão de conteúdos” e, ainda, discentes que aderem em maior grau a este modelo, pois é buscada por responsáveis que almejam para seus filhos(as) uma escola que ofereça maiores possibilidades educacionais, ou seja, que possibilite preparo exitoso para as próximas etapas escolares de forma que possam no futuro adentrarem ao mercado de trabalho em postos que consideram bem remunerados. Por isto o investimento, matricular o(a) filho(a) longe do bairro onde moram, em uma escola que julgam ser mais organizada, ou seja, onde haja punição discente ao desrespeito às regras, onde há pouca rotatividade docente, menor grau de absenteísmo docente e mais recursos estruturais. Uma fala de um pai de uma aluna expressa esta preocupação “esta escola das piores é a melhor”. CONCLUSÃO
Assiste-se uma triste caricatura da esco-
la clássica humanista de base científica, pois as necessidades do presente demandam revisão e ressignificação desta escola. Como observa Dubet (1998), a massificação exige transformações das regras, métodos e objetivos, não sendo possível apelar para os antigos princípios.
Contudo os(as) docentes, embora perce-
bam que a escola não cumpre mais o antigo papel, de unidade inculcadora de regras, de uma moral e “transmissora de conteúdos”, persistem na nostalgia do retorno à escola em que foram formados. Agem segundo o modelo de escola internalizado, o da escola clássica humanista de base científica.
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INEQ - Educação integral
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As relações entre Brasil e África: reflexões sobre o protagonismo negro4. Profª Dra. Silene Ferreira Claro5
RESUMO:
tes de começarmos a discutir quais relações são
estas, devemos identificar de qual África estamos
Este texto procura fazer um balanço sobre
as relações – atuais e históricas – entre o Brasil e
falando.
a África, buscando discutir de que forma a questão da escravidão e da democracia racial marcaram a História do Brasil. Procuramos destacar as ideias que foram construídas para que as populações negras fossem apartadas da cidadania no Brasil, e tendo negado seu protagonismo. Palavras-chaves: Ações Afirmativas; Democracia Racial; Cidadania Brasileira; Escravidão; Identidade Brasileira
A História do Brasil é profundamente mar-
cada pela presença de povos africanos, que foram trazidos na condição de escravizados. Desta forma, é importante pensarmos a História do Brasil dentro da chamada dimensão Atlântica, ou seja, pensarmos a interligação entre histórias de povos e sociedades divididos pelo oceano Atlântico. An-
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ mundo/ult94u90202.shtml (acesso em 01/07/2016)
4- Uma versão inicial deste texto foi utilizada como aulas no curso História do Brasil Republicano, desenvolvido pela empresa Triunfus Virtual Educação e Tecnologia, em 2010. 5 - Doutora (Doutorado Direto) em História Social pela FFLCH-USP (2008). Bacharel em História pela Universidade de São Paulo (1999) e graduação em Licenciatura em História pela Universidade de São Paulo (1999). Coordenadora e Docente no Curso de História da Faculdade Sumaré. Docente no Curso de Pedagogia nas Faculdades Integradas Campos Salles. Fui professora do Centro Universitário Sant’Anna e monitora PAE no Departamento de História da Fac. de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, em 2005. Experiência na área de História, com ênfase em História Regional do Brasil, Historiografia e História do Brasil Contemporâneo, África e cultura Afro-brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, cultura brasileira, história cultural, didática do ensino de História e uso de tecnologias na e para a educação. Membro do NDE - Núcleo Docente Estruturante, dentro da Faculdade Sumaré desde agosto de 2012 e também no Centro Universitário Sant’Anna, nos cursos de Licenciatura em História e de Música, conforme orientações do MEC, entre 2008 e 2010. Colaboradora do NDE das Faculdades Integradas Campos Salles. Autora colaboradora na Editora Oxford do Brasil desde 2011. Fui tutora no curso da Escola de Formação de Professores Paulo Renato de Souza na edição de preparação de cursistas para o concurso em 2011. Professora de História, Sociologia e Filosofia nos ensinos Fundamental e Médio, desde 2001. Membro do Conselho Consultivo da ANPUH-SP de 09/2014 a 09/2016. http://lattes.cnpq.br/6340896334304498
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A partir do mapa, a primeira questão a ser
que foi beneficiado com o tráfico negreiro. Os africanos construíram a base da economia colonial na América, e o Brasil tem muito a dever neste sentido. Então se pelo menos na maneira de se relacionar com a África, o Brasil se portar com certa solidariedade, não só agora, mas também com o antigo presidente [FHC] que desculpou a dívida de alguns países africanos, como o Moçambique, o que o atual governo [Lula] também fez em relação a outros, esta é uma atitude de quem reconhece que deve alguma coisa aos países africanos. (MUNANGA, 2008)
destacada é a de que o continente africano é muito grande, dividido, atualmente, em cerca de cinquenta países. Estes, por sua vez, são e foram povoados por diversos grupos humanos ao longo dos séculos, apresentando grande diversidade étnica, cultural, política e religiosa entre si. Pelo mapa, ainda, podemos constatar duas grandes regiões que são a parte representada pelos países de grande influência mediterrânea e, posteriormente, árabe. E a região chamada Subsaariana, ou seja, aquela que se encontra abaixo do deserto do Saara e
composta, predominantemente, por populações
é sobre as formas como os intelectuais brasileiros
negras.
discutiram, e se posicionaram, acerca da questão
24
Uma das questões que devemos levantar
As discussões apresentadas nesta reflexão
de qual deveria ser a atuação do Brasil face à con-
abarcarão a chamada África Subsaariana, ou seja,
solidação dos países africanos que, a partir da Se-
a área do continente que tem relações ancestrais
gunda Guerra Mundial, iniciaram seus processos
com o Brasil, da mesma forma que alguns desses
de independência.
países tiveram desenvolvimento semelhante ao
brasileiro, região de onde vieram muitos africanos
tinua animando muitos debates – é a de que o
escravizados até 1850.
