Volume 1 • Número 15 Dezembro 2020 ISSN 2525-4294
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Dezembro 2020 ISSN 2525-4294
Volume 1 • Número 15
Educação Integral: Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana INEQ / FAEP VOLUME 1 - NÚMERO 15 – (DEZEMBRO DE 2020) Periodicidade: Trimestral
CARTA AO LEITOR – REVISTA DEZEMBRO/2020 Nós, integrantes do Grupo que constitui o Conselho Editorial da Revista “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, organizamos a última edição do ano com a finalidade de contribuir com os leitores na reflexão sobre a importância da concepção de educação que deve estar presente em toda prática pedagógica. Ao enfrentarmos uma realidade desafiadora, como a deste ano, em que precisamos aprender com a pandemia, isolamento social e quarentena, nossas ações educativas, nos diferentes níveis da Educação e nas etapas e modalidades da Educação Básica, foram significativas, na medida em que nossas ideias e imagens sobre a formação humana, a sociedade, os sujeitos, a escola e outras instituições educativas, sustentaram as novas propostas, que deveriam garantir as aprendizagens dos educandos. Neste sentido, queremos retomar a concepção de educação, que possibilita as nossas escolhas na construção do processo educacional. Essas escolhas são feitas considerando os princípios da Educação Integral. Compreendemos a Educação Integral como uma rede complexa de fatores que possibilitam a construção da personalidade dos educandos, a ampliação das potencialidades humanas e a constituição das identidades. Para que isto ocorra, são necessárias ações que explicitem determinados objetivos educacionais. Esses objetivos devem apontar para a apropriação da cultura inteira construída pela humanidade, envolvendo os aspectos físicos, intelectuais, sociais e afetivos dos aprendizes. Essa apropriação só ocorre se o educando assumir seu poder sobre os elementos culturais e sobre o educador, que reorganiza o seu trabalho pedagógico, se não houver aprendizagem (reflexões de Vitor Henrique Paro no livro “Educação como Exercício do poder: crítica ao senso comum em educação”). Portanto, a integralidade da educação depende do protagonismo do educando, que é um sujeito de vontade. Neste sentido, todas as crianças, jovens, adolescentes e adultos, de forma equitativa, devem apropriar-se das linguagens e dos saberes como sujeitos de direito. Esta ação pedagógica deve ser inclusiva, possibilitando que a diversidade potencialize a aprendizagem de todos, em diferentes espaços da atuação da docência, que precisa agir de forma intencional e acompanhar o educando por meio do registro e da documentação pedagógica. Na Educação Integral, a apropriação da cultura está vinculada a uma construção curricular, que envolve o conhecimento, compreensão e transformação da realidade, em um movimento interdisciplinar. Entretanto, as intenções e práticas na Educação Integral precisam, necessariamente, envolver todos os atores e protagonistas das instituições educativas. Precisam constituir espaços de participação e gestão democrática, realizando um movimento de intersetorialidade e construção da territorialidade. Portanto, neste ano, de inúmeros desafios e enfrentamentos, construímos alguns alicerces sólidos sobre a Educação Integral, juntamente com educadores, docentes, trabalhadores da educação, educandos, bem como, com sábios mestres que trouxeram amplitude aos nossos pensares educacionais, como a Professora Denise Seignemartim, que refletiu conosco sobre a Pedagogia Waldorf. Desta forma, aprendemos que Educação Integral é pensar dialética e dialogicamente sobre a realidade educacional complexa e que implica movimentos diversos: integralidade humana, inclusão, intencionalidade, interdisciplinaridade, gestão democrática, construção da territorialidade e compartilhamento de saberes e paixão pela educação.
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira reponsabilidade dos autores. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.
CONSELHO EDITORIAL Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa Profº Dr. Clemente Ramos dos Santos Profº Dra. Vania Aparecida da Costa Profª Ms. Ana Maria Gentil EDITOR CHEFE Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS Prof. Marcos Alves da Silva CAPA E PROJETO GRÁFICO Fernando Silva de Araujo INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras, Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000 Tel.: (11) 2771 5080 e-mail: educacaointegral@ineq.com.br ISSN 2525-4294
Prof. Dr. Claudinei Aparecido da Costa Diretor-geral
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Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação INEQ Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional / Faculdade de Educação Paulistana / FATAC Faculdade de Tecnologia Alpha Channel
Educação Integral
– Revista do Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional Faculdade de Educação Paulistana e Faculdade de Tecnologia Alpha Channel. n. 15 - Dezembro (2020) São Paulo: INEQ/FAEP/ FATAC (2020) Trimestral Endereço eletrônico: https://ineq.com.br/revista/ ISSN 2525-4294
Wilma Aparecida Cavazini – Bibliotecária CRB 8 2665
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SUMÁRIO
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DOCÊNCIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: CURRÍCULO E A PRÁTICA PEDAGÓGICA – Andreza Maria da Silva A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA – Anna Gabriella Batista
CONTRIBUIÇÕES DAS ARTES VISUAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL – Carla Carvalho Costa
O LÚDICO E A TECNOLOGIA COMO FERRAMENTAS VIABILIZADORAS NO ENSINO – Dayane Aparecida Araújo da Conceição
ASCENSÃO SOCIAL DE MARTIM CODAX PELA ARTE TROVADORESCA – Evandro Fantoni Rodrigues Alves
FRITJOF CAPRA E ZYGMUNT BAUMAN: REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MUSICAL CONTEMPORÂNEA – Fabiana Pereira Dutra Vieira
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SUMÁRIO
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A UTILIZAÇÃO DA ARTE CINEMATOGRÁFICA COMO POSSIBILIDADE DE NOVOS CAMINHOS PARA A EDUCAÇÃO – Felippe Nagato UM OLHAR PARA O ESTADO NUTRICIONAL DE JOVENS E ADULTOS NA REDE PÚBLICA DE ENSINO – Jorge Henrique Silva Bueno
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA - CONCEPÇÕES E ARTICULAÇÕES – Rose Leila Jorge de Queiroz
A PREPONDERÂNCIA DAS SALAS DE RECURSO NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA – Rosemeire da Silva Andrade Arrais
A CRIANÇA E O BRINCAR – Silvia Cavanha Buratinne
A CRIANÇA E SUA RELAÇÃO-INTERAÇÃO COM A LINGUAGEM ESCRITA E A ALFABETIZAÇÃO – Sônia Mazaro Candeias Massoni
DOCÊNCIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: CURRÍCULO E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Andreza Maria da Silva
RESUMO Dentro do processo histórico educacional, o docente aparece com o papel da responsabilidade educacional e social, pressionado pelas diretrizes educacionais e currículo, desvalorizado, sem reconhecimento profissional e sem amparo das políticas públicas em questão da profissão. A qualidade de ensino é verificada por todos componentes educacionais. Mas, devido às ideias neoliberais dentro da educação geram ideias de competição e concorrência de um controle político, colocando o docente com uma função conteudista, causando diversos conflitos dentro da educação e piorando a qualidade de ensino, diminuindo a autonomia do professor, exigindo conhecimentos para o processo de reprodução. O docente pode seguir com novas atitudes baseados em uma educação transformadora. Palavras-chave: Docente. Educação. Políticas Públicas. ABSTRACT Within the historical educational process, the teacher appears with the role of educational and social responsibility, pressured by the educational guidelines and curriculum, devalued, without professional recognition and without support from the public policies in question of the profession. The quality of teaching is verified by all educational components. But, due to neoliberal ideas within education, they
generate ideas of competition and competition for political control, placing the teacher with a content function, causing several conflicts within education and worsening the quality of teaching, decreasing the autonomy of the teacher, requiring knowledge to the reproduction process. The teacher can continue with new attitudes based on transformative education. Keywords: Teacher. Education. Public policy.
INTRODUÇÃO As políticas públicas educacionais representam a organização entre a população e as instituições de ensino, mas, ocorre um desalinhamento de uma realidade educativa com as propostas de ensino, gerando conflitos educacionais que não conduz a um aprendizado subjetivo e objetivo com as transformações sociais. O trabalho apresenta como justificativa o comportamento educacional que seguem regras ou metas sem agir com uma postura crítica da real efetivação de aprendizagem e a valorização e autonomia do trabalho docente. A mudança pode acontecer quando surgem novos paradigmas que condizem com uma educação de qualidade. Desta forma, qual o papel do docente dentro da educação mediante as políticas públicas e o currículo automatizado para produção? O INEQ - Educação integral
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trabalho apresenta como objetivo uma breve análise das políticas públicas da educação e as práticas pedagógicas perante o currículo. 1. Políticas públicas da Educação O conceito de políticas públicas voltadas para a educação, entra dentro de um consenso ou complexidade entre as práticas educativas e as bases legais do direito ao acesso da educação e aprendizagem. De acordo com Terra (2016), as políticas públicas são ações governamentais com a missão de atender algumas demandas da sociedade e o objetivo de alguns interesses econômicos, políticos, sociais e culturais, sendo aplicado pelo poder público ou colocando propostas sociais em prática. Isso significa que as políticas públicas são resultantes de um embate entre forças sociais e, também, da orientação ideológica e do projeto político daqueles que estão no poder. (TERRA, 2016, p. 109).
A Lei n. 9.394/1996, ao reunir, de forma indissociável, escola e atividade docente na tarefa de assegurar a aprendizagem dos alunos, induz a delimitação de uma área de jurisdição, ao mesmo tempo em que estabelece os marcos orientadores dos projetos de formação de uma atividade que se tornou essencial à sociedade brasileira. (WEBER, 2007, p. 1132)
Terra (2016) coloca que os exercícios de direitos de cidadania (liberdade individuais e direitos políticos) sempre foi reservado às elites políticas e econômicas, gerando muitos privilégios que duram até hoje, deixando os direitos sociais de lado, reprimindo as manifestações populares, mas, conforme Terra (2016), o processo de cidadania e justiça social é lento em termos históricos, pois existe um grande descompasso entre as leis e sua efetivação na prática, dentro da realidade brasileira, o país está marcado por graves violações aos direitos humanos e desigualdades no acesso ao ensino público, mesmo o direito de aprender sendo considerado como direito humano.
Barroso (2005) questiona que o domínio da educação pela influência das ideias neoliberais fez-se sentir quer por meio de múltiplas reformas estruturais, de dimensão e amplitude diferentes, destinadas a reduzir a intervenção do Estado na provisão e administração do serviço educativo, quer por meio de retóricas discursivas de crítica ao serviço público estatal e de encorajamento do mercado, que se refere a subordinação das políticas de educação a uma lógica estritamente econômica chamada globalização, na importação de valores (competição, concorrência, excelência etc.) e modelos de gestão empresarial, como referentes para a “modernização” do serviço público de educação; na promoção de medidas tendentes à sua privatização.
O mais grave é que esse descompasso entre teoria sobre políticas públicas em educação e realidade das escolas públicas básicas traz prejuízos para eficácia da educação escolar em sua desejável contribuição para a transformação social. (DOURADO; PARO, 2001, p. 37).
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De acordo com Dourado e Paro (2001) se a qualidade do ensino é determinada por todas ações que o constituem ou lhe servem de mediação, não pode-se permitir que componentes dessa qualidade, como por exemplo, o desenvolvimento de valores, posturas e hábitos democráticos ou gostar de aprender sejam feitos por conteúdos de currículos, embora eles também sejam imprescindíveis, mas fogem da realidade escolar de cada educação e faltam recursos mínimos e melhores condições para os educadores para esse fim.
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Difícil de ser questionado, o neoliberalismo se apresenta, arrogantemente, como descrição científica do mundo real, como teoria pura, como corpo de doutrina coerente e consistente, como a única saída, como a única solução
técnica possível. (MOREIRA, 2001, p. 2). No que concerne à legislação educacional, implementou-se uma série de leis, decretos-leis e pareceres referentes à educação, visando assegurar uma política educacional orgânica, nacional e abrangente que garantisse o controle político e ideológico sobre a educação escolar em todos os níveis e esfera. (SHIROMA, 2004, p. 34) Dourado e Paro (2001) colocam que é preciso considerar que a cultura elaborada é produzida historicamente não se restringindo aos limites da ideologia atualmente dominante, onde aparece o papel decisivo da escola, em uma perspectiva crítica e transformadora, não que a escola poderá transformar a sociedade, mas ela tem o papel como contribuição para transformação na medida em que faz a crítica, avançando para além da sua função meramente conteudista, uma adoção de uma postura crítica de direitos. Moreira (2001) relata que o currículo é visto como território em que ocorrem disputas culturais, em que se travam lutas entre diferentes significados do indivíduo, do mundo e da sociedade, no processo de formação de identidades, surgindo muitas constatações que ainda levanta, inevitavelmente, algumas questões. Trata-se, também, de pensar currículo e formação de professores em uma sociedade cada vez mais multicultural, em uma sociedade em que a pluralidade de culturas, etnias, religiões, visões de mundo e outras dimensões das identidades infiltra-se, cada vez mais, nos diversos campos da vida contemporânea. A complexidade das relações, tensões e conflitos resultados dos choques entre essas identidades plurais e de suas lutas por afirmação e representação em políticas e práticas sociais extrapola o âmbito da
investigação e da reflexão que se desenvolve nas universidades. (MOREIRA, 2001, p. 3) Deve-se considerar, segundo Moreira (2001), o caráter multicultural da sociedade no âmbito do currículo e da formação docente implica respeitar, valorizar, incorporar e desafiar as identidades plurais em políticas e práticas curriculares. Implica, ainda, refletir sobre mecanismos discriminatórios ou silenciadores da pluralidade cultural, que tanto negam voz a diferentes identidades culturais, silenciando manifestações e conflitos culturais, como buscam homogeneizá-las em conformidade com uma perspectiva monocultural. 2. Currículo e as práticas pedagógicas De acordo com Serrazes e Correa (2013), ao longo da história da estrutura e da organização do sistema de ensino no Brasil, as transformações do mundo do trabalho e a forma do governo adotada no país, os interesses econômicos e políticos dos grupos no poder e as reivindicações dos movimentos sociais marcaram o processo de ampliação do atendimento escolar e os princípios organizacionais, pedagógicos e curriculares que orientam a educação nacional. Serrazes e Correa (2013) colocam que no ponto de vista interno, o sistema escolar está organizado na forma de rede escolar com seus níveis e modalidades de ensino, conforme a legislação vigente e na forma de uma estrutura de sustentação baseada nas formas legais, na administração, fiscalização e manutenção. De acordo com Cunha (2003), na conjuntura atual, onde o Estado neoliberal vem definindo políticas educativas identificadas com a base econômica de produção é fácil observar como o pilar da regulação assume muito mais alto prestígio do que o da emancipação, eles são os definidores de prêmios objetivos e simbóINEQ - Educação integral
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licos que valorizam a docência universitária e reconfigurar a profissionalidade dos professores, definindo o que é um professor de sucesso. Conforme Porto (2017), o currículo seria um resultado da política educacional e teria o poder de determinar a prática de ensino, diminuindo a autonomia do professor com agente do ensino e estabelecendo os valores que se deseja transmitir, sendo então, uma influência pelos conteúdos e modelos de competência, habilidades e atitudes estabelecidas pela sociedade. Cunha (2003) coloca que neste caso, é vertente que a emancipação do professor está vinculado muito mais a processos do que a produtos, identificando-se com as mediações, os valores e os compromissos que o docente expressa na sua prática pedagógica e suas atitudes emancipatórias também exigem conhecimentos acadêmicos e competências técnicas e sociais que configuram um saber fazer que extrapole os processos de reprodução. Os processos de emancipação são estimuladores de intervenções comprometidas com as rupturas que atuam no sentido da mudança. Não são medidos pelo tamanho e abrangência, mas sim pela profundidade e significado que têm para os sujeitos envolvidos. (CUNHA, 2003, p. 55) De acordo com Mizukami (2006), deve ser considerado dois focos básicos em uma comunidade de professores: a melhoria da prática profissional e a crença de que os professores são estudantes de suas áreas ao longo de sua vida, nos quais, devem crescer em conhecimentos, amplitude e compreensão, assim como acompanhar o processo de produção de conhecimento nas suas áreas de conhecimento específico.
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Se, por um lado, os formadores percebem os limites e dificuldades do paradigma da racionalidade técnica e procuram superá-los pela adoção de um novo paradigma, por outro eles têm toda uma formação e prática pedagógica que lhes garante autonomia e segurança no desenvolvimento de suas atividades, o que lhes dificulta aderir integralmente à nova concepção, assim como operacionalizar de forma pertinente seus cursos / disciplinas a partir de uma nova forma de compreender e de interferir em processos formativos da docência. (MIZUKAMI, 2006, p. 7) Weber (2007) relata que a visão profissionalizante da docência, com predomínio do seu caráter tecnicista e instrumental, em um contexto no qual se consolidava a compreensão da importância da educação escolar para a construção da democracia e ganhava relevo o papel do professor, como educador, na oferta de uma escolarização de qualidade, tornou-se um obstáculo considerável para o debate a respeito da profissionalização da atividade de ensino no país. Desta forma, Cunha (2003) contesta que essa concepção, porém, contraria a histórica premissa construída para o trabalho do professor, materializada na ideia de que a função docente resume-se em ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela a ciência e cultura, especialmente pelo valor intrínseco que os mesmos representam, colocando o que seria a qualidade mais reconhecida no docente que representaria um depositário do saber. Sendo então, conforme Cunha (2003) como possibilidade potencial, a contradição se estabelece nos espaços caracterizados pelas ações humanas, nos quais, ainda que seja comum, identificar-se a presença dos processos regulatórios oriundos das políticas e práticas
tradicionais, o professor, conscientemente ou não, junto com seus alunos, resiste a se tornar apenas objeto da ação que desenvolve, apostando em uma perspectiva dialética, podendo analisar como se constroem as práticas alternativas e os saberes docentes.
to instrumental sistemático para ler as condições do que se encontram, ou seja, é pela prática pedagógica que o currículo se constrói, fazendo-se necessário estabelecer uma íntima relação entre currículo, cultura e prática pedagógica.
A equação ou triangulação entre currículo, civilização e prática pedagógica não é algo fácil de ser feito, especialmente porque cada elemento em si mesmo está carregado de sentidos elaborados pelos sujeitos da cultura. (GHEDIN, 2012, p. 73).
O currículo é um segmento como orientação e não como uma base para justificar o sucesso ou fracasso. Ghedin (2012) relata que a prática tem revelado que o currículo proposto não coincide com o currículo praticado, revelando muitos impedimentos para a produção de um currículo crítico, ou melhor, de uma prática crítica que institui a inteligência como arma contra a força se dá no campo da prática. Ou seja, conforme Ghedin (2012) dentro desse patamar, as teorias explicativas do currículo são (re)elaboradas pelos docentes como um discurso que mascara o modo como eles próprios lidam com as questões curriculares, no qual o currículo tem se tornado um discurso que justifica um conjunto de práticas contraditórias entre si e contrárias às teorias que se supõem como suporte para a justificativa de um fracasso.
Desta forma, conforme Ghedin (2012) a importância da questão complexa do processo em prática, é a produção do espaço coletivo e público, ou seja, as práticas pedagógicas instituem uma forma de relação que se estabelece publicamente entre os integrantes de uma sociedade, indicando que o cotidiano estabelece os horizontes e as perspectivas de uma inteligência coletiva com uma ideia de civilização intimamente ligada a uma ideia de cultura, que se conecta a uma perspectiva de currículo, desenhado em uma sequência. Nessa perspectiva, o currículo é o desenho, modelo, expectativa de um ser humano que é, que está sendo e que tem o poder de fazer ser para além daquilo que é num determinado contexto. Pensar no currículo como o poder de fazer ser é dar a ele a constituição de um elemento que conjuga nossa visão de mundo e de ser humano que vive o conflito ideológico no cotidiano da escola, procurando tatear uma direção que se orienta pela tradição historicamente construída por um passado que nos lança diante de um futuro. (GHEDIN, 2012, p. 74) Diante desse contexto, segundo Ghedin (2012) o currículo, seja ele explícito ou implícito, permite construir o presente como perspectiva do futuro que não abdica de seu passado enquan-
Assim, o autor questiona que a problemática do currículo e a avaliação é o maior problema, pois não se encontram no campo conceitual e teórico, mas no campo das práticas, no campo da técnica que se reproduz a ideologia que mascara as relações de poder no espaço da escola, sendo o currículo um elemento que permite os mais variados discursos sobre como produzi-lo, ocorrendo muito mais como um discurso de um projeto de sociedade que se aplica por meio das escolhas que conduzem o fazer pedagógico dos vários sujeitos que compõe a escola. Olhar a prática implica interpretá-la em seu contexto e para além dele próprio, como condição necessária para a compreensão de seu sentido e de seu significado. Além disso, constitui-se uma INEQ - Educação integral
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necessidade imperativa para nos fazer avançar no desenho de uma prática que supere a justificação de um discurso libertador em práticas conservadoras e opressivas. (GHEDIN, 2012, p. 75) Desta forma, de acordo com Siécola (2016) uma nova maneira de pensar e aprender devem ser acompanhadas por formas renovadas de ensinar. O maior problema da educação atual, segundo o especialista, é que o sistema e os modelos de ensino ainda são voltados para um mundo pré-digital, ao passo que a maioria dos alunos já não são capazes de imaginar a vida sem internet tornando-se um grande desafio como lidar com esse descompasso. CONSIDERAÇÕES FINAIS As políticas públicas são ações governamentais para atender a sociedade, porém dentro da realidade brasileira, as elites políticas públicas tem maior domínio, deixando os direitos sociais de lado, reprimindo as manifestações populares existindo um descompasso entre as leis e sua efetivação na prática, nos quais o país está marcado por graves violações aos direitos humanos e desigualdades no acesso ao ensino público, atingindo a eficácia da educação escolar em sua contribuição para a transformação social. A qualidade da educação está sendo medida por componentes que o currículo exige, como valores, posturas e hábitos, nos quais a própria LDB/96 reúne a escola, a atividade docente e a tarefa para assegurar a aprendizagem dos alunos, com influência das ideias neoliberais, ligam a educação com o mercado, subordinação das políticas de educação a uma lógica estritamente econômica chamada globalização, com uma posição conteudista. O docente diante da pressão das políticas públicas e o currículo, é vertente que a emancipação do professor, os valores e os compro-
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missos que o docente expressa na sua prática pedagógica e suas atitudes emancipatórias para configurar um saber fazer que extrapole os processos de reprodução, podendo junto com os alunos analisar como se constroem as práticas alternativas e os saberes docentes. REFERÊNCIAS BARROSO, João. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Capinas: Cedes, 2005. CUNHA, Maria Isabel da. Políticas públicas e docência na universidade: novas configurações e possíveis alternativas. Vale do Rio dos Sinos: Revista Portuguesa de Educação, 2003. DOURADO, Luiz Fernandes; PARO, Vitor Henrique. Políticas Públicas & Educação Básica. São Paulo: Editora Xama, 2001. GHEDIN, Evandro. Currículo, civilização e prática pedagógica. São Paulo: Revista e-Curriculum, 2012. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Aprendizagem da docência: professores formadores. São Paulo: Revista E-Curriculum, 2006. MOREIRA, Antônio Carlos Barbosa Moreira. Currículo, cultura e formação de professores. Curitiba: Editora da UFPR, 2001. PORTO, Humberta Gomes Machado. Currículos, programas e projetos pedagógicos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2017. SHIROMA, Endeide Oto; MORAES, Maria Cecília Marcondes de. Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. SERRAZES, Karina Elizabeth; CORRÊA, Rubens Arantes. Políticas da Educação básica. Batatais, SP: Claretiano, 2013. SIÉCOLA, Márcia. Legislação Educacional. 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2016. TERRA, Márcia de Lima Elias. Políticas Públicas e Educação. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2016.
A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Anna Gabriella Batista RESUMO O presente artigo, elaborado a partir de pesquisa bibliográfica, é uma reflexão sobre a importância da contação de histórias como prática pedagógica, com o objetivo de conhecer a magnitude dessa ação ao estimular a aprendizagem e o desenvolvimento através da imaginação, ludicidade, oralidade e criatividade, além de instigar o prazer de adentrar o mundo da leitura. Ao longo da pesquisa nota-se o quanto significativo é a contação de histórias, onde “o jogo simbólico” e o “faz de conta” enseja os educandos descobrirem soluções para sua vida cotidiana através das jornadas dos personagens dos contos que mostram diferentes formas de encarar e enfrentar situações adversas ou não e vivenciam outras maneiras de pensar, agir e refletir. O ato de contar histórias não é algo fácil, mas sim complexo, o educador que se propõe a ser um contador, busca por conhecimento em diferentes habilidades, pois sabe a importância que esta prática em sala de aula pode trazer como ampliar repertório oral e cultural, prender a atenção, estimular a escutar e enxergar o mundo de diferentes formas. Palavras-chave: Contação de histórias, Educação, Prática pedagógica. ABSTRACT This article, based on bibliographic research, is a reflection on the importance of storytelling as a pedagogical practice, with the aim of knowing the
magnitude of this action by stimulating learning and development through imagination, playfulness, orality and creativity, in addition to instilling the pleasure of entering the world of reading. Throughout the research, it is noticeable how significant the storytelling is, where “the symbolic game” “pretends” encourages students to discover solutions for their daily life through the journey of the characters in the stories that show different ways of facing and face adverse situations or not and experience other ways of thinking, acting and reflecting. The act of telling stories is not something easy, but rather complex, the educator who proposes to be an accountant, seeks knowledge in different skills, because he knows the importance that this practice in the classroom can bring, how to expand oral repertoire and cultural, hold attention, stimulate listening and see the world in different ways. Keywords: Education, Pedagogical practice, Storytelling. INTRODUÇÃO Contar histórias é um ritual que acontece a milhares de anos, em lugares, épocas e culturas diferentes. Vários mitos foram criados para fortalecer as civilizações antigas, estas civilizações também contavam histórias para acalmar as pessoas de suas dores, perdas e angústias. Os contos folclóricos e populares diziam respeito à tradição oral e para muitos povos originários era a forma de comunicação para transmitir sua origem, trajeINEQ - Educação integral
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tória, guerras, crenças e costumes. As histórias estão envoltas de simbologia, emoções, sentimentos, ideais, imaginação e fantasia. Retratam questões da humanidade como nascimento, morte, amor, conquistas, desafios, vitórias, derrotas, por isso, são tão significativas para nós seres humanos desde a mais tenra idade. Ao longo das décadas o ato de contar histórias na grande maioria das instituições escolares desde a Educação Infantil ao Ensino Fundamental, utilizou esta prática como entretenimento, um momento de preencher espaço na rotina diária, considerada como uma distração e relaxamento. Mas atualmente os educadores, contadores de histórias, estão ressurgindo nas escolas, isto se dá através do conhecimento oriundo de formações com qualidade que valorizam esta prática e demonstram o quão significativa pode tornar as aulas, desde que bem executada. Também é de suma importância o resgate deste rito para a tradição oral, cultural e folclórica. O desejo de pesquisar este tema surgiu a partir de leituras que se referem ao assunto, de acordo com vários teóricos, contar histórias é uma preciosa ferramenta na prática pedagógica dos educadores. Os contos instigam a imaginação, fantasia, oralidade, raciocínio, criatividade, além de se tornar um facilitador no desenvolvimento e aprendizagem de bebês a adolescentes, pois estimula a linguagem oral, escrita e visual. Por meio da leitura, o educando pode descobrir o prazer de escutar, ler e contar histórias, o que contribui para a formação pessoal, afetiva, crítica, social e cultural. “Porque para formar grandes leitores, leitores críticos, não basta ensinar a ler. É preciso ensinar a gostar de ler. Com prazer, isto é possível, e mais fácil
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do que parece” (VILLARDI, p. 2, 1997). A contação de histórias é uma prática essencial na Educação? Pode-se afirmar que sim. O ato de contar histórias, atrelado a mediação do educador com as outras linguagens, além de enriquecer sua prática, instiga a compreensão do educando, tornando-se uma práxis que prioriza o incentivo a imaginação, criatividade, resolução de situações, conhecimento de outros povos e culturas, ampliação de seu repertório visual e oral, todas estas questões fazem com que a contação de histórias seja de suma importância no ensino das escolas de Educação Básica, Segundo Cunha: A contação de história estimula a curiosidade, o imaginário, a construção de ideias, expandindo conhecimentos e fazendo com que a criança vivencie situações que a proporcionam sentir alegria, tristeza, medo, e as personagens dessas histórias, muitas vezes servem de exemplo para as crianças, ajudando a resolver conflitos e criando novas expectativas, tornando-se super-heróis. (CUNHA, p. 33, 2006) O grande desgaste da educação ocorre em suma, por falta de interesse dos educandos e isto também se dá com a leitura, quando não há formação de leitores capacitados e que leiam por júbilo, a relação com a literatura fica defasada, pior ainda, acaba não sendo incentivada de forma coerente e positiva. É importante ressaltar que não cabe apenas às instituições escolares motivarem os educandos neste sentido, a contribuição da família é primordial, já que principalmente crianças pequenas têm como exemplos os adultos, portanto, não basta apenas o educador, também o adulto responsável e familiar deve ser um exemplo de leitor quando possível.