Brasil, assim como os demais países da América
Vale destacar que temos laços culturais
Latina alcançaram a independência no século XIX,
com os países de língua portuguesa como Angola,
estes por via de luta armada, aquele por uma con-
Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e
cessão do príncipe português, não tinham, histori-
Guiné Bissau, devido a atuação expansionista do
camente, possibilidades para auxiliar de qualquer
Império Português durante os séculos XV e XVI,
forma as nações africanas. A discussão colocada
especialmente. Por outro lado, a região que hoje
é a de que os países latino-americanos haviam
corresponde à Nigéria, ao Benin, Togo Gana e Cos-
conquistado sua independência, mas, por falha ou
ta do Marfim, que não foram colonizadas pelos
por incompetência de seus dirigentes, na visão de
portugueses, também é marcada por ter enviado
muitos, não conseguiram sobreviver à intervenção
muitos africanos para o Brasil em período colonial.
imperialista dos países europeus, no século XIX, e
Os países acima do deserto do Saara são marca-
dos Estados Unidos no século XX. Desta forma, se-
dos por uma cultura islamizada e de pouco conta-
gundo a visão de governos e intelectuais africanos,
to, mesmo econômico ou político, com o Brasil.
a atitude do Brasil era vista como uma postura im-
(...) O Brasil hoje não se relaciona com a África como as antigas metrópoles, que são extremamente prepotentes. O Brasil no atual governo tem uma relação mais de respeito, diria mesmo de solidariedade. Porque apesar de tudo o que se diz, nós temos laços históricos com a África. Nem que seja pela memória dolorosa do tráfico e da escravidão, que faz parte da história. É bom lembrar que o Brasil é um país INEQ - Educação integral
A interpretação que se tinha – e ainda con-
perialista, que visava, através da ajuda prometida, recolonizar os países africanos. Este é um dos motivos pelos quais as relações entre o Brasil e a África Subsaariana foi marcada, durante o século XX, por aproximações e afastamentos. Soma-se a isto, a forte tendência atual, dos intelectuais africanos, de defesa da autonomia de africanos resolvendo
seus próprios problemas.
Desta forma, é possível perceber as di-
ficuldades para a aproximação destas duas na(...) não adianta fazer discurso demagógico de que vai salvar a África. Porque a África não vai ser salva por ninguém a não ser pelos próprios africanos. Mas a solidariedade, mesmo no plano psicológico, é importante. Embora aí tenhamos um problema moral que se coloca, e que eu sempre coloquei. Os que dizem que devemos ser solidários e ajudar a África estão corretos, até porque os africanos não estão recusando nenhuma ajuda. Sobretudo quando esta ajuda vem de alguém que se aproveitou dos africanos no passado escravista. Mas não se pode querer salvar a África de fora e deixar a África de dentro, do próprio Brasil, deixada de lado. Não pode. Isto é imoral! Então se nós queremos salvar a África, vamos começar pela África de dentro. É por isto que algumas políticas, como as políticas de ação afirmativa, são importantes. A política que passa pelo reconhecimento da identidade, por exemplo, da história do negro no ensino médio e fundamental, é fundamental. Ela faz parte deste processo de conhecimento da África. (...) O Brasil é um país que pode mostrar uma solidariedade com os países africanos diferentes dos países que colonizaram a África. Mesmo porque o Brasil foi colonizado por um dos países que colonizou a África. Há o interesse, é claro, mas até entre irmãos há interesse. O Brasil vai ajudar sem ganhar nada? Isto não existe. (MUNANGA, 2008)
ções. Apenas a partir da década de 1960, numa busca por uma posição na política internacional distante da bipolarização mundial, é que os governos brasileiros (a partir de Jânio Quadros), resolveram tomar iniciativas no sentido de assegurar, ao Brasil, autonomia política em sua política internacional, promovendo aproximação com os países denominados como os do Terceiro Mundo, segundo os critérios estabelecidos pela Conferência de Bandung7, em 1955.
Por outro lado, as relações entre o Bra-
sil e a África do Sul só se tornaram mais amplas a partir do momento em que a política do Apartheid foi superada, pelo menos institucionalmente, e no Brasil a sociedade reconheceu a existência do preconceito racial no Brasil. O governo brasileiro tem procurado promover políticas que visam a inclusão de populações afro descendentes: são as chamadas AÇÕES AFIRMATIVAS. O debate sobre a questão racial no Brasil
Quantos deputados federais, senadores
ou ministros negros existem no Brasil? E presiNeste ponto podemos apontar outra ques-
dentes, quantos foram negros? E se pensarmos
tão: as relações entre o Brasil e a África do Sul.
em mulheres negras atuando na política, o nú-
Durante todo o século XX, tais relações foram mar-
mero aumenta ou diminui? Lembremos nosso
cadas por aproximações e afastamentos, ficando
passado colonial. A matriz negra é uma parte
basicamente no nível das trocas econômicas. Qual
fundamental na composição da população bra-
foi o grande impedimento? As políticas raciais nos
sileira. Trazidos compulsoriamente de diversas
dois países. Enquanto o Brasil, a partir da década
partes do continente africano, na América foram
de 1930, sob grande influência da obra de Gilberto
batizados com nomes cristãos, separados e
Freyre, viveu o mito da “democracia racial”, a África
aculturados conforme os interesses do coloni-
do Sul viveu a política de Estado segregacionista
zador europeu.
denominada Apartheid6.
O etnocentrismo europeu – eurocen-
6- Apartheid é o nome que se dá a uma política repressiva de Estado, instaurada na África do Sul, em 1948 e que durou até 1994. Trata-se de uma política oficial de separação entre brancos e negros dentro do país. http://www.blackpast.org/gah/apartheid-1948-1994 (acessado em 05/07/2016) 7- http://www.tvcultura.com.br/aloescola/historia/guerrafria/guerra10/terceiromundo-africa.htm (acessado em 03/01/2010)
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trismo - definiu, desde o início a colonização no
cidadania nacional. A elite brasileira, no século XIX,
continente americano, quais elementos culturais
discutiu durante muito tempo a questão da escra-
deveriam ser considerados referenciais, que me-
vidão, sistema de trabalho que lançava o Brasil
reciam ser preservados, enquanto outros valores
numa situação de “atraso” em relação ao desen-
deveriam ser apagados da cultura nacional, to-
volvimento do capitalismo (AZEVEDO, 1987). En-
mando a Europa o modelo a ser seguido pelos de-
tretanto, não discutiram, pelos menos não frontal-
mais povos. O pensamento cristão, associado aos
mente, de que forma as populações negras seriam
interesses econômicos da sociedade europeia do
inseridas na cidadania. Tal aspecto, ao ocorrer a
século XVI, justificavam a escravização de negros
abolição da escravidão, lançou negros, mulatos e
africanos, já que a utilização dos negros da terra
afro descentes na situação de marginalizados, e à
(os indígenas) se demonstrava incompatível com
própria sorte.
os ideais religiosos, de então, que consideravam a
possibilidade de salvar as almas dos gentios, no
era vista como sendo de acordo com os ideais de
contexto de Reforma Protestante e Contrarrefor-
adequação do país aos princípios do capitalismo
ma. Assim, a imposição da superioridade europeia
liberal, o qual se construía ao longo do século XIX.