A pesquisa bibliográfica se deu por meio dos estudos de diversos autores entre eles, Villard (1997), Busatto (2006), Tahan (1961), entre outros autores. O método da pesquisa será qualitativo, uma vez que foi elaborado através de pesquisas bibliográficas, o que justifica a importância de reunir informações que possibilitem a compreensão da importância da prática de contação nas escolas de Educação Básica, contribuindo de forma informativa para a melhora de práticas, propiciando aos educadores novos assuntos e abordagens para sua práxis. No desenvolvimento é descrito sobre a importância da prática de contar histórias e sua relevância na contribuição de conhecimento em diferentes aprendizagens. Por fim, são apresentadas as considerações finais, onde de forma resumida trará a reflexão sobre a presente pesquisa com uma análise crítica e que apresenta contribuições significativas para a mudança da prática em docente. 1. A Contação de histórias como prática pedagógica Atualmente nossa sociedade vive um momento histórico onde as tecnologias, mídias televisivas, redes sociais, aplicativos e internet fazem parte da vida do educando desde seu nascimento, são crianças nascidas na “era digital”. O acesso ao conhecimento e diferentes informações é veloz e fácil. E o lugar dos livros na formação desses educandos está sendo perdido, histórias e contos estão sendo olvidados. O que trouxe para as escolas e por consequência os educadores mais um repto, o de transformar sua prática para que seja de acordo e eloquente com a atualidade e fazer com que o prazer de ler chegue até bebês, crianças e adolescentes e por consequência tornem-se adultos leitores. Existem muitos benefícios na prática de con-
tação de histórias nas aulas, entre eles, estão o estímulo a emoções, autocontrole, autoconhecimento, atenção, escuta, sensibilidade e ampliação de conhecimento sobre cultura e diversidade. A prática de contar histórias traz ensinos e reflexões para a vida dos discentes tanto na Educação Infantil, quanto no Ensino Fundamental. Escutar histórias e contos diversos, incentiva à criatividade, a fantasia, a imaginação, educa, instiga o desenvolvimento cognitivo, torna o processo de aprendizagem relacionado à leitura e escrita mais diligente. Através da ludicidade e prazer, as histórias contribuem para diferentes linguagens e aprendizagens. De acordo com TAHAN: Até os nossos dias, todos os povos civilizados ou não, tem usado a história como veículo de verdades eternas, como meio de conservação de suas tradições, ou da difusão de ideias novas” (TAHAN, p.13, 1961) Em grande parte é na escola que os educandos terão seu primeiro contato com a contação de histórias. Isto se dá porque a nossa sociedade está perdendo o hábito de leitura e principalmente o de ler ou contar histórias para o outro. Sendo o educador quem geralmente apresenta o mundo da leitura, esta ação pode ser considerada uma tarefa fácil, mas fato é que necessita de muito estudo e dedicação, já que a função primordial do educador contador de histórias é encantar e envolver os educandos em sua narração, quanto mais rica, mais emergidos as crianças e adolescentes ficarão na história. Personagens como princesas, vilões, fadas, animais falantes, sujeitos do oriente, norte, sul, leste e oeste do mundo. Todas estas informações se tornam aprendizado na EducaINEQ - Educação integral
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ção Básica. Transmitir este conhecimento, de culturas, diversidades, costumes por meio das histórias, é uma forma de desmistificar temas, fatos e estimular a imaginação, criatividade e ampliação de repertório. Muitos teóricos afirmam que através de histórias, contos, fábulas, poemas, poesias, trovas, entre outros, ajudam na formação intelectual e a forma de compreensão do mundo em que vivemos. MACHADO (2004) afirma: “A contação é uma oportunidade de discutir valores que favorecem a consciência e a descoberta de nossa identidade”. É comum na maioria de histórias ou contos uma estrutura gramatical de jornada, conhecida também como “jornada do herói”, onde os fatos são apresentados da seguinte forma: As personagens (herói/heroína e vilão/vilã), apresentação inicial do conto, sequência de ações/ situações complexas e com vários obstáculos para serem superados e o desfecho final. Esta sequência simplifica a compreensão do texto e sua interpretação pessoal por parte dos educandos, também contribui para a sua aprendizagem pessoal, lógica, cultural, oral e escrita. Quanto mais cedo à iniciação no mundo literário, mais possibilidades de conhecimento serão assimiladas no decorrer da vida da criança e do adolescente. A prática de contar de histórias é motivadora e enriquece tanto a linguagem oral, quanto à escrita, estas duas formas de expressão são conquistadas para a comunicação humana, trata-se de uma conquista social que possui uma função primordial, compartilhar significados, representar ideias e interagir com o outro. Quando o educador inclui em sua prática pedagógica momentos voltados para a leitura\ contação, ele impulsiona entre os educandos momentos de prazer, interação e contato com a escrita. ABRAMOVICH (1991) reforça que:
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O ato de escutar contos é o início para a aprendizagem de se tornar um leitor. Oferecer estas oportunidades didático educativas significa capacitar às crianças para que possam desenvolver todas as suas potencialidades dentro da língua materna. O ato de ler é incompleto sem o ato de escrever. Um não pode existir sem o outro. Ler e escrever não apenas palavras, mas ler e escrever a vida, a história. Numa sociedade de privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio. (ABRAMOVICH, p.16, 1991) Existem diferentes possibilidades de se trabalhar a contação de histórias como prática em sala de aula, estes momentos devem ser bem planejados e organizados com o intuito de não se tornarem algo mecânico e obrigatório, o fato é que estas situações devem ser instigantes e profundas, onde o educador consegue de maneira eficiente intervir e mediar novos conhecimentos através de sua narração das histórias, desta forma os educandos podem criar por si, hipóteses, interpretações, soluções e novos conhecimentos, aprendendo sobre diferentes sociedades, culturas, diversos lugares e sua geografia, diferentes épocas antigas ou atuais e distintos potenciais ou problemas a serem superados. Isto torna a contação de história uma ferramenta didática criativa e com grande magnitude de aprendizado. Ainda, de acordo com BUSATTO (2003), “Esse caminho didático permitirá ao aluno valorizar a identidade cultural e a respeitar a multiplicidade de culturas e a diversidade inerente a elas”. Além disso, a literatura oral na sala de aula pode ser trabalhada de várias formas como na interdisciplinaridade. É através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e ser, outra ética, outra ótica. É ficar sabendo história, geografia,
filosofia, sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula. (ABRAMOVICH, p.17, 1995) Compreender por parte do educador que muitas aprendizagens e conhecimentos podem surgir a partir de uma contação de histórias, faz com que temas relevantes para os educandos, sejam apresentados e que podem ser assimilados de forma lúdica, com informações interessantes, trazendo uma reflexão de acordo com a realidade de cada um e propiciando um momento educacional permeado de aprendizagem significativa e de qualidade. Outro assunto que deve ser relevado dentro da prática de contação de histórias são as tramas dos contos, histórias, fábulas, entre outros, que geralmente possuem eventos demonstrativos de importância de valores, respeito, liberdade, escolha, verdade, justiça, amizade, solidariedade, compaixão, amor e etc. o que traz a reflexão sobre como vemos, vivemos e atuamos na sociedade. Também existe a expressão de sentimentos não tão valorosos como solidão, inveja, traição, covardia, preconceito, violência, desigualdade, soberba, arrogância e entre outros, que possibilita que tanto o educador quanto os educandos façam uma análise crítica e reflitam em debates, discussões e interpretações sobre os valores morais, éticos e culturais. Para ABÍLIO & MATTOS: O educador deve estar ciente de que todo conto reflete a ideologia da época em que foi produzido, e, a partir dessa perspectiva, deve ser compreendido e discutido com os alunos. A partir daí, o desenvolvimento do espírito crítico no aluno também pode ser provocado pelo educador ao propor questionamentos sobre as escolhas adotadas pelos personagens. (ABÍLIO e MATTOS, p.16, 2003)
Tamanha é a responsabilidade das escolas de Educação Básica no processo educativo, e neste processo o despertar do comportamento leitor e a reflexão sobre a narrativa emergem a partir da leitura, escuta e contação de histórias. O pensamento lógico, científico e de raciocínio, atrelado ao individual, coletivo e aos sentimentos envolvidos, nasce em momentos onde o educando busca a compreensão de símbolos reais ou não da vida. Ou seja, as histórias contribuem para o desenvolvimento cognitivo, sensorial e emocional dos indivíduos. A partir das histórias pode se identificar, aprender, conhecer e entender determinada cultura, o que estimula os educandos a encontrar-se e edificar-se dentro de sua própria cultura e construindo sua identidade. Para que isto ocorra de maneira coerente é necessário que as Escolas de Educação Básica, tenham em seu acervo e repertório contos e histórias diversas, de diferentes culturas, povos, localidades, resgatando tradições culturais, indígenas, africanas, europeias, enfim legitimando através das histórias a grande diversidade que existe no mundo e eu deve ser oportunizada a todos os educandos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio de pesquisas bibliográficas, buscou-se analisar e compreender a importância da prática de contação de histórias na Educação Básica e sua importância no desenvolvimento e aprendizagem dos educandos. Esta pesquisa possibilitou a compreensão que encantas histórias são fonte de informação, prazer, encantamento e emoção, devendo ocupar um espaço de real importância nas escolas de Educação Básica, merecendo verdadeira dedicação do educador em sala de aula. Fica evidente que sendo a escola a principal e às vezes única instituição responsável pela INEQ - Educação integral
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mediação de leituras para crianças e adolescentes, é dever da escola buscar estratégias para fundar uma forma sólida e cativante da promoção de contar histórias e estimular uma vida literária nos educandos. A relação do professor com a contação de histórias e os educandos deve ocorrer na instância da sensibilização e conhecimento, para que as histórias sejam contribuintes de diferentes aprendizagens e ajudem na busca por resoluções nas experiências vividas sejam elas individuais ou coletivas dentro de uma sociedade. Cada fato, conto história personagem, situação, superação, obstáculo, final feliz ou não, deve ser abstraído de forma particular de cada educando e encontrando-se na reflexão das diferenças e diversidades, isto determinará o amadurecimento e a formação de cada um, através desta dinâmica será possível à ampliação do olhar para o mundo e a capacidade de analisar e viver no mesmo. Contar histórias é falar sobre superar, é sobre o meio que vive ou não, é sobre o que é igual ou diferente daquilo que você conhece, portanto é fundamental que o educador faça a mediação destes conhecimentos, na vida tudo se aprende inclusive o prazer de ler, ouvir e contar histórias. Quanto mais à criança pequena experimenta, mais rico será seu desenho, vivenciar diferentes tipos de situações e materiais contribui para o desenvolvimento cognitivo, corporal e emocional. Este desenvolvimento de modo geral se dá em diferentes fases e é necessária a maturação da criança pequena, fazendo com que seu desenho também passe por evoluções.
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REFERÊNCIAS ABÍLIO, Eleonora C; MATTOS, Margareth S. Leitura da literatura: as narrativas da tradição. MEC, Brasília, 2003. ABRAMOVICH, Funny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 2ªed., São Paulo, Scipione,1991. BUSATTO, Cléo. Contar e Encantar: Pequenos segredos da narrativa. Petrópolis, Editora Vozes, 2003. CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e Prática. São Paulo: Ática, 2006. MACHADO, Regina. Acordais: Fundamentos Teórico-poéticos da Arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004. TAHAN, Malba. A Arte de ler e contar histórias. 2° Edição. Rio de Janeiro, Conquista, 1961. VILLARD, Raquel. Ensinando a Gostar de Ler: Formando leitores para a vida inteira. Rio de Janeiro, Qualitymark, 1997.
CONTRIBUIÇÕES DAS ARTES VISUAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
Carla Carvalho Costa¹
RESUMO Este artigo tem como tema central a contribuição das Artes Visuais para a Educação Infantil e tem como objetivo ampliar a visão sobre a importância de se propiciar a essas crianças o contato com as Artes Visuais. A metodologia utilizada neste estudo é o da pesquisa bibliográfica, que possibilita a ampliação do conhecimento a respeito do assunto abordado, privilegiando como fontes de pesquisas o Referencial Curricular da Educação Infantil (BRASIL,1998) e teóricos como: Barbosa (2007-2008), Buoro (2003), Eisner (2008) e Ferraz e Fusari (2009) que discutem a arte no contexto educacional. A pesquisa evidencia que as artes visuais possibilitam o desenvolvimento da percepção, da sensibilidade e da expressividade. Os teóricos consultados apontam para o ensino das Artes Visuais como fato presente na vida das crianças dessa faixa etária, pois já nascem inseridas num mundo de imagens, sendo correto dar prosseguimento e ampliar seus conhecimentos a partir da Educação Infantil com atividades de caráter intencional e bem planejadas para esse fim. Palavras-chave: Artes Visuais; Educação Infantil; Crianç;. Conhecimento. ABSTRACT This article has as its central theme the contribution of Visual Arts to Early Childhood Education
and aims to broaden the view on the importance of providing these children with contact with Visual Arts. The methodology used in this study is that of bibliographic research, which enables the expansion of knowledge about the subject addressed, privileging as sources of research the Curriculum Reference of Early Childhood Education (BRASIL, 1998) and theorists such as: Barbosa (2007-2008), Buoro (2003), Eisner (2008) and Ferraz and Fusari (2009) who discuss art in the educational context. The research shows that the visual arts enable the development of perception, sensitivity and expressiveness. The consulted theorists point to the teaching of Visual Arts as a fact present in the lives of children of this age group, as they are already born inserted in a world of images, and it is correct to continue and expand their knowledge based on Early Childhood Education with activities of an intentional and well planned for that purpose. Keywords: Visual Arts; Child education; Child. Knowledge. INTRODUÇÃO A arte sempre esteve presente em todos os momentos da vida do homem. Começou com seus desenhos nas cavernas e foi se difundindo através dos tempos das mais variadas formas. Na atualidade, tem se tornado cada vez mais importante como meio de expressão e entendimento de
1 Graduação em Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista (2003); Professor de Educação Infantil e Ensino Fundamental I na Rede Municipal de Educação de São Paulo. INEQ - Educação integral
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mundo. A arte é uma área do conhecimento com conceitos, informações e com uma função social específica. É um fenômeno cultural, sendo de extrema importância para a educação de qualquer indivíduo, assegurando o acesso ao conhecimento artístico. Para Mendes e Cunha (2001, p.80): A arte aparece em todos os povos de todos os continentes em todas as épocas. A arte é a necessidade humana de se expressar de se comunicar com seu(s) deus(es), com seus semelhantes consigo mesmo, criar e mostrar seus mundos, mas seu desenvolvimento, como arte, depende da sociedade, do ambiente no qual o sujeito sonhante está imerso. Ligada à educação, assim como as demais disciplinas visa à formação e o pleno desenvolvimento do educando, levando-o a compreender e transformar sua realidade, agindo como verdadeiro cidadão, adquirindo uma função social primordial para auxiliar o indivíduo, por ser concebida como linguagem universal. Em contato com a arte, de maneira formal, o aluno tem a oportunidade de ampliar sua visão de mundo, adquirindo mais habilidades para interpretar a forma do outro se expressar. Este artigo discorre sobre a arte e sua ligação com a Educação Infantil, bem como descreve como o trabalho com as Artes Visuais pode contribuir para a formação da criança, pois as Artes Visuais estão presentes em quase todos os momentos vividos pelas crianças desde o seu nascimento. Fotos, gravuras, pinturas, imagens da TV, fazem parte do dia a dia de todos. Nada mais natural elas se interessarem em produzir artes mesmo antes de saber o seu significado. Tão presente na infância, o contato com as Artes Visuais não pode ser ignorado pela escola, devendo-se considerar suas contribuições para o
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desenvolvimento da criança nessa faixa etária auxiliando na formação de sujeitos que saibam interpretar e produzir obras de arte, expressando seus sentimentos de acordo com as interpretações que têm do mundo em que vivem. A contribuição significativa das Artes Visuais como linguagem permanente dentro das atividades pedagógicas na Educação Infantil irá depender, basicamente, da concepção que se tem sobre sua relação com a aprendizagem e o desenvolvimento da criança. 1. A Arte A Arte aparece como forma de expressão do ser humano, através da qual expressa suas emoções, suas histórias e suas culturas utilizando-se de valores estéticos como a beleza, a harmonia e o equilíbrio. Ela pode ser representada pela música, dança, cinema, fotografia, pintura, teatro, entre tantas outras maneiras. A Arte de forma geral está intimamente ligada à vida do homem desde os tempos mais antigos. Todas as civilizações tinham seus modos de se expressar e de se manifestar nos mais diversos momentos, quer fosse por motivos alegres ou tristes. Todos deixaram suas marcas, das mais diferentes formas. Sendo vista como expressão da sensibilidade, da fruição e da subjetividade humana, é bastante difícil defini-la. Para Barbosa (2008, p.18): [...] a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser um estranho ao seu meio ambiente nem estrangeiro a seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence reforçando e ampliando seus lugares no mundo. Por isso, a importância de se tratar a arte como algo imprescindível para o desenvolvimento do ser humano. Segundo Ana Mae Barbosa, “se a arte não fosse tão importante não existiria desde o tempo das cavernas, resistindo a todas as
tentativas de menosprezo” (Barbosa, 2007, p. 27), deixando claro o seu papel na trajetória cultural da humanidade. A arte tem papel relevante na sociedade e na educação, pois ela é meio de conhecimento, expressão, comunicação. Na atualidade tem se tornado cada vez mais importante como expressão artística exprimindo a realidade social, fazendo com que os cidadãos possam através de seus olhares, interpretar e compreender com mais facilidade o que acontece na sociedade. Para Barbosa (1998, p. 4): Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. Cada momento vivido na sociedade em geral pode ser representado através de várias linguagens dentro da área da Arte: Teatro, Música, Artes Visuais, Dança. Nesse artigo optou-se por discorrer sobre a questão da linguagem das Artes Visuais e suas contribuições para o Ensino Infantil. As Artes Visuais são linguagens que fazem parte do ensino da Arte que é componente obrigatório no currículo da Educação Infantil. De acordo com o RCNEI (Brasil, vol. 3, 1998, p. 85): As Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes de expressão e comunicação humanas, o que, por si só, justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente. Sendo um dos meios mais utilizados pelas crianças para expressar seus sentimentos e
criatividade, as Artes Visuais auxiliam na sua interação com o mundo. O ensino de Artes Visuais desde a Educação Infantil gera condições para construções artísticas significativas enquanto sujeito, atrelando esses saberes com outros conhecimentos do currículo escolar dando oportunidade de se tornarem sujeitos independentes com liberdade e autonomia cognitiva. 2. Artes visuais na Educação infantil Com a evolução da história da Educação Infantil e devido a transformações sociais a criança deixou de ser vista como um adulto em miniatura e a ser entendida como sujeito de sua história e descobriu-se que essa é uma etapa muito rica para a construção de aprendizagens específicas que auxiliarão os pequenos no decorrer de sua formação acadêmica e na sua interpretação do mundo a sua volta. O ensino da Arte passou a integrar o currículo da Educação Infantil desde a promulgação da LDB nº 9394 aprovada em 20 de dezembro de 1996 que em seu Artigo 26, parágrafo 2º institui que: “O ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, 2013). A Arte na Educação Infantil tem como principal característica oferecer experiências que contribuam para a formação integral da criança como futuro cidadão, dando oportunidade de se inserir no mundo, garantindo, de acordo com o RCNEI – volume II, “o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética” (Brasil, 1998, p. 13). Estar num mundo imerso de produções culturais, especialmente de características visuais leva a criança a estruturar e desenvolver seu senso estético diante das observações de tudo que a rodeia: imagens, objetos, construções, etc. Segundo Eisner (2008, p. 85): INEQ - Educação integral
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As artes envolvem aspectos estéticos que estão relacionados à educação da visão, ao saboreio das imagens, à leitura do mundo em termos de cores, formas e espaço; e propiciam ao sujeito construir a sua interpretação do mundo, pensar sobre as artes e por meio das artes. O contato com as mais variadas produções em Artes Visuais permite o despertar do seu senso crítico e o surgimento da necessidade de se apropriar cada vez mais do que está em sua volta, emitindo julgamentos e apreciações, quer seja de forma oral, escrita ou visual. O ensino da arte desabrocha a criatividade humana. As artes visuais se configuram pelo que é palpável sensível e imagético: pinturas, colagens, desenhos, modelagens, esculturas etc. Explorar as Artes Visuais na Educação Infantil é promover o conhecimento, formando um sujeito criativo e reflexivo com possibilidades de dialogar com o mundo, relacionar-se consigo mesmo e com os outros e valorizar e respeitar a diversidade cultural. Segundo o que diz Buoro (2003, p.83): A imaginação criadora antecede a razão e predomina em toda a ação infantil. Por esse motivo, percebemos a criança, desde pequena como um ser potencialmente criativo e imaginativo. Por meio do jogo simbólico, da fantasia, da imaginação criadora, ela compreende o mundo e a si mesma, acumulando, na memória, um repertório próprio de conhecimento e de formas visuais. É em contato com a arte que o homem adentra a sociedade moderna, avança durante o tempo e constrói sua história. A arte é a relação mais íntima do homem com o mundo. De acordo com Buoro (2003, p.20), “[...] a Arte é uma forma de o homem entender o contexto ao seu redor e relacionar-se com ele”. O contato com as Artes Visuais possibilita o desenvolvimento do pensamento, da expressão e da criatividade, aprimorando seu gosto artístico e estético, influenciando os aspectos afetivo, emocional e
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social. Desde seu nascimento a criança sofre influência do meio em que vive e o desenvolvimento da sua afetividade, da sua socialização e emoção está intimamente ligado a práticas sociais e culturais de sua família, de seu cotidiano e de todos que vivem ao seu redor. Assim, segundo Ferraz e Fusari (2009. p. 41-42): Cada objeto, cada elemento de seu cotidiano é uma nova experiência que o mundo lhe oferece e frente ao qual ela atua. Desde bem cedo a criança percebe que os seres e as coisas com os quais convive se apresentam com semelhanças ou diferenciações, com afetividade ou não, acolhendo-a ou rejeitando-a, dando lhe prazer ou desprazer. Com relação ao mundo sensível ela poderá distinguir, dentre outras, as nuances de cores, de materiais, de sons, de melodias, de gestos, de tempos e de espaços. Ela também é habituada aos modos de gostar dos adultos, [...]. Dessa forma, o pensamento da criança vai evoluindo e sua percepção, sua ação perante tudo que a circunda vai se transformando, surgindo assim seus primeiros traçados influenciados pelas cores e formas com as quais têm contato, que com o passar do tempo e com a influência cada vez maior do mundo que a rodeia vão se transformando. Assim, tem-se que na Educação Infantil o trabalho dentro dessa área do conhecimento é bastante propício para despertar na criança desde a primeira infância o interesse por exprimir através das mais diversas formas a sua criatividade, suas alegrias, seus anseios, pois está diretamente ligada ao desenvolvimento e aprendizagens das crianças e a sua cultura. Iavelberg (2003, p.43) confirma que: A Arte promove o desenvolvimento de competências, habilidades e conhecimentos necessários a diversas áreas de estudo, entretanto, não é isso que justi-
fica a sua inserção no currículo escolar, mas seu valor intrínseco como construção humana, como patrimônio comum a ser apropriado por todos. Refletir sobre o trabalho com Arte dentro dessa faixa etária é pensar diretamente em como isso deve ser realizado visando o desenvolvimento da criança e não apenas utilizar o termo para designar momentos de lazer e sem objetivos previstos, desvinculando a arte de tudo que a rodeia dentro da instituição de ensino, realizando algo que não contribui para a construção do conhecimento infantil 3. Contribuições das Artes visuais para a Educação infantil Explorar as Artes Visuais na Educação Infantil é promover o conhecimento, formando um sujeito criativo e reflexivo com possibilidades de dialogar com o mundo, relacionar-se consigo mesmo e com os outros e valorizar e respeitar a diversidade cultural. Segundo o que diz Buoro (2003, p.83):
tos do seu meio com que ela se identifica, e a organização desses aspectos em um novo e significativo todo. A arte é importante para a criança. É importante para seus processos de pensamento, para seu desenvolvimento perceptual e emocional, para sua crescente conscientização social e para seu desenvolvimento criador. A Arte é um elemento básico e essencial na educação das crianças pequenas, pois abrange a cognição, a maneira diferenciada de interpretar o mundo, a realidade, o imaginário. Logo, é na escola, a partir da Educação Infantil, que as crianças irão adquirir conhecimentos para se tornarem pessoas críticas, e o professor de Arte deve promover esse trabalho dando subsídios para serem capazes de se apropriar dos benefícios que o conhecimento em Arte oferece, pois segundo Barbosa (2007, p.33): Sem conhecimento de arte e história não é possível a consciência de identidade nacional. A escola seria o lugar em que se poderia exercer o princípio democrático de acesso à informação e formação estética de todas as classes sociais, propiciando-se na multiculturalidade brasileira uma aproximação de códigos culturais [...].
A imaginação criadora antecede a razão e predomina em toda a ação infantil. Por esse motivo, percebemos a criança, desde pequena como um ser potencialmente criativo e imaginativo. Por meio do jogo simbólico, da fantasia, da imaginação criadora, ela compreende o mundo e a si mesma, acumulando, na memória, um repertório próprio de conhecimento e de formas visuais. As Artes Visuais podem ser transformadoras, quando se busca e consegue desenvolver uma sensibilização da criança por meio dos aspectos próprios desta área do conhecimento e de acordo com a sua faixa etária. E para que contribua efetivamente para o desenvolvimento da criança é preciso que o educador perceba que, como cita Duarte Júnior (2008, p.112):
Diante dos pressupostos, tem-se que as Artes Visuais podem de fato contribuir para o desenvolvimento da criança na educação infantil, influenciando na aquisição de conhecimentos e aprendizagens levando a criança a se inter-relacionar com o meio em que vive, aguçando seu olhar, identificando e agindo sobre o que está a sua volta. Assim, as Artes Visuais na Educação Infantil deveriam ter seu espaço garantido, uma vez que através dessa linguagem as crianças:
[...] a arte é mais do que um passatempo; é uma comunicação significativa consigo mesma, é a seleção daqueles aspec-
[...] expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos, pensamentos e realidade por meio da orgaINEQ - Educação integral
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nização de linhas, formas, pontos, tanto bidimensional como tridimensional, além de volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura, na gravura, na arquitetura, nos brinquedos, bordados, entalhes etc. O movimento, o equilíbrio, o ritmo, a harmonia, o contraste, a continuidade, a proximidade e a semelhança são atributos de criação artística. A integração entre aspectos sensíveis, afetivos, intuitivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de integração e comunicação social, conferem caráter significativo às artes visuais. (Brasil, 1998, p. 85)
lisar, avaliar, fazer julgamentos e a ter um pensamento mais flexível, levando-a se apropriar das habilidades específicas da área artística, ampliar seu senso estético e a capacidade de expressar melhor suas ideias e sentimentos. Ferreira (2001, p. 67) diz:
As produções artísticas das crianças revelam suas ideias, suas oportunidades e qual é seu contato com as artes em geral, bem como demonstram quais são suas reflexões e impressões a respeito do fazer artístico. Tais construções são elaboradas a partir de suas experiências ao longo da vida, que envolvem a relação com a produção de arte, com o mundo dos objetos e com seu próprio fazer.
Na Educação Infantil, as atividades artísticas contribuirão com ricas oportunidades para desenvolvimento da criança, uma vez que põem ao seu alcance os mais diversos tipos de materiais para manipulação, estimulando suas habilidades e auxiliando no processo de ensino-aprendizagem, através da imaginação e percepção.Para se trabalhar com Artes Visuais na Educação Infantil é necessário atentar para a faixa etária e ao nível de desenvolvimento das crianças, sendo que a aprendizagem se dá por um processo de construção, no qual estão envolvidos vários fatores como experiências, certas escolhas e uma motivação interna e externa para que a criança consiga realizar esta construção.
As crianças exploram, sentem, agem, refletem e elaboram sentidos de suas experiências. A partir daí constroem significações como se faz o que é, para que serve e sobre outros conhecimentos a respeito da arte. (Brasil, 1998, p.89) Assim, pode-se entender que as artes visuais possuem características próprias, na qual a aprendizagem se dá por meio da articulação dos seguintes pontos: fazer artístico, apreciação e a reflexão contextualizada. O fazer artístico é a criação pessoal, que se alimenta da compreensão e leitura artística. A apreciação é o olhar sensível para com a obra de arte, a sensibilização. Reflexão contextualizada é o ato de pensar sobre as produções artísticas e suas próprias produções e a de seus colegas. Realizar atividades artísticas proporciona à criança desenvolver a autoestima, sentimentos de empatia, capacidade de simbolizar, ana-
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[...] a maior de todas as contribuições das artes na educação infantil é básica para a formação dos alunos seja que, fazendo ou apreciando artes, os alunos passam por uma experiência estética e aprendem que, com ela, o mundo pode se tornar mais agradável e mais completo.
O conteúdo a ser trabalhado na Educação Infantil deve ser acessível e significativo, proposto de forma que a criança expresse seus pensamentos livremente, tendo a autonomia necessária para criar. As atividades precisam estar contextualizadas e de acordo com cada faixa etária. É importante não esquecer que: O percurso individual da criança pode ser significativamente enriquecido pela ação educativa intencional; porém, a criação artística é um ato exclusivo da criança. É no fazer artístico e no contato com os objetos de arte que parte significativa do
conhecimento em Artes Visuais acontece. No decorrer desse processo, o prazer e o domínio do gesto e da visualidade evoluem para o prazer e o domínio do próprio fazer artístico, da simbolização e da leitura de imagens. (Brasil, 1998, p.91) Toda criança gosta de atividades artísticas e através delas revela seu diálogo com o mundo. Esses momentos levam a desafios que propiciam o seu desenvolvimento em direção a novas descobertas: ela cria, experimenta, relaciona e elabora hipóteses de acordo com as relações que estabelece com o mundo, com as diferentes culturas e com as pessoas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do tema estudado tem-se que as Artes Visuais na Educação Infantil se configuram como formas de comunicação e expressão e são também, formas de linguagens através das quais as crianças mostram seu jeito de ser e interpretar o mundo, integrando os aspectos sensíveis, afetivos e intuitivos, que além de promover a interação, capacita a criança para observar e analisar o que está a sua volta de forma crítica e transformadora. Assim, na Educação Infantil o trabalho dentro dessa área do conhecimento é bastante propício para despertar na criança desde a primeira infância o interesse por exprimir através das mais diversas formas a sua criatividade, suas alegrias, seus anseios, pois está diretamente ligada ao desenvolvimento e aprendizagens das crianças e a sua cultura.Os teóricos consultados apontam para o ensino das Artes Visuais como fato presente na vida das crianças dessa faixa etária, pois já nascem inseridas num mundo de imagens, sendo correto dar prosseguimento e ampliar seus conhecimentos a partir da Educação Infantil.Espera-se que a presente artigo promova um repensar sobre o trabalho que é desenvolvido na Educação Infantil e possa contribuir para uma reflexão sobre os planejamentos relacionados a Artes Visuais incorporando o que realmente é proposto pelo Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil. REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. T. B. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2007. ______. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2008. ______. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. Ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2013. ______. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental, Vol. 3. Brasília: MEC/SEF, 1998. BUORO, A. B. O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2003. DUARTE JÚNIOR, J. F. Fundamentos estéticos da educação. 10ª Ed. São Paulo: Papirus Editora, 2008. EISNER, E. W. O que pode a educação aprender das artes sobre a prática da educação? Currículo sem Fronteiras, v. 8, n. 2, p. 2-17, Jul./Dez 2008. Disponível em: www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/eisner.pdf. Acesso em 10/09/2020. FERRAZ, M. H. C. de T; FUSARI, M. F. de R. Metodologia do Ensino de Arte. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2009. FERREIRA, S. O. Ensino das Artes: Construindo Caminhos. São Paulo: Papirus, 2001. IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte; sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003. MENDES, A; CUNHA, G. Um universo sonoro nos envolve. In: FERREIRA, S. O ensino das artes: construindo caminhos. Campinas. São Paulo: Papirus, 2001.
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O LÚDICO E A TECNOLOGIA COMO FERRAMENTAS VIABILIZADORAS NO ENSINO
Dayane Aparecida Araújo da Conceição
RESUMO As demandas nos últimos anos vêm se transformando e com isso os professores têm se deparado com a necessidade de diversos ajustes em suas práticas cotidianas. O uso da ludicidade e das ferramentas digitais no ensino já é uma tendência na educação há muitas décadas e podem contribuir significativamente para a oferta de um ensino que promova a autonomia do educando e o letramento digital em diversas áreas. O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma série de possibilidades para o uso de tais recursos em sala de aula, ensino remoto ou até mesmo no ensino híbrido – que combina as duas modalidades citadas anteriormente. Palavras-chave: Educação; Ensino; Tecnologia; Ludicidade. ABSTRACT The demands in recent years have been changing and with this, teachers have been faced with the need for various adjustments in their daily practices. The use of playfulness and digital tools in teaching has been a trend in education for many decades and can contribute significantly to the provision of education that promotes the autonomy of the learner and digital literacy in several areas. The present work aims to present a series
of possibilities for the use of such resources in the classroom, remote education or even in hybrid education - which combines the two types mentioned above. Keywords: Education; Teaching; Technology; Playfulness. A maneira com que lidamos com as informações na atualidade tem sido bem diferente devido as constantes mudanças nos últimos anos e têm nos desafiado a criar novas estratégias que atendam as novas demandas. Na educação, o professor precisou atualizar a sua maneira de ensinar e incluir novos recursos e ferramentas para promover um ensino significativo para estes alunos nativos digitais:¹ o aluno do século XXI tem em suas mãos o acesso a qualquer tipo de informação, mas nem sempre possui critérios necessários para a seleção e uso desses dados. Cabe à escola preparar esse educando para agir de maneira autônoma e responsável perante o excesso de informações. Segundo Lesann (2009, p. 23): Uma escola que objetiva preparar o cidadão do século XXI precisa abandonar a perspectiva da transmissão de conteúdos das disciplinas escolares para focalizar-se
1 O termo foi criado pelo norte-americano Marc Prensky,. Um nativo digital é aquele que nasceu e cresceu com as tecnologias digitais presentes em sua vivência.
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na formação de um aluno autônomo, ciente e atuante no mundo em que vive. Isso passa por uma mudança de postura do profissional do ensino: de professor transmissor de um mente aberta para o estudo de um mundo em mutações permanentes. Porém muitos educadores não se sentem seguros e preparados o suficiente para utilizar as tecnologias como aliadas da educação e, geralmente, cria-se uma resistência ao uso destes novos meios. Nesse ponto percebemos a grande importância da formação continuada na carreira docente uma vez que existe uma deficiência enorme e urgência na oferta deste tipo de capacitação na rede pública e privada de ensino. As formações são fundamentais para o aprimoramento e domínio das ferramentas e conhecimentos digitais buscando incluí-las na prática cotidiana do professor para que este possa abordar os conteúdos curriculares de uma maneira mais atrativa para o educando. Além das formações, muitos professores relatam se deparar com diversos desafios quando se trata de aplicar as tecnologias em sala de aula e o principal deles é a falta de recurso material – equipamentos - disponível nas escolas para todos os alunos, assim como salienta Lesann: O computador apareceu como remédio paliativo, a panaceia, para resolver os problemas do ensino. Todavia, trata-se de um mero instrumento, instrumento importante, por certo, porém com limitações práticas e técnicas. São conhecidos
os casos de computadores que se encontram estragados, amontoados numa sala, por falta de técnicos para instalá-los e de professores treinados para usá-los. A substituição do retroprojetor pelo data-show não melhorou a qualidade do ensino, apenas, trouxe mais agilidade e praticidade para o professor! É preciso mudar as atitudes. O papel do professor, dono do conhecimento acadêmico “definitivo” e “certo”, e a apatia do aluno são partes das causas dos fracos resultados obtidos na escola. Assimilar conteúdos nem sempre é uma tarefa fácil, portanto é papel do professor buscar novas formas de mediar o conhecimento do aluno, despertando seu interesse, assim como destaca Tiba (1998,p.55): Não se deve forçar um aluno a estudar “na marra”. Precisamos despertar sua curiosidade, criar nele o prazer do gourmet, que está sempre aberto às novidades que possam enriquecer seu cardápio. O professor tem ao seu alcance uma enorme gama de possibilidades com as quais poderá trabalhar as diferentes habilidades e competências contempladas na BNCC e nos currículos locais de maneira mais lúdica e dinâmica instigando o seu aluno em todo o processo de construção do conhecimento. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC²) é Um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo
2 Sigla que significa a Base Nacional Comum Curricular elaborado pelos órgãos governamentais e proposto no ano de 2018 para que as escolas possam utilizar um parâmetro único de habilidades e competências a serem desenvolvidas nos alunos em cada fase de ensino por cada disciplina. INEQ - Educação integral
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das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Este mesmo documento contempla uma série de competências e entre todas elas destacamos: Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informa-
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ções, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Utilizando tais competências como norteadoras das ações pedagógicas, percebemos a vasta gama de possibilidades que temos para atender as diversas aptidões dos nossos alunos utilizando o ambiente escolar atrelado às tecnologias e a ludicidade para viabilizar essas aprendizagens. Ainda sobre o uso das mídias em sala de aula: [...] a própria função da escrita mediados em diferentes e múltiplos contextos midiáticos possibilitam às crianças condições cada vez mais inovadoras e atuais de aprendizagens, respeitando-as como sujeitos sociais e de direitos, capazes de pensar e agir de modo criativo, participativo e crítico. As linguagens midiáticas são recursos que possibilitam a todos os envolvidos na ação pedagógica a exploração de outros modos de ler por meio de imagens, ícones, textos e hipertextos, vídeos, animações... Os recursos e ferramentas apresentados por softwares, programas e os próprios equipamentos levas a descobertas das estruturas funcionais para além do simples manuseio oferecendo novas formas de interação e de comunicação entre adultos e crianças. (SME/ DOT, 2008)
Algumas sugestões de ações utilizando o elemento lúdico e a tecnologia: - Sarau literário: promove um espaço de expressão artística no qual o aluno pode mobilizar diferentes linguagens a fim de se expressar artisticamente. O sarau pode envolver leitura (seleção de uma ou mais obras e leitura de trechos ou obra na íntegra para a apreciação da plateia), escrita (produção de textos autorais de diversos gêneros, tais como: microcontos, haicais, poesias, entre outras para leitura ao público), oralidade (declamação de poesias, jograis etc), dança (coreografias, movimento, musicalização de músicas ou adaptação de alguma obra), teatro (encenação de parte ou obra na íntegra de textos teatrais e/ou adaptações), musicalidade (habilidade de tocar algum instrumento – sopro, cordas, teclas, percussão para apresentação ao público de maneira solo ou complementando outras apresentações. Muitos alunos já possuem uma iniciação musical oriunda da família ou até mesmo de espaços sociais frequentados por ele, como ONG’s, centros de recreação, polos culturais ou instituições religiosas). Em todas estas possibilidades de expressões artísticas os alunos são protagonistas e são estimulados a mobilizar uma série de conhecimentos que extrapolam os conteúdos apresentados em livros didáticos. - Teatro: a linguagem teatral é riquíssima e podemos pensar em diversas práticas a envolvendo. Em exemplo é elaborar um roteiro de um curta metragem na ferramenta word utilizando um notebook, incluindo a descrição de ambientes, falas e ações das personagens, construção de cenários onde se passarão as cenas, elaboração de figurinos que serão usados pelos personagens da história, uso das expressões faciais e corporais para transmitir a mensagem que se quer pela história ensaios das cenas combinadas pelos alunos, a filma-
gem do vídeo utilizando um smartphone ou câmera específica faz com que o aluno mobilize diversos conhecimentos para que o resultado saia como o esperado pelo grupo. - Google Maps: para observar o mapa de qualquer localidade, obter rotas de trajetos desejados (a ser traçado de carro, bicicleta, transporte público ou até mesmo a pé e o tempo e quilometragem de cada caminho escolhido), localizar rodovias, situações do trânsito na região e detalhes sobre o relevo da região (tanto do modo “Earth” – que reproduz a imagem registrada por satélite ou modo “Mapa”). Esta ferramenta ainda possibilita o usuário registrar em sua conta seus lugares favoritos, por exemplo, agilizando pesquisas futuras; Dentro do Google Maps existe o recurso Street View que possibilita o usuário visualizar imagens de ruas e fotos como se você estivesse passeando realmente pelo lugar, sem contar que você pode movimentar a imagem para diversos ângulos. Já imaginou passear por Roma ou qualquer outra cidade do mundo sem sair de casa ou precisar tirar passaporte? - Google Earth: ferramenta gratuita onde podemos obter informações geográficas do mundo inteiro (com diversos recursos, como por exemplo, imagens em 3D e guia turísticos dos locais pesquisados) em modelo tridimensional do globo terrestre produzidas por satélite, tudo isso com apenas alguns cliques; - Google Ocean: se quiser dar um mergulho pelos oceanos, mares e rios, você pode utilizá-lo para te ajudar a fazer isso sem sair do seu sofá; - Google Sky: ou ainda se preferir passear pelo espaço e conhecer meteoros, satélites e planetas é só utilizar esta ferramenta que em poucos segundos o seu sonho de ser um astronauta pode tornar realidade (ainda que virtualmente); INEQ - Educação integral
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Ainda sobre o ferramenta do Google Maps, Lessan (2009, p. 149) discute as possibilidades de mudança de escala gráfica, a qual o usuário pode utilizar o zoom trazendo “a sensação de se estar em uma nave que se distancia ou se aproxima da Terra” mas faz algumas observações: Infelizmente, não existem imagens, nem mapas, para todos os lugares. Ao testar esse recurso, observou-se que nem todos os lugares procurados tinham imagens que representassem dimensões inferiores a 1 km. Nos municípios das regiões metropolitanas e nas capitais, é possível chegar à dimensão da rua. - Visita a museus on-line utilizando a ferramenta Street View do Google: o educador tem a sua disposição uma gama imensa de possibilidades quando utiliza as ferramentas digitais. Nem sempre podemos oferecer todas as vivências desejadas aos nossos educandos por diferentes motivos: dificuldade física de acesso aos museus e espaços culturais por conta das longas distâncias, falta de condições financeiras entre outros fatores. Mas por meio de uma ferramenta on-line, a Google, disponibilizou aos seus usuários a tecnologia Street View e um veículo elaborado para o registro dos lugares com imagens em alta resolução, que possibilita uma experiência de visitação virtual em 360º à diversos museus e outros locais culturais espalhados pelo mundo por qualquer usuário que tenha acesso a Internet. Abaixo, temos uma proposta de visitação que utilizei este ano durante a quarentena para viabilizar uma aula diferente aos alunos que estão participando das aulas remotamente. Uma lista de algumas bibliotecas espalhadas pelo mundo e seus respectivos links de acesso que
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possibilita a visitação virtual gratuita e sem a necessidade de qualquer cadastro: - Biblioteca Joanina: Situada em Coimbra, Portugal é considerada uma das mais originais e espetaculares bibliotecas europeias. Dizem que o lugar inspirou o cenário da biblioteca da Bela no filme A Bela e a Fera. Para visitar vitualmente, acesse aqui: http://coimbra.360portugal.com/Concelho/Coimbra/Universidade/ BibliotecaJoanina/ - Biblioteca Ambrosiana: É uma biblioteca histórica localizada em Milão, na Itália fundada em 1618. Foi uma das primeiras bibliotecas a serem abertas para o público. Para visitar vitualmente, acesse aqui: https://artsandculture. google.com/streetview/veneranda-biblioteca-ambrosiana-interior/gwEYZ0_I0r-w6w?sv_ lat=45.46334160745457&sv_lng=9.18528518108654&sv_pid=ahC-8bZJ1AcAAAQrBnp2TQ&sv_h=357.95&sv_p=0&sv_ z=1.0885366746016574 - Biblioteca Nacional Austríaca: Localizada em Viena é considerada umas das bibliotecas históricas mais belas do mundo. Chama bastante atenção pelas suas estátuas de mármore, pinturas e uma estante de mais de 70 metros na sala imperial com 200.00 livros! Para visitar vitualmente, acesse aqui: https://artsandculture.google.com/ streetview/austrian-national-library/HwEr7vYKpl0D7g?sv_lat=48.2060667162957&sv_ lng=16.36679020647244&sv_pid=JbsPierOGEVI-f81--455g&sv_h=323&sv_p=0&sv_z=1 - Biblioteca de Mafra: O Palácio Nacional de Mafra, em Lisboa, Portugal, é uma das mais importantes bibliotecas portuguesas e possui um acervo muito valioso, cerca de 30.000 obras literárias. Para visitar vitualmente, acesse aqui: https://artsandculture.google.com/ streetview/pal%C3%A1cio-nacional-de-mafra-
-biblioteca-manuel-caetano-de-sousa/ywG-u__ OVaMjtw?sv_lat=38.93690414669334&sv_ lng=-9.32497347415449&sv_pid=Zov-CNA2R-xLN-_pthNvSA&sv_h=185.4&sv_ p=-13.299999999999997&sv_ z=1.0000000000000002 No Google Arts & Culture³ o usuário consegue simular de maneira virtual a visitação e observação de milhares de obras de artistas renomados do campo das artes visuais e plásticas, andando pelos corredores dos museus mais famosos do mundo com apenas alguns cliques. Alguns desses lugares foram elencados pelo jornal O Globo digital de 2011: o Museu Kampa em Praga, o MoMA em Nova York, a Galeria Nacional em Londres, o Museu Van Gogh em Amsterdã entre outros. - Gamificação: os games por seu caráter intuitivo e lúdico tem o poder de encantar e despertar de imediato o interesse e a atenção de muitos alunos e também servem, por exemplo, para incentivar a aquisição da linguagem na fase da alfabetização (nos quais os educandos são desafiados a clicar em letras, arrastar objetos formando pequenas palavras, selecionar figuras para formar sentenças entre outras ações, comparar formas geométricas, construir objetos utilizando tais formas entre outras possibilidades) ou até mesmo para o aprimoramento de uma segunda língua (por meio dos jogos no estilo RPG que o aluno deve fazer a leitura compreendendo os diálogos apresentados para dar continuidade ao jogo de maneira satisfatória). Nesta ferramenta, as características presentes no games são trazidas para a educação: motivação, competição, objetivos
claros, tempo determinado para a execução de tarefas ou desafios, pontuação em cada tarefa cumprida (feedback instantâneo), ranking dos resultados alcançados, premiação ao fim do desafio são alguns dos elementos presentes das aulas envolvendo a gamificação, que por sua vez, engaja os alunos a participarem de forma interativa e divertida no processo de ensino aprendizagem. - Produção de animações: atualmente temos diversos formatos de animações e que conquistaram o público jovem, entre eles temos os gifs, desenvolver um roteiro de própria autoria e, em seguida utilizar uma ferramenta digital para a produção da animação utilizando o smartphone ou computador. Sugestões de aplicativos e programas de edição: utilizando um computador ou tablet, os alunos conseguem produzir pequenas animações de maneira simples e divertida, utilizando acima de tudo muita criatividade e colocando em prática conceitos adquiridos em outras disciplinas, podendo haver dessa forma um trabalho transdisciplinar4. Os mais utilizados atualmente, segundo o site TecMundo5 são: 3D Canvas, 3D Flash Animator, Blender (de animação 3D) e Pencil e o Adobe Flash CS4 (de animações 2D). Também temos aplicativos de animação de GIFs como o CreateAGif (permite a criação de maneira rápida de até mesmo Nice Slideshow), Pivot (animações estilo boneco palito), Video Scribe (animação no estilo “Draw my life” utilizando desenhos do banco de dados e também permite que se incluam áudios nas criações), Styks, PowToon (vídeos com duração máxima de 5
3 - Disponível em: https://artsandculture.google.com/ 4 - Que envolve mais de uma disciplina. A transdisciplinaridade possibilita um diálogo entre diferentes campos do saber em busca da construção do conhecimento e a formação integral do indivíduo. 5 -Disponível em https://www.tecmundo.com.br/imagem/2353-quer-criar-animacoes-confira-aqui-as-melhores-opcoes-de-programas.htm INEQ - Educação integral
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minutos de maneira simples utilizando os templates disponíveis), Showbox (animações interativas), Wideo (o aluno consegue produzir vídeos animados utilizando objetos da própria plataforma), GifUp (produção de gifs6 animados), Muvisu (criação de personagens em 3D e animações de maneira simples e permite a utilização de áudios), Make a Gif (criação com a possibilidade de geração de links), GoAnimate (várias opções de imagens em sua biblioteca e pode criar de maneira colaborativa), Adobe After Effects (um dos mais completos/complexos e exige um pouco mais de experiência do usuário com relação a edição de vídeos e imagens). - Registro utilizando a câmera fotográfica do smartphone ou fotografias antigas: as possibilidades são muitas quando tratamos da fotografia. Podemos montar fotonovelas, desafiando os alunos a montarem roteiros próprios e depois produzirem as imagens utilizando o dispositivo móvel; autorretratos nos quais os alunos irão utilizar a arte para representar a si mesmos; reportagem sobre o meio em que vivem utilizando fotos do bairro em que vivem e suas particulares, tais como: lixo, saneamento básico, moradia, transformações pelas quais o local sofreu transformações comparando fotos antigas com as mais atuais etc.; montagem de jornal mural no qual os alunos registram os eventos da escola e produzem notícias para a apreciação de toda a comunidade escolar entre outras possibilidades. - Uso de ferramentas de desenho e editores de imagem no computador, tablets ou smartphones: usados para experimentações e possibilidades de preenchimentos de desenhos ou espaços com cores, texturas, recortes, colagens
entre outras e com a vantagem de ser editável: pode-se voltar, refazer, colar novamente, apagar, escrever e, tudo isso com alguns cliques ou toques na tela; - Uso de projetores em sala para a apresentação de conteúdos dinâmicos para complementar os assuntos tratados em apostilas e livros: vídeos mostrando os locais citados em um texto, documentários aprofundando o conhecimento sobre o dado fato histórico, imagens de personalidades retratadas em uma citação do livro didático entre outras; - Redes sociais: utilizar (desde que com a autorização dos responsáveis) as redes sociais como promotora das ações desenvolvidas em sala de aula com os alunos a fim de trazer visibilidades ao que está sendo realizado, valorizando as ações e seus resultados ou até mesmo propor atividades utilizando tais ferramentas como Facebook, Instagran com elaboração de perfis de personagens da literatura e busca de imagens contextualizadas na época em questão, Twitter para elaboração de haicais, blog com postagens de comentários e produções dos alunos são algumas das inúmeras opções de utilização das mídias em prol da educação; - Músicas: a música pode servir de objeto de ampla discussão e estudo a fim de uma ampliação de repertório cultural e consciência de visões diferentes de uma mesma realidade. Podem ser escritas, gravadas por eles com o intuito de refletirem sobre um tema específico, elaborando paródias ressignificando conteúdos, pode-se ainda usar uma música trazida para a sala a fim de analisá-la em diferentes aspectos: a linguagem utilizada, expressão ar-
6 - Termo utilizado para dar nome a uma imagem animada que se reproduz em looping (de maneira repetitiva e infinita)
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tística do sujeito, sua relação com o mundo, contexto de produção, instrumentos utilizados entre outros. - Cinema: a arte cinematográfica utiliza diversas linguagens e elementos (recursos áudio visuais) para abordar temas e suprir as necessidades do público. Cabe ao educador avaliar este material de maneira que venha alcançar os objetivos planejados para a aula. O uso de um filme ou um documentário em sala de aula deve atender algumas exigências como destaca Filizola (2009, p. 30): O filme deve estar plenamente de acordo com a faixa etária da turma a que se destina. Caso contrário, se a temática for recomendada para um público mais amadurecido, as dificuldades para seu entendimento irão gerar desmotivação e desinteresse, podendo resultar em indisciplina por parte dos parte dos alunos. O inverso também é válido: filmes com temática muito infantil para turmas mais amadurecidas também são pouco producentes. - QUIZ: neste tipo de atividade os alunos são desafiados a desvendar uma série de perguntas sobre um assunto trabalhado em sala de aula. Pode ter diversos formatos e utilizar várias ferramentas digitais. A seguir apresento uma sugestão de projeto de incentivo a leitura utilizando ferramentas digitais e em formato de QUIZ aplicados nas turmas no ciclo interdisciplinar na minha atuação na sala de leitura na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. PROJETO: A INVENÇÃO DE HUGO CABRET – O MUNDO DO CINEMA NA SALA DE AULA
prazo proposto e assistimos ao longa metragem. Discutimos a temática sobre o valor da família, da amizade e sobre o trabalho infantil e os alunos trouxeram suas impressões. Paralelamente fizemos inúmeras observações sobre as diferenças e semelhanças da obra literária e cinematográfica e analisamos algumas particularidades do cinema presente do livro – zoom, perspectiva. Semanas depois, marcamos a data do QUIZ, separamos as equipes. Foi elaborado um banco de questões produzido no Power Point com base nas leituras realizadas durante as aulas e que foi apresentado aos alunos por meio de retroprojetor no dia do evento (realizado com todos os alunos no pátio da escola). As equipes também foram desafiadas a resolverem jogos temáticos (palavras cruzadas e caça-palavras) valendo pontuação para a equipe. A equipe vencedora ganhou livros como premiação e as salas participantes mimos preparados pela gestão e professora. Percebemos claramente que as crianças do século XXI possuem muita facilidade para manusear equipamentos. Ao se sentirem desafiados, os alunos recrutam diferentes saberes a fim de produzir aquilo que lhe foi proposto de maneira ativa e criativa.
Relato de prática: Realizamos leituras diárias do livro (previamente scaneado e projetado para o acesso a todos os alunos) dentro do INEQ - Educação integral
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LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed.34, 1999. MÖDINGER, Carlos Roberto et al. Artes visuais, dança, música e teatro: práticas pedagógicas e colaborações. Erechim: Edelbra, 2012. SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Mídias no universo infantil: um diálogo possível. São Paulo: SME/DOT, 2008. SELZNICK, BRIAN. A invenção de Hugo Cabret. Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Edições SM, 2007. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela Doin de. Novos rumos da cartografia escolar: currículo, linguagem e tecnologia. São Paulo: Contexto, 2011. BRASIL. Base nacional comum curricular (BNCC). Disponível em: http://basenacional comum.mec.gov.br/ ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9394.htm/ COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2003. FILIZOLA, R; KOZEL, S. Teoria e prática do ensino de geografia: memórias da Terra. Vol. Único. São Paulo: FTD, 2009. GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GOMES, Paulo Cesar da Costa et all. Explorações geográficas: percursos no fim do século. 3ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. LESANN, Janine. Geografia no ensino fundamental I. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.
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TIBA, Içami. Ensinando aprendendo: como superar os desafios do relacionamento professor-aluno em tempos de globalização. São Paulo: Editora Gente, 1998. Longa metragem citados no artigo: A invenção de Hugo Cabret. Paramount Pictures e Gk Films. Direção: Martin Scorsese, 2011, 126 min. Sites: O Globo. Google cria ferramenta para visitação virtual de museus em 360 graus. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/google-cria-ferra-menta-para-visitacao-virtual-de-museus-em-360-graus-2902679#i xzz5R2Acq W l3 TecMundo. Melhores opções de programas de animação. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/imagem/2353-quer-criar-animacoes-confira-aqui-as-melhores-opcoes-de-programas.htm. Acesso em 20 de outubro de 2020 às 15h.
ASCENSÃO SOCIAL DE MARTIM CODAX PELA ARTE TROVADORESCA
Evandro Fantoni Rodrigues Alves¹
RESUMO O Trovadorismo foi um movimento artístico de grande importância e relevância no período medieval europeu, tendo sido observado enquanto fenômeno cultural por todo o continente durante esse período histórico. Em Portugal, o Trovadorismo chegou a partir de Provença, e na nação ibérica encontrou terreno fértil, tendo sido praticado nos diferentes níveis sociais. Por se tratar essencialmente de um movimento artístico, que atingia todas as classes sociais, o Trovadorismo pode ter representado na nação ibérica uma possibilidade de ascensão social, tendo em vista que poetas de classes sociais menos favorecidas poderiam chegar a elevadas posições nas cortes portuguesas. Tendo isso em mente, vamos observar nesse trabalho o trovador Martim Codax, cujos parcos dados biográficos, nos informam ser ele de um estrato social pouco elevado, mas que conseguiu ascender socialmente devido às suas habilidades artísticas na composição de cantigas de amigo, chegando ao ponto de ter suas obras eternizadas em, pelo menos, três fontes diferentes, inclusive com notações musicais em duas delas. Palavras-chave: Literatura portuguesa, Trovadorismo, Cantigas de amigo, Martim Codax.
ABSTRACT Troubadour was an artistic movement of great importance in the medieval period, having been observed as a cultural phenomenon throughout the continent during this historical period. In Portugal, Troubadour arrived by Provence and in the Iberian nation found fertile ground, having been practiced at different social levels. As it is essentially an artistic movement, troubadour may have represented in the Iberian nation a possibility of social ascension, considering that poets from less favored social classes may reach elevated positions in Portuguese courts. With this in mind, we will observe in this work the troubadour Martim Codax, which sparse biographical data inform us that he is of a low social background, but that he managed to rise socially due to his artistic skills in composing friend songs, reaching the point of having his works eternalized in at least three different sources, including musical notations in two of them. Keywords: Portuguese literature, Troubadour, Friend songs, Martim Codax 1. Trovadorismo O Trovadorismo é uma escola literária que teve lugar na Europa Medieval, tendo o período entre
1 - Doutorando em Literatura e Crítica Literária pela PUC/SP. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC/SP. Autor dos livros Siamo Qui! Os italianos de Alcântara Machado, e De Homero e Ruth Rocha. Um estudo do processo de adaptação das personagens da Odisseia para jovens leitores. Professor de História na Rede Pública Municipal de São Paulo. E-mail: evandro.fantoni.ra@gmail.com INEQ - Educação integral
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os séculos X e XIII como o de seu maior desenvolvimento, alcançando todo o continente em diferentes níveis, adotando características locais, bem como os idiomas das diferentes nações em que se manifestava. O dicionário Grove, em seu verbete “Troubadours, trouvères” nos traz algumas informações acerca do trovadorismo, e em especial dos artistas que protagonizaram o movimento, os trovadores. The troubadours were the earliest and most significant exponents of the arts of music and poetry in medieval Western vernacular culture. Their influence spread throughout the Middle Ages and beyond into French, German, Italian, Spanish, English, and other European languages. (SADIE, 2001, T, p.3190) A respeito da origem do movimento trovadoresco não existem informações precisas que indiquem qual teria sido o primeiro trovador ou quem teria escrito a primeira cantiga, mas Massaud Moisés, em sua obra A literatura portuguesa, menciona a existência de quatro possibilidades para uma possível origem do trovadorismo, mas admite que nenhuma delas individualmente é o suficiente para explicar o movimento, defendendo que nenhuma delas se excluiria mutuamente, podendo todas terem sua parcela de influência no surgimento dessa arte medieval. A origem remota desta poesia constitui ainda assunto controvertido; admitem-se quatro fundamentais teses para explicá-la: a tese arábica, que considera a cultura arábica como sua velha raiz; a tese folclórica que a julga criada pelo povo; a tese médio-latinista, segundo a qual essa poesia ter-se-ia originado da literatura latina produzida durante a Idade Média; a
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tese litúrgica considera-a fruto da poesia litúrgico cristã elaborada na mesma época. Nenhuma delas é suficiente, de per si, para resolver o problema, tal a sua unilateralidade. Temos de apelar para todas, ecleticamente, a fim de abarcar a multidão de aspectos contrastantes apresentadas pela primeira floração da poesia medieval. (MOISÉS, 1985, p. 23-24) Ainda que não nos seja possível estabelecer com precisão a origem do trovadorismo, a maioria de seus estudiosos acredita que é a França o país onde foram criados os primeiros centros a partir dos quais se irradiaram diferentes tradições – e até mesmo escolas – de trovadores, sendo que o primeiro desses centros parece ter sido Poitiers, conforme nos informa o dicionário Grove. The first centre of troubadour song seems to have been Poitiers, but the main area extended from the Atlantic coast south of Bordeaux in the West, to the Alps bordering on Italy on the East. There were also ‘schools’ of troubadours in northern Italy itself and in Catalonia. Their influence, of course, spread much more widely. (SADIE, 2001, T, p.3190) Do ponto de vista estético, as cantigas se dividem em lírico amorosas e satíricas, existindo também algumas subdivisões dentro dessas classificações – as cantigas lírico amorosas se subdividiam em cantigas de amor, e de amigo; enquanto as satíricas possuíam uma subdivisão em cantigas de escárnio e cantigas de maldizer. Todas elas, como o próprio termo cantiga já sugere, contavam com acompanhamento musical. As cantigas de amor consistiam em uma declaração lírica de sofrimento diante de um amor impossível perante as convenções sociais, por
exemplo, em um âmbito bastante elevado, sendo as mais presentes nas Cortes de toda Europa, pelo seu caráter e linguagem comedidos. [...] o trovador empreende a confissão, dolorosa e quase elegíaca, de sua angustiante experiência passional frente a uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões porque de superior estirpe social, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído. Uma atmosfera plangente, suplicante, de litania, varre a cantiga de ponta a ponta. Os apelos do trovador colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de idealidade ou contemplação platônica. (MOISÉS, 1985, p. 25) As cantigas de amigo, por sua vez, consistem em declarações amorosas de uma mulher, em geral das camadas mais baixas da sociedade – camponesas e ribeirinhas em sua maioria – em sofrimento frente ao abandono ou ausência do homem amado, possuindo elementos muito mais populares do que as cantigas de amor, conforme nos diz Sellers, em seu artigo Las cantigas de Martin Codax y su significacion em la lírica galaico-portuguesa. La cantiga de amigo, de tema amoroso, se caracteriza por la presencia de una voz feminina – no como autora real sino como artifício – el empleo de la forma paralelística o encadenada, una expressión popular y arcaica y um peculiar sentimiento de la naturaleza. (SELLERS, 2014, p.1) Também Moisés, em sua obra supracitada, destaca a expressão popular – e realista no sentido de concretude, e mesmo de consumação da relação amorosa – das cantigas de amigo, ressaltando inclusive o caráter narrativo das mesmas.
No geral, quem fala é a própria mulher, dirigindo-se em confissão à mãe, às amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos. O conteúdo da confissão é sempre formado duma paixão não correspondida ou incompreendida, mas a que ela se entrega de corpo e alma. Ao passo que a cantiga de amor é idealista, a de amigo é realista, traduzindo um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher [...] as cantigas surpreendem “momentos” do namoro, desde as primeiras horas da corte até as dores do abandono ou da ausência [...] A cantiga de amigo possui caráter mais narrativo e descritivo que a de amor, de feição acentuadamente analítica e discursiva. (MOISÉS, 1985, p. 27) As cantigas de escárnio e maldizer, por seu turno, compõe o que se chama de divisão satírica da arte trovadoresca, sendo que a principal diferença entre ambas está justamente na construção da sátira, que é indireta e ambígua, valendo-se de expressões e palavras de duplo sentido quando a cantiga é de escárnio, e de palavras diretas, ofensivas e de baixo calão, sem ambiguidades quando falamos de cantigas de maldizer. A cantiga de escárnio é aquela em que a sátira se constrói indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando “palavras cobertas, que hajam dois entendimentos para lhe lo não entenderem”, como reza a Poética Fragmentária que precede o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (antigo Colocci-Brancuti). Na de maldizer, a sátira é feita diretamente, com agressividade, “mais descobertamente”, com “palavras que querem dizer mal e não haverá outro entendimento senão aquele que querem dizer chãmente”, como ensina a mesma Poética FragmenINEQ - Educação integral
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tária. (MOISÉS, 1985, p. 28) 2. Trovadorismo Galego-Português Como vimos acima, a poesia trovadoresca se espalhou pelo mundo europeu medieval a partir da França, tendo a região de Poitiers como um de seus principais centros irradiadores. Um segundo grande centro irradiador da arte do trovadorismo – e talvez o mais conhecido de todos eles – é a região de Provença, também na França, onde ela se desenvolveu de forma tão intensa que é possível identificar nas suas obras o questionamento de valores e dogmas medievais, como por exemplo a ideia de castidade defendida pela Igreja Católica, que acabou por destruir – no século XIII, em meio a uma Cruzada contra os albigenses – esse importante centro de estudo poético e musical. Augusto dos Anjos, em seu livro Mais provençais, tem algumas palavras a nos dizer a esse respeito. Não só de poesia nos falam os trovadores dos séculos XII-XIII. Sabe-se, hoje, que a comunidade provençal, esmagada pela cruzada contra os albigenses instituída pelo papa Inocêncio III, é muito mais do que os tolos pretendem minimizar o rótulo de “medieval”, na acepção mais vulgar do termo. A livre concepção de amor de seus poetas, desrecalcando a repressão religiosa e alçando a mulher a posição de relevo e de dignidade que lhe eram negadas na sociedade patriarcal, pode ser lida como signo subversivo de ideologias mais generosas, direcionadas para o futuro. Por isso mesmo a dissidência linguística e política de Provença não poderia ser tolerada por mais tempo pelos poderosos da época, que liquidaram, de um só golpe, heresia e poesia. Poetas. Antenas. Têm, assim, esses
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trovadores, muito mais que nos dizer, e não só artisticamente, (CAMPOS, 1987, p. 26-29) Como um exemplo das palavras do crítico literário, podemos recorrer à cantiga de número XVIII do trovador provençal Arnaut Daniel, intitulada Lo ferm voler qu’el cor m’intra, e foi transcriada por Augusto de Campos com o título de O firme intento que em mim entra. O FIRME INTENTO QUE EM MIM ENTRA O firme intento que em mim entra Língua não pode estraçalhar, nem unha De falador, que fala e perde a alma; E se não lhe sei dar com ramo ou verga, Lá onde ninguém pode conter meu sonho, Irei fruí-lo em vergel ou em câmara Quando me lembro de sua câmara Onde eu bem sei que nenhum homem entra, Por mais que irmão ou tio danem meu sonho, Eu tremo – membro a membro – até a unha, Como faz um menino em frente à verga: Tanto é o temor de que me falte a alma Antes meu corpo, e não minha alma, Consentisse acolher em sua câmara! Fere-me o corpo mais do que uma verga, Que onde ela está nem o seu servo entra; Com ela eu estaria em carne e unha, Sem castigo de amigo ou tio, nem sonho À irmã de meu tio nem por sonho Eu não amei assim com tanta alma! Vizinho como o dedo de uma unha, Se ela quiser, serei de sua câmara; A mim o amor que no meu corpo entra Faz como um homem forte e frágil verga. Desde que há flor na seca verga E Adão deu neto ou tio, não houve sonho De amor tão grande como o que me entra
No coração, no corpo e na alma; Onde quer que ela esteja, em praça ou câmara, A ela estou unido como à unha É assim que se entranha e se enumbra Nela este anelo como casca em verga; O amor me faz palácio, torre e câmara, E a irmão, pai, tio, desdenho no meu sonho: Ao paraíso em riso irá minha alma Se lá por bem amar um homem entra. Arnaut tramou seu canto de unha e sonho Só por aquela que lhe verga a alma De amante que, só mente, em câmara entra. (CAMPOS, 1987, p.131-133) Destacamos aqui a importância das cantigas e poetas provençais justamente porque teria sido a partir deste centro de irradiação específico que o trovadorismo teria chegado na Península Ibérica de forma geral, e em especial em Portugal e na Galiza, a partir do movimento das Cruzadas que trouxe para o porto de Lisboa não apenas cavaleiros ansiosos para combater na Terra Santa em nome da Igreja Católica, mas também toda a sorte de pessoas, nas quais se incluíam poetas provençais, trazendo sua arte, que facilmente encontrou lugar entre os lusitanos, dando características especiais às cantigas portuguesas. [...] é da Provença que vem o influxo próximo. Aquela região meridional da França tornara-se no século XI um grande centro de atividade lírica, mercê das condições de luxo e fausto oferecidas aos artistas pelos senhores feudais. As Cruzadas, compelindo os fiéis a procurar Lisboa como porto mais próximo para embarcar com destino a Jerusalém, propiciaram a movimentação duma fauna humana mais ou menos parasitária, em meio à qual iam os jograis. Estes, penetrando pelo chamado “caminho francês”
aberto nos Pirineus, introduziram em Portugal a nova moda poética. Fácil foi sua acomodação à realidade portuguesa, graças a ter encontrado um ambiente favoravelmente predisposto, formado por uma espécie de poesia popular de velha tradição. A íntima fusão de ambas as correntes (a provençal e a popular) explicaria o caráter próprio assumido pelo trovadorismo em terras portuguesas. (MOISÉS, 1985, p. 24) No que concerne à posição e status social dos trovadores – que é o foco deste trabalho, ao procurar entender se existia a possibilidade de mobilidade social dessa categoria de artistas medievais através do seu talento poético – na Galiza e em Portugal, uma primeira atitude a se tomar é a de desmistificar a imagem romântica que se faz deles como músicos andarilhos e pobres, pois essa caracterização corresponde apenas a uma parcela – a mais relevante para nós, no caso – desses poetas, e não à sua totalidade, como nos chama atenção Moisés, que nos informa que até mesmo as nomenclaturas desses artistas podiam variar de acordo com seu status social e talento. [...] valia a pena referir o sentido hierárquico atribuído às palavras trovador, jogral, segrel, e menestrel. Nem era muito precisa nem mutável a diferença de grau entre eles, pois obedecia à oscilações que dependiam do nível social e do talento artístico dos trovadores e acompanhantes. Simplificando a questão, dir-se-ia que o Trovador era o artista completo: compunha, cantava e podia instrumentar as cantigas; as mais das vezes era fidalgo decaído. Jogral era uma designação menos precisa: podia referir o saltimbanco, o truão, o ator mímico, o músico e até mesmo aquele que compunha suas melodias; de extração inferior, por seus INEQ - Educação integral
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méritos podia subir socialmente e ser tido como trovador. Segrel designava um artista de controvertida condição: entre o jogral e o trovador, era o trovador profissional, que ia de Corte a Corte interpretando cantigas próprias ou não, a troco de soldo. Menestrel era como se chamava o músico da Corte. (MOISÉS, 1985, p. 31. Grifos do autor) Como é possível notar pela citação acima, teria existido a possibilidade de ascensão social através de pessoas de estrato social menos elevado ao status de trovadores – nomenclatura mais comumente associada à condição de fidalgos, mesmo que decaídos, embora no caso português é possível encontrar dentro da realeza pelo menos dois poetas que ostentam esse título: o príncipe Afonso Sanches, e o monarca Dom Dinis, alcunhado de “Rei-Poeta” pela qualidade musical e literária de suas cantigas de todos os gêneros – dependendo de seus talentos e habilidades artísticas. Assim sendo, podemos partir para o estudo da figura do trovador Martim Codax, de origem galega, e provavelmente não elevada socialmente, mas que possui uma grande importância enquanto poeta, tanto no tempo em que escreveu como atualmente, sendo um dos mais estudados artistas galego-portugueses. 3. Martim Codax Na verdade não possuímos quantidade significativa de dados biográficos a respeito de Martim Codax, mas as informações das quais dispomos dão conta de que não teria sido ele um membro de elevado estrato social, por diferentes motivos, sendo que o primeiro – e talvez mais evidente deles – seja o fato de que fosse ele um fidalgo ou um nobre, por exemplo, é possível que encontrássemos maiores referências biográficas a seu respeito, em livros de
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linhagem, por exemplo. Também não é razoável considerá-lo como pertencente ao clero, ou provavelmente poderíamos encontrar informações a seu respeito de uma possível ordenação ou de atividades religiosas. Sendo assim, o mais sensato seria presumir que o trovador fosse a princípio um jogral, membro de uma classe social menos prestigiada. Em um artigo intitulado Martin Codax. O nome. A onomástica na lírica trobadoresca, Xosé Xabier Ron Fernández vai fazer um levantamento aprofundado acerca dos dados biográficos do trovador galego, chegando a encontrar o seu nome – grafado como “Codaz” e não “Codax” – em documentações referentes à comercialização de uma vinha, que poderia ter pertencido a um possível irmão do poeta, conforme nos informam Lopes e Ferreira através da página de Martim Codax na base de dados online Cantigas Medievais Galego Portuguesas. Recentemente (2018) Ron Fernández, fazendo uma resenha crítica de todas estas sugestões, avançou com alguns dados documentais novos, em particular a existência do apelido, sob a forma Codaz, em dois documentos do mosteiro de Santa María de Oia (datados de 1275 e 1278), ambos fazendo referência à venda de uma vinha que foi de Fernan Codaz, personagem que este investigador crê poder ter sido irmão do jogral Martim. A localização da dita vinha, em Sandián, no atual concelho do Rosal, remete-nos para a zona sul da Galiza, muito perto da fronteira do Minho. (FERREIRA; LOPES; et al. Página de Martim Codax. s/d. Grifos dos autores) Nesse mesmo estudo Ron Fernández vai se dedicar a uma análise detalhada do sobrenome do trovador, “Codax”, cuja etimologia seria um fator a mais para indicar a origem do poe-
ta em um extrato social mais baixo, sendo que esse sobrenome não constaria nos livros de linhagem e que poderia até mesmo ser algum tipo de alcunha que poderiam estar relacionadas à palavras como códice, cauda e até mesmo cotovelo. Ainda a respeito da origem do trovador, os estudos indicam que ele deve ser originário de Vigo, que na época medieval era um pequeno vilarejo ribeirinho na baixa Galiza, devido ao fato de o povoado ser citado em praticamente todas as suas composições, o que nos serve como mais um indicador da origem social do poeta. Além da provável naturalidade, a datação do Pergaminho de Vindel do último terço do século XIII também nos dá um marco temporal da vida do poeta, segundo as palavras de Vicenç Beltran em seu artigo Martin Codax o el poeta intemporal, citando os estudos de A. R. Oliveira. A existência de N [o sea, el Pergamino de Vindel], datável do último terço do séc. XIII, coloca a sua actividade poética e musical em meados ou no terceiro quartel do mesmo século. Por outro lado, as referências a Vigo das cantigas de amigo, dão-lhe como naturalidade provável a região do sul da Galiza. (Beltran, 2003, p.3) Outro indicativo da origem social de Martim Codax se encontra no tipo específico de cantigas nas quais o trovador se especializou. As sete cantigas conhecidas do poeta são cantigas de amigo, modalidade que, conforme vimos acima, e novamente nos lembra agora Moisés – possui como característica principal o sofrimento de uma mulher de classe social menos favorecida.