sobre os demais povos, entre os séculos XVI e
Além disso, para os dirigentes da época, havia a
XVIII, baseou-se, especialmente, em critérios reli-
necessidade de forjar a identidade nacional, tão ao
giosos e civilizatórios, não sendo ainda predomi-
gosto dos anseios legitimadores dos novos gru-
nantemente racial, como tornou-se no século XIX,
pos sociais (comumente classificados como bur-
com as teorias científicas racialistas.
guesia) que assumiam o poder em várias partes
do mundo ocidental. (MONTEIRO, 2001)
A questão racial no Brasil hoje tem um pas-
A mão de obra escravizada no Brasil não
sado que remonta a todo processo de colonização
e também às várias formas de conceber o mun-
com o contexto mundial. Naquele momento histó-
do, às formas de explorar a natureza e a natureza
rico o projeto das nações era a procura do progres-
das relações sociais. Nem sempre as mudanças
so e da civilização, modelos ao mesmo tempo eu-
na tecnologia e até mesmo na forma de adminis-
ropeu e branco. Além disso, civilização e progresso
trar um país modificam aqueles conceitos que
eram categorias que só poderiam ser pensadas
parecem estar apagados, porém não mortos, no
em função da “liberdade” individual. Mais ainda,
imaginário da sociedade, como no caso do Brasil,
os ideais dos revolucionários franceses haviam se
em relação às questões raciais. Trata-se, aqui, de
espalhado por toda Europa e América. Entretanto,
enfatizar as permanências na sociedade brasilei-
os intelectuais brasileiros fizeram “vistas grossas”
ra contemporânea, tais como o patrimonialismo,
em relação à questão da escravidão no Brasil, pois
o patriarcalismo e o preconceito contra negros e
adotar os princípios do liberalismo colocava em
indígenas.
risco os interesses econômicos de boa parte das
elites.
Desta forma, as reticências todas que nos-
A realidade brasileira estava em conflito
sa sociedade tem em relação à questão racial,
principalmente no que tange africanos e descen-
pulação composta por negros e mulatos, não ti-
dentes, ganhou impulso durante o período aboli-
nha liberdade individual e nem mesmo um grupo
cionista e, posteriormente com a abolição. Acabar
social claramente seguidor dos princípios liberais.
com a escravidão fez surgir um novo problema:
A situação brasileira estava descompassada com
incluir ou não – e como – a população negra na
o contexto mundial, não? Como resolver? Alguns
INEQ - Educação integral
O Brasil tinha mais da metade de sua po-
• Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre,
intelectuais iniciaram um debate de caráter mais “científico” que serviu de base e contraponto para
1933.
• Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Ho-
as discussões que seguiram pelo século XX. Podemos dizer que as discussões raciais no Brasil
landa, 1936.
• Formação do Brasil Contemporâneo de
passaram por algumas fases. Num primeiro momento foi influenciada pelas concepções científi-
Caio Prado Júnior, 1942.
cas, influenciadas por ideias como as do médico
Lombroso. Eram estudos que se refletiram no Bra-
sagrou e sistematizou um olhar sobre a questão
sil nas pesquisas de Sílvio Romero e Nina Rodri-
racial brasileira, que surgiu entre as elites nacio-
gues, este último um médico legista, psiquiatra e
nais, no século XIX, por conta dos debates acerca
antropólogo. Influenciado por Sílvio Romero, teve
do fim da escravidão. Estabeleceu-se e difundiu-se
grande influência sobre as discussões raciais no
a noção de democracia racial. Baseada na ideia de
Brasil ao longo de todo século XX. A questão co-
que as relações entre o branco e a negra, durante
locada era a de que era importante estudar a influ-
o período da escravidão brasileira, foram marca-
ência negra sobre a “raça” brasileira, porém reco-
das tanto por exploração quanto pela assimilação
nhecendo a inferioridade da mesma. (SCHWARCZ,
mútua, a ponto de considerar que havia harmonia
1993; DIWAN, 2007)
racial, visto que cabia à mulher negra o cuidado
O início do século XX foi marcado por tan-
dos filhos do senhor branco. Tal concepção foi tão
tas outras transformações. No campo cultural, no
marcante que influenciou as análises acadêmicas
Brasil, o chamado Movimento Modernista foi o ca-
e também os movimentos negros até a década de
talisador de uma série de questões que estavam
1990.
incomodando vários grupos sociais. Procurava-se
encontrar outras saídas para a questão racial no
do Sul, terminando o regime de segregação racial
Brasil, procurando responder às análises cien-
conhecido como Apartheid desencadeou, entre as
tíficas baseadas no pensamento lombrosiano.
populações negras – dentro e fora do Brasil – a
(SCHWARCZ, 1993; DIWAN, 2007)
busca por sua afirmação racial como negros, ne-
Havia anseios para a construção da identi-
gando, a partir de então, numa onda revisionista,
dade brasileira autônoma, livre de tudo que fosse
a ideia de democracia racial, exigindo que a socie-
estrangeiro. Buscava-se encontrar e, principalmen-
dade reconhecesse cada vez mais as especificida-
te, valorizar a especificidade nacional. Por este
des negras e que, acima de tudo, oferecesse reais
motivo que os modernistas procuravam resgatar
condições de participação dos negros, como por
a matriz africana como “mais generosidade”
exemplo as cotas nas universidades públicas. (HE-
RINGER, 2014)
A década de 1930 foi marcada pela conti-
Das obras acima, a de Gilberto Freyre con-
A ascensão de Nelson Mandela na África
nuidade dos questionamentos de toda ordem. Na
esteira das críticas modernistas, iniciadas na dé-
ra africana no Brasil pode ser apontado entre as
cada anterior, vários intelectuais brasileiros busca-
décadas de 1920 e 1930 até por volta de 1950,
ram avidamente discutir a questão da identidade
quando os estudos passam a ser no âmbito so-
nacional. (MOTA, 1994)
ciológico. Até meados do século XX, predominou
Como fruto de tais debates, no Brasil con-
um olhar que procurava reconhecer e valorizar a
sidera-se como fundadoras três obras produzidas
cultura africana dentro do Brasil, ainda dentro da
no período:
perspectiva da democracia racial. Neste período
Outro momento de estudos sobre cultu-
INEQ - Educação integral
27
destacaram-se, por exemplo Arthur Ramos, médi-
e educacionais, até então restritos aos brancos
co, foi importante figura para a instituição das Ci-
para que, desta forma, buscassem uma participa-
ências Sociais no Brasil e Edison Carneiro, escritor
ção política efetiva. Espalhou-se pelo Brasil, mas,
e etnólogo baiano dedicado a estudos sobre cultu-
com a ditadura do Estado Novo, a partir de 1937,
ra africana e folclore.
o movimento que conseguiu, inclusive, se trans-
A partir da década de 1950, os estudos
formar em partido, foi desmontado. Um de seus
sobre africanos no Brasil desenvolvem-se, princi-
fundadores foi Abdias do Nascimento8, importante
palmente, no campo da Sociologia, com destaque
liderança negra9.
para as figuras de Roger Bastide, Florestan Fernan-
des e Fernando Henrique Cardoso. Até por volta da
rimental do Negro (TEN). Esta iniciativa teve lugar
década de 1990 a preocupação esteve centrada na
no Rio de Janeiro, a partir de 1943, dentro do pro-
questão da inclusão dos negros como mão-de-o-
cesso de redemocratização que colocava em che-
bra na sociedade industrializada. Passava-se, as-
que a ditadura estadonovista. A ação também se
sim, de estudos que buscavam aspectos culturais
deu a partir de iniciativa de Abdias do Nascimen-
para focar nas discussões sobre a presença dos
to. A proposta era a de que era possível alcançar
negros e mulatos na classe operária e as formas
a libertação cultural a partir do retorno às raízes
de identidades que os mesmos criaram para parti-
africanas como forma de escapar da dominação
ciparem desse novo contexto.
ocidental. Também pleiteavam a integração do ne-
Florestan Fernandes foi um intelectual de
gro à sociedade através do acesso à cultura e à
grande importância para a Sociologia Brasileira.
educação. Figuras como Grande Otelo e Ruth de
Influenciou e continua influenciando muitas ge-
Souza se destacaram naquele espaço. (MATTOS,
rações de pensadores, dentro e fora do Brasil. No
2008).
início dos anos 50, ainda bastante jovem, Flores-
tan se preocupava em analisar sociologicamente a
sa negra que atuou da mesma forma que outros
inclusão do negro na sociedade brasileira de clas-
tipos de imprensa, como a dos imigrantes e até
ses, procurando desmitificar a ideia de democracia
mesmo a imprensa operária, que se utilizaram da
racial. Além disso, procurou conhecer a dinâmica
mídia para fazerem circular suas ideias e reivindi-
dos movimentos negros, com destaque para o
cações. A maior parte das iniciativas que pressu-
TEN – Teatro Experimental do Negro.
punham democratização, liberdade de expressão
Em seguida podemos citar o Teatro Expe-
Podemos ainda fazer referência à impren-
e exercício de cidadania foi freada a partir de 1964,
28
Movimentos negros no Brasil
quando se instaurou no Brasil o chamado Regime
Militar (1964-1985).
Vários movimentos foram realizados pelos
negros, ao longo do século XX, no sentido de rei-
vindicarem seus direitos. Neste espaço, citaremos
tornava insustentável. A sociedade civil pressiona-
alguns dos movimentos negros recentes ou atuais
va de todas as formas possíveis para a redemocra-
no Brasil.
tização brasileira. Nesse ambiente surgiu o Movi-
Frente Negra Brasileira. Movimento surgi-
mento Negro Unificado – MNU10. Tal movimento
do na capital paulista em 1931, propunha que ne-
tem sido um dos vários interlocutores entre a po-
gros e mulatos tivessem acesso aos bens culturais
pulação negra e a sociedade. Juntamente com a
No final da década de 1970 a situação se
8 - link: http://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=62 (acessado em 29/09/2009). 9 - http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=3803&Itemid=148 (acessado em 29/09/2009). 10 - http://mnu.blogspot.com/ (acessado em 29/09/2009).
INEQ - Educação integral
expansão das reivindicações e protestos contra a
atuação no mercado de trabalho, nos cargos pú-
ditadura militar, muitas mulheres negras percebe-
blicos administrativos e legislativos em números
ram que tinham questões diferenciadas dentro do
iguais aos dos brancos. Essa questão demonstra-
MNU. Sem necessariamente negar a importância
-se como de grande urgência e a tão polêmica de
de tal movimento, as especificidades do universo
cotas para negros nas universidades.
feminino frente às tantas violências que mulheres
sofrem no cotidiano, agravadas quando mulheres
Gomes, no livro O Negro no Brasil de hoje, sobre
negras, fez surgir frentes de protestos encabeça-
o qual nos baseamos na maior parte desta refle-
das pelas mulheres negras, como por exemplo, a
xão, e aqui parafraseamos e citamos páginas 185
Casa de Cultura da Mulher Negra11.
a 191, dados sobre a legislação podem ser encon-
Como resultado do encontro entre as dis-
trados no livro Manual sobre discriminação racial
cussões teóricas e as ações de negros e afrodes-
– a perspectiva dos Direitos Humanos, vol. 1, de Re-
cendentes, temos hoje na sociedade brasileira um
beca Oliveira Duarte, de 2003. O específico sobre
vigoroso debate acerca da inclusão dessa parcela
educação pode ser encontrado no site do Conse-
da população. Dos debates acerca da questão ra-
lho Nacional de Educação.
Segundo Kabengele Munanga e Nilma Lino
cial no Brasil, como uma forma de descartar de vez a ideia de democracia racial proposta na década
Alguns exemplos:
de 1930, e assegurando às populações negras e afrodescendentes o reconhecimento de que rece-
a) A Lei Federal n. 10.639, de 10 de janeiro de 2003
bem tratamento diferenciado e têm direitos iguais
– obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
dentro da sociedade brasileira, surgiu, a partir de
Afro-Brasileira na educação básica brasileira, em
lei federal de 2003, o Dia da Consciência Negra,
estabelecimentos públicos e privados.
reconhecendo a data da morte de Zumbi dos Pal-
b) A Lei Estadual n. 3.708, de 9 de novembro de
mares, em luta (20 de novembro de 1695), como
2001 – 40% de cotas para populações negras e
referencial, coroando uma luta que se iniciara ain-
pardas na UERJ e na Universidade do Norte Flu-
da em 1971.
minense. c) O Projeto de Lei n. 4.370, de 1998, do deputado
Ações afirmativas
Paulo Paim – negros e negras devem compor 25%
Para vencer o racismo e a discriminação no Brasil,
de atores e atrizes e figurantes em filmes e progra-
segundo a discussão em vigência, é necessária a
mas de TV e no cinema.
atuação em duas frentes: a da legislação e a da
d) A criação de cotas de 20% para negros, 20%
educação, que deve ter a finalidade de promover
para mulheres e 5% para portadores de necessi-
igualdades de oportunidades, conhecidas como
dades especiais – cargos de confiança no Minis-
ações afirmativas. Isso significa que a legislação
tério da Justiça, empresas terceirizadas e entida-
deve garantir que crianças, jovens e adultos, ne-
des conveniadas, no governo FHC.
gros e negras, tenham os mesmos direitos que
e) A criação de cotas de 20% para negros em em-
brancos, sem sofrerem discriminação por ques-
presas contratadas em licitação pública no Minis-
tões ligadas às suas origens.
tério do Desenvolvimento Agrário.