[...] o fulcro do poema é agora representado pelo sofrimento amoroso da mulher, via de regra pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas, etc.). O trovador, amado incondicionalmente pela moça humilde e ingênua do campo ou da zona ribeirinha, projeta-se-lhe no íntimo e desvenda-lhe o desgosto de amar e ser abandonada, por causa da guerra ou de outra mulher. (MOISÉS, 1985, p.2627. Grifos nossos) Consideramos importante destacar que as cantigas de amigo tratam do sentimento de mulheres de classes sociais mais baixas na citação acima devido ao fato de acreditarmos que a escolha de Martim Codax ter composto exclusivamente poemas dessa natureza pode indicar que ele o fez devido à sua identificação com o contexto interno das cantigas, por ser ele mesmo originalmente de uma classe social menos favorecida, mais familiarizado com os ambientes camponeses e ribeirinhos das cantigas de amigo do que os ambientes de Corte, relacionado às cantigas de amor. É possível que se argumente que outras cantigas do trovador, que poderiam ser de amor, por exemplo, ter-se-iam perdido no tempo, mas essa linha de pensamento não se sustentaria, uma vez que as cantigas de Martim Codax se encontram registradas não em um, mas em dois cancioneiros diferentes, e em um pergaminho individual – que inclusive conta com as notações para o seu acompanhamento musical. Não podemos afirmar categoricamente que não existiam outras composições desse trovador que se perderam no passado, mas não nos parece plausível supor que dentro de uma obra poética mais ampla somente cantigas de amigo teriam sobrevivido à ação do tempo. INEQ - Educação integral
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Mesmo que fosse esse o caso, não enfraqueceria a argumentação acerca da origem não nobre do poeta, posto que seria de se esperar que as composições de um nobre ou fidalgo teriam muito maiores possibilidades de preservação do que as de um membro de estrato social menos favorecida. Como exemplo disso podemos citar as cento e quarenta cantigas preservadas de Dom Dinis, frente às sete de Martim Codax. Uma vez estabelecido nosso ponto de vista acerca da origem de Martim Codax em uma classe social menos favorecida, devemos partir para o ponto principal desse trabalho, que será o de demonstrar a possibilidade de o trovador ter conseguido algum tipo de ascensão social em decorrência de seu talento como artista. A primeira observação que devemos fazer nesse sentido é de deixar bem claro que a ascensão social através do talento musical e poético não pode ser considerado algo simples ou que estaria ao alcance de grande parte dos artistas medievais galego-portugueses, posto que mesmo entre os economicamente menos abastados, o conhecimento técnico e lírico eram bastante elevados, ao contrário do que a tradição romântica do século XIX nos apresenta, conforme as palavras do dicionário Grover. The romantic Idea of the troubadour current in 19th century is slowly fading before the careful and more realistical appraisal built up buy scholars over the years. So far being a carefree vagabond ‘warbing his native woodnotes wild’, the
troubadour was characteristically a serious, well-educated and highly sophisticated verse-technician². (SADIE, 2001, T, p. 1391) Dito isso, podemos nos debruçar sobre a maestria do trovador galego, e a que posições essa maestria foi capaz de alçá-lo. Tendo uma origem não aristocrática, o mais provável é que Martim Codax tenha iniciado sua carreira como um jogral nos arredores de sua cidade natal, e a partir de Vigo conquistado fama ainda em sua época através das suas composições. Um primeiro indício dessa ascensão do jogral está no fato de suas sete cantigas terem sido preservadas individualmente em um pergaminho, com notações musicais para sua execução em seis delas. Trata-se do Pergaminho de Vindel, encontrado em 1914 pelo comerciante de livros antigos, contendo o nome de Martim Codax como autor daquelas cantigas. A importância desse documento pode, a princípio, não revelar a ascensão social do compositor das cantigas nele contidas se observado individualmente, mas a coisa muda de figura quando observarmos o Pergaminho de Vindel em termos comparativos, ou seja, se colocarmos em paralelo a ele outros pergaminhos individuais que contenham cantigas de trovadores medievais portugueses. Se fizermos isso, perceberemos que as cantigas de Martim Codax devem ter adquirido em sua época uma importância e fama bastante consideráveis, uma vez que só existe mais um pergaminho com as características do Perga-
2- Tradução livre: A ideia romântica da corrente do trovador no século 19 está desaparecendo lentamente antes da avaliação cuidadosa e mais realista construída pelos estudiosos ao longo dos anos. Até agora, sendo um vagabundo despreocupado "manipulando suas notas de madeira nativas de forma selvagem", o trovador era caracteristicamente um técnico de versos sério, bem-educado e altamente sofisticado.
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minho de Vindel – dedicado a um único trovador e suas composições – que se têm notícias. Trata-se do Pergaminho Sharrer, que contém as cantigas de Dom Dinis, cuja posição social figurava entre as mais elevadas possíveis, mesmo para os dias atuais, uma vez que era rei de Portugal. Não se pode dizer que não havia outros pergaminhos do tipo, mas consideramos significativo que nenhum outro tenha jamais sido encontrado, e que um deles tenha sido dedicado às composições de um rei, que compunha suas cantigas no mesmo período em que o nosso trovador galego. Mesmo que encontremos diversas outras páginas do mesmo tipo, não é possível negar a importância que as cantigas de Martim Codax conquistaram no século XIII – de quando data o pergaminho – a ponto de serem registrados por escrito, com suas respectivas notações musicais na maioria das cantigas. É sempre importante lembrar que estamos falando de um período histórico em que até mesmo os fidalgos, nobres e alguns monarcas eram analfabetos ou escreviam muito pouco, e que a cultura escrita era valorizada principalmente em contexto religioso, pelos monges e clérigos, que estudavam dentro do seio da Igreja. Olhando por essa perspectiva, o simples fato de que as cantigas de Martim Codax serem registradas por escrito em uma cultura iletrada já poderia ser considerado um indicativo de sua importância, mas esse mesmo indicativo se torna ainda mais forte quando lembramos que junto com as letras das cantigas foram preservados os acompanhamentos musicais, o que significa dizer que não apenas a parte poética da produção do trovador foi valorizada, mas também a composição musical dele.
Sendo a música uma arte do tempo, ou seja, sendo efêmera e invisível, durando apenas o tempo de sua execução, tomar a iniciativa de registrá-la por escrito – ressaltamos, em uma época em que a cultura escrita não era valorizada senão em contexto eclesiástico – é um forte indicativo da importância que as cantigas de Martim Codax alcançaram em sua época. A iniciativa de preservar também o acompanhamento musical das suas cantigas, além da sua parte poética é para nós um forte indicador do fato de que ele teria sido considerado um artista completo, já que não apenas sua poesia despertava emoções, mas também a sua música – caso contrário não se desejaria preservá-la por escrito – e essa completude seria o pré-requisito para que um jogral pudesse ser considerado um trovador, ascendendo socialmente, conforme vimos acima. É possível que se argumente que a autoria do Pergaminho de Vindel pode ser do próprio poeta, o que enfraqueceria nosso argumento acerca da importância alcançada pelo trovador em vida, não fosse pelo fato de que suas cantigas aparecem também em dois dos três mais importantes Cancioneiros da literatura galego-portuguesa. Cancioneiros eram compilações de cantigas patrocinadas por mecenas – em especial os reis portugueses – para que a arte dos trovadores que consideravam mais talentosos não se perdesse nas armadilhas da memória e nas areias do tempo, conforme podemos observar nas palavras de Moisés. Sendo transmitidas oralmente, é natural que muito da poesia trovadoresca acabasse desaparecendo, sobretudo antes de 1198. Com o tempo, a fim de avivar a memória incapaz de reter várias composições, as letras passaram a ser transcritas em pequenos cadernos de INEQ - Educação integral
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apontamentos. Mais adiante, com o objetivo de resguardá-las definitivamente contra qualquer extravio, foram postas em cancioneiros, isto é, coletâneas de canções, sempre por ordem e graça de um mecenas, especialmente o rei. [...] Dos vários cancioneiros que nos ficaram [...] três merecem especial relevo, por sua importância numérica e qualitativa: Cancioneiro da Ajuda [...] Cancioneiro da Biblioteca Nacional (também chamado Colocci-Brancuti, homenagem a seus dois possuidores italianos, dos quais Brancuti foi o último) [...] Cancioneiro da Vaticana. (MOISÉS, 1985, p.29. Grifos do autor) A citação acima nos dá uma informação muito importante, que podemos usar como argumento em favor de nossa teoria acerca da ascensão social de Martim Codax através de sua arte como trovador. A primeira delas está no fato de que as cantigas reunidas nos Cancioneiros não o foram de forma aleatória, mas sim sob o patrocínio de um mecenas – especialmente da realeza, é bom frisar – que presumivelmente mandou registrar na obra que patrocinava as cantigas que fossem julgadas merecedoras de não serem esquecidas, ou seja, aquelas que eram consideradas de maior qualidade artística. Tendo isso em mente, observemos que as cantigas de Martim Codax não foram registradas em apenas um dos três principais cancioneiros galego portugueses, mas em dois deles – o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, e o Cancioneiro da Vaticana – indicando que suas composições foram consideradas dignas de serem lembradas e imortalizadas no papel não por um, mas por, pelo menos, dois mecenas, podendo o próprio rei ser um desses patrocinadores. Não somos ingênuos de pensar que a ascen-
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são social permitida pelo talento artístico de certos trovadores – como acreditamos ser o caso de Martim Codax – seria meteórica no sentido de tornar nobre um plebeu, mas não podemos deixar de observar que na mesma proporção que uma cantiga – ou um conjunto de cantigas – alcança as esferas mais altas da sociedade a ponto de serem consideradas dignas de registro escrito em cancioneiros diversos, o artista por trás dessas composições também chamaria atenção dessas mesmas esferas sociais, o que lhe permitiria certamente, se não os privilégios da vida de um fidalgo ou de um nobre de alta estirpe, ao menos os benefícios que poderiam trazer o seu reconhecimento como artista completo que vinha com a ascensão da situação de jogral ou segrel para a de trovador. 4. Cantigas de Martim Codax Tendo apresentado nossos argumentos acerca da provável origem não-aristocrática de Martim Codax, e de sua provável ascensão social através do seu talento como artista completo, passando de jogral ou segrel a trovador, conforme nos explicou acima Moisés, consideramos importante apresentar as características estéticas de suas cantigas, começando pelas apresentadas por Beltran, que considera o trovador galego como capaz de imprimir em suas composições elevados padrões artísticos, valendo-se dos elementos tradicionais das cantigas de amigo. Em efecto, las poesias de Martin Codax sorprenden por el elevado rendimiento poético de los recursos proprios de la cantiga de amigo de tipo tradicional, por la regularidade com que acude de forma exclusiva a los fórmulas más genuinas de la canción de mujer y de su adaptación em estas cantigas de amigo, así como por la inmediatez com que su poesia nos
llega. (BELTRAN, 2003, p. 6) As características tradicionais das cantigas de amigo que Beltran menciona na citação acima, em termos temáticos, são as mesmas às quais nos referimos acima, quando definimos os diferentes tipos de cantigas. Acrescidas dessas características temáticas, podemos mencionar outras, de ordem estética e estrutural, e para tal recorremos às palavras de Sellers. Pueden ser divididas em dos grandes grupos: las composiciones monologadas, las bailadas – vinculadas a las fiestas primaverales – las canciones ribereñas sobre temas marineros y las de romería; de outro lado, las canciones dialogadas, dispuestas formando séries que reflejan uma breve história de amor em torno a um santuário. Se prefiere la cantiga de refram a la de maestria. Al margen de las de tipo trovadoresco, algunas cantigas utilizan el dístico com estribillo (aaB y aaBB). (SELLERS, 2014, p.1-2. Grifos da autora) Estabelecidas as características tradicionais às quais Beltran se refere em seu artigo, é importante observarmos como essas mesmas características são utilizadas por Martim Codax de forma a alcançar o que foi chamado de surpreendente e elevado rendimento poético. É a mesma Sellers quem irá nos auxiliar nisso, definindo os aspectos fundamentais das cantigas do trovador galego, incluindo as temáticas que ele privilegia. La producción de Martin Codax se incluye dentro del subgénero de las cantigas marineras. En ellas hay toques de paisaje, visiones de barcos que se alejan, juegos de amor em la orilla. Suelen estar localizadas en las rias de Vigo, las riberas de Lisboa o uma ermitã costera. Pintan
escenas de amor junto al água, convidan al baño común – resíduo mágico de ritos paganos – o mencionan circunstancias precisas de guerra y servicio militar, y entonces el mar es símbolo de fuerzas indômitas, camino de ausencias y de retornos vanamente esperados. (SELLERS, 2014, p.3-4) Sabendo as características das cantigas de Martim Codax, consideramos importante trazer aqui três de suas composições para que possamos observar na prática as características que a teórica apresentou na citação acima. A primeira delas está ligada à ideia do serviço militar da qual nos fala Sellers, e tem como tema a alegria da mulher que recebeu notícias de que amado regressava dos combates, além de vivo, com favores do rei. Esta cantiga se intitula Mandad’hei comigo. MANDAD’HEI COMIGO Mandad'hei comigo ca vem meu amigo, e irei, madr', a Vigo. Comig'hei mandado ca vem meu amado, e irei, madr', a Vigo. Ca vem meu amigo e vem san'e vivo, e irei, madr', a Vigo. Ca vem meu amado e vem viv'e sano, e irei, madr', a Vigo. Ca vem san'e vivo e d'el-rei amigo, e irei, madr', a Vigo. INEQ - Educação integral
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Ca vem vivo e sano e d'el-rei privado, e irei, madr', a Vigo. (FERREIRA; LOPES; et al. Página de Martim Codax. s/d.) A segunda das cantigas que apresentaremos neste trabalho está ligada ao caráter sobrenatural que se atribui ao mar, sendo que na cantiga que vamos apresentar – Ondas do mar de Vigo – a dama apaixonada pergunta às ondas do mar que banha o vilarejo se elas teriam notícias de seu amado, e se ele demoraria a voltar para si. ONDAS DO MAR DE VIGO Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? e ai Deus, se verrá cedo? Ondas do mar levado, se vistes meu amado? e ai Deus, se verrá cedo? Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro? e ai Deus, se verrá cedo? Se vistes meu amado, o por que hei gram coidado? e ai Deus, se verrá cedo? (FERREIRA; LOPES; et al. Página de Martim Codax. s/d.) Trazemos, por fim, a cantiga de nome Quantas sabedes amar amigo, que é o exemplo do que Sellers fala dos resíduos de ritos pagãos em cenas em que a dama apaixonada convida seu amado para um banho comum, em uma cantiga de conotação claramente erótica, mas de uma beleza idílica.
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QUANTAS SABEDES AMAR AMIGO Quantas sabedes amar amigo, treides comig'a lo mar de Vigo e banhar-nos-emos nas ondas. Quantas sabedes amar amado, treides comig' a lo mar levado e banhar-nos-emos nas ondas. Treides comig' a lo mar de Vigo e veeremo' lo meu amigo e banhar-nos-emos nas ondas. Treides comig' a lo mar levado e veeremo' lo meu amado e banhar-nos-emos nas ondas. (FERREIRA; LOPES; et al. Página de Martim Codax. s/d.) Tendo observado algumas das composições de Martim Codax, é possível compreender de forma plena as razões pelas quais suas cantigas foram classificadas como de elevado rendimento poético, e por quais motivos sua sobras foram imortalizadas, tanto no Pergaminho de Vendel – que conta com as notações musicais delas, para a nossa sorte e deleite – como nos dois cancioneiros que as selecionaram como dignas de serem registradas por escrito, para que não se perdessem no tempo, mas que pudessem ser revividas cada vez que fossem novamente executadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS ste trabalho teve como objetivo verificar a possibilidade de ascensão social de artistas medievais de origem plebeia através do seu talento artístico como trovadores, ou seja, como músicos, compositores e cantores completos. Para tanto partiu-se de uma definição do que seria o Trovadorismo, e suas principais carac-
terísticas. O segundo passo foi compreender como que a arte trovadoresca chegou à Península Ibérica, em especial em Portugal e na Galiza, e quais foram as especificidades que essa arte adquiriu nesse contexto específico. O passo seguinte foi procurar indício e formas pelas quais se podia ascender socialmente através da arte trovadoresca, tendo encontrado essa informação nas palavras de Moisés, que afirma ser possível um jogral – compositor de estrato social menos elevado – ser alçado à categoria de trovador – artista completo – pelo talento que poderia possuir. Feito isso nos debruçamos sobre a figura de Martim Codax, cujas evidências indicam que teria origem no pequeno vilarejo de Vigo, muito provavelmente como jogral, e que pelo poder de seu talento elevado teve suas cantigas imortalizadas em dois dos três principais cancioneiros galego-portugueses, além de possuir no Pergaminho de Vendel um registro individualizado de suas composições, com as notações da música que as deveria acompanhar, sendo que apenas se tem notícia de um outro trovador que teve a mesma atenção, e este era Dom Dinis, rei de Portugal. A seguir foram apresentadas algumas das cantigas do trovador, para que pudéssemos conhecer as características e as cantigas que mereceram tanto destaque no século XIII, quando foram originalmente compostas por Martim Codax. Por fim, acreditamos que a ascensão social – embora não meteórica ou radical, evidentemente – através do talento e da arte de trovadores foi possível no contexto galego-português na Idade Média, e que Martim Codax foi um desses artistas completos que, oriundo de um vilarejo pequeno, e de origem muito prova-
velmente plebeia, pôde gozar de certos benefícios trazidos pela genialidade e maestria de suas cantigas. REFERÊNCIAS BELTRAN, Vicenç. Martin Codax o el poeta intemporal. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2003. Acesso em: 26/03/2020. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual. com/portales/martin_codax/obra/martin-codax-o-el-poeta-intemporal-0/> CAMPOS, Augusto de. Mais provençais. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. FERREIRA, Manuel Pedro; LOPES, Graça Videira; et al. Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. Acesso em 15/03/2020. Disponível em: <http://cantigas. fcsh.unl.pt> MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1985. RON FERNÁNDEZ, Xosé Xabier. Martin Codax: o nome. A onomástica na lírica trobadoresca, in The Vindel Parchment and Martin Codax. The Golden Age of Medieval Galician Poetry. Amsterdã: John Benjamins Publishing Company, 2018. SADIE, Stanley (Editor). The new Grove dictionary of music and musicians. Nova York: Oxford University Press, 2001. SELLERS, Maria Rosa Álvarez. Las cantigas de Martin Codax y su significacion en la lirica galaico-portuguesa. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2014. Acesso em 26/03/2020. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/obra/las-cantigas-de-martin-codax-y-su-significacion-en-la-lirica-galaico-portuguesa/>
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FRITJOF CAPRA E ZYGMUNT BAUMAN: REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MUSICAL CONTEMPORÂNEA Fabiana Pereira Dutra Vieira¹ RESUMO Neste artigo pretende-se discutir as ideias de Fritjof Capra² referentes à Teoria dos Sistemas e ao novo paradigma educacional emergente assim como suas implicações para a educação musical contemporânea. A seguir apresentam-se ideias de Zigmunt Bauman acerca do mundo líquido contemporâneo³ e uma análise possível de seu impacto sobre a educação musical da atualidade. Palavra-chave: Educação Musical Contemporânea; Educação Sistêmica; Mundo Líquido Moderno. ABSTRACT This article aims to discuss Fritjof Capra's ideas regarding Systems Theory and the new emerging educational paradigm as well as its implications for contemporary music education. The following are Zigmunt Bauman's ideas about the contemporary liquid world and a possible analysis of its impact on today's music education. Keywords: Contemporary Musical Education; Systemic Education; Modern Liquid World.
1 - Fritjof Capra e a concepção sistêmica da vida [...] - Você, eu, todos nós precisamos de uma nova visão de mundo e de uma ciência mais abrangente para nos apoiar. Há uma teoria surgindo agora que coloca todas as ideias ecológicas de que falamos numa estrutura científica coesa e coerente. Nós a chamamos de teoria dos sistemas, dos sistemas vivos. - Como poderia falar de uma árvore sem falar de suas folhas ou raízes? - Eu conseguiria, sem nem mencionar essas partes: um cartesiano olharia para a árvore e a dissecaria, mas aí, ele jamais entenderia a natureza da árvore [...] um pensador de sistemas veria as trocas sazonais entre a árvore e a terra, entre a terra e o céu. Ele veria o ciclo anual que é como uma grande respiração que a terra realiza com suas florestas, dando-nos o oxigênio. O sopro da vida, ligando a terra ao céu e nós ao universo [...]4 O Ponto de Mutação (diálogo do filme)
1 - Pós-graduada (FIC- SP/2020) Educação Musical; Licenciada em Letras (UNIVAS- MG/ 2003) e Música (UNINCOR-MG/ 2007); Bacharel em música, instrumento Voz (CBM-RJ/ 2006). Docente em Artes, Ensino Fundamental II e Médio da Rede Municipal da cidade de São Paulo. Criadora do Projeto Musical Canta um Conto, do Programa Mais Educação, desenvolvido nos anos de 2018 e 2019 na EMEF Senador Milton Campos/ Vila Icaraí/ Brasilândia/ SP. Em 2020 o Projeto Musical Canta um Conto passou a ser realizado de forma on-line, ao vivo, por meio de lives, de forma voluntária, devido à situação Pandêmica. Este projeto foi estendido a outras escolas e aberto a todos os interessados. Hoje conta com a participação de 45 estudantes de escolas variadas da rede municipal, estadual e particular de ensino. 2 - Austríaco nascido em Viena, Fritjof Capra é Doutor em Física, cientista, ambientalista, educador e ativista. Conhecido mundialmente como teórico de sistemas é autor de vários best-sellers como O Tao da Física, O Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum, Pertencendo ao Universo, A Teia da Vida, e o mais recente, As Conexões Ocultas: Ciência para uma Vida Sustentável. Capra é um dos diretores-fundadores do Center for Ecoliteracy (Centro de Eco-Alfabetização) da Berkeley, Califórnia, que promove a divulgação do pensamento ecológico e sistêmico nas redes de educação primária e secundária. 3 - Expressão muito utilizada por Zygmunt Bauman, um dos grandes pensadores da modernidade. Com esta expressão o autor faz uma crítica à volatilidade e à efemeridade de todos os aspectos da vida humana na contemporaneidade. 4 - O Ponto de Mutação (vídeo). Direção Bernt Capra. Cannes Home Vídeo.
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A ciência do século XVII baseou-se num método de investigação que envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido por Descartes. Este método de investigação e sua correspondente compreensão da vida foi o marco da Idade da Revolução Científica. Entende-se por paradigma cartesiano o conjunto de métodos de investigação e de compreensão do mundo baseado em tal visão. Vale ressaltar que a visão de mundo cartesiana acredita que o todo pode ser compreendido pela fragmentação de suas partes não levando em consideração o seu contexto (CAPRA, 2014, p. 51). Em oposição ao pensamento cartesiano a ciência dos sistemas acredita que as partes não podem ser compreendidas se forem separadas do todo. Os sistemas podem ser compreendidos como totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às estruturas menores; seres humanos e processos também podem ser compreendidos e analisados como sistemas, não deveriam ser isolados do contexto do qual fazem parte. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização (CAPRA, 2014, p. 260). Por esta razão o pensamento sistêmico é também chamado de pensamento contextual, ou pensamento ambientalista, uma vez que procura explicar as coisas considerando seu meio ambiente. Este pensamento se consolidou na década de 30 (CAPRA, 2013, p. 46). Fritjof Capra, por meio de sua reflexão descreve a mudança do paradigma cartesiano para o paradigma sistêmico e apresenta-nos o seu significado no livro O Ponto de Mutação, escrito em 1982. Esta mudança, antes de tudo, implica a substituição da visão de mundo frag-
mentadora, mecanicista5 por uma visão pautada na concepção sistêmica e contextualizada da vida (CAPRA, 2015, p. 15). A concepção sistêmica compreende que tudo o que existe está conectado em forma de uma grande teia, a teia da vida. Seres, natureza e sistemas sociais são entendidos como totalidades integradas organizadas e conectadas a partir de inter-relações. Por meio dessas inúmeras conexões sempre ocorrem diversas trocas. Todo sistema se insere num outro sistema maior que é o seu ambiente, como exemplo, o indivíduo se insere na sociedade com a qual troca informação e energia. Essas trocas são essenciais à manutenção e sustentação da vida. Desta forma se queremos ter uma visão sistêmica de determinado assunto ou problema é preciso conhecer seu contexto para se realizar uma análise integrada de todas as suas dimensões para que haja uma compreensão do todo. Ideias centrais do pensamento sistêmico vieram do âmbito das ciências naturais para pouco a pouco atingir a realidade social, inclusive a realidade educacional (PAREJO, 2018, pos. 945). 1.2 Educação musical cartesiana x educação musical sistêmica Ao se pensar a educação musical a partir da compreensão de mundo cartesiana, pode-se dizer que esta privilegia as partes em detrimento do todo e fragmenta a totalidade dos seres e dos processos de ensino aprendizagem. Formações regidas pelo paradigma cartesiano destinam-se quase que exclusivamente ao aspecto racional, intelectual, verbal, um ser humano desincorporado, fragmentado e
5 - Segundo o dicionário Michaelis, Mecanicismo é uma doutrina filosófica que concebe a natureza como máquina, cujo funcionamento se explica pelas propriedades físico-químicas de corpos materiais no espaço. INEQ - Educação integral
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incapacitado para a compreensão de si como unidade complexa e integrada. O estudante é compreendido como intelecto apenas. Ignora-se o corpo, a sensorialidade, as emoções e os sentimentos. Essa forma de fragmentação encontra-se também no currículo e Morin denuncia e critica o excessivo processo de disciplinarização do conhecimento; esta discussão se encontra em seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro. O ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos. (MORIN, 2002, p.15) Transpondo tal pensamento para a aula de um instrumento musical, para se estudar uma determinada peça, por exemplo, reduz-se sua totalidade a um conjunto de elementos e partes associadas por contiguidade. Despreza-se a compreensão do todo musical. A Peça torna-se uma junção de fragmentos sucessivos. A pedagogia musical, por sua vez, “ora privilegia a dimensão intelectual (leitura/escrita/ técnica), em detrimento da dimensão sensível; ora deriva para práticas espontaneístas”. Tudo isso porque falta a compreensão orgânica do todo (PAREJO, 2018, pos. 64).
O ensino musical pautado no pensamento cartesiano, em muitos casos, reduz a abrangente linguagem expressivo-musical à mera memorização e reprodução de uma infinidade de signos, exclusos de contexto. O ensino da leitura e da escrita musical, por exemplo, torna-se um rito de memorização de signos sem nenhuma conexão com vivências musicais que poderiam lhe conferir maior sentido para a apropriação legítima do seu significado. E como o corpo não faz parte do processo, o aluno passa, longos períodos, sentado numa mesma posição apenas memorizando e reproduzindo a simbologia musical enquanto poderia experimentar a música em sua totalidade considerando que o ser humano é dotado de multidimensões que devem ser exploradas no processo ensino aprendizagem. A exclusão do corpo do processo ensino-aprendizagem acontece porque o paradigma cartesiano privilegia o intelecto em detrimento das emoções por crer que razão e emoção não tenham nenhuma relação entre si. A partir disso considera o aluno como intelecto apenas. Porém, há estudos recentes que apontam a ligação intrínseca existente entre razão e emoção. De acordo com a tese de Damásio6, as emoções são estados do corpo e não apenas conceitos abstratos e impalpáveis do plano subjetivo. Segundo Damásio, em sua obra O Erro de Descartes, as emoções são indispensáveis para a nossa vida racional. A natureza e a extensão do nosso repertório de respostas emocionais não dependem exclusivamente do nosso cérebro, mas da sua interação com o corpo, e das próprias percepções do corpo.
6 - Antônio Rosa Damásio nasceu em Portugal e radicou-se nos Estados Unidos. Ocupa a cadeira David Dornsife de Neurociência, Psicologia e Neurologia na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde também dirige o Instituto do Cérebro e da Criatividade. É autor do livro O Erro de Descartes onde mostra como a ausência de emoção e sentimento pode destruir a racionalidade humana. Essas informações encontram-se na contracapa e na orelha do livro. (DAMÁSIO, 2005).