Por outro lado, cabe ao Estado garantir que
f) Bolsas de Pós-Graduação – programa interna-
negros e negras tenham o mesmo preparo para
cional Fundação Ford/Fundação Carlos Chagas –
11 - http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br/quem_somos_frameset.htm (acessado em 18/10/2009).
INEQ - Educação integral
29
São Paulo. g) Políticas da Cor na Sociedade Brasileira - programa do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com apoio da Fundação Ford. h) Diversidade na Universidade - programa promovido pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, em Brasília. i) Negro e Educação – concurso de dotações para pesquisa promovido pela Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), pela ONG Ação Educativa – SP, com apoio da Fundação Ford. j) Primeira Mostra de Literatura Afirmativa – promovida pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte – MG. k) Prêmio Nacional Educar para a Igualdade no Brasil – promovido pela ONG Ceert (Centro de Estudos de Trabalho e Desigualdades – SP)12. Considerações Finais
A proposta desta reflexão foi a de con-
tribuir para o debate acerca da importância das discussões sobre as relações entre o Brasil e os países africanos, procurando salientar a ligação cultural, econômica e identitária que existe entre os dois lados do oceano Atlântico. Procurou-se, também, destacar a forma como a luta das populações negras, no Brasil, está intimamente ligada aos movimentos internos e externos ao país e que, as conquistas das populações negras, no Brasil, longe de serem concessões, são resultado do protagonismo que exerceram ao longo da História. Protagonismo este que deve ser valorizado e seguido para que a sociedade brasileira alcance outras conquistas e amplie a cidadania. Bibliografia ALEXANDER, Neville. Cidadania, identidade racial e construção nacional na África do Sul. Tempo Social, revista de Sociologia da USP, v. 18, n. 2, nov. 2006. AZEVEDO, Célia Marinho de. Em busca de um povo. in. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites (século XIX), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. p. 33-105. BARBOSA, Muryatan Santana. Eurocentrismo, História e História da África.
30
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12 - http://www.comciencia.br/reportagens/negros/16.shtml (acessado em 18/10/2009).
INEQ - Educação integral
Probabilidade e estatística: concepções e conhecimentos revelados por um grupo de professores em um curso de formação continuada Prof. Ms. Clemente Ramos dos Santos13 Probability and statistic in the teacher’s formation
Resumo
Ensino Superior credenciadas pela Secretaria de
Acompanhamos um grupo de professores de ma-
Educação, sob a perspectiva da atualização didá-
temática que atuam na Educação Básica, em um
tico-metodológica dos docentes, bem como de
programa de formação continuada, no módulo
municia-los com instrumentais e recursos tecno-
destinado a abordar os eixos “Tratamento da in-
lógicos para sua prática em sala de aula.
formação” e “Análise de dados”, procurando iden-
tificar como esses profissionais pensam e lidam
údos de Tratamento da Informação em suas au-
com os conteúdos de probabilidade e estatística
las, aplicamos um questionário aos professores
em suas práticas pedagógicas cotidianas.
em formação, cujo tabulação revelou que 76% dos
A fim de identificar a presença dos conte-
professores que responderam ao questionário não Palavras-chave: Probabilidade. estatística. ensino.
trabalham com a noção de probabilidade no Ensi-
formação continuada.
no Fundamental; e entre os que atuavam no que lecionavam no Ensino Médio 66% não abordam
1. Delineando o perfil dos professores de grupo
noções de probabilidade. Quanto ao ensino de es-
de formação
tatística, cerca de 60% dos professores pesquisados afirmam trabalhar com esse tema no Ensino
Para o desenvolvimento de nosso trabalho,
Fundamental, e dos professores que lecionam no
acompanhamos a realização de um módulo de
Ensino Médio cerca de 72% abordam estatística,
formação, do programa Teia do Saber, destinado
principalmente, gráficos e tabelas. Dentre as prin-
a abordar o tema Tratamento da Informação e en-
cipais justificativas para esse quadro estavam a
volveu 52 professores de Matemática da rede es-
dificuldade com o conteúdo, o excesso de comple-
tadual de São Paulo. O programa objetivou capaci-
xidade para ser trabalhado com os alunos.
tar professores dos Ensinos Fundamental e Médio
da rede estadual de São Paulo, em instituições de
nada pelos professores também aparece nos es-
A “complexidade dos conteúdos” mencio-
13 - Doutorando em Educação Matemática pela PUC SP; Possui mestrado em Ensino de Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e Especialização em Matemática pela Universidade de São Paulo USP, atualmente é mantenedor e diretor do INEQ – Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional e da FAEP – Faculdade de Educação Paulistana; Professor das disciplinas da área de Matemática (Cálculo, Geometria e Vetores) da FATEC - SP - Faculdade de Tecnologia de São Paulo. Atuou como professor do curso de especialização em Educação Matemática da Universidade de Uberaba e orientou Monografias de alunos do curso de Especialização em Educação Matemática da UNIUBE; foi professor das disciplinas ( Estruturas algébricas e Álgebra linear) do curso de Licenciatura em Matemática da UniABC; foi professor de Matemática da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.
INEQ - Educação integral
31
tudos realizados por Costa (2003). Em sua pes-
Fundamental e Médio na resolução de situações-
quisa efetuada com um grupo de professores em
-problema sobre combinatória são as mesmas en-
formação continuada que lecionavam no Ensino
contradas pelos professores.
Fundamental, as noções de combinatória e proba-
bilidade foram as mais apontadas como os assun-
cursos de licenciatura privilegiam os conhecimen-
tos mais difíceis para os alunos do Ensino Funda-
tos matemáticos “superiores”, não levando em
mental, sob o ponto de vista matemático. Ressalta
conta os conhecimentos matemáticos a serem
ainda que tradicionalmente estes conteúdos são
ensinados na Educação Básica. Foi destacado o
trabalhados somente no Ensino Médio.
fato de que os professores dos cursos superiores,
Além disso, a concepção de um ensino de
em sua maioria, não têm consciência de que tra-
estatística, centrado apenas em construções de
balhar o conteúdo elementar não significa neces-
gráficos e tabelas, contradiz os objetivos do ensi-
sariamente baixar o nível, ou seja, não se trata de
no de estatística, a ser o estudo de métodos de
aula de revisão. O professor deve ter maturidade
coleta, organização, sistematização, e reflexão a
para compreender que faz parte do ensino supe-
nortear a tomada de decisão diante de cenários de
rior ajudar o aluno a ter consciência mais ampla
incerteza (LOPES, p.1,1999).
desses conteúdos.
Desse modo, torna-se essencial ensinar
Algumas intervenções reforçaram que os
Dessa forma, os conteúdos relacionados
os conceitos de estatística de forma significativa,
ao bloco Tratamento da Informação podem ser
evidenciando a necessidade da estatística para os
trabalhados a partir de atividades que coloquem
alunos do Ensino Fundamental e Médio em seu
os alunos dos cursos de licenciatura diante das
aspecto cotidiano, contudo sob métodos e proce-
discussões, centradas em pesquisas e propostas
dimentos científicos.
curriculares, como os estudos realizados no capítulo 1 do nosso trabalho, e, além disso, deve ser
2. O ACOMPANHAMENTO DA FORMAÇÃO: NOS-
um ensino baseado em processos de investiga-
SAS OBSERVAÇÕES
ções e na resolução de problemas, ou seja, uma disciplina que possa subsidiar o estudante para
Perguntou-se no início do curso, se os pro-
que ele compreenda e lide bem com sua realidade.
fessores ensinavam combinatória e probabilidade no Ensino Fundamental e Médio e, diante da nega-
3. O desenvolvimento de algumas atividades de
tiva das respostas, quais os motivos pelos quais
formação
não ensinavam.
32
As respostas mais frequentes foram as
Após os debates iniciais entre a professo-
seguintes: “trata-se de conteúdo muito complexo
ra formadora e os participantes, foi distribuído um
para o Ensino Fundamental; os livros didáticos do
conjunto de atividades que deveriam ser realizadas
Ensino Fundamental não apresentam esses conte-
em grupo para posterior discussão. A professora
údos; esses conteúdos não fazem parte do plane-
formadora destacou que essas atividades tinham
jamento; “se nós professores temos dificuldades
por objetivo introduzir as noções de combinatória
com esses conteúdos, imagine os alunos”.
e probabilidade de forma intuitiva, sem o uso de
fórmulas ou definições formais.
É interessante destacar que uma pesqui-
sa realizada por Costa (2003) aponta que as di-
ficuldades enfrentadas pelos alunos do Ensino
cussões dos professores durante a realização das
INEQ - Educação integral
Como nossa intenção era observar as dis-
atividades, centramos a observação em quatro
de os três (A, B, R) chegarem ao mesmo tempo.
grupos, gravando e fazendo também nossos regis-
tros. Na sequência, transcrevemos as discussões
-problema dessa natureza ainda representa um
dos professores, a partir de algumas atividades.
grande obstáculo para o professor, e talvez seja
Verificamos que a resolução de situações-
uma forte razão pela qual este não proponha problemas como estes aos seus alunos.
3.1. Atividade 1
André, Bruno e Rodrigo resolveram apostar uma corrida.
3.2. Atividade 2
a) Se não houver “empates”, ao cruzar a li-
nha de chegada quais as possíveis classi-
rio cadastrar uma senha composta de três alga-
ficações? Quantas classificações distintas
rismos distintos. Determinou-se que estes algaris-
você encontrou?
mos seriam: 0, 1 e 2.
b) Quais as alterações caso haja “empate”?
Para iniciar um jogo eletrônico é necessá-
a) Construa um esquema para representar o conjunto de senhas distintas possíveis.
b) O que diferencia uma senha da outra?
No item (a) desta atividade os professores
dos grupos observados não tiveram dificuldades
c) Indique outra forma de organizar sua es-
em responder a questão, nem houve divergências.
tratégia de resolução para construir o con-
No entanto, no item (b) os professores de dois
junto dos resultados possíveis.
1.º colocado A, B A, R B, R R B A
2.º colocado R B A A, B A, R B, R
No item (b) desta atividade apenas um pro-
fessor de um dos grupos observados respondeu que a diferença estava na ordem. Nos itens (b) e (c), os professores dos grupos observados, de um modo geral, tiveram dificuldades de criar esquemas de resolução, como a árvore de possibilida-
grupos observados não conseguiram criar estraté-
des. Além disso, interpretaram senhas distintas
gias que possibilitassem a resolução do problema,
como algarismos distintos. Uma outra dificuldade
devido à palavra “empate”, que segundo eles difi-
apontada foi saber se o zero entraria ou não na
cultou a compreensão. Uma professora do grupo
formação da senha, porém essa dúvida foi escla-
relatou: “Se para nós é difícil interpretar, imaginem
recida por um professor de outro grupo. Esse pro-
para os nossos alunos”.
fessor disse que se tratava de formação de senhas
e não formação de números de três algarismos.
A professora formadora solicitou que um
professor voluntário fosse até a lousa e apresen-
Então no caso de senhas o zero entraria.
tasse uma solução para o problema. A resolução
apresentada foi:
do tipo: “Não me lembro mais das fórmulas de
combinatória”.
De um modo geral, os professores concor-
Nesta atividade presenciamos respostas
daram com a solução apresentada, mas é impor-
Um professor voluntário foi até a lousa e
tante notar que faltou a possibilidade de empate
apresentou a seguinte resolução:
entre os três (A, B, R). A professora formadora chamou atenção para este caso e os professores con-
3X2X1=6
cordaram com o fato de que havia a possibilidade INEQ - Educação integral
33
a)
0 1 2
c) Quais e quantas combinações distintas
1
ela pode fazer após ter decido usar a cami-
2
seta vermelha?
0 2 0 1
Nesta atividade, observamos que alguns
professores conseguiram resolver o item (a) sem tantas dificuldades e procuraram auxiliar os outros
A professora formadora e o próprio profes-
grupos. Os professores de um grupo observado
sor voluntário concordaram com a um professor
acharam o item (a) fácil por se tratar de combina-
quando este dizia que esta resolução não estava
ções, pois, segundo eles, não é difícil fazer com-
de acordo com os objetivos da atividade: maneira
binação de roupas, sorvetes, etc. Notamos que a
simples de resolver e sem o uso de fórmulas. Uma
maioria dos professores utilizou a árvore de pos-
outra forma de resolução foi apresentada, como
sibilidades na resolução do item (a), Já nos itens
podemos observar:
(b) e (c) os professores dos grupos observados en-
contraram dificuldades de usar o mesmo recurso 6 senhas distintas
empregado no item (a) e aguardaram a resolução apresentada na lousa por um professor participan-
Segundo a professora formadora, esse mé-
te do curso.
todo seria o mais adequado, principalmente, para os alunos do Ensino Fundamental.