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Desta forma a Contribuição de Damásio para este estudo é mostrar a fundamental importância da base emocional para a constituição do processo de racionalidade (PAREJO, 2008, p.39). A inclusão corporal em todo processo de ensino/aprendizagem de música se faz necessária para que o próprio estudante possa se redescobrir enquanto ser complexo e multidimensional, cujas dimensões poderiam ser exploradas e consideradas em todos os aspectos de sua vida. Não é possível que haja apropriação legítima do conhecimento sem que este seja experimentado, vivenciado sensorialmente. Trabalhar a educação musical em sua totalidade significa valorizar o sentir, dar espaço para a experiência intuitiva (que nasce a partir da escuta), dar voz às emoções e sentimentos na busca pela reconstituição da unidade corpo/mente/espírito em todo processo ensino aprendizagem. É necessário a inclusão do corpo que sente e não somente de um intelecto que pensa. O corpo por meio do movimento e da ludicidade media a compreensão dos abstratos conceitos da linguagem musical. Toda experiência sensório-motora do corpo no espaço constitui a nossa racionalidade e nossas formas de expressão por meio da linguagem. Portanto, corpo em fluxo, mente em fluxo (PAREJO, 2010, 131). A experiência corporal não é acessória ou simplesmente lúdica, sabemos que a base de constituição da racionalidade humana é corporal. Pela via da inclusão do corpo, o educando se torna completamente presente e preparado para reagir às demandas expressivas da música. (PAREJO, 2010, p. 121). É tempo de refletir sobre a prática educacional pautada no pensamento cartesiano visto que esse pensamento já não responde às
demandas do conhecimento e da educação contemporânea. Fragmentar as dimensões ou perspectivas diversas que compõem um determinado fenômeno, ser humano, processo, e o próprio universo em que estamos inseridos se tornou, a tempos, um caminho ineficaz para a busca do conhecimento. Se tal pensamento foi útil para que a ciência avançasse em um determinado momento histórico, atualmente constitui um entrave à evolução e ao equilíbrio da humanidade. É necessário contextualizar os problemas da forma mais abrangente possível, é necessário conceber pessoas, instituições, países e a natureza como organismos onde todas as partes se inter-relacionam e onde o todo é sempre mais do que a soma de suas partes. (PAREJO, 2001, p.17) Quando passamos a compreender o mundo e tudo o que existe a partir do paradigma sistêmico, consequentemente nossa visão a respeito da educação musical torna-se abrangente, pois entende o estudante com um organismo vivo parte estrutural e pulsante da grande teia da vida. Considera seu contexto social, suas especificidades enquanto ser humano dotado de capacidades multidimensionais. Nesta concepção há espaço para o desenvolvimento da criatividade e da expressividade espontâneas inerentes à complexidade do ser. O indivíduo participa da construção do conhecimento não apenas com o uso predominante do raciocínio e da percepção do mundo exterior pelos sentidos, mas também usando as sensações, os sentimentos, as emoções e a intuição para aprender. (MORAES, 1999, p.88) Torna-se pertinente também em nossa reflexão a inclusão do princípio ecológico de redes INEQ - Educação integral
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apresentado por Capra. Este princípio nos permite compreender tudo o que há de forma relacional, dialógica, interligada, apontando que nada existe fora das redes de conexões e de relações. É um pensamento que se estende além da ecologia natural, englobando a cultura, a sociedade, a mente e o indivíduo. O princípio ecológico de redes nos mostra que em todas as escalas da natureza, encontramos sistemas vivos alojados dentro de outros sistemas vivos – redes dentro de redes. Os limites entre esses sistemas não são limites de separação, mas limites de identidade. Todos os sistemas vivos comunicam-se uns com os outros e partilham seus recursos, transpondo seus limites. (CAPRA, 2014, p. 239) Pensar a educação musical a partir do princípio ecológico de redes nos permite contextualizar e conectar os conteúdos antes fragmentados. Nos permite explorar os repertórios musicais trazidos para as aulas de uma forma integral para que estes sejam percebidos e experimentados por todas as dimensões humanas inerentes ao processo. Tal princípio nos permite ainda construir um processo de ensino aprendizagem por meio de trocas de experiências a partir do contexto trazido pelo outro. Pensar a educação musical a partir do princípio de redes implica estender o processo ensino aprendizagem à própria relação professor-alunos-gestão e a partir deste elo de conexões, seguir em busca da redescoberta da própria prática diária considerando a totalidade do ser integrado também à totalidade do seu contexto. Pensando acerca da prática musical, esta precisa ser experimentada por todas as dimensões possíveis. A partir da escuta abrem-se caminhos para que a sensibilidade individual seja desperta, abrangendo emoções e toda corpo-
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ralidade de forma rica e prazerosa. Resgatando o encantamento necessário para o sucesso do ensino aprendizagem. O ser humano é um ser multidimensional e necessita ser tratado como tal nos ambientes educacionais. Os processos de ensino precisam abordar todas as estratégias possíveis para que a sensibilidade e a criatividade se tornem um processo natural dentro da formação musical dos estudantes. É desta forma que a educação musical passa a ser abrangente. Nasce daí uma prática musical viva e eficaz a fluir da própria vida em fluxo que pulsa em todos os envolvidos neste processo. O reconhecimento da multidimensionalidade de pessoas e processos proporciona o enriquecimento das ações de ensinar/aprender música. Na perspectiva dos agentes humanos do processo (professores e alunos), implica a valorização do sentir, da experiência intuitiva (que tem início com a escuta), de emoções e sentimentos, o que conduz naturalmente à presença do corpo e à reconstituição da unidade corpo/mente/espírito. Na perspectiva do conhecimento, implica a busca do equilíbrio entre todas as dimensões – sensível, estética, ética, prática, teórica – o que requer uma renovação nas práticas de ensino e a assunção definitiva de uma direção que vai do fazer musical concreto para a teorização. (PAREJO, 2018, pos.1549) Enfim, cada ser humano que se dispõe a estudar música traz consigo uma cultura, uma compreensão de mundo, uma vida familiar, outra em comunidade, expectativas e desejos que precisam ser considerados, respeitados e minimamente compreendidos pelo educador para que o processo educacional musical seja bem-sucedido. Neste contexto, educador, estudante e até mesmo o próprio entorno conversam entre si, o que faz com que o ser todo
se faça presente no processo todo de ensino aprendizagem. 2. Zygmunt Bauman e a modernidade líquida Zygmunt Bauman7 é um grande crítico da liquidez do mundo contemporâneo. O autor utiliza a expressão “modernidade líquida” justamente para criticar a falta de constância e de profundidade de todos os aspectos da vida contemporânea. Esta é marcada por um fluxo extremo de informações que mudam e se chocam a todo instante. Aquilo que se tem por verdade hoje amanhã já não existirá mais amanhã. Até mesmo o conhecimento que se constrói agora tornar-se-á como vapor de água no futuro. Os relacionamentos são voláteis e as pessoas volúveis e inconstantes, o ser humano, desta forma, precisa se adaptar e se readaptar novamente a cada instante. Neste mundo a flexibilidade está na moda. A futilidade é a nova ordem, os interesses são supérfluos, há ausência de forma definida, há velocidade e voracidade em se consumir. Inconsistência define a vida das pessoas desta geração (BAUMAN, 2011, p.8). Bauman indica que a imobilidade não existe, portanto nada conserva sua forma por muito tempo. Tudo que existe neste mundo líquido moderno está em constante mudança: “as modas que seguimos e os objetos que desper-
tam nossa atenção”. Os acontecimentos que nos atraíam ontem são diferentes das coisas e acontecimentos que nos instigam hoje. “As coisas que sonhamos e que tememos, aquelas que desejamos e odiamos, as que nos enchem de esperanças e as que nos enchem de aflição” estão em constante mudança. (BAUMAN, 2011, p. 7). “Nosso mundo líquido moderno sempre nos surpreende; o que hoje parece correto e apropriado amanhã pode muito bem se tornar fútil, fantasioso ou lamentavelmente equivocado”. (BAUMAN, 2011, p. 8) 2.1 Implicações da modernidade líquida sobre a educação musical [...] caminhar é melhor que sentar, correr é melhor que caminhar, surfar é melhor que correr8. (BAUMAN) Pensar a educação musical no mundo líquido de Bauman é pensar num tipo de aprendizagem que pode ser volátil e sem profundidade, na qual, aspectos da criatividade e da expressividade humana são tratados de forma superficial. Não há tempo para a construção de vivências musicais substanciais para que a apropriação da linguagem musical ocorra de forma legítima e abrangente. Essa urgência de se ter e de se fazer acontecer reduz o universo musical àquilo que a grande demanda do sen-
7 - Zygmunt Bauman (1925-2017) foi um dos grandes pensadores da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra- com destaque para o best-seller Amor líquido, fundamental para a compreensão das relações afetivas hoje. Sociólogo e filósofo, soube se comunicar diretamente com seus leitores, levando milhares de pessoas a pensar a sociedade atual através do conceito de liquidez. Professor emérito das universidades de Varsóvia e Leeds, tem cerca de quarenta livros publicados no Brasil pela Zahar, com enorme sucesso de público. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970. Esta biografia sumária foi extraída da orelha do livro: 44 cartas do mundo líquido moderno. (BAUMAN, 2011) 8 - BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Trad. Vera Pereira. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 115. INEQ - Educação integral
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so comum exige: um entretenimento fast food,
um curso de medicina, por exemplo, pressu-
raso, barato, muito aquém daquilo que o abran-
põe-se que todos estudaram ciências biológi-
gente universo musical realmente é e realmen-
cas e suas disciplinas afins; para um curso de
te nos poderia oferecer. Vê-se, ainda, a educa-
engenharia, sabe-se que todos têm ao menos
ção musical reduzida à recreação em muitas
noções de desenho ou, pelo menos, dominam
escolas, inclusive em escolas de música. Sob
o básico das linguagens exigidas; mas para os
estas concepções a música perde seu foco en-
cursos de música, que na verdade exigem um
quanto linguagem constituída a ser desenvol-
pré-requisito maior que o das demais áreas
vida. Voltando nossos olhos aos estudantes,
(considerando que, tocar um instrumento ou
não existe espaço para a escuta de si nem do
desenvolver o ouvido musical não acontece
outro, não há tempo para a escuta do mundo,
da noite para o dia), aparecem pessoas mui-
pois, num movimento contínuo não há possi-
to despreparadas, que acreditam que sairão
bilidade de concentração, de relaxamento nem
completamente formadas como professores
de se propiciar a sensação de bem-estar que
de música, de um curso superior, em apenas
são inerentes ao aprendizado da linguagem
três anos. Minha crítica é para a mentalidade
musical.
Desta forma, pode-se afirmar que
das pessoas que acham que o curso superior
este tenebroso mundo líquido denunciado por
de música é considerado como outro curso
Zygmunt Bauman é inóspito para a educação
qualquer, onde pode-se entrar sem ter conhe-
musical abrangente e sistêmica.
cimento prévio do assunto. E com o aumento das faculdades particulares, isso virou uma
No turbilhão de mudanças, o conheci-
prática comum, há uma grande quantidade de
mento parece muito mais atraente quan-
profissionais da música formados de forma
do apto ao uso instantâneo e único, aque-
volátil, acelerada, apenas na superficialidade
le tipo de conhecimento oferecido pelos
das questões musicais.
programas de software que entram e saem das prateleiras das lojas cada vez
Forma-se dois tipos de educadores musicais
mais depressa. (BAUMAN, 2011, p. 113)
profissionais: aqueles que tiveram uma formação de nível médio, por tempo considerável e
Refletindo acerca da volubilidade do conhe-
outros que não tiveram as vivências necessá-
cimento que paira no ar deste mundo líquido
rias para uma formação musical abrangente.
alvo das críticas de Bauman, faço uma breve
Isso reflete negativamente na educação musi-
análise da educação musical e da formação do
cal. Os dois tipos de profissionais são iguais
professor de música fast food.
perante as exigências do mercado, porém um deles se formou instantaneamente e, conse-
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Há inúmeros cursos musicais voláteis no mer-
quentemente, ele irá reproduzir sua própria ex-
cado assim como existem muitos professores
periência no processo ensino aprendizagem.
de música fast food. Um grande problema
Este tipo de formação profissional instantânea
que presenciei durante minha formação supe-
é um exemplo da educação volátil no mundo
rior em música foi a discrepância da bagagem
líquido denunciado por Zygmunt Bauman, o
musical entre os estudantes das turmas. Para
lugar onde o conhecimento que é tão valoriza-
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do hoje amanhã não mais o será, pois, neste
sos proporciona o enriquecimento das ações
mundo amorfo, disforme, não há estabilidade
enquanto educadores. A partir da realização
e nenhum tipo de segurança que possa resistir
desta pesquisa, pude concluir que o pensa-
além deste dia.
mento sistêmico é complexo e valoriza contextos. Isso é fundamental para o processo de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ensino/aprendizagem. Como nos disse Morin, o ser humano é a um só tempo físico, biológi-
Após a análise das ideias de Fritjof Capra sobre
co, psíquico, cultural, social, histórico; uma uni-
a concepção sistêmica do mundo, conclui-se
dade complexa requer intervenções comple-
que tudo o que existe ao nosso redor se conec-
xas que possam; atender à variedade humana,
ta. O universo é formado por uma cadeia infini-
pois, não somos todos iguais com relação a
ta de relações e conexões. Nada está isolado.
formas de aprendizado.
Tudo e todos estão em constante processo de troca, que se efetua de forma concreta por
Ao analisar e discutir a reflexão de Bauman so-
meio de um intercâmbio constante de fótons,
bre a liquidez do mundo moderno, conclui-se
entre os diferentes corpos, objetos, e entre es-
que a superficialidade do ensino atual é cau-
tes e o ambiente.
A partir do conhecimento
sada pelos princípios mercadológicos que o
dessa profunda conexão dos sistemas e das
neoliberalismo trouxe para o âmbito escolar,
redes, onde se inserem outros sistemas de re-
principalmente nas escolas particulares. Com
des, e assim por diante, já não faz sentido ter
a realização desta pesquisa percebe-se ainda
a educação pautada no pensamento cartesia-
que, o ensino volátil se estende para a forma-
no e fragmentador dos seres e dos processos.
ção profissional dos educadores musicais.
Por meio desta pesquisa, tornou-se possível
Ressalta-se aqui, uma crítica à volatilidade do
comprovar que excluir o corpo do processo,
ensino que forma esses profissionais e tam-
é um dos grandes erros que se pode cometer
bém à mentalidade das pessoas que acham
no processo educacional, pois, como Damásio
que o curso superior de música possa ser con-
nos apresenta, as emoções são estados do
siderado como outro curso qualquer, onde po-
corpo e não apenas conceitos abstratos e im-
de-se entrar sem ter conhecimento prévio do
palpáveis do plano subjetivo. As emoções são
assunto. Isso gera um total movimento redu-
fundamentais para nossa vida racional.
cionista de sua complexidade. Música envolve antes de tudo a expressão e a compreensão
Considera-se uma forma de desrespeito à tota-
de uma linguagem. Portanto necessita-se de
lidade humana e ao próprio entorno ambiental
um preparo prévio para o sucesso e excelência
que o pensamento fragmentador ainda pos-
das intervenções profissionais, considerando
sa existir e com tamanha força, no ambiente
a complexidade tanto de educandos, de edu-
escolar; é um desrespeito à vida que jovens
cadores e também dos processos de ensino
e crianças passem longos períodos sentados
aprendizagem do abrangente universo musi-
numa mesma posição sendo reconhecidos
cal.
como intelecto apenas. O reconhecimento da multidimensionalidade de pessoas e procesINEQ - Educação integral
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A UTILIZAÇÃO DA ARTE CINEMATOGRÁFICA COMO POSSIBILIDADE DE NOVOS CAMINHOS PARA A EDUCAÇÃO
Felippe Nagato RESUMO A arte cinematográfica pode proporcionar ações pedagógicas interdisciplinares que colaborem no desenvolvimento das competências previstas na Base Nacional Comum Curricular. O objetivo deste artigo é apresentar práticas educativas dentro do contexto da cinematografia para serem empregadas nas instituições de ensino básico. Essas práticas permitem ao aluno delinear a concepção de arte por meio das ideias e da criatividade. O estudo aborda o método de pesquisa qualitativa baseado em reflexões de autores dessa mesma área e, também, enfatiza a natureza exploratória de práticas sistemáticas que possibilitam ao aluno participar diretamente de todo o processo, culminando em sua própria formação integral. O resultado dessas ações pode promover mudanças que repercutem nas relações pessoais e interpessoais do aluno e que o auxiliem no enfrentamento das dificuldades da vida cotidiana. Sob essa ótica, a arte cinematográfica é capaz de englobar múltiplos componentes curriculares e oferecer recursos que possibilitem a aprendizagem ativa na educação de crianças e jovens. Palavras-chave: Arte cinematográfica; Educação; Cinema; Arte-educação. ABSTRACT The cinematographic art can provide interdisciplinary pedagogical actions that collaborate in the development of the competencies provided
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for in the Brazilian Common National Curricular Base. The purpose of this article is to present educational practices within the context of cinematography to be used in primary and secondary education institutions. These practices allow the student to outline the concept of art through ideas and creativity. The study addresses a qualitative research method based on considerations by authors in the same area and also emphasizes the exploratory nature of systematic practices that enable students to participate directly in the entire process, culminating in their own comprehensive formation. The result of these actions can promote changes that have an impact on the students' personal and interpersonal relationships and that assist them in facing the difficulties of daily life. From this perspective, cinematographic art is capable of encompassing multiple curricular components and offering resources that enable active learning in the education of children and young people. Keywords: Cinematographic art; Education; Cinema; Visual arts education. INTRODUÇÃO Estamos vivendo num tempo de transformações socioculturais, obstáculos constantes nas pautas educativas e o desafio de educar gerações para um futuro repleto de incertezas. Faz-se necessário uma mudança de olhar para um aprendizado ativo e experimental. Cabe ao educador promover ações diferenciadas, onde o aluno seja realmente
o centro do processo da aprendizagem. O desinteresse dos alunos pelas atividades escolares revela uma das principais dificuldades que a educação passa diariamente em todo o mundo. Esse desinteresse está relacionado a diversos fatores como a infraestrutura do ambiente escolar, o relacionamento entre professor e aluno, o acompanhamento familiar, a metodologia de ensino, etc. Naturalmente, as escolas buscam um equilíbrio entre esses fatores para alcançar condições adequadas de ensino e aprendizagem. É comum notar que a maioria dos alunos possui uma preferência por aulas práticas, uma vez que é mais interessante aprender a partir da experiência. Todo conteúdo teórico que não fizer sentido para o aluno, ou seja, aqueles conhecimentos que eles julgarem não úteis para suas vidas, aos poucos, caem no esquecimento. Consequentemente, ocorre um desinteresse natural e justificável para a falta de atenção e participação durante as aulas, como também a apatia em face a qualquer iniciativa do professor, além de outros problemas mais graves como a própria evasão escolar (MORALES e ALVES, 2016). A razão pela qual vivemos é poder conhecer aquilo que nunca vimos e que nos leva a um sentimento de alegria e satisfação. E a arte de educar é transmitir com eficácia o conhecimento científico, os princípios morais e as demais preciosidades que a humanidade acumulou durante todos esses anos. Sabemos que o ser humano, através dos tempos, revelava sua capacidade de expressar em tudo que via e sentia como forma de comunicação. O registro dessas expressões representa o que hoje chamamos “arte”. Desse modo, conhecemos um conjunto de linguagens: pintura,
escultura, dança, música, literatura, fotografia e teatro. Essas manifestações artísticas fizeram florescer as mais belas criações reveladas no planeta, propiciando também o surgimento de outras áreas do conhecimento. Ao longo da história, algumas criações tecnológicas propiciaram o nascimento de outras artes, entre elas, a arte cinematográfica. Assim, como toda arte, a cinematografia também possui uma linguagem. Esta se comunica com o ser humano por meio de imagens em movimento, cores, luzes, enquadramentos, sons, etc. e transfere sentimentos, conta histórias e pode mobilizar toda uma sociedade. Uma obra cinematográfica ou um filme é um produto audiovisual que pode ser apresentado no cinema, na televisão e em outros meios de difusão. Ela se origina a partir de uma ideia de história a ser contada e cruza pelas diversas áreas da produção cinematográfica: do roteiro até a edição. Um filme possui um grande poder de comunicação, pois confere recursos que viabilizam o alcance a uma variedade de públicos pelo mundo. Além disso, ele mexe com o lúdico, a magia e traz a experiência prazerosa de um mundo onde tudo pode acontecer, sendo assim uma fonte de entretenimento universal que agrada e conquista. E, de acordo com Loureiro (2006), ele representa uma ferramenta eficaz na formação humana por conter crenças, valores e comportamentos éticos e estéticos integrados à vida em sociedade. Por isso, a arte cinematográfica deve ser vista como uma forma de aprendizagem na educação e que pode intensificar conhecimentos, habilidades cognitivas, socioemocionais e culturais nos alunos.
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O objetivo deste artigo é apresentar a arte cinematográfica como um caminho facilitador para a educação por meio de práticas educativas a serem empregadas nas instituições de ensino básico. Para a consecução do mesmo, o estudo aborda o método qualitativo de pesquisa mediante considerações de autores que se dedicaram ao tema e, também, por práticas pedagógicas contextualizadas e sistemáticas, obedecendo ao processo dinâmico e imagético da cinematografia. 1. Arte cinematográfica na educação A educação no Brasil passou por inúmeros debates e discussões ao longo de muitos governos com a colaboração de seus gestores e por meio de consultas e audiências públicas (BRASIL, 2020). Assim, emergiu a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que é um documento normativo usado como referência para a elaboração de currículos e demais políticas educacionais por todas as instituições de ensino que oferecem educação básica no país. Essas competências devem ser desenvolvidas em conjunto com as habilidades dos componentes curriculares presentes em cada área do conhecimento. E a arte representa um dos componentes curriculares inserida na área de linguagens. A base especifica as artes visuais, a dança, a música e o teatro como linguagens artísticas e afirma que: Essas linguagens articulam saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas. A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte. (BRASIL, 2018, p.193)
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Além disso, expõe que: É importante que o componente curricular Arte leve em conta o diálogo entre essas linguagens, o diálogo com a literatura, além de possibilitar o contato e a reflexão acerca das formas estéticas híbridas, tais como as artes circenses, o cinema e a performance. (BRASIL, 2018, p.196) A BNCC apresenta a arte como componente importante para o ensino e adiciona possibilidades de avanço no aprimoramento da proposta curricular. O audiovisual, que abrange o cinema, a televisão e o vídeo, engajados no âmbito das artes, pode oferecer recursos de aprendizagem na formação de crianças e jovens. Assim, a arte cinematográfica pode instituir na educação básica disciplinas curriculares obrigatórias ou optativas, atividades extracurriculares e, também, a realização de projetos interdisciplinares por meio da apreciação e da produção de filmes (RIZZO JUNIOR, 2011). Não há limites para se trabalhar com o audiovisual na educação. O alcance das práticas pedagógicas usando o cinema vislumbra escolas públicas e particulares, igualmente acontece para as pessoas que não concluíram os estudos na idade apropriada e que fazem parte do programa do governo Educação para Jovens e Adultos (EJA). O cinema é capaz de englobar diversas atividades necessárias para formar uma obra fílmica e, por essa razão, ele goza de um amplo espaço para que todos possam usufruí-lo. O importante é sempre compreender as características de cada turma que se irá trabalhar, incluindo a faixa etária, a maturidade, a experiência de
vida e outras heterogeneidades visíveis nos estudantes, cabendo ao professor remodelar as práticas educativas conforme a conveniência. Mesmo diante de uma turma altamente indisciplinada, com alunos repetentes e desinteressados, a produção de um filme pode atrair a atenção e melhorar a autoestima de toda uma turma. Trata-se de um exemplo ocorrido no Colégio Estadual Almirante Tamandaré, localizado em São Pedro da Aldeia (RJ), vivenciada por uma professora que conseguiu resgatar alunos que odiavam escrever: entregarem um roteiro de quatro páginas, motivá-los a conseguir os equipamentos de filmagem, gravarem um filme e, por fim, proporcionar uma mudança positiva no comportamento que foi refletida nas demais disciplinas do colégio (CHAMARELLI, 2009). Vários professores tentam fazer uso do audiovisual como um recurso pedagógico no âmbito da sala de aula. Holleben (2007) explica que, quando se trata de cinema, é mais comum que essas tentativas englobam a exibição de filmes ou parte deles como forma de auxiliar o estudo de conceitos e ideias presentes nos objetos de conhecimento. Mas alguns cuidados devem ser tomados para não tornar a exibição de um filme algo desagradável. Coutinho (2002) afirma que existe uma disparidade temporal entre o cinema e a escola, pois os filmes não são planejados para esta última e, por isso, gera um impedimento para que eles sejam exibidos na sua forma integral. Outro ponto, apresentado por Holleben (2007), é que o cinema reproduz imagens e sons e, portanto, para assegurar uma experiência capaz de envolver os alunos e causar a comoção esperada pelo filme é necessária uma boa qualidade de exibição: como uma tela grande, um bom sistema de som e condições ergonômicas adequadas.
Frequentemente, os filmes são utilizados como material de reflexão e análise crítica. Machado (2012) exemplifica que, no componente curricular de Biologia, é possível utilizar o filme “O sexto dia” (SPOTTISWOODE, 2000) como forma de tratar de assuntos ligados a clonagem humana, bioética, organismos transgênicos, etc. Já para o ensino de Física, o filme “Interestelar” (NOLAN, 2014) conta com a contribuição de consultores físicos e matemáticos na elaboração da história, a fim de evitar a violação das leis da física e conhecimentos já estabelecidos a respeito do universo (GHIZONI e NEVES, 2018). De fato, a arte cinematográfica abre um leque de possibilidades para a interdisciplinaridade, já que ela é favorável a abraçar diversos componentes curriculares e objetos de conhecimento, simultaneamente. 2. As práticas educativas Um campo que deve ser pensado dentro da arte cinematográfica voltado para a educação é a atividade da realização. A produção cinematográfica abrange uma variedade de competências e habilidades que são necessárias para percorrer as fases da execução de um filme. O propósito de se utilizar a produção cinematográfica é desenvolver e expandir nos alunos o melhor de suas potencialidades individuais e colaborativas na formação linguística, corporal e expressiva, além de possibilitar a prática de questionamentos, separação, gestão, avaliação e apresentação de materiais por eles criados ou pesquisados. A realização de um produto audiovisual passa por três fases: pré-produção, produção e pósINEQ - Educação integral
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-produção. A pré-produção é caracterizada pela preparação e organização de todos os elementos fundamentais para a filmagem, isto é, o roteiro, a equipe técnica e artística, os equipamentos, a seleção de locações, os objetos de cena etc. A produção corresponde a filmagem em si, ou seja, a gravação das cenas do filme. Já a pós-produção representa a montagem e a edição das imagens, dos sons, dos efeitos etc. que compõem o produto audiovisual final. Para toda atividade desenvolvida durante a produção de um filme é esperado vinculá-la a uma finalidade concreta que dará aos alunos um sentido apreciável e motivador para concluí-la, ou seja, o propósito de escrever o roteiro de cinema é produzir o filme a partir dele. Outra possibilidade motivadora é a participação deles em festivais de roteiro nacionais e internacionais como um desafio competitivo, além de poder conhecer obras de outros participantes. Toda essa abordagem se espelha no método de aprendizagem conhecido por metodologia ativa, no qual o estudante aprende por meio da experiência prática, ao invés de apenas ouvir passivamente de um professor. As tarefas da vida real se refletem nas atividades realizadas para a aprendizagem em que os alunos se mostram envolvidos ativamente durante o processo. Posto isto, as práticas educativas a sobrevir devem ser adaptadas para cada segmento da educação, respeitando as idades dos alunos e as características individuais de cada um. Elas também podem admitir níveis de exigência diferenciados, substituídas ou eliminadas conforme as condições e especificidades das turmas.
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No decurso das práticas educativas, os estudantes podem receber uma orientação sobre o surgimento do cinema que compreende desde a invenção da câmera, os grandes cineastas, o cinema mudo, as tecnologias envolvidas, até a forma como os filmes são realmente gravados. Além disso, são mostrados os bastidores de cada cena, a execução dos efeitos especiais, a atuação da equipe artística e técnica, o antes e depois das cenas gravadas, assim como os passos demandados na produção de um filme. Apresentar todos esses elementos e aguçar a curiosidade dos alunos são essenciais para o entendimento e a percepção da dinâmica do cinema. Note que, nessa ocasião, muitas perguntas podem aflorar, juntamente com o interesse em desvendar as particularidades de um todo que compõem a produção cinematográfica. Revelar os momentos de descontração dos atores e os erros por eles cometidos durante a produção dos filmes, já conhecidos pelos estudantes, é fundamental para gerar mais interesse pelo tema, especialmente se os mesmos fizeram grande sucesso na época em que foram lançados. 2.1 Pré-produção É a fase que vai impulsionar a concretização do produto audiovisual, caracterizada pela preparação e organização de todos os elementos fundamentais para a filmagem. 2.1.1 Criação de histórias Uma das primeiras atividades práticas que podem ser exploradas pelo professor é da criação de histórias. O potencial criativo é um dos principais recursos de motivação natural do ser humano e, ainda, é uma ferramenta que o ajuda a vencer grande parte de seus problemas experimentados no seu dia a dia e “desen-
volver projetos autorais e coletivos” (BRASIL, 2018, p. 65).
um conflito para garantir a progressão narrativa.
Durante a educação infantil, é muito comum nas escolas o uso das tradicionais rodas de histórias e que, no cinema, pode ser aplicado nas demais etapas da educação básica. Essa prática permite a utilização de diferentes linguagens que contribuem para que os estudantes se expressem, partilhem informações, experiências, ideias e sentimentos, bem como produzir sentidos que os levem ao diálogo e à cooperação (BRASIL, 2018, p. 65).
No desenrolar do processo criativo, é interessante que cada ação dos personagens e descrição dos ambientes por eles vividos sejam devidamente anotados pelo professor e pelos alunos. Essa atividade pode ser repetida mais de uma vez a fim de criar outras histórias ou, conforme a necessidade, aprimorar e adaptar a atual. Mais tarde, uma delas deverá ser escolhida pelos alunos como a mais instigante e apropriada para virar um filme.
Uma situação ou personagem pode servir como ponto de partida para dar vida a uma nova história com a contribuição e a imaginação de todos os participantes. A ideia pode nascer também a partir de pesquisas em jornais, revistas, reportagens, obras literárias, comentários verbalizados por amigos, experiências passadas ou presentes dos alunos e, também, baseadas em temas focados na consciência socioambiental, nos direitos humanos e em outras questões do mundo contemporâneo (BRASIL, 2018) que sejam compatíveis com a proposta pedagógica da escola. E todas elas, podem sugerir ótimas histórias.
2.1.2 Argumento e o roteiro
Os alunos também podem se posicionar criticamente com os materiais de pesquisa usados para o desenvolvimento de suas histórias, escrever comentários de ordem estética e afetiva e justificar suas apreciações por meio de notas e resenhas (BRASIL, 2018, p. 157). No decorrer da roda de história, o professor pode interferir e dar um novo rumo a narrativa por meio de revelações ou escolhas que levam a ações súbitas dos personagens que estejam contidas no enredo principal. Esse paradigma é conhecido por ponto de virada. O professor pode explicar sobre a importância de se criar
Em seguida ao processo criativo, o professor pode solicitar aos alunos escreverem um argumento de cinema a partir do material anotado anteriormente. Este é escrito em prosa e no tempo presente, apresentando os personagens, as situações vividas por eles e os detalhes significativos para o entendimento geral. Vale ressaltar que o argumento cinematográfico já é um produto, pois contém toda a concepção de uma história completa. Nessa etapa, caso a disponibilidade de tempo for limitada ou a turma não possuir um discernimento apropriado para redigir textos maiores, o professor pode elaborar esse documento para materializar e consolidar a história criada pelos alunos na sequência criativa anterior. Os argumentos criados poderão ser lidos em voz alta pelos alunos. É de se esperar que a base da história contida em cada argumento seja algo comum a todos os estudantes, porém, graças às possibilidades imaginativas de cada um, os contextos, as situações e o próprio enredo podem sofrer variações e não devem ser reprimidos.
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Após a leitura de um argumento, os demais alunos ouvintes podem opinar, sugerir e se divertir com a história apresentada. Finalmente, o argumento que se mostrou mais promissor deve ser selecionado pelos alunos para dar início ao roteiro. O roteiro de cinema conta a história como ela é vista no filme. Ele possui um formato próprio contendo uma construção composicional de cena, ação, diálogo e transição e é útil para guiar a produção cinematográfica em todas as suas etapas. Esse conhecimento deve ser ensinado adequadamente para os estudantes elucidando seus conceitos, suas partes e com exemplos baseados em filmes famosos. A base para a escrita do roteiro deve ser o argumento e é aconselhável que ele seja fiel a história presente no argumento previamente escolhido. O professor pode sugerir aos alunos a criarem o roteiro de forma individual, em grupos ou por todos ao mesmo tempo, assim como, ele deve auxiliar na construção do mesmo durante todo o processo. Repare que as tarefas que transcorrem em cooperação por mais de um aluno durante a produção, por exemplo, de um roteiro, propicia a utilização de softwares ou plataformas digitais colaborativas de edição de texto. O professor pode trabalhar, em consonância com a BNCC, com múltiplas competências específicas na área de linguagens, em especial, de língua portuguesa. O mesmo ocorre com as habilidades, pois essas atividades promovem, com a ajuda do professor, o estabelecimento de expectativas em relação ao texto, bem como seu planejamento, linguagem, organização e tema, abrindo pos-
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sibilidades para a releitura e a revisão de textos produzidos, para corrigi-los e aprimorá-los, fazendo cortes, acréscimos, reformulações, correções de ortografia e pontuação (BRASIL, 2018, p. 95). A partir do roteiro, os ensaios já se tornam praticáveis e permitem que a equipe técnica e artística possa se familiarizar com os espaços, as movimentações dos atores, a memorização e entonação dos diálogos, a interpretação dos personagens, as improvisações etc. Veja que todos esses itens podem ser associados ao teatro, pois este, também, constrói uma experiência artística multissensorial que aproxima o aluno de seus colegas. Se a escola oferece o teatro no seu currículo, seria possível integrar essas duas linguagens – cinema/teatro – de forma proveitosa aos envolvidos. 2.1.3 Decupagem Uma vez que o roteiro possui o propósito de virar um filme, ele precisa ser decupado. A decupagem representa o planejamento da filmagem a partir do roteiro. Isso inclui localizar, identificar e separar elementos presentes no texto, como os objetos de cena, figurinos, locações etc. A primeira tarefa que pode ser realizada pelos alunos é gerar uma lista com todos os objetos de cena que eles puderem encontrar no roteiro. Essa lista pode ser dividida em duas colunas: os objetos que os atores interagem ao longo das cenas e os demais objetos citados que aparecem de alguma forma no filme. Outra lista a ser gerada é a do figurino. Ela deve ser dividida por personagem e deve incluir as roupas e objetos que integram o seu visual. Por exemplo, se o personagem usa camisa com mangas, boné, óculos escuros e relógio,
esses itens devem constar nessa lista. Após a conclusão dessas tarefas, o professor pode supervisioná-las nomeando os itens, um a um, e pedindo que os alunos os verifiquem em suas listas. Os locais físicos onde se deseja realizar as gravações são conhecidos como locações. Assim como os objetos de cena e os figurinos, eles também precisam ser previamente identificados. No entanto, os alunos devem ser orientados que toda locação requer uma autorização de uso do espaço e do tempo pelo locador. Isso caracteriza-se pela civilidade e respeito ao próximo, e que deve ser um exemplo de conduta ao almejar o uso de bens e serviços de qualquer pessoa ou empresa. A título de exemplo, considere que exista uma cena que se passa numa biblioteca. Se a escola possui uma, deve-se pensar numa estratégia de abordagem entre aluno e bibliotecário, de modo que a comunicação entre as partes ocorra de forma amistosa e polida. Neste caso, é interessante que o bibliotecário fique ciente que um ou mais alunos poderão se apresentar à biblioteca para este fim. Durante a abordagem, os alunos devem tomar nota das possíveis datas e horários para a utilização daquele espaço, com o intuito de, mais tarde, debaterem e definirem o melhor momento para que a cena seja gravada. Por fim, essa definição deverá ser agendada diretamente com o bibliotecário.