Salientamos que, a partir do esquema de
árvore de possibilidades, o professor deve incentivar os alunos a desenvolver o Princípio Multiplicativo, como é proposto pelos PCN-EF.
Pudemos constatar que os professores de
dois grupos observados mostraram bastante insegurança, falta de conhecimentos básicos sobre o assunto (combinatória) e dificuldades em resolver o problema sem o auxílio de fórmulas, o que era o objetivo das atividades propostas. 3.4.Atividade 3
Bruna estava indecisa quanto à roupa que
usaria para ir ao clube. A dúvida estava entre ir de calça comprida ou bermuda, tênis ou sandália e, ainda, se a camiseta seria a branca ou a vermelha. a) Quais e quantas combinações distintas Bruna pode fazer? b) Quais e quantas combinações distintas Bruna pode fazer após ter decidido usar a bermuda e a sandália?
34
INEQ - Educação integral
Resposta: 8 Combinações distintas
A resolução apresentada foi a seguinte:
desenvolver estratégias para solucionar problemas
a)
de contagem, probabilidade e estatística. O profes-
• • • • • •
CALÇA COMPRIDA: c
sor estaria contemplando esses objetivos.
BERMUDA: b TÊNIS: t
3.4 Atividade 4
SANDÁLIA: s
CAMISETA BRANCA: cb
a 12, vamos supor, inicialmente, que: Carlos ganha
CAMISETA VERMELHA: cv
o jogo se a bola sorteada for: 1; 2; 3; 4 ou 5. Fred
A professora formadora perguntou aos
Num jogo com doze bolas numeradas de 1
ganha se sair 1; 3; 5; 7; ou 9 e Daniel será o ven-
professores se seria possível trabalhar esse tipo
cedor se sair 6; 8; 10 ou 12.
de problema com os alunos do Ensino Fundamen-
Poderíamos estudar, entre outras, as seguintes pro-
tal e do Ensino Médio. De um modo geral, os pro-
babilidades:
fessores responderam que os alunos chegam muito fracos na 5ª série do Ensino Fundamental, não dominando nem as quatro operações fundamentais, e, além disso, os alunos em sua maioria têm muita preguiça de pensar. Então, por estes motivos fica difícil trabalhar problemas dessa natureza, mas talvez para a 7ª série poder-se-ia até propor o item (a) dessa atividade. A professora formadora
• • • • • • • •
Carlos ganhar. Fred ganhar. Só haver um ganhador. Carlos ou Daniel ganharem o sorteio. Fred ou Daniel ganharem o sorteio. Carlos e Fred ganharem o sorteio. Fred e Daniel ganharem o sorteio. Os três ganharem.
salientou que os professores deveriam incentivar
1.Construa a forma tabular de cada “conjunto” apre-
os alunos a pensar e que neste caso seria impor-
sentado.
tante trabalhar com situações-problema.
2.Obedecendo a uma sequência didática, observe a
lista anterior e discuta com o seu grupo para:
É possível que esses argumentos reforcem
um ensino de Matemática mais voltado para as
a) Fazer uma pré-análise, verificando diferen-
técnicas de resolução de exercícios desvinculados
ças, semelhanças e possíveis dificuldades;
de situações-problema e talvez seja uma razão do
b) Verificar se podem ser estudadas outras
não-tratamento desses conteúdos no Ensino Fun-
probabilidades além daquelas que já foram
damental e Ensino Médio.
citadas;
c) Calcular todas as probabilidades citadas
De acordo com os Parâmetros Curricula-
res Nacionais para o Ensino Fundamental, a situ-
mais aquelas que você listou no item b;
ação-problema é o ponto de partida da atividade
d) Fazer a análise posterior verificando, nova-
matemática, e não a definição. No processo de
mente, diferenças, semelhanças e possíveis
ensino aprendizagem, conceitos, ideias e métodos
dificuldades;
matemáticos devem ser abordados mediante a ex-
e) Comparar o item a com o item d;
ploração de problemas, ou seja, de situações em
f) Propor uma lista de itens para aplicar aos
que os alunos precisem desenvolver algum tipo de
seus alunos.
estratégia para resolvê-las. Dessa forma, trabalhar os conteúdos rela-
3.Repita todo o estudo supondo, agora, que os três
cionados ao tema Tratamento da Informação des-
jogadores mudaram suas apostas, da seguinte ma-
de o Ensino Fundamental, incentivando o aluno a
neira: Carlos vence o jogo se a bola sorteada for: 1;
INEQ - Educação integral
35
2; 3 ou 4; Fred ganha se sair: 5, 6, 7 ou 8, e Daniel
tar que os professores apresentaram dificuldades
será o vencedor se forem sorteadas as bolas: 9,
de entendimento da linguagem matemática e con-
10, 11 ou 12.
sequentemente de interpretação de situações-pro-
a) Quais as alterações que você notou?
blema dessa natureza.
b) É possível calcular esses itens sem o conhecimento das fórmulas? Calcule os itens
4. O desenvolvimento do segundo conjunto de
que você julgar necessário.
atividades de formação
c) Quais as consequências dessas alterações?
d) Ao construir uma sequência didática, qual
guntou aos professores se eles ensinavam esta-
aposta (entre as duas apresentadas nesta
tística no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
atividade) você apresentaria inicialmente?
De um modo geral, eles disseram que ensinavam
Por quê?
a parte de construção de gráficos e tabelas. A pro-
Inicialmente, a professora formadora per-
fessora destacou que a sequência de atividades,
4. Apresente conclusões, conceitos e fórmulas da
com a qual iriam trabalhar, foi elaborada com o
probabilidade que você conseguiria definir a partir
objetivo de explorar alguns conceitos estatísticos,
desta atividade? Justifique.
tais como: variáveis qualitativas e quantitativas, proporções, média e mediana. Comentou que,
Na realização desta atividade, em um dos
grupos observados, verificamos as seguintes res-
para realizá-las, é preciso que o aluno já saiba calcular proporções, média e mediana.
postas: “As palavrinhas e e ou são muito complicadas”; “Devido a gente não trabalhar esse tipo de atividade com os nossos alunos é que temos tantas dificuldades, acho que estamos com falta de pré-requisitos”.