O planejamento busca otimizar a gravação e evitar o retrabalho. Por exemplo, se duas cenas possuem uma locação em comum, procura-se filmá-las no mesmo dia, mesmo que elas ocorram em momentos diferentes no roteiro. Ou seja, é possível filmar fora da ordem das cenas da narrativa e, depois, reordená-las na montagem final. Isso diminui o número de vezes demandado para montar e desmontar os equipamentos de filmagem e solicitar novos dias de gravação com o locador. O professor pode agrupar os alunos para que eles possam encontrar a maneira mais eficiente de usar o tempo que é oferecido a eles. Independentemente da idade, o jovem possui dificuldades em mensurar o tempo necessário para realizar uma determinada tarefa. Essa noção temporal pode ser trabalhada juntamente com algumas atividades práticas ou mesmo durante os ensaios do filme. Com a ajuda de um relógio ou cronômetro, os alunos podem marcar e anotar o tempo requerido para aprontar os equipamentos, realizar uma gravação de um trecho do roteiro (ou de um filme qualquer), desmontar e guardar todos os itens no seu devido lugar.
2.1.4 Plano de filmagem
Anotações textuais contendo a relação dos objetos de cena, do figurino, do elenco, das funções dos membros da equipe e da estimativa de tempo de gravação das cenas de cada dia da filmagem sempre se mostram úteis para efeitos de organização, especialmente, se a gravação do filme ocorrer fora do horário de aula ou das dependências da escola.
O plano de filmagem consiste no planejamento dos dias em que cada uma das cenas será filmada, incluindo os horários de início e término, além de pausas para descanso e refeição.
Note que as filmagens em espaços diferenciados como clubes esportivos e recreativos, templos, lojas etc. possibilitam a escola a interagir com a comunidade em sua volta, promovendo INEQ - Educação integral
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a socialização e a ampliação das experiências dos envolvidos.
ser tomados para não danificá-lo, podendo resultar numa perda auditiva permanente.
Durante as atividades de planejamento da filmagem, os estudantes precisam ter o contato direto com a câmera, o microfone, a iluminação, a claquete, os fones de ouvido, o gravador de áudio, a vara de boom, os tripés etc. Ou seja, todos os equipamentos que foram possíveis adquirir para a realização desta produção, sendo que é imprescindível que cada um deles seja apresentado a todos os alunos, ensinando sobre sua finalidade, modo de funcionamento, regras de utilização e segurança. Os equipamentos abrem portas para múltiplos conhecimentos que, muitas vezes, estão conectados a outros componentes curriculares. Por exemplo, o microfone é um instrumento que permite a captura das falas dos personagens e outros tipos de sons.
O uso correto dos fones de ouvido é uma prática indispensável na vida de qualquer pessoa, principalmente dos jovens que possuem o hábito de escutar músicas em volume elevado.
No entanto, o local escolhido para realizar essa captura pode provocar problemas no áudio que são diretamente ligados à acústica do ambiente. Esse fato deve ser levado em consideração durante o planejamento das gravações e, por isso, o professor pode aproveitar a ocasião para desvendar assuntos específicos sobre a propagação do som, como o caso da reverberação, do eco e da frequência sonora, todos contidos no componente curricular da Física. E, ainda, ele pode explicar ou sugerir aos alunos pesquisarem e refletirem formas de como solucionar problemas de natureza sonora. Os fones de ouvido também possuem o potencial de serem associados à Biologia, pois os sons emitidos por eles são capturados pela orelha humana. A orelha possui estruturas internas compostas por órgãos responsáveis por transformar as vibrações sonoras em impulsos elétricos. Sendo assim, o órgão da audição é muito sensível e, por isso, cuidados devem
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Recorrendo a uma abordagem rápida e curiosa, pode ser intrigante a comparação auditiva dos seres humanos com a de outros animais e, não só isso, poderia vincular esse conhecimento à especificação técnica dos fones de ouvido, já que muitos estudantes se interessam na compra de acessórios para fins de entretenimento. A câmera moderna e outros dispositivos utilizam cartões de memória para armazenar fotos, áudios e vídeos e esse armazenamento se dá por meio de um sistema de arquivos que são comumente operados por computadores e celulares. Na produção de um filme, esse e outros conhecimentos são significativos na elaboração de documentos, acesso a materiais audiovisuais, edição e distribuição. A BNCC prevê o uso de tecnologias em suas competências gerais da educação básica, uma vez que a cultura digital já é uma realidade neste século. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. (BRASIL, 2018, p.9) Apesar da tecnologia estar fortemente presente no dia a dia dos jovens, podendo ser celu-
lares, computadores e afins, eles costumam usá-la apenas para se comunicar com amigos, tirar selfies e consumir informação. No entanto, o seu uso poderia estar mais imerso na criação de conteúdos e na formação de novos paradigmas científicos, pois, somente assim, eles poderão conhecer e extrair todo o seu potencial. Para isso, os equipamentos cinematográficos associados com as atividades e a interação social promovidas pelo cinema podem encorajar a prática da compreensão plena da tecnologia contemporânea. Assim, o professor deve ficar atento às práticas que despertam mais interesse aos estudantes e que possam se correlacionar com objetos de conhecimento interdisciplinares. Estas devem ser inseridas de modo mais natural possível, seja a título de curiosidade ou com intuitos específicos, preferencialmente, contidos no plano pedagógico escolar. Note que as Ciências da Natureza estão diretamente ligadas ao funcionamento de uma câmera fotográfica/filmadora, por conta de suas lentes integradas na objetiva, do obturador e outras partes mecânicas ou digitais. É também admissível comparar o funcionamento do sensor eletrônico de imagem ao uso da película fotográfica/cinematográfica, respectivamente, com a Física e a Química. A iluminação se conecta aos conceitos físicos como eletricidade, calor e ondas eletromagnéticas. Assim como a comunicação, por um walkie-talkie, muito comum na produção cinematográfica, demonstra a codificação e a decodificação do som por meio da propagação eletromagnética. Tanto a iluminação como a comunicação seguem os princípios físicos com suas limitações práticas em múltiplos
ambientes. A origem e a história dos mais variados equipamentos podem servir de curiosidade durante sua apresentação, pois oferecem uma chance diferenciada de ensinar o funcionamento de suas partes. Considerando a tecnologia contemporânea, os estudantes podem ainda se interessar pela geração de conteúdo em três dimensões (3D), já que as principais plataformas de compartilhamento de vídeo viabilizam esse suporte. Os vídeos em 3D podem ser vistos de diferentes maneiras, incluindo o método mais comum conhecido como anáglifo que utiliza óculos com filtros vermelho e azul. Assim, fazendo uso de duas câmeras iguais e aplicando os conhecimentos físicos e biológicos para alcançar esse efeito, o professor pode incentivar os estudantes a compreenderem a técnica e encontrar a melhor forma de reproduzi-la. 2.1.5 Efeitos especiais Dependendo da história, é possível que a produção opere efeitos especiais como chuvas, ventos, fumaças, vidro falso etc., bem como efeitos criados a partir da maquiagem, comumente usada para caracterizar um personagem e as situações por ele experimentadas. Esses e outros tipos de efeitos podem abrir novos caminhos na educação por meio de pesquisas e experiências práticas que abrangem áreas como a Física, a Química e a Biologia. Quando a escola possui laboratórios temáticos, esses recursos podem ser explorados com mais facilidade, contando com a assistência direta do professor associado e todo o embasamento científico relacionado com o assunto. INEQ - Educação integral
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Tendo como exemplo o vidro falso, o professor poderia fabricá-lo junto com os alunos e explicar o processo químico envolvido. O vidro falso é utilizado no cinema nos momentos em que o ator precisa quebrar um objeto, supostamente, feito de vidro ou cerâmica sem que o leve a sofrer qualquer tipo de lesão física. Isso torna a gravação do filme mais segura para todos. Outro efeito muito comum no cinema é a miniatura. Ela permite criar cenários e objetos que podem ou não interagir com os atores. Uma miniatura pode ser construída a partir de maquetes ou modelos previamente fabricados. Ao aplicá-la à escala de seu tamanho real dentro do filme, o estudante estará aprendendo assuntos contidos na unidade temática “grandezas e medidas”, o que favorece a integração da Matemática com outras áreas do conhecimento como a Ciência e a Geografia (BRASIL, 2018, p. 273). Independente do efeito especial desejado, este deve ser testado antes do dia da gravação, a fim de conhecer todas as dificuldades envolvidas para criá-lo e reproduzi-lo. 2.2 Produção cinematográfica A produção é o momento em que o filme é cinematografado. Para tal, o ato de filmagem requer uma atenção especial com relação a um dos vários itens que foi planejado na etapa da pré-produção, qual seja: a logística quanto à preparação e ao uso dos equipamentos cinematográficos que serão usados na etapa da produção envolvendo as seguintes ações: preparar os cartões de memória, carregar a energia de pilhas e baterias, realizar a limpeza de objetivas, separar materiais diversos como fitas adesivas, canetas, marcadores e outros itens que possam ser necessários durante a filmagem. Neste item, o professor deve decidir
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se é razoável atribuir algumas dessas responsabilidades aos estudantes conforme sua própria necessidade e/ou como uma oportunidade interessante na educação. A expectativa para a primeira gravação é que todos consigam honrar o compromisso de chegar na hora combinada. Isso nem sempre é fácil e pode gerar atrasos nas tarefas seguintes. É esperado que imprevistos de natureza diversa ocorram ao longo da gravação. Alguns de solução simples e outros de maior complexidade. O professor precisa ficar atento para analisar a situação, ouvir as possíveis soluções dos alunos e iniciar uma rápida avaliação junto a eles, a fim de não ferir as regras locais, evitar novos problemas e tomar ações equilibradas. Uma função importante no meio cinematográfico é o continuísta. Ele é responsável por detectar erros de continuidade na história. Isso acontece, pois, normalmente, as cenas não são filmadas linearmente conforme está no roteiro e, de um plano para outro, erros podem ser cometidos pela equipe artística ou técnica. Por exemplo, feridas de personagem que mudam de posição ao longo do tempo, objetos que desaparecem e reaparecem ou mudam de cor etc. Um continuísta precisa ter um grau de atenção e minúcia elevados. É pertinente atribuir previamente essa função a alunos que tenham essas características. Outra função de destaque é o assistente de direção que possui como uma de suas atribuições garantir que o plano de filmagem seja cumprido. Ademais, ele precisa atuar como mediador entre todas as equipes. Existem ocasiões que seja necessário controlar a movimentação ou exigir silêncio de pes-
soas que não sabem que um filme está sendo gravado naquele instante, sendo assim, alguns alunos podem ser designados para monitorar e tomar ações para evitar a interrupção da filmagem. A comunicação é fundamental nesses casos, já que esse controle só deve ocorrer instantes antes do diretor gritar a palavra “AÇÃO” e finalizar logo após ele dizer “CORTA”. Ao encerrar a gravação do dia, os equipamentos devem ser desmontados e devidamente guardados. Os espaços utilizados na filmagem devem ser limpos e organizados da mesma disposição em que foram encontrados. Veja que muitas são as diversas tarefas que podem ser requeridas durante a gravação de um filme e que atitudes ativas, trabalho em equipe, organização e disciplina são essenciais para se alcançar um bom resultado. 2.3 Pós-produção Na pós-produção, os planos capturados em vídeo são ordenados, selecionados e montados na linha do tempo de um software de edição. Esse processo também inclui a inserção de trilhas sonoras, efeitos visuais e sonoros, dublagens, correção de cores etc. Por isso, a fase de pós-produção costuma tomar mais tempo que a própria gravação do filme, podendo levar meses para ser completado dependendo das atividades que se deseja incluir. Na Internet pode ser encontrado vários softwares de edição de vídeo gratuitos e é aconselhado ao professor conhecer pelo menos um deles para apresentar aos alunos. Como é de se esperar, tutoriais e até cursos completos sobre eles estão disponíveis nas principais plataformas de compartilhamento de vídeo. É possível que a flexibilidade de ensinar edição
de vídeo esteja limitada em algumas situações, seja pelo número de alunos interessados quanto a outras questões como a disponibilidade de tempo em sala de aula e de computadores para desempenhar essa atividade. Caso a escola disponha de um laboratório de informática para os alunos, o professor associado já poderia fazer uma iniciação na área de edição de vídeo, preferencialmente, usando o mesmo software que será utilizado para montar o filme. Se for verificado alguma dessas dificuldades ou outros fatores que impossibilitem a edição do filme pelos alunos, o professor pode chamar essa responsabilidade para si e mostrar o resultado final para a turma posteriormente. A edição pode ser feita por meio de dispositivos móveis como tablets e celulares, porém essa experiência, provavelmente, será mais trabalhosa. 2.3.1 Dublagem A dublagem é um processo usado na produção cinematográfica para adicionar ou substituir gravações de voz de forma sincronizada com a produção audiovisual original. Essa prática é vista quando um filme produzido num país de língua estrangeira é apresentado no idioma nativo de quem o assiste. Outro caso comum é quando os diálogos do ator original são regravados após a filmagem, normalmente, por ele mesmo, com a finalidade majoritária de melhorar a qualidade sonora. Este último é conhecido pelo nome de Automated Dialogue Replacement (ADR) e, considerando a proposta apresentada neste artigo, o ADR se mostra bastante útil ao filmar dentro de uma escola ou qualquer outro local que possa gerar sons indesejáveis e não controláveis pela INEQ - Educação integral
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equipe de produção. Para cumprir essa atividade, um roteiro deve ser elaborado contendo as marcações de tempo associadas aos diálogos, suspiros, gritos e outros sons emitidos pelos personagens. Ele pode ser feito pelo professor ou por alunos interessados. A escolha de um momento ideal sem a interferência de sons externos contribui com os resultados finais, assim como um ambiente que não cause uma intensa reverberação sonora que prejudique a captura do som. O aluno-dublador deve ficar próximo ao microfone, usando os fones de ouvido para receber o áudio original do filme ao mesmo tempo que faz a dublagem. O professor repete a exibição de um trecho da cena três vezes. A primeira, permite que o aluno faça o reconhecimento daquilo que será dublado. Na segunda vez, o aluno faz um ensaio, enquanto o professor atesta o sincronismo labial dos diálogos. Por último, a gravação é realizada. Em meio a esse processo, o aluno também pode fazer marcações no texto do roteiro para facilitar a leitura dos diálogos do personagem como pausas, ritmos diferenciados e outros elementos. A quantidade de diálogos gravados por trecho pode variar de pessoa para pessoa, mas sugere-se iniciar com uma sentença por vez e aumentar gradativamente. A dublagem/ADR requer atenção, concentração e memorização, todas de natureza cognitiva. Enquanto um aluno estiver dublando, os demais devem se manter em silêncio, respeitar a vez do colega e, especialmente, ajudar na qualidade do sincronismo labial do dublador. Neste último, os demais alunos podem avaliar
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se o colega-dublador atrasou ou adiantou um diálogo enquanto visualizam o trecho do filme no monitor. Isso ajuda não só o professor que está dedicado no controle de exibição e gravação da dublagem, como também no avanço rápido do processo, identificando se uma fala deve ser regravada ou não. Outra perspectiva de explorar essa atividade é adicionando novos idiomas ao filme. A BNCC adotou a língua inglesa como obrigatória na grade das escolas brasileiras e a enxerga como uma forma de ingresso ao mundo globalizado. Ela organiza as habilidades da área nos eixos da oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural. O professor pode incentivar os alunos a produzirem um novo roteiro de dublagem, dessa vez, em inglês. Nesse caso, existem dois desafios evidentes: traduzir os diálogos de modo a mantê-los, dentro do possível, com o mesmo número de sílabas do original, a fim de respeitar o sincronismo labial entre dublador e personagem; e adequar os diálogos às variações linguísticas de acordo com o contexto vivido pelos personagens, visando investigar e aproveitar, segundo a BNCC, as diferentes formas de expressão que separam um modelo ideal de falante das demais pessoas no mundo que possuem repertórios linguísticos e culturais distintos (BNCC, 2018, p. 242). 2.3.2 Técnica de Foley Foley é uma técnica de efeito sonoro que envolve criar sons da vida cotidiana para serem incorporadas em produções audiovisuais. Esses sons incluem passos, atrito de roupas, ventanias, trovoadas etc. Normalmente, na pós-produção de um filme, os sons são recriados em estúdio com o propósi-
to de realçar a qualidade do áudio. Os artistas de Foley, como eles são chamados, identificam cada um desses sons e reúnem os materiais necessários para gravá-los. A gravação é feita enquanto se assiste o filme, a fim de garantir o sincronismo entre os sons gerados e as imagens exibidas no vídeo. O intrigante dessa técnica é a viabilidade de criar sons a partir de objetos diferentes daqueles usados originalmente na produção. Por exemplo, o som do bater das asas de um pássaro pode ser substituído pelo bater de um par de luvas. O estalar do fogo pode ser produzido pelo papel tipo celofane. É uma atividade divertida que requer observação e criatividade. No decorrer da pós-produção, o professor deve explicitar o conceito da técnica, assim como apresentar seu criador, Jack Donovan Foley, o contexto de como a mesma foi utilizada na sonorização do filme “Boêmios” (POLLARD, 1929) e exibir o trabalho de artistas de Foley em filmes atuais. Trata-se de um material facilmente encontrado na Internet e com vários exemplos de como pode ser feito. Usando a montagem final do filme produzido pelos alunos, os mesmos devem gerar uma lista de todos os sons que serão recriados na ordem em que eles aparecem ou deveriam aparecer. Posteriormente, o filme deverá ser reproduzido num monitor onde os alunos possam visualizá-lo e, ao mesmo tempo, imitar movimentos e ruídos gerados pelos personagens, enquanto um microfone captura e registra esse momento. Com base na lista de sons a serem recriados é conveniente que os alunos formem grupos para gravarem cada trecho do filme. Um mesmo trecho pode e deve ser gravado mais de uma vez, com o intuito de aumentar as chan-
ces de acerto no sincronismo das ações. E, para evitar gravações mal sucedidas, recomenda-se realizar alguns ensaios prévios. Repare que ao unir as técnicas Foley e ADR, todos os sons capturados durante a gravação do filme deixarão de ser necessários para compor a obra audiovisual final. É dessa maneira que a maioria dos filmes são produzidos profissionalmente. 2.3.3 Audiodescrição A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que narra elementos visuais para pessoas com algum tipo de deficiência visual ou intelectual. Ela acontece de modo a não sobrepor as falas dos personagens. Normalmente, em filmes e programas de televisão, essa narração ocorre juntamente com o som original e fica disponível em um fluxo de áudio adicional selecionável. Para promover a acessibilidade e a inclusão, o Brasil, assim como em outros países, determina que as emissoras ofereçam cotas de programação contendo a descrição por áudio (BRASIL, 2010, p. 153). Se o professor desejar incluir essa atividade, um roteiro de audiodescrição pode ser criado e ensaiado, a fim de inserir as falas no vídeo em locais previamente escolhidos. Então, as descrições contidas no roteiro devem ser gravadas e sincronizadas com o áudio do filme. A audiodescrição permite explorar a percepção do aluno de identificar elementos importantes na imagem, bem como as expressões faciais e as ações relevantes praticadas pelos personagens e, em adição, treinar a oralidade, até mesmo, em diferentes idiomas. 2.4 Exibição INEQ - Educação integral
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Com o resultado final da edição do produto audiovisual, a divulgação e a exibição do filme podem ser realizadas na escola, a fim de proporcionar um momento favorável e divertido de apresentar a obra produzida. Para contemplar todos os alunos da escola, a exibição pode ter um ou mais dias definidos no calendário escolar, sendo capaz, também, de agraciar pais, responsáveis e familiares. Uma possibilidade de tornar esse evento ainda mais interessante é criar premiações, assim como ocorre no Oscar (Prêmios da Academia) promovido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Prêmios como “melhor ator”, “melhor diretor” e, até mesmo, “melhor fotografia”, “melhor filme”, entre outros, poderiam fazer parte de uma grande brincadeira que englobaria a participação de toda a escola. Desse modo, esse evento poderia se tornar uma tradição viva e sempre admitindo, a cada ano, possibilidades de inovação como espetáculo e educação. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste artigo, foram assinaladas algumas práticas pedagógicas contextualizadas nas etapas mais corriqueiras de uma produção cinematográfica que podem ser empregadas nas instituições de educação básica. Elas colaboram no desenvolvimento das competências que os alunos devem conhecer e praticar no conjunto de propostas educativas previsto na BNCC. As dificuldades enfrentadas pelos professores diante do desinteresse dos alunos na aprendizagem motivaram uma nova abordagem de apresentar objetos de conhecimento baseados em atividades movidas pelo cinema, procurando desenvolver habilidades, comportamentos
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éticos e estéticos, individuais e coletivos, voltados ao protagonismo dos estudantes. O cinema já carrega uma perspectiva lúdica na vida das pessoas e não fica restrita a idade, crenças, gêneros e outras questões socioeconômicas e culturais. Portanto, integrar a arte cinematográfica no processo de ensino-aprendizagem por meio de uma visão interdisciplinar envolvendo outras áreas como Física, Química, Biologia entre outras, propicia a aproximação do aluno participante da narrativa audiovisual. Durante a elaboração de um filme, o aluno assimila a arte através das ideias e da criatividade desenvolvidas nas práticas educativas expostas neste artigo. Por fim, conclui-se que essas práticas diferenciadas oferecem recursos que possibilitam a aprendizagem ativa na educação de crianças e jovens, excedendo os limites do ensino tradicional conhecido, habitualmente, por educadores e educandos. Possíveis trabalhos em concordância com a arte cinematográfica e a educação incluem atividades adicionais que enriquecem a proposta educacional. Entre elas: a criação de trilhas sonoras para o filme, integrando múltiplos professores de música; a escaleta, um instrumento de visualização do roteiro que facilita a estruturação e a construção das cenas; a criação de histórias integradoras que permitem uma mistura de alunos de turmas e de idades diferentes; e a gamificação, podendo recorrer a competições baseadas em equipes, no qual a elegibilidade para ganhar requer a presença de objetos de cena e diálogos específicos dentro do filme. REFERÊNCIAS BOÊMIOS. Título original: Show Boat. Direção:
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UM OLHAR PARA O ESTADO NUTRICIONAL DE JOVENS E ADULTOS NA REDE PÚBLICA DE ENSINO Jorge Henrique Silva Bueno¹ RESUMO O estado nutricional de jovens e adultos no Brasil e no mundo tem se mostrado ponto de preocupação para as políticas públicas mundiais. Hábitos alimentares são desenvolvidos por meio de exemplos familiares, influências socioeconômicas, ambientais, reflexos de propagandas e convívios diários. Pode-se observar que a falta de conhecimento sobre o estado de saúde e educação alimentar dos indivíduos acarreta o surgimento de doenças coronarianas sendo esta, a principal causa de morte no Brasil e no mundo nas últimas décadas. O surgimento de hipertensão arterial, dislipidemias, diabetes e obesidade decorrentes de um aumento de hábitos alimentares inadequados e falta de políticas públicas efetivas de educação e reeducação alimentar contribuíram para a manutenção dos elevados doentes e óbitos da nossa população. Palavras-Chave: Educação alimentar; Estado nutricional; Alimentação. ABSTRACT The nourishment of young people and adults in Brazil and in the world has been a point of concern for world public policies. Eating habits are
developed by family examples, socioeconomic and environmental influences, reflections of advertisements and social environment. It can be observed by that the lack of knowledge about the health status and dietary education of individuals leading to emerge of coronary heart diseases, which is the main cause of death in Brazil and in the world across recent decades. The arising of hypertension, dyslipidemia, diabetes and obesity resulting from an increase in inappropriate eating habits and lack of effective public policies for education and food re-education contributed to the maintenance of the high number of coronary patients and deaths in our population. Key-Words: Food education; Nutritional status; Food intake. INTRODUÇÃO O estado nutricional, é importante indicador de saúde e qualidade de vida. A falta de informação e renda são predisposições para problemas de saúde como pressão alta, diabetes, obesidade, colesterol e triglicérides altos, clinicamente denominados, Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Sobrepeso ou Obesidade e Hipercolesterolemias. As doenças coronarianas são hoje responsáveis por um terço dos óbitos no Brasil. O presente es-
1 - Graduado em Nutrição pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011). Graduado em Biologia pelas Faculdades Integradas Ariquemes (2018). Graduado em Pedagogia pela Faculdade Paulista São José (2013). Professor de Ensino Fundamental II e Médio na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. E-mail: buenojhs@gmail.com
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tudo justifica-se pela necessidade de analisar os impactos dos riscos de acometimento por moléstias, perpassando por possíveis falhas nas políticas públicas de educação nutricional abrangendo docentes e discentes das redes públicas de ensino assim como seus familiares e suas comunidades. 1. Estado Nutricional dos Brasileiros Segundo a Organização Mundial da Saúde (2003), gradativamente vem ocorrendo grandes mudanças no estilo de vida das pessoas no mundo, e isso tem se refletido nos hábitos alimentares e de saúde. Diversas pesquisas realizadas nas últimas décadas vêm demonstrando um decréscimo na prevalência da desnutrição entre crianças e adolescentes e aumento da obesidade. De acordo com IBGE 1974 a 2009, a desnutrição infantil caiu de 18,4% para 2,8%, no mesmo período o percentual de obesos na década de 80 era 4% para jovens, atingindo 12% em 2003 segundo a OMS. Estudos aprofundados mostraram que isso se deve a uma mudança nos hábitos alimentares, maior oferta de alimentos industrializados, aumento da força de trabalho por mulheres que antes se dedicavam exclusivamente a atividades domésticas e passam a optar assim, por preparações mais rápidas e menor quantidade de alimentos frescos, visto que possuem menos tempo para o preparo e aquisição de frutas e hortaliças. Denomina-se como, período de transição nutricional, momento caracterizado por essas alterações na alimentação. Observa-se nesse período um aumento do consumo de gorduras e redução na ingestão de carboidratos complexos e fibras (WHO, 1997), estes últimos, elementos essenciais para uma vida saudável e utilizados como marcadores de uma boa alimentação.
Segundo Bouchard e seus colaboradores (2003), novas tecnologias têm fortalecido a disponibilidade de alimentos assim como a facilidade de sua preparação; alimentos são mais palatáveis e abundantes. No entanto, a maior variedade de alimentos não implicou necessariamente em melhorias na qualidade da dieta da população, sendo registrado o aumento no consumo de alimentos densos em energia, ricos em gordura e açúcares. Especialistas da saúde corroboram tais dados e relatam dificuldades para motivar os indivíduos a alterar o seu consumo alimentar, pois envolvem-se fatores ambientais, nutricionais, psicológicos, sociais, econômicos e culturais envolvidos nesse comportamento. Uma das maiores barreiras para a prática de mudanças em hábitos relacionados a saúde dos indivíduos é a crença de que não há necessidade de alteração dos hábitos alimentares, pois na maioria das vezes, existe uma interpretação inadequada do próprio consumo de alimentos. Em diversos países, observa-se alta prevalência de indivíduos que acreditam não ser necessário alterar sua dieta, por já possuírem uma alimentação saudável (TORAL et. al., 2006). Pesquisadores apontam que os hábitos alimentares da população brasileira promoveram impactos nem sempre positivos sobre o estado de saúde e nutricional. As modificações nos estilos de vida, graças à urbanização e à industrialização crescentes, a intensificação do trabalho feminino, a evolução das formas de distribuição dos alimentos e do marketing, entre outros fatores, contribuíram diretamente para o aumento da alimentação fora de casa e o agravo de escolhas alimentares inadequadas nesse período (MENDONÇA; ANJOS, 2004; NOVAES, 2004).
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2. Saúde na Adolescência Ao observar adolescentes, estudos brasileiros com foco em populações de baixo nível socioeconômico, mostraram que a propaganda recebe lugar de destaque como fonte de informação sobre questões nutricionais neste estágio de vida, o que pode influenciar as práticas alimentares inadequadas nessa população, cada vez mais frequentes (TORAL et al., 2006). São diversos os fatores que interferem no consumo alimentar dos jovens, tais como valores socioeconômicos, imagem corporal, convivências sociais, situação financeira familiar, número de refeições que realiza fora de casa e quais alimentos são escolhidos, aumento do consumo de alimentos semipreparados, influência exercida pela mídia, hábitos alimentares e facilidade de preparo. Faz-se assim necessárias ações precoces de educação alimentar desde a primeira infância como medida de prevenção para a adolescência e vida adulta. Observa-se assim mais tarde, durante a vida adulta, estas características adquiridas durante a adolescência se mantêm, pois o tempo se torna cada vez mais escasso devido à constituição de famílias e inserção no mercado de trabalho, o que os obriga a dedicar cada dia menos tempo para saúde. Consequentemente, optam por facilidades na alimentação, práticas inadequadas adquiridas ainda jovens e levam essas durante toda vida adulta (TORAL et al., 2007).
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de vida pouco saudáveis nesse momento da vida, constituindo-se em fatores de risco para doenças, especialmente quando adultos. Comportamentos de risco são, cada vez mais, comuns, consequentes, principalmente, de tensões econômicas e sociais. Esse novo e inaceitável padrão de morbimortalidade se repete em várias partes do mundo e tem feito os sistemas de saúde se voltarem para pesquisas objetivando programas que sejam capazes de atender às necessidades específicas dos jovens, o que tem se revelado um grande desafio. Ações como a restrição do uso de cigarros em locais fechados e aumento de impostos mostraram-se eficientes no Brasil, reduzindo em uma década 33% o número de fumantes no Brasil, porém vale-se ressaltar a prevalência de 3,4% dos adolescentes entre 14 e 17 anos com hábitos tabagistas (INCA, 2020). Ficando evidente a necessidade da participação do estado também em ações voltadas a hábitos alimentares uma vez que resultados positivos foram observados em relação a outras ações de saúde.
Há alguns anos, a adolescência se apresentava como período de menor risco de adoeci-
Apresentando necessidades e expectativas peculiares, jovens tendem a não valorizar sintomas que não sejam muito graves e que não se manifestem fisicamente, ocasionando dificuldade na adesão de ações de prevenção e tratamento (VIEBIG 2006). Agravados pela inatividade, muitas vezes herdada de hábitos familiares, variáveis sociogeográficas e condições financeiras, o sobrepeso e obesidade em jovens e crianças aumentam os riscos relacionados à hipertensão, dislipidemias e Diabetes
mento e morte. No entanto, nas últimas duas décadas, observou-se um aumento da morbimortalidade nesse grupo populacional. Pesquisas apontam que já se encontram instaladas alterações orgânicas advindas de hábitos
Mellitus tipo 2 na vida adulta (GORDON-LARSEN et al. 2000). De acordo com o IBGE 2010, em amostra representativa da população brasileira de ambos os sexos e todas as idades, quando questionados sobre hábitos cotidia-
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nos, 40% dos brasileiros preferem assistir televisão a praticar esportes e 43% despendem, mais de três horas por dia, sentados em frente ao aparelho televisor; prática que Manios (2009) refere estar relacionada inversamente com os níveis e intensidade das atividades físicas praticadas diariamente, especialmente por jovens. 3. Doenças Coronarianas – Principal Causa Morte no Mundo Dentre as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), destaca-se a Hipertensão Arterial (HA) prevalente em 26% da população mundial, normalmente associada a outras moléstias ocasionadas por hábitos inadequados. A Hipertensão Arterial (HA) também está relacionada ao envelhecimento, é a doença mais comum em idosos, acometendo 60% deles em países desenvolvidos e América Latina. Conforme descrição de Viebig (2004), vale lembrar que, em 20 anos teremos a 5ª maior população idosa do planeta, elevando as estatísticas atuais a números alarmantes. Relaciona-se ainda, o desenvolvimento da Hipertensão Arterial (HA) a uma alimentação pobre em frutas e hortaliças, as principais fontes de potássio da dieta, mineral essencial na manutenção da pressão arterial e contração muscular, que é advinda de uma dieta baseada em alimentos industrializados, ricos em gordura e sal. Também tem se mostrado mais frequente o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, cada vez mais presentes nas famílias predispondo agravos à saúde particularmente associados ao aumento dos níveis pressóricos do indivíduo, gerando a hipertensão arterial. É neste contexto que as pesquisas têm relacionado o consumo de industrializados e frutas, usando como marcadores sódio, presente em
grandes quantidades nos alimentos industrializados e o potássio, disponível em frutas e hortaliças. Assim pode-se utilizar como marcador da qualidade da alimentação, visto que uma dieta mais adequada com relação ao sódio e ao potássio pode estar relacionada ao maior consumo de frutas e hortaliças e menor consumo de alimentos industrializados, como os embutidos e enlatados (BISI MOLINA 2003; COSTA et al. 2010; SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA 2007). Outros agravantes que podem acometer o estado de saúde da população, assim como auxiliar no desenvolvimento de doenças cardíacas, é o caso da Diabetes Melitus (DM), que pode ser bem exemplificada pelo estudo de Faulkner e colaboradores (2010). O aumento de metabólitos na corrente sanguínea, como a glicose excessiva, principal manifestação da diabetes, propicia a formação de placas de ateroma, trombos e consequentes embolias, também resultantes do aumento da concentração e volume sanguíneo, podem levar a quadros de Hipertensão Arterial (HA). Tardiamente a DM pode acarretar problemas renais, que hoje acomete 2,9 milhões de brasileiros segundo o Ministério da Saúde, 2019, uma vez que o organismo tende a controlar a concentração sanguínea e eliminar o excesso de glicose, fazendo com que o sistema renal fique sobrecarregado, uma vez que este participa ativamente no controle dos níveis pressóricos. Vale ainda ressaltar que os rins fazem manutenção, junto ao coração, veias e artérias da pressão arterial, assim, indivíduos diabéticos tendem a desenvolver problemas renais e frequentemente vêm a desenvolver hipertensão arterial. Dentre as demais doenças crônicas não transmissíveis, que se relacionam a riscos cardiovasculares são as dislipidemias. O excesso de INEQ - Educação integral
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gordura no sangue, que pode ser de ordem alimentar, norteiam pesquisas como a de Schaefer (2002) com jovens e adultos, apontam que a doença cardíaca coronariana é rara em sociedades com concentrações plasmáticas de colesterol total abaixo de 180 mg/dL. Corroborando com as análises aplicadas por Gold et al (2003) que afirma em seus estudos que, a reeducação alimentar que leva para uma redução de 10% de colesterol presente no sangue, reduz o risco de mortalidade por doença cardiovascular em até 15% em todas as idades. Assim, o desenvolvimento de hábitos alimentares voltados para redução do consumo de alimentos industrializados, fritos e de altos teores de gorduras tornam-se indispensáveis de modo que tais hábitos minimizem o risco de desenvolvimento de doenças coronarianas ou agravos as preexistentes. Assim doenças coronarianas são muitas vezes decorrentes de várias comorbidades; as dislipidemias, Diabete Mellitus, hipertensão arterial e a obesidade. No Brasil, assim como em outros países, o sobrepeso e a obesidade vêm crescendo aceleradamente. Paralelamente, a prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis vem aumentando e entre as principais causas destas doenças, convergem em uma causa comum, a alimentação inadequada. Deste modo os países economicamente desenvolvidos, bem como a maioria dos países em desenvolvimento, estão atualmente definindo estratégias para o controle de doenças crônicas não-transmissíveis, sendo uma destas a promoção da alimentação saudável (Vinholes et al, 2009). Pode-se concluir através deste estudo a necessidade de inserção de programas de educação alimentar para com nossos jovens, de modo
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que sejam evitados o desenvolvimento de doenças coronarianas, já para com os adultos, que se faz necessária a melhoria ao acesso ao sistema de saúde e desenvolvidos, de maneira permanente, ações de reeducação alimentar. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao paciente com Doença Renal Crônica – DRC no Sistema Único de Saúde/ Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. BOUCHARD, C. et al. Atividade física e obesidade. São Paulo: Ed. Manole, 2003. COSTA, Maria Fernanda Furtado de Lima e et al . Comportamentos em saúde entre idosos hipertensos, Brasil, 2006. Rev. Saúde Pública, São Paulo, 2010. FAULKNER, MS; HEPWORTH LQ; HEPWORTH JT. Cardiovascular Risks in Adolescents with Diabetes From Vulnerable Population. Home Health Care Management Practice. 22:123, 2010. GORDON-Larsen P, McMurray RG, Popkin BM. Determinants of adolescent physical activity and inactivity patterns. Pediatrics; 105: E83, 2000. GOLD, Mark & Frost-Pineda, Kimberly & Jacobs, William. (2003). Overeating, Binge Eating, and Eating Disorders as Addictions. Psychiatric Annals. 33. 117-122. 10.3928/0048-571320030201-08. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002/2003. Rio de Janeiro, 2004. ______. Estudo Nacional de Despesa Familiar 1974-1975; Pesquisa Nacional sobre Saúde
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DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA - CONCEPÇÕES E ARTICULAÇÕES Rose Leila Jorge de Queiroz 1. A documentação pedagógica na creche e na pré-escola A emergência de um novo tema no campo da Educação Infantil O acúmulo de conhecimentos a respeito da especificidade da aprendizagem da criança e da complexidade com que ela vai construindo sentidos sobre si e sobre o mundo tem colocado uma especial atenção para as estratégias educativas necessárias para o campo da Educação Infantil. Do ponto de vista legal, os recentes documentos que norteiam o trabalho pedagógico para a Educação Infantil têm contribuído e avançado significativamente. A Diretriz Curricular Nacional para a Educação Infantil, por exemplo, advoga pela centralidade da criança no trabalho pedagógico e orienta as instituições a reconstruírem o papel do professor. Também esse documento expressa uma concepção de currículo que acolhe a inteireza das crianças e do conhecimento. No entanto, do ponto de vista da prática, ainda há muito o que avançar. As concepções e indicações que encontramos nas DCNEI ainda estão longe de serem vivenciadas dentro das instituições. Daí a motivação para pensar a documentação pedagógica na creche e na pré-escola, pois entre a ideia de criança que estamos buscando, a função da instituição de educação infantil e o papel do professor que que precisamos inventar, é preciso delinear alguns aspectos importantes para a construção de um quadro pedagógico de referência para o trabalho educativo.
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Em levantamento feito no território nacional para a elaboração destes cadernos de orientação, foi notável o interesse e aproximação pelo tema da documentação pedagógica por parte de instituições públicas e privadas. Vale dizer que esse tema tem efetivamente emergido nos últimos cinco anos, segundo os dados encontrados neste levantamento. Em quase sua totalidade, as instituições respondentes, oriundas das cinco regiões do país, informam que estão experimentando ou estudando sobre o tema da documentação pedagógica desde 2012, e com mais expressividade, desde 2015. O levantamento sobre a produção feita no território nacional concentra-se a partir dos anos de 2010, com mais força, a começar de 2014. Dada essa novidade, é importante destacar que há fortes evidências de que há uma certa confusão entre a estratégia da documentação pedagógica com o ato de produzir registros. O que parece é que os registros que são produzidos no interior das escolas estão sendo automaticamente nomeados como documentação pedagógica ou, que o que até então se chamava de parecer descritivo ou mesmo portfólio, atualmente ganhou o nome de documentação pedagógica. Mantém-se um modo de fazer, mas atualiza-se o nome. Essa prática é o que Oliveira Formosinho (2016) chama de nominalismo pedagógico. Um dos pilares centrais da documentação pedagógica está diretamente ligado à ideia sistemática de registrar para poder ver, interpretar e projetar (MALAGUZZI, 2001, 1995; HOYUELOS, 2006; RINALDI, 2005; FO-
CHI, 2013). No entanto, o ato de registrar deve sempre estar vinculado a reflexão, a observação e, especialmente, ao modo como se podem utilizá-los para criar indícios para repensar a ação pedagógica e a comunicar para tornar visíveis as teorias dos meninos e das meninas. É verdade também que a documentação pedagógica é uma oportunidade para que o professor possa compreender a ação pedagógica e ao mesmo tempo narrar os percursos das crianças. Observar, ou como Malaguzzi (2001) referia-se, escutar, é um pressuposto da perspectiva da documentação pedagógica. Observar não significa ver para comprovar ideias a priori postas, ao contrário, o lugar da observação na documentação pedagógica é para querer saber, querer entender, querer conhecer. Talvez, uma das grandes contribuições da perspectiva de Loris Malaguzzi, em especial, quando se trata da documentação pedagógica, é referente à escuta. A escuta, nesse contexto, é uma metáfora que caminha ao lado de outra metáfora de Loris, as cem linguagens. Para Malaguzzi (2001), a escuta das cem linguagens é uma possibilidade das professoras perceberem e tornarem-se conscientes das tantas riquezas e potencialidades dos meninos e das meninas. A escuta é o pano de fundo da construção de toda a documentação pedagógica, pois nela está a imagem de criança que cada professora tem. Como destaca Hoyuelos (2006, p. 197),
contribuem significativamente para o professor pensar suas estratégias de trabalho para estar com as crianças, para narrar os percursos delas e, também, para pensar sobre sua própria experiência. Também ficou visível que o quadro de referência predominante para tratar desse tema - tanto do ponto de vista das instituições que participaram do levantamento, quanto do estado da arte realizado sobre o tema – é a partir do trabalho desenvolvido por Loris Malaguzzi na cidade de Reggio Emilia, no Norte da Itália. Por isso, esses cadernos que versarão sobre a documentação pedagógica se organizam tendo como referência os contributos de Loris Malaguzzi. Ao mesmo tempo, evidencia elementos contextuais a partir de alguns relatos e exemplares de instituições que estão vivenciando em seu cotidiano pedagógico o uso dessa estratégia aqui no território brasileiro.
[...] a documentação, para Malaguzzi, é ao mesmo tempo a estratégia ética para dar voz às crianças e à infância, e devolver uma imagem pública para a comunidade do que a ela estava investindo nas escolas.
No primeiro caderno trataremos de algumas concepções gerais sobre a documentação pedagógica e algumas pistas que podem nos ajudar na articulação com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC. No segundo caderno é compartilhado o modo como pode ser desenvolvida essa estratégia no interior das instituições de educação infantil, partindo da experiência de escolas que estão vivenciando essa prática em seu cotidiano pedagógico. No terceiro caderno dada a necessidade de compreendermos sobre algumas questões técnicas da linguagem fotográfica, audiovisual e do design, são compartilhados alguns textos que orientam tecnicamente a respeito desses temas. Esperemos que esses cadernos possam inspirar o trabalho dentro das instituições e, sobretudo, que contribuam para transformar as relações entre os adultos e crianças.
Registrar e observar, quando interpretados,
2. “O que não se vê, não existe”: a documenINEQ - Educação integral
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tação pedagógica como estratégia de diálogo, mudança e compartilhamento Os anos oitenta e noventa, do século passado, marcaram um momento importante para a história da Educação Infantil no Brasil. Fortaleceu-se a ideia do direito da criança a frequentar esses espaços os quais constituíram a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica. Da ideia de um espaço para assistir as crianças na ausência da mãe, ou da ideia preparatória para a escola de Ensino Fundamental, passamos a ir constituindo a identidade da escola de Educação Infantil como contexto privilegiado para a produção da cultura infantil, para o acesso ao patrimônio de conhecimento que a humanidade, ao longo dos séculos, vem sistematizando, para a aprendizagem de práticas sociais e culturais e, em especial, para a brincadeira e a construção de narrativas da infância. No decorrer desse tempo, especialmente nos últimos vinte anos, foram sendo desvelados desafios de diferentes ordens: I. a necessidade de expansão do atendimento, II. a ampliação do financiamento público, III. a construção da identidade docente para o professor de crianças de 0-6 anos, IV. a formação desses profissionais em nível inicial e continuado, V. a concepção de currículo, avaliação e conhecimento na e para a Educação Infantil, VI. a relação coexistente entre o direito das crianças e o direito das famílias (em especial, em relação às diferentes organizações de trabalho que os adultos vêm assumindo nos últimos anos, VII. a produção de um conhecimento pedagógico para essa área, que, em diálogos com as diferentes disciplinas (Psicologia, Sociologia, Filosofia, etc), esboce o conhecimento necessário para o professor atuar nesses espaços,
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VIII. a natureza da construção do conhecimento pelas crianças com idade menor de seis anos. Vários autores e várias áreas do conhecimento têm auxiliado na compreensão desses desafios. No Brasil, ainda é muito recente todos os investimentos nessa etapa da Educação Básica e, embora crescente, tanto a nível de investimento quanto da discussão teórica que temos são insuficientes para atender a complexidade da Educação Infantil. Na realidade complexa do nosso país, – na qual encontramos, por exemplo, instituições ainda transitando da assistência social para a educação, a presença de inúmeros profissionais sem nenhum tipo de formação para trabalhar com crianças e um curso de pedagogia (o único curso superior voltado para a formação de professores para essa etapa) com pouca ênfase na docência e insuficiente no debate sobre a Educação Infantil2 – percebemos que muitos são os esforços necessários para, efetivamente, transformarmos o cenário educacional e atendermos o direito das crianças a uma educação de qualidade. Um dos autores que têm contribuído com o debate sobre a Educação Infantil no Brasil é o pedagogo italiano Loris Malaguzzi. A experiência pedagógica, coordenada por ele na cidade de Reggio Emilia, no Norte da Itália, despertou muitos interesses na comunidade acadêmica e profissional da Educação Infantil. Muitos pesquisadores, universidades e profissionais da educação de diversas partes do mundo têm se interessado, nos últimos tempos, em compreender o trabalho que um grupo significativo de escolas públicas dessa região tem desenvolvido nos últimos 70 anos. São muitos os aspectos que marcam o reconhecimento dessa experiência pedagógica os quais constituem uma verdadeira atmosfera de res-
peito aos meninos e as meninas e que poderiam ser apontados para caracterizar essa abordagem. No entanto, destacamos aqueles que podem nos auxiliar na elaboração de um quadro conceitual que acolha as crianças em suas competências, em sua força e em seus limites. O primeiro deles é a imagem de criança reivindicada por Malaguzzi: uma criança competente e ativa, feita de cem linguagens. Uma criança que não precisa tão somente da amorosidade dos adultos, como afirma Hawkins (2016), mas uma criança que precisa ser respeitada no reconhecimento de suas capacidades. E reconhecer suas capacidades se faz na construção de “O que não se vê, não existe” 19 contextos que oportunizem que seus interesses de prática e de pensamento possam ser aprofundados e experimentados cotidianamente por elas próprias e apoiadas por adultos curiosos, atentos e igualmente competentes. Malaguzzi (2001) alerta que as crianças, antes de tudo, precisam ser levadas a sério. O modo como nos relacionamos com as crianças está atravessado por essa imagem de criança que carregamos internamente. Levar a sério as crianças é conscientizar-se de sua dimensão humana, de sua inteireza. Requer que tenhamos claro o nosso papel e nossa responsabilidade no processo de subjetivação do outro. Daí que destacamos outros dois aspectos a respeito da experiência de Reggio Emilia: a aposta na organização do espaço como um outro educador (MALAGUZZI, 2001) e como um ativador das aprendizagens das crianças (VECCHI, 2013) e a dupla pedagógica na composição da docência para a Educação Infantil. Esta última como uma alternativa política e pedagógica de contraste e confronto de visões e de apoio para sustentar a construção de um bom ambiente de aprendizagem. Na verdade, os espaços e a dupla pedagógica são compre-
endidos por Malaguzzi como “os três educadores” de uma escola da infância. Ambos são agentes da construção do conhecimento e, se bem posicionados o seus papeis na relação educativa, criam as condições para a agência das crianças. Na medida em que um espaço é descentralizador da figura do adulto e suficientemente bom para as crianças brincarem e interagirem, os meninos e as meninas podem ter espaços para a construção de sentido sobre a própria experiência educativa. O adulto, por sua vez, se reposiciona com vista a criar as condições para que a criança possa agir, se relacionar com o mundo, com os outros e consigo mesma. Mais ainda, o adulto se coloca ao lado das crianças disposto a acompanhá-las para também poder elaborar e reelaborar significados sobre as próprias imagens e ideias sobre as crianças, sobre a docência e sobre a natureza do conhecimento emergente. Neste mesmo sentido, vale destacar a concepção de conhecimento e de aprendizagem a qual Malaguzzi se vincula. E a raiz disso está na crença de que a escola precisa se converter em um espaço de aprendizagem muito mais do que de ensino (RINALDI, 2005). O conhecimento para Malaguzzi não está pronto, não é pré dado, ao contrário, “o conhecimento se recria no próprio ato. [...] E os fenômenos estão entrelaçados na incerteza, na dúvida, como uma rede de acontecimentos discontinuos” (CABANELLAS, HOYUELOS, 1998, p. 28). Nessa perspectiva, a ideia de conhecimento é entendida como negociação. O co-construtivismo (Rinaldi, 2012) ou o construtivismo social (FORMAM; FYFE, 2016) apontam sobre uma ideia de conhecimento geracional construído na ação e participação das pessoas. Com isso, acredita-se que o conhecimento é construído na partilha e na possibilidade da agência de todos os que estiverem envolvidos. Essa ideia de conhecimento reconhece as perspectivas iniINEQ - Educação integral
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ciais de cada um e, mais ainda, atentar-se aos processos de construção do conhecimento das crianças. É por isso que se costuma relacionar a abordagem de Reggio Emilia à ideia de “aprendizagem negociada” (FORMAM; FYFE, 2016). Na aprendizagem negociada, os professores buscam descobrir as crenças, as suposições ou as teorias das crianças sobre a forma como o mundo físico ou social funciona. O seu estudo vai além da simples identificação do interesse das crianças. A sua análise revela os motivos por trás dos interesses das crianças – não estritamente o que é familiar, mas o que o paradoxo ou a curiosidade motivam seus assuntos de interesse. (FORMAM; FYFE, 2016, p. 249250) Nessa concepção, o conhecimento não está acabado, pronto. Ao contrário, o conhecimento é construído em uma trama de certezas e incertezas, de relações, de provisoriedades e de incompletudes. Daí que educar as crianças a partir dessas crenças envolve ajudá-las a construir sentidos pessoais e coletivos sobre o seu ser e seu estar no mundo. Ainda a respeito disso, aqui podemos localizar a Pedagogia Relacional a qual postulou Malaguzzi (2001). Uma pedagogia que acredita no ímpeto interno das crianças em aprender, de sua abertura e interesse em interpelar o mundo e, quando criada as condições externas adequadas a elas, os meninos e as meninas inauguram vida nova, mundos possíveis, (BRUNER, 2002) através de suas “cem linguagens” (MALAGUZZI, 2001). A Pedagogia Relacional de Malaguzzi é, sem dúvida, uma resposta aos dilemas do nosso tempo. Há uma nova ordem social marcada pela profunda influência das tecnologias, pela rapidez da informação, pelo fenômeno da virtualidade, pelas fronteiras borradas, pelas polarizações. Responder a toda esta complexidade implica no reconhecimento de um paradigma que assuma a força na relação como constru-
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ção cultural e política. Que celebra as diferenças ao invés de cancelá-las. Sem dúvida, há tantos outros aspectos que poderiam ser aqui mencionados como aqueles que constituem essa experiência educacional que perdura há tantos anos. Para além da idealização de um projeto educativo, a experiência de Reggio Emilia tem se mantido por tantos anos por efetivamente ter conseguido envolver a comunidade em torno da ideia de construir uma sociedade diferente daquela que antecedeu essa experiência educativa: a Segunda Guerra Mundial. Por isso que Bruner (2016), ao se referir a Reggio Emilia, afirma que, para conhecer essa experiência educativa, é preciso conhecer a cidade que a constrói. Está na origem deste projeto educativo o envolvimento e a responsabilidade da comunidade, como consta inscrito desde a primeira escola que foi construída, Scuola di Cella: “Homens e mulheres, juntos, construímos os muros desta escola, porque a queremos nova e diferente para os nossos filhos”. Além dos pontos já indicados, existe outro aspecto que diferencia a experiência construída por Malaguzzi e seus companheiros de trabalho que é a documentação pedagógica. Essa prática educacional tem dado um testemunho revolucionário para a sociedade a respeito dos processos das crianças na construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, do lugar que os professores e a cultura ocupam na relação educativa nessa etapa da educação. Na verdade, um dos pilares centrais da abordagem de Reggio Emilia é a documentação pedagógica. Para Malaguzzi (2001), a documentação pedagógica envolve o acompanhamento e a interpretação sistemática dos processos educativos através do uso da fotografia, de vídeos, das produções das crianças, das anotações dos professores, para construir testemunho ético, político, pedagógico e cultural sobre as crianças, sobre os adultos e sobre o projeto
educativo da escola. Gunilla Dahlberg (2016, p. 229), ao se referir sobre a experiência de Reggio Emilia, define a documentação pedagógica como “processo de tornar o trabalho pedagógico (ou outro) visível ao diálogo, à interpretação, contestação e transformação”. A autora ainda defende o valor da subjetividade presente na prática da documentação pedagógica. Segundo Dahlberg (2016, p. 229) a subjetividade auxilia na responsabilização do adulto sobre os processos da criança, convocando-o a “assumir responsabilidade pelo seu ponto de vista; não é possível esconder se atrás de alguma objetividade ou critério científico presumidamente oferecido por especialistas”. Alfredo Hoyuelos (2004, p.7), pesquisador que sistematizou o pensamento e obra de Loris Malaguzzi e que tem vastamente estudado e trabalhado inspirado nos ensinamentos do pedagogo italiano, destaca que a documentação pedagógica é uma ferramenta extraordinária para o diálogo, para a mudança, para o compartilhamento. Para Malaguzzi, isso significa a possibilidade de discutir e de dialogar sobre ‘tudo e com todos’, ser capaz de discutir coisas reais e concretas – e não apenas teorias sobre palavras. Essa estratégia, antes de qualquer coisa, altamente formativa - que convoca o adulto à tomada de consciência sobre o seu fazer, que o implica a escutar as crianças e a perceber seus modos de construir conhecimento, que abre um espaço para que seja narrado sobre a imagem de criança, de adulto e de escola - é o que transforma a prática da documentação pedagógica em um instrumento poderoso na transformação de uma instituição de Educação Infantil. O tema da documentação pedagógica tem sido internacionalmente estudado nos últimos anos, especialmente após a divulgação da revista Newsweek, em 1991, a qual publicou a lista das melhores escolas do mun-
do e indicou a Scuola Diana, da cidade de Reggio Emilia como a melhor escola de Educação Infantil. Desde então, diversas delegações têm visitado essa pequena cidade para conhecer a experiência pedagógica de Reggio Emilia. Também a partir da exposição denominada “I cento linguaggi dei bambini4”, As cem linguagens da crianças, que percorreu o mundo mostrando uma visão de criança a partir das suas próprias produções, tem mobilizado os profissionais a ressignificar o modo como olham para as produções das crianças e como interpretam os registros produzidos no interior das escolas. É importante dizer que não se trata apenas do uso de registros para comunicar os processos das crianças. É muito mais do que isso. Trata-se de um modo particular de utilizar os registros dos projetos educativos e do cotidiano das instituições para construir um modo particular de pensar pedagogicamente dentro das escolas. Modo esse que gera um ciclo entre o explícito alinhamento a uma determinada herança teórica, à prática pedagógica densamente documentada e à construção de um conhecimento pedagógico atualizado. Estas três partes inseparáveis teoria – prática – conhecimento pedagógico atualizado, geram a transformação e a inovação do projeto educativo. É isso que produz verdadeiramente uma dada Pedagogia. E não uma pedagogia qualquer, anônima, nos termos de João Formosinho (2007). Uma pedagogia voltada à participação social, ao pertencimento, à construção do conhecimento. Além disso, a partir da documentação pedagógica, é possível colocar em relação o cotidiano das escolas com o modo de pensar a formação continuada dos professores, vinculando a pedagogia do adulto à pedagogia da criança. Também relaciona as diferentes dimensões da ação pedagógica – currículo, avaliação, planejamento, projeto pedagógico, gestão peINEQ - Educação integral
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dagógica – de tal modo que uma dimensão é generativa da outra e todas estão a serviço da construção de uma escola amável (HOYUELOS, 2006) para as crianças, os profissionais e as famílias (MALAGUZZI, 2001). Como sempre defendeu Malaguzzi, “o que não se vê, não existe”. Narrar para a comunidade os percursos das crianças foi um ato político em um momento em que Reggio Emilia precisava defender uma ideia de educação pública, laica e de qualidade. Assim como hoje, em tempos de crise ética e política em que vivemos, tornar visível o pensamento das crianças e a ação pedagógica dos adultos é um ato de resistência e utopia de um novo horizonte. Com um pensamento firme no que diz respeito à educação de crianças é que Loris Malaguzzi (1984) afirma que, por uma questão ideológica, não pode conceber as crianças como um assunto privado, ou seja, o processo educativo nas creches e pré-escolas deve ser compartilhado para além de suas fronteiras. As experiências que meninos e meninas, diariamente, vivem no cotidiano escolar devem ganhar visibilidade para possibilitar uma demanda inerente à Educação Infantil: compreender essa etapa da vida como uma relação de trocas e complementaridades. Por isso, “para Malaguzzi, é tão importante observar ou investigar sobre os processos de conhecimento da criança como, posteriormente, saber narra-los” (HOYUELOS, 2006 p. 179). Narrar é um modo de gerar novos mundos possíveis (BRUNER, 1997). É uma alternativa para sair da simples e pura descrição, e avançar rumo à meta-interpretação. Narrar é um caminho para a construção de significados múltiplos. Oliveira-Formosinho (2016) recuperando o importante pedagogo brasileiro, Paulo Freire, destaca que a narrativa pode ser uma oportunidade para adultos e crianças criarem espaços
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de escuta mútua, Freire (1970) fala sobre ajudar o aluno a sair do silêncio e a aventurar-se a narrar o mundo tornando-se ativo nos processos de aprendizagem. Freire inspira-nos a pôr em prática uma abordagem educativa que desafia os aprendizes a pensar, ouvir e falar ativamente, a comunicar para nomear o mundo, para lhe atribuir significado. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016, p. 110, grifo da autora) Bruner (1997) refere-se à narrativa, chamando atenção para dois cenários: o primeiro, que trata da gramática do acontecimento, e o outro, que fala das emoções do acontecimento. A gramática do acontecimento seria os elementos presentes na ação propriamente dita: a intenção ou objetivo, a situação, a disponibilidade. O outro cenário, as emoções dos acontecimentos, diz respeito ao que emergem das experiências documentadas. Trata-se da possibilidade de dar visibilidade àquilo que é invisível: é o dito e o não dito, o que se sabe e o que não se sabe, o que se pensa e o que não se pensa sobre os acontecimentos. Nós precisamos que alguém nos narra a vida. Somos constituídos por essas narrativas que nos são feitas ao longo de nossa existência. Barcena e Mèlich (2000, p. 113) irão dizer que, “ao narrar para o outro, a história de vida de um pode adquirir sentido para a existência tanto do narrador como do personagem da narração”. No caso da documentação pedagógica, ao construir uma narrativa, o educador está ao mesmo tempo construindo uma memória sobre as crianças e sobre si próprio. E, com isso, cria relações com as famílias a partir de uma história partilhada e compartilhada de educação dos meninos e das meninas. Quando aprendemos a observar as crianças desde um lugar aberto ao emergente, disponível e interessado em acolher o seu universo, começamos a entender que o dia a dia de uma boa instituição se faz no respeito ao tempo das crianças, na
aposta em suas brincadeiras, na atenção às teorias que as crianças criam sobre si e sobre o mundo que está a sua volta. Tudo isso não pode ficar escondido, tampouco esquecido. Precisa ser visto para existir – como nos fala Malaguzzi. Precisa que alguém conte para que se torne especial. E talvez aqui esteja o caminho para fazer uma pedagogia generosa para acolher as crianças que chegam para trazer vida nova. REFERÊNCIAS BARCENA, Fernando; MÈLICH, Joan Carles. La educación como acontecimiento ético. Buenos Aires: Paidós, 2000. BRASIL. CNE. CEB. Resolução CNE/CEB nº. 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, 2010. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. BRUNER, Jerome. La educación, puerta de la cultura. Madrid : Aprendizaje Visor, 1997. BRUNER, Jerome. Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed, 2002. ______.: Uma cidade de gentileza, curiosidade e imaginação. IN. EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: A experiência de Reggio Emilia em transformação. v. 2. Porto Alegre: Penso, 2015. CABANELLAS, Isabel; HOYUELOS, Alfredo. Mensajes entre líneas. Pamplona: Patronato Municipal de Escuelas Infantiles de Pamplona, 1998. DAHLBERG, Gunilla. Documentação pedagógica: uma prática para a negociação e a democracia. IN. EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: A experiência de Reggio Emilia em transformação. v. 2. Porto Alegre: 2016, p – 235 – 246.
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A PREPONDERÂNCIA DAS SALAS DE RECURSO NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Rosemeire da Silva Andrade Arrais¹ INTRODUÇÃO Segundo Mazzotta (2005, p.15) Iniciamos a abordagem relembrando que no século XIX inspirado em alguns serviços de atendimento a cegos, surdos, deficientes intelectuais e deficientes físicos na Europa e nos Estados Unidos, alguns brasileiros iniciaram a tomada de providência no sentido de promover a educação e atender a esses indivíduos, seja como iniciativa oficial ou de forma particular.
A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas com deficiência é atitude muito recente em nossa sociedade. Manifestando-se através de medidas isoladas, de indivíduos ou grupos, a conquista e o reconhecimento de alguns direitos dos portadores de deficiência podem ser identificados como elementos integrantes de políticas sociais, a partir de meados deste século.
Vale ressaltar que a inclusão da educação para deficientes terá lugar na política educacional em nosso país, no final dos anos 50 e início da década de 60 do século XX, demonstrando o atraso do governo em contemplar a população com essa modalidade de ensino, visto que a presença das pessoas com necessidades educacionais especiais na sociedade brasileira, já alcançava níveis significativos.
Buscando na história da educação, constata-se que até o século XVIII, grande parte das noções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas a misticismo e ocultismo, havendo pouca base científica para o desenvolvimento de noções realísticas (MAZZOTA 2005, p.16).
Com o intuito de compreender como se organizou o atendimento a esse determinado público, é preciso recorrer à história e, com ela aos principais personagens, movimentos, organizações, documentos oficiais e programas especializados para o atendimento às necessidades especiais dos alunos com deficiência que serviram de base para as chamadas políticas de inclusão no âmbito escolar, entre eles, e em especial, a Sala de Recursos, caracterizada como apoio à inclusão.