No item “Fred ou Daniel ganharem o sor-
teio”, percebemos que as dificuldades não se restringiam a um determinado grupo; elas ocorreram de forma generalizada, pois os professores não avaliaram que o fato de Fred ganhar o sorteio não excluía a probabilidade de Daniel também ganhar.
A professora formadora salientou que nem
tudo em Matemática pode ser traduzido como na língua portuguesa, e que em probabilidade condicional os alunos sempre fazem essa confusão. Ressaltamos que, como esta foi a última atividade em discussão, devido à falta de tempo ela praticamente não foi explorada, o que dificultou uma análise mais detalhada. Entretanto, podemos no-
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INEQ - Educação integral
Renda Nível de familiar satisfação mensal com o aten(em dimento da u.m.) loja 20,0 MS 25,0 PS 10,0 S 25,0 MS 27,8 I
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Idade
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F F M M F
06
43
F
11,0
S
07 08 09
18 36 40
F F M
15,5 15,2 15,3
I MS MS
Os PCN-EF enfatizam que o aluno deve
elaborar conclusões a partir da leitura, análise, interpretação de informações apresentadas em tabelas e gráficos. Dessa forma, é preciso que professor, como mediador do ensino-aprendizagem, vá além da construção de gráficos e tabelas. As atividades propostas aos professores foram as seguintes:
Uma loja fez uma pesquisa com 9 de seus clientes, obtendo os seguintes dados14:
4.3 Atividade 3 a) Calcule a idade média e a idade mediana
4.1 Atividade 1 a) Observe os valores de idade e renda, com-
dos clientes da loja. Comparando os valores
parando-os aos de sexo e nível de satisfação
obtidos, o que você conclui?
com o atendimento. Qual a diferença entre
b) Calcule a renda familiar mensal média e
eles?
renda familiar mensal mediana. Comparan-
b) Com base na observação feita em (a),
do os valores obtidos, o que você conclui?
classifique o itens abaixo em qualitativo ou
c) No conjunto dos valores de renda mensal,
quantitativo:
substitua o valor 27,8 por 278 e, em seguida, calcule novamente a média e a mediana. Em
Idade: ___________________________________________
relação ao item (b), o que você conclui?
Sexo: ___________________________________________
d) Em conjuntos com valores extremos, qual
Renda familiar mensal: __________________________
medida reflete melhor o dado: a média ou a
Nível de satisfação com o atendimento: _________
mediana? Justifique sua resposta.
No item (a) desta atividade, os professores
Nesta atividade, os professores demons-
não apresentaram dificuldades, enquanto no item
traram que sabiam calcular média e mediana, mas
(b) encontraram dificuldades quanto à classifica-
por outro lado tiveram dificuldades para interpre-
ção das variáveis, ou seja, diferenciar variáveis
tar os resultados e reconhecer as vantagens e des-
qualitativas de variáveis quantitativas.
vantagens da média e da mediana. No item (c), por
A professora formadora salientou que re-
exemplo, os professores dos grupos observados
conhecer o tipo de variável envolvida em um pro-
acharam estranho substituir os valores e a media-
blema estatístico é importante, por exemplo, para
na continuar apresentando o mesmo valor.
o aluno saber a possibilidade de calcular a média e
a mediana.
para o fato de que a mediana não é influenciada
A professora formadora chamou atenção
por valores extremos. Portanto, os professores 4.2 Atividade 2
precisariam conhecer as vantagens e desvantagens dessas medidas para os cálculos estatísti-
a) Calcule a proporção de mulheres que são
cos.
clientes da loja, e em seguida a de homens. b) Calcule a proporção de cada um dos ní-
4.4 Atividade 4
veis de satisfação com o atendimento dos clientes da loja.
Na sua opinião, qual é o motivo pelo qual
não é possível calcular a média e a mediana do Nesta atividade foi discutida a relação entre o cál-
sexo e do nível de satisfação com o atendimento
culo de proporção e a ideia da frequência relativa.
dos clientes da loja?
Os professores não encontraram dificuldades na realização desta atividade.
Nos quatro grupos que acompanhamos mais de
14 - u.m.: unidade monetária; I: insatisfeito; PS: pouco satisfeito; S: satisfeito; MS: muito satisfeito
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perto, notamos grandes dificuldades nesta ativi-
conjecturar que os impactos dessa formação
dade, pelo fato de não perceberem que a resposta
não sejam os mais positivos e desejáveis, e de
estava relacionada ao tipo de variável. De acordo
modo que novas ações e experiências devem ser
com o questionário aplicado aos professores no
implementadas a fim de fazer dos conteúdos de
início desse módulo, no que se refere ao ensino de
Probabilidade e Estatística serem diluídos sob a
estatística, indicaram o ensino de tabelas e gráfi-
perspectiva da cotidianidade de que fazem parte
cos, não havendo assim revelado preocupações
da vida contemporânea.
com as medidas estatísticas e seus significados, interpretações de resultados e os tipos de variáveis em jogo na análise dos mesmos. Salientamos que talvez tenha ocorrido um equívoco na elaboração dessa atividade, pois como a variável, nível de
Referências
satisfação é ordinal, então neste caso é possível determinar a mediana. 5. Algumas considerações
Além da exiguidade de tempo, podemos
identificar outros problemas na formação, apoiando-nos em estudos realizados por Showers, Joyce e Bennett (1987). Esses autores destacam que quase todos os professores podem utilizar uma informação que seja útil para suas classes, quando a formação inclui quatro elementos: discussão da teoria; demonstração da nova estratégia; prática inicial como seminário; retorno imediato.
Como pudemos notar, esses elementos
não foram contemplados, pois durante o desenvolvimento desse módulo os professores demonstraram que estavam em busca de novas metodologias. Mas por outro lado não conheciam muito bem os conteúdos matemáticos em jogo.
Devido ao pouco tempo destinado a este
módulo, é provável que não se tenha dado conta, de forma significativa, da discussão da teoria e de novas metodologias. Observamos também que durante o curso não foi possível um retorno por parte dos professores em relação às atividades desenvolvidas no curso e a implementação na sala de aula. Essas observações permitem-nos
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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997. ––––––. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997 (Ensino Médio) COSTA, A. C. As concepções dos professores de Matemática sobre o uso de modelagem no desenvolvimento do raciocínio combinatório no Ensino Fundamental. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. LOPES, Celi A. E. A probabilidade e a estatística no Ensino Fundamental: uma análise curricular. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas. SHOWERS, B.; JOYCE, B.; BENNETT, B. Synthesis of research on staff development: a framework for future study and a state-of-the-arts analysis. Educational Leadership, 45 (3), p. 77-87, 1987.
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