A falta de conhecimento sobre as deficiências fazia com que essas pessoas fossem marginalizadas, ignoradas. A própria religião, ao afirmar ser o homemfeito à “imagem e semelhança de Deus”, sendo assim um ser perfeito, levava à crença de que as pessoas com deficiência por não se adequarem a essa “perfeição” eram postas à margem da condição humana. Por outro lado, o consenso social pessimista que acreditava ser a condição de “incapacitado”, “de-
1 - Licenciatura em Pedagogia, Artes Visuais, História, Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Educação Inclusiva e Formação Docente. Contato: rosyedrade@gmail.com
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ficiente”, “inválido” da pessoa com deficiência como algo imutável, levava à omissão da sociedade em relação à organização de serviços para atender as necessidades individuais dessa população. Sendo assim, somente quando em um determinado momento histórico (século XIX) a sociedade apresentou condições materiais mais favoráveis, é que determinadas pessoas, leigos ou profissionais, com deficiência ou não, despontaram como líderes da sociedade em que viviam, para organizar medidas para o atendimento a seus pares também com deficiências. Essas pessoas, como representantes dos interesses e necessidades das pessoas com deficiência, ou com elas identificadas, abriam espaço nas mais variadas áreas para a construção de conhecimentos e de alternativas para uma melhor condição de vida de tais pessoas (MAZZOTA, 2005, p.27). Foi principalmente na Europa que surgiram os primeiros movimentos pelo atendimento às pessoas com deficiência, refletindo mudanças na atitude dos grupos sociais, se concretizando em medidas educacionais. Tais atitudes educacionais foram se expandindo, primeiramente sendo levadas para os Estados Unidos e Canadá e, posteriormente, para outros países, inclusive o Brasil. Inspirados em experiências concretizadas na Europa e Estados Unidos, alguns brasileiros iniciaram, já no século XIX, a organização de serviços para atendimento a cegos, surdos, pessoas com deficiências mentais e físicas. Durante muito tempo, tais atendimentos caracterizavam-se como iniciativas oficiais e particulares isoladas, refletindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento educacional dessas pessoas com deficiência (MAZOTTA, 2005, p.27). Somente no final dos anos 50 e início da década de 60 do século XX, é que ocorre a inclusão da Educação Especial na
política educacional brasileira. Em 1854 foi criado por D. Pedro II através do Decreto Imperial nº1.428, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje denominado Instituto Benjamim Constant (IBC), grande centro produtor de pesquisa nessa área. D. Pedro II, pela lei Nº839, cria no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos-mudos, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Vale ressaltar a importância do 1º Congresso de Instrução Pública, ocorrido em 1883, em que um dos temas era a questão de currículo e a formação de professores para cegos e surdos assuntos que ainda são discutidos nos dias atuais. Até 1950 havia quarenta estabelecimentos de ensino comum mantidos pelo poder público e que prestavam algum tipo de atendimento escolar especial a sujeitos com deficiência mental. Outros catorze estabelecimentos de ensino comum, dos quais um federal, nove estaduais e quatro particulares, atendiam também alunos com outras deficiências. No mesmo período, três instituições especializadas atendiam alunos com deficiência mental e outras oito se dedicavam à educação de alunos com outras deficiências e em 1947 o Instituto Benjamin Constant, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, realizou o primeiro Curso de Especialização de professores na Didática de Cegos. Outras instituições foram fundadas até meados do século XX. No entanto, são destacadas apenas algumas, para marcar a trajetória da institucionalização e atendimento à diferença, sinalizando, inicialmente, o atendimento médico às pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais. A educação das pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais, durante muito tempo não se apresentava interessante à economia, ou como aspecto indispensável ao desenvolviINEQ - Educação integral
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mento do país. Essas pessoas não eram vistas como produtivas; sua formação era voltada à sua subsistência para não ser tão onerosa à sua família e, consequentemente, ao Estado. Fazendo um breve relato sobre a história de como eram tratadas as pessoas com alguma deficiência pode-se dizer que passaram, do extermínio, do abandono, do período da exposição, o que na idade antiga não representava um problema de natureza ética ou moral, a um novo período em que podiam continuar vivas, embora ainda vistas como pessoas doentes, defeituosas e/ou mentalmente afetada. Na Idade Média, de acordo com as ideias cristãs, elas não podiam mais ser exterminadas, eram então, abrigadas em igrejas, conventos, asilos. Foi a época do estilismo, precursora do assistencialismo ainda visto na sociedade atual. O período do organicismo surge na Idade Moderna, passando-se da filantropia para o modelo médico relacionado à deficiência. A partir da idade contemporânea há uma nova forma de se conceber a pessoa com deficiência, constatando-se suas possibilidades de aprendizagem e desenvolvendo-se alternativas para seu atendimento educacional no sistema regular de ensino, em função de suas especificidades. Essa pessoa, antes vista apenas como limitada, agora deve ser vista como alguém com potencialidades, com capacidades que devem ser desenvolvidas, com condições de viver em ambientes menos restritos, menos segregativos. A partir dos anos 60/80 já do século XX, tem-se a proposta de um novo modelo de convivência social, tendo como princípios a individualização, a normalização e a integração. Trabalha-se o aluno com deficiência, fora do contexto social, depois busca-se integrá-lo à sociedade que não se modifica para receber esse indivíduo da forma como ele é, respeitando-se sua individualidade, suas peculiaridades. Ele é
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quem deve se adaptar à sociedade. Os anos 90 traz novas mudanças na estrutura da sociedade e da educação escolar. Chega ao Brasil a nova terminologia denominada Inclusão, que já vinha sendo discutida e implementada nos países nórdicos e nos EUA – Estados Unidos da América. Surge, então, a chamada Escola Inclusiva a considerar as necessidades de todos os alunos, estruturando-se em função dessas necessidades, sendo que tal estrutura deve ser eficiente para atender a todos os alunos, nos seus diferentes níveis de ensino. A escola e o sistema educacional buscam apoio para trabalhar as diferenças, sem tirar essas crianças do convívio social. O século XXI traz consigo a proposta de superar as situações de exclusão, reconhecendo os direitos da chamada diversidade e estimulando sua participação social plena na sociedade. Nos dias atuais muito se tem falado em uma inclusão responsável, envolvendo todos os setores da sociedade, principalmente no âmbito escolar. A proposta da inclusão é a de enfrentar e superar as situações de exclusão, reconhecendo os direitos da diversidade do alunado e estimulando sua plena participação social. Na segunda metade dos anos 90 (aproximadamente 1995 em diante) quando se começa a falar de inclusão e, já a partir do início dos anos 2000, de uma forma mais enfática e mais radical, já havia programas de Educação Especial bastante estruturados. No entanto, mesmo havendo tentativas de efetivação de um amplo processo de inclusão escolar e, mesmo que ele seja fortalecido por vasta legislação, a marginalização das pessoas com deficiência/necessidades especiais brasileiras, continua, pois, seu processo de exclusão é anterior ao período de escolarização. O Brasil é um dos países campeões em desigualdade social, ou seja, em desigualda-
de econômica, e isso se reflete nas condições precárias de vida de sua população. Segundo Patto (2008, p.27) Há explicações teóricas da marginalidade que a atribuem ao fato de que, nos países subdesenvolvidos, algumas regiões ficam de fora do desenvolvimento capitalista industrial, o que tem um efeito excludente sobre os que vivem nesses polos atrasados da economia. Em outros termos, nesses países, a população sobrante não seria despossuída pelo sistema capitalista, mas apenas agravada por ele, uma vez que, em condições subdesenvolvidas, o capital não tem condições de incorporar o excedente dessa modalidade sui generis de “exército de reserva” (grifos da autora). Já Pereira (1971, apud PATTO, 2008, p.29-30) afirma: [O sistema econômico capitalista] periférico tende a expelir, a expulsar, a extinguir (pela fome inclusive), a parte excedente desse contingente, porque dela prescinde para o seu funcionamento, em determinado estágio de seu desenvolvimento. Portanto, a exclusão é parte inerente de uma sociedade dividida em classes e a escola, como parte integrante desta sociedade, também é excludente. A Deficiência intelectual (segundo conceito da Associação Americana de deficiência mental), trata-se de um funcionamento intelectual inferior à média (QI), associado a limitações adaptativas em, pelo menos, duas áreas de habilidades (comunicação, vida no lar, adaptação social, saúde e segurança, uso de recursos da comunidade, determinação, funções acadêmicas, lazer e trabalho), com início antes dos 18 anos. Em 1995 o simpósio INTELLECTUAL DISABI-
LITY: PROGRAMS, POLICIES, AND PLANNING FOR THE FUTURE da Organização das Nações Unidas (ONU), altera o termo deficiência mental por deficiência intelectual, no sentido de diferenciar mais claramente a deficiência mental por doença mental (quadros psiquiátricos não necessariamente associados a deficit intelectual). Em 2004, em evento realizado pela Organização Mundial de Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde o termo deficiência é consagrado com documento “DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL.” A educação especial no Brasil diante da mudança de paradigma define como modalidade de atendimento em educação especial no Brasil: as escolas e classes especiais; o atendimento domiciliar, em classe hospitalar e em sala de recursos; o ensino itinerante, as oficinas pedagógicas e a estimulação essencial; e as classes comuns. Mantendo a estrutura paralela e substituta da educação especial, o acesso dos alunos com deficiência ao ensino regular é condicionado, conforme expresso o conceito que orienta quanto à matrícula em classes comum: Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também, são matriculados, em processos de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais (Inclusão revista da educação especial, 2010, p.21) Em vez de promover a mudança de concepção favorecendo os avanços no processo de inclusão escolar, essa política demonstra fragilidade, perante os desafios inerentes à construção do novo paradigma educacional. Ao conversar com o modelo de organização e classificaINEQ - Educação integral
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ção dos alunos, estabelece-se o antagonismo das ações que não atingem a escola especial como espaço de acolhimento daqueles alunos considerados incapacitados para alcançar os objetivos educacionais estabelecidos. Sem medidas e investimento na construção e avanço do processo de inclusão escolar surge o discurso de resistência à inclusão, com ênfase na falta de condições pedagógicas e de infraestrutura da escola. Esse posicionamento não se traduz em práticas transformadoras capazes de propor alternativa e estratégias de formação e implantação de recursos nas escolas que respondam afirmativamente às demandas dos sistemas de ensino, resultando na continuidade das práticas tradicionais que justificam a segregação em razão da deficiência. Neste período, as diretrizes educacionais brasileiras respaldam o caráter substitutivo da educação especial, embora expressem a necessidade de atendimento às especificidades apresentadas pelo aluno na escola comum. Ao mesmo tempo em que orientam a matrícula dos alunos públicos-alvo da educação especial nas escolas comuns, mantém a possibilidade do atendimento educacional especializado substitutivo na escolarização. Tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394,1996) quanto a Resolução 02 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica (Inclusão revista da educação especial, 2010, p.21) denotam ambiguidade quanto à organização da Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo. Ao mesmo tempo em que orientam a matrícula dos alunos públicos-alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade do atendimento educacional especializado paralelamente. No início do século XXI, esta realidade de mobilização mais ampla em torno do questiona-
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mento à estrutura segregativa reproduzida nos sistemas de ensino, que mantém um alto índice de pessoas com deficiências em idade escolar fora da escola e a matrícula de alunos públicos-alvo da educação especial, majoritariamente, em escolas e classes especiais. A proposta de um sistema educacional inclusivo passa, então, a ser percebida em sua dimensão histórica, enquanto processo de reflexão e prática, que possibilita efetivar mudanças conceituais, político e pedagógicos, coerentes com o propósito de tornar o efetivo direito pela Constituição Federal de 1988. A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência outorgada pela ONU em 2006, foi ratificado no Brasil como emenda constitucional, por meio de Decreto Legislativo nº 186/08 e pelo Decreto Executivo nº 6949/ 2009, sistematiza estudos e debates mundiais realizados ao longo da última década do séc. XX e nos primeiros anos deste século, criando uma conjuntura favorável à definição de políticas públicas fundamentadas no paradigma da inclusão social. Este tratado internacional altera o conceito de deficiência que, até então, representava o paradigma integracionista, calcado no modelo clínico de deficiência, em que a condição física, sensorial ou intelectual da pessoa se caracterizava no obstáculo a sua integração social, cabendo a estas se adaptarem às condições existentes na sociedade. Pessoas com deficiência representam aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (Inclusão revista da educação especial, 2010, p.22). Assim, neste novo paradigma, à sociedade ca-
berá promover as condições de acessibilidade necessárias a fim de possibilitar às pessoas com deficiência a viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida. Neste contexto, a educação inclusiva torna-se um direito inquestionável e incondicional. O artigo 24 versa sobre o direito da pessoa com deficiência à educação ao afirmar que: [...]para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os estados partes assegurarão sistemas educacional inclusivo em todos os níveis bem como o aprendizado ao longo de toda a vida. (Inclusão revista da educação especial, 2010, p. 22) Este princípio fundamenta a construção de novos marcos legais, políticos e pedagógicos da educação especial impulsionando os processos de elaboração e desenvolvimento de propostas pedagógicas que visam assegurar as condições de acesso e participação de todos os alunos no ensino regular. Com objetivo de apoiar as transformações dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos, a partir de 2003, são implementadas estratégias para a disseminação dos referenciais da educação inclusiva no país. Para alcançar este propósito, é instituído o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, que desenvolve um amplo processo de formação de gestores e de educadores, envolvendo a parceria entre o Ministério da Educação, os estados, os municípios e o Distrito Federal. A partir desta ação, tem início a construção de uma nova política de educação especial que enfrenta o desafio de se constituir, de fato, como uma modalidade transversal desde a educação infantil à educação superior. Neste
processo são repensadas as práticas educacionais concebidas a partir de um padrão de aluno, de professor, de currículo e de gestão redefinindo a compreensão acerca das condições de infraestrutura escolar e dos recursos pedagógicos a partir da concepção de desenho universal. A política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada pelo MEC em 2008, instaura um novo marco teórico e organizacional na educação brasileira, definindo a educação especial como modalidades não substitutiva à escolarização; o conceito de atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à formação dos alunos; e o público-alvo da educação especial constituído pelos alunos com deficiência, transtorno globais do desenvolvimento e altas habilidades / superdotação. De acordo as diretrizes da nova política: A educação especial é definida como uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, que disponibiliza recursos e serviços, realiza o atendimento educacional especializado e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. (Inclusão revista da educação especial, 2010, p.22) Os princípios definidos na atual política são ratificados pela Conferência Nacional da Educação Básica de 2008, que em seu documento final salienta: Na perspectiva inclusiva, cabe destacar que a educação especial tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação nas turmas comuns do ensino regular, orientando os sistemas de INEQ - Educação integral
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ensino regular, orientando os sistemas de ensino comum, a participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; a transversalidade da educação infantil até educação superior; a oferta do atendimento educacional especializado e aos demais profissionais da educação, para a inclusão; a participação da família e da comunidade; a acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informações; e a articulação Intersetorial nas implementações das políticas públicas. (Inclusão revista da educação especial, 2010, p.22) Neste cenário de inclusão torna-se pauta constante nos debates educacionais brasileiros, impulsionado novas formulações que reorientam o apoio técnico e financeiro, no sentido de prover as condições para a inclusão escolar dos alunos públicos-alvo da educação especial nas redes públicas de ensino. Assim, o conceito como forma de promoção da igualdade de condições entre os alunos. Para tanto, destacam as ações que permitam a organização do atendimento educacional especializado em escolas comuns. O impacto desse conjunto de ações no âmbito da educação especial na perspectiva inclusiva se reflete no declínio progresso de matrícula dos alunos público-alvo da educação especial em escola e classes especiais e a ascensão das matrículas destas classes comuns do ensino regular. 1. Sala de recursos Segundo a Secretaria de Educação Especial / MEC a sala de recursos deve ser um ambiente de natureza pedagógica, orientado por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional re-
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alizado em classes comuns da rede regular de ensino. Partindo da LDB 9394/96 e dos documentos do MEC, tem-se a possibilidade de que nas escolas brasileiras o processo de inclusão possam se efetivar: salas de recursos, ensino itinerante, ensino colaborativo e consultoria colaborativa que atuem em parceria com o ensino regular onde se encontram matriculadas as pessoas com deficiências. A origem da sala de recursos, no Brasil, começou a ser pensada em meados da década de 1970, tendo como um dos princípios básicos a literatura americana que já se encontrava especializada, visto que já havia em curso alguns debates acerca dos processos de segregação que eram levados a cabo em outras modalidades. Historicamente, a constituição da sala de recursos se deu no Brasil nos anos de 1980, configurando-se em uma alternativa ao processo de segregação que as pessoas com deficiências enfrentam no cotidiano. As pessoas com necessidades educacionais especiais têm assegurado pela Constituição Federal de 1988, o direito à educação (escolarização) realizada em classes comuns e ao atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização, que deve ser realizado preferencialmente em salas de recursos na escola onde estejam matriculados, em outra escola, ou em centros de atendimento educacional especializado. Esse direito também está assegurado na LDBEN – Lei nº. 9.394/96, no parecer do CNE/CEB nº. 17/01, na Resolução CNE/CEB nº. 2, de 11 de setembro de 2001, na lei nº. 10.436/02 e no Decreto nº. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, 2001, em seu artigo 2° orientam que: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos
educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidades para todos” (ALVES, 2006, p.11). Baseando–se nos estudos de Arnal e Mori (2007), Almeida e Rocha (2008), Prieto e Sousa (2007), Silva (2006) e Costa (2009), entre outros, o referencial proposto visou apontar algumas contribuições que a Sala de Recursos pode oferecer ao sistema inclusivo de educação. A sala de recursos deve conter uma abordagem humanística, democrática, que perceba o sujeito e suas singularidades, tendo como objetivos o crescimento, a satisfação pessoal e a inserção social de todos. Nas salas de recurso o professor especializado pode oferecer recursos e serviços que promovem o acesso do aluno ao conhecimento escolar. Por isso, o diálogo entre os dois profissionais é fundamental, afirma Rosângela Machado, coordenadora de Os princípios para organização das salas de recursos multifuncionais partem da concepção de que a escolarização de todos os alunos, com ou sem necessidades educacionais especiais, realiza-se em classes comuns do Ensino Regular, quando se reconhece que cada criança aprende e se desenvolve de maneira diferente e que o atendimento educacional especializado complementar e suplementar a escolarização pode ser desenvolvida em outro espaço escolar. (GOMES, 2012). Ao frequentar o ensino regular e o atendimento especializado, o aluno portador de necessidades educacionais especiais têm assegurado seus direitos, sendo de responsabilidade da família, da Escola, do Sistema e da sociedade. A maioria dos recursos das salas está dividida entre as chamadas altas tecnologias, por
exemplo, livros falados, softwares ou teclados e mouses diferenciados. “Existem recursos para comandar o computador por meio de movimentos da cabeça, o que ajuda quem tem lesão medular e não move as mãos”, como a imprensa mostrou no caso do humorista SHAOLIN (falecido). Já as baixas tecnologias são adaptações simples, feitas em materiais como tesoura, lápis ou colher. Com o mesmo intuito de promover a inclusão, há brinquedos que divertem crianças com e sem deficiência. O educador da sala regular pode procurar esses materiais na sala de atendimento educacional especializado: a) Teclado Versátil - O equipamento é programado para ajustar o intervalo entre os toques, evitando erros causados por movimentos involuntários. b) Suporte de Teclado - O suporte, colocado sobre o teclado, chama-se colmeia. Ele impede que o estudante com dificuldade motora pressione a tecla errada. c) Sensor Acionador de Função - O acionador faz a função do clique do mouse e pode ser ativado ao bater ou fechar a mão, puxar um cordão, piscar, soprar, sugar... O aparato pode ser colocado em qualquer parte do corpo do aluno. Com ele, é possível acessar livros virtuais, brincar com jogos e até digitar, usando um teclado virtual. d) Jogos coloridos Diversos - Crianças com da dificuldade de segurar o lápis, usa materiais adaptados e aprende a escrever com jogos feitos de tampinhas e cartões plastificados. O material permite ainda relacionar cores e quantidades 2. Sala de Recursos Multifuncional Em parceria com o Governo Federal – MEC, as prefeituras implantaram no município Salas de Recurso Multifuncional. Esse atendimento constitui oferta obrigatória pelos sistemas INEQ - Educação integral
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de ensino para apoiar o desenvolvimento dos alunos público-alvo da educação especial, em todas as etapas. Os alunos são: a) Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial; b)Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Ret, transtornos desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação; c) Alunos com altas habilidades / superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas de conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade. A elaboração e execução do Plano de aula é de competência dos professores que atuam nas salas de recursos multifuncionais em parceria com os demais professores do ensino regular, inclusive, com participação da família. As salas possuem espaço físico, mobiliário, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Confirma-se que as salas de recursos devem ser usadas como complemento do atendimento educacional comum e as atividades nelas desenvolvidas, devem ocorrer em horário diferenciado do ensino regular. Apresentamos a importância da sala de recursos como parte do processo de inclusão, no contexto escolar, enfocando seus objetivos e sua organização, considerando principalmen-
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te, as diretrizes para a educação especial e, as recomendações de organizações nacionais e internacionais para essa modalidade educacional. A inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares está garantida por lei. O Poder Público, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), coloca, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais, na própria rede pública regular de ensino. No entanto, um dos empecilhos na educação dos alunos com deficiência é a necessidade de uma metodologia específica, bem como de recursos. A questão da inclusão, dessas crianças, insere-se no contexto das discussões a questão das adequações necessárias da escola, para a integração das pessoas com deficiência enquanto cidadãos, com direitos e deveres de participação e contribuição social. Porém, no ensino regular a inadequação dos espaços é facilmente comprovada, sendo mais agravante ainda quando se percebe a perplexidade, confusão e insegurança que professores e outros profissionais demonstram ao se depararem com o assunto, seja na teoria ou na prática. A escola passou, nesse sentido, a desempenhar um papel ambíguo frente a diversidade: de um lado, abriu as portas aos alunos com necessidades especiais; de outro não se preparou tanto quando deveria. Ela deve fluir nos diferentes níveis e graus de ensino. Com esse diálogo convidamos a analisar a reformulação de políticas educacionais e de implementação de projetos educacionais voltados para o sujeito e para a sala de recursos que se bem planejada, poderá contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos evitando a reprovação e a evasão escolar. As inúmeras transformações do mundo globalizado vêm requerer mudanças da escola, para que seja possível oferecer aos seus educandos qualidade de ensino a que têm direito. A Educação Inclusiva torna-se um instrumen-
to para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, o que faz urgente identificar as causas que estão favorecendo a exclusão de grande contingente populacional sabendo-se que o princípio da equidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma formação de qualidade para todos. REFERÊNCIAS ALVES, Denise; GOTTI, Marlene; GRIBOSKI, Claudia; DUTRA, Claudia. Sala de recursos multifuncionais: espaços para atendimento educacional. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006/2008 ARNAL, L. de S. P.; MORI, N. N. R. A prática pedagógica nas salas de recursos. In:16o. Congresso de leitura do Brasil, 2007, Campinas. 16o. Congresso de leitura do Brasil - Textos Completos. Campinas: Alb-Fae/UNICAMP, 2007. v. 1. p. 1-10. BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL-CF/88. ______. MEC. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação Especial. MEC: SEESP, 2001. ______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resultados Preliminares do Censo Escolar 2008 – Educacenso. Disponível em:<http://www.inep.gov. br>. Acesso em 19/09/2020. ______. Secretaria de Educação Especial. Legislação Específica. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/seesp>. Acesso em: 19/09/2020. ______. MEC. Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/arquivos/ pdf/politicaeducespecial.pdf. Acessado em 19/09/2020. ______. LDB 9394/96 - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. COSTA, V. B. A .Prática Social da Convivência Escolar Entre Estudantes Deficientes Visuais e seus Docentes: o estreito caminho em direção à inclusão. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. FRAGO, A VIÑAO. Tiempos Escolares, Tiem-
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A CRIANÇA E O BRINCAR
Silvia Cavanha Buratinne¹ RESUMO
ABSTRACT
Este estudo trata da extrema importância do brincar para o desenvolvimento físico, motor, cognitivo, psicológico, emocional e moral da criança. Defende a brincadeira como uma necessidade inerente à criança e como um recurso facilitador do desenvolvimento infantil integral que deve ser praticado, inclusive no espaço escolar, lugar particularmente preparado para a criança com vista à sua aprendizagem. Aponta os benefícios que, segundo os autores estudados, a brincadeira é capaz de trazer à criança em relação ao seu desenvolvimento integral, começando pelos valores da tolerância, cooperação, respeito até a compreensão da sociedade em que ela está inserida e a descoberta de si como um ser atuante. O presente estudo ainda menciona a base legal que preserva o direito ao brincar, primeiramente, como direito constitucional fundamental presente na Constituição Federal de 1988, seguido de outros documentos que normatizam o tema e que tratam da questão do brincar como direito da criança garantido pelo Estado e ao mesmo tempo como um dever do próprio Estado e da sociedade como um todo de executar esse direito da criança na prática. Palavra-chave: Brincar, Direito, Garantia de aprendizagem, Desenvolvimento integral, Base legal.
This study deals with the extreme importance of playing for the child's physical, motor, cognitive, psychological, emotional and moral development. It defends play as a necessity inherent to the child and as a resource that facilitates the integral child development that must be practiced, even in the school space, a place particularly prepared for the child with a view to their learning. It points out the benefits that, according to the authors studied, the game is capable of bringing to the child with regard to their integral development, starting with the values of tolerance, cooperation, respect and even understanding the society in which they are inserted and the discovery of themselves as an active being. The present study also mentions the legal basis that preserves the right to play, firstly, as a fundamental constitutional right present in the Federal Constitution of 1988, followed by other documents that regulate the theme and that deal with the issue of playing as the child's right guaranteed by the State and at the same time as a duty of the State itself and of society as a whole to carry out this child's right in practice. Keywords: Playing, law, Guarantee of learning, Integral development, Legal basis INTRODUÇÃO O presente artigo contempla o ato de brincar,
1 - Professora de Educação Básica do Fundamental II e Ensino Médio. Contato: sicavanha@gmail.com.
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plenamente assegurado pela legislação brasileira, como uma ação de extrema importância para o desenvolvimento integral da criança, e defende a prática da brincadeira nos espaços escolares relativos à Educação Infantil como recurso eficiente para alcançar o aprendizado em diversos âmbitos. O texto apresenta, inicialmente, uma abordagem a respeito da base legal que sustenta a garantia do direito ao brincar. Serão mencionados os artigos ou princípios que regulam o assunto na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Em seguida, serão mencionadas justificativas que fundamentam a legislação vigente. Isso ocorrerá por meio de explicações e observações dos diversos autores que discorrem sobre o tema. Tais menções servem de argumento para defender a brincadeira como meio de propiciar o desenvolvimento infantil, inclusive no espaço escolar, lugar onde muitas crianças passam a maior parte de seu tempo. O estudo aponta para o brincar como recurso que favorece o aprendizado de valores, a aquisição de conhecimentos, o aprimoramento de habilidades, a convivência, o treino da concentração, da criatividade, a adaptação à cultura, a tomada de si como ser atuante entre outros aspectos do desenvolvimento que demonstram a importância e a necessidade do brincar. 1. Garantias Legais do Direito ao Brincar na Infância O direito da criança ao lazer e à brincadeira encontra-se devidamente positivado na legislação brasileira por meio de sua Carta Magna de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/90), contando, também, com Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, da qual o Brasil é signatário.
A referida Declaração, ratificada pelo Brasil, expõe em seu Princípio VII a preocupação com a garantia da formação integral da criança, isto é, com a formação que se dá tanto no âmbito intelectual quanto no ético, ressaltando o jogo e a brincadeira como direitos e elementos essenciais para atingir essa formação: [...] Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade. [...] A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para a educação; a sociedade e as autoridades públicas irão se esforçar para promover o exercício deste direito. (grifo nosso) A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, assegura à criança, dentre outros, o direito à educação, ao lazer, à cultura e à liberdade: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Artigo 227, CF/88) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº 9.394/96), como lei infraconstitucional, reconhece a importância do acesso da criança, do nascimento até os seis anos, à educação infantil em creches e pré-escolas, INEQ - Educação integral
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compreendendo essa fase a primeira etapa da Educação Básica, responsável pelo desenvolvimento da criança em seus aspectos físicos, psicológicos e sociais. Os locais das creches, maternais e pré-escolas são considerados ambientes internos específicos, formalmente elaborados e apropriados que, de certa forma, facilitam o brincar protegido, contribuindo com a formação e o aprendizado. Dá à família o papel fundamental para garantir a sobrevivência, a ludicidade, o pleno desenvolvimento e a proteção integral da criança nos primeiros anos de vida, combinado ao Estado e a sociedade. Outros espaços proporcionados pelas pré-escolas, maternais, creches e escolas são ambientes internos formalmente elaborados e geralmente apropriados para a prática do brincar, enquanto cultura lúdica, inerente ao ambiente de inserção da criança. Nesses espaços, a criança deve ser estimulada a brincar, praticar esportes, divertir-se. O (ECA), em seu artigo 4º, a respeito do lazer e do brincar, assevera: Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E esclarece, no inciso IV, do artigo 16, que “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;” Observa-se que, a partir da promulgação da CF/88 e das demais leis a ela submetidas, a legislação brasileira torna a criança “sujeito de direitos” e “pessoa em desenvolvimento”,
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e transmite ao Estado e à sociedade o dever de proteger e de garantir à criança os direitos fundamentais à efetiva educação, à formação integral, mediante o acesso ao conhecimento, à aprendizagem e ao brincar. Ao discutirem a importância do brincar, Venâncio e Freire (2005, p. 33) dizem que “o brincar em sua visão de mais profundidade corresponde à satisfação das necessidades afetivas vitais para que o ser humano se realize”. Essa afirmação nos traz a dimensão de quão fundamental é a brincadeira na vida do ser humano, especialmente, numa fase peculiar de seu desenvolvimento que é a infância. Assim, observa-se que a positivação de todas as normas supramencionadas, que objetivam a proteção do direito à brincadeira, parte da compreensão da sociedade de que o brincar é inerente ao ser humano e se apresenta como um mecanismo de desenvolvimento muito eficiente, capaz de proporcionar à criança, além da alegria e do prazer, vivências, experiências que contribuem para o despertar de certas competências de extrema relevância para o indivíduo e para a sociedade. A garantia do direito de brincar se deve à importância do ato da brincadeira para o desenvolvimento da criança em termos de sociabilidade, de desempenho motor, de aquisição de valores e de cognição, de estímulo da criatividade, de desenvolvimento da concentração e da tomada da consciência de si como um ser atuante, autônomo, cultural. Tudo isso leva a criança a exercer sua cidadania e a melhorar sua qualidade de vida. 2. Benefícios do brincar ao desenvolvimento infantil Diversos estudos apontam que é através do brincar que a criança terá a garantia da aprendizagem. Segundo Vygotsky (1989), o brinque-
do e a brincadeira influenciarão o desenvolvimento das crianças. Em relação ao que a ação de brincar representa para o desenvolvimento da socialização, Ribeiro (1994) faz a seguinte afirmação acerca do tema: [...] é a forma de a criança integrar-se ao ambiente que a cerca. Através das atividades lúdicas a criança assimila valores, adquire comportamentos, desenvolve diversas áreas de conhecimento: exercita-se fisicamente e aprimora habilidades motoras. No convívio com outras crianças aprende a dar e a receber ordens, esperar sua vez de brincar; de emprestar e a tomar como empréstimo brinquedos; a compartilhar momentos bons ou ruins; a fazer amigos; ter tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade. (RIBEIRO, 1994, p. 56) Nesse mesmo diapasão, Mota e Chaves (2005) acrescentam que o brincar possibilita o desenvolvimento do pensamento, além de contribuir significativamente para a formação das relações sociais da criança, na medida em que, imaginando, fazendo de conta, ela assume papéis da vida adulta, podendo recriar suas percepções; proporciona uma mediação entre o real e o imaginário. Ao brincar, a criança representa suas vivências, evoca aspectos e experiências significativas, organiza e estrutura sua realidade externa e interna, tomando a consciência de si como ser atuante. Para Bettelheim apud Moukachar (2004), as atividades lúdicas estimulam o desenvolvimento intelectual da criança e desenvolvem hábitos necessários, como; persistência, concentração, perseverança e cooperação. No tocante à moral, de acordo com Vygotsky
(1989, p. 118) “[...] a brincadeira cria na criança uma nova forma de desejos, a um ‘eu’ fictício, ao seu papel na brincadeira e suas regras, Dessa maneira, uma maior moralidade. Aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.” Quanto à lógica e à interpretação, segundo Vygotsky (1995), é através do lúdico e do jogo que a criança forma conceitos, seleciona idéias, estabelece relações lógicas, integra percepções, faz as tentativas compatíveis com suas características comportamentais e de desenvolvimento. Nesse mesmo sentido, Benjamin (1984), explica que a criança não é um ser isolado vivendo em uma ilha. Ela é sujeito social, faz parte de uma determinada cultura. Na brincadeira, a criança atua no mundo contextualizado que a rodeia, interpreta-o produzindo sentidos. É importante destacar, segundo Vygotsky (1995), que o brincar é a essência da infância, sendo este um vínculo do crescimento que possibilita à criança explorar o mundo descobrindo, conhecendo e tendo melhor compreensão de seus sentimentos e, desse modo, em feedback, construindo uma nova forma de agir em suas brincadeiras de faz de conta, atribuindo sentidos cada vez mais complexos para suas ações. A partir da convivência, as crianças se relacionam brincando, negociando regras, entendendo o que acontece na vida real, criando assim os personagens de sua imaginação para desenvolver suas próprias brincadeiras, pois “brincar fornece à criança a possibilidade de construir uma atividade autônoma, cooperativa e criativa. (VYGOTSKY, 1995, p. 5) Para Brougère (1995), a brincadeira pode ser um espaço de experiências bem original, onde INEQ - Educação integral
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o comportamento encontra-se dissociado e protegido de censuras encontradas na sociedade. Nesse sentido, a brincadeira é uma situação de flexibilidade. A criança pode tentar, sem medo da confirmação do real, algumas condutas de comportamento que, sob pressões funcionais, podem ser experimentadas na brincadeira. Nesse universo, a criança pode, sem riscos, inventar, criar, tentar. A brincadeira, ainda conforme os esclarecimentos de Brougére (1995), obedece ao ritmo da criança e apresenta aspectos aleatórios e incertos. Não se sabe com antecedência aquilo que se vai encontrar. Quem brinca pode sempre evitar aquilo que lhe desagrada. Se a liberdade é um pressuposto da brincadeira, que deixe de existir se houver qualquer imposição, é também um fator que complica a análise dos resultados. A liberdade produz muitas incertezas. Para o autor, a brincadeira é um “espaço de aprendizagem cultural fabuloso e incerto”. A brincadeira é ambígua e pode ser “um espaço de inovação e criação”, mas pode ser também “um lugar de conformismo, de adaptação à cultura, tal como a cultura existe”. (BROUGÈRE, 1995, p. 104) Brincar fornece às crianças um importante sistema de suporte mental, que lhes permite pensar e agir de diferentes maneiras. Ele enfatizava que a natureza do brincar simbólico é muito importante para o desenvolvimento infantil. Em suas concepções, as situações imaginárias criadas durante o brincar seriam o que ele denominou de zonas de desenvolvimento proximal que operam como sistema de suporte mental. Dessa forma, “O que define o brincar é a situação imaginária, criada pela criança. As crianças brincam sempre acima de sua idade média, acima de seu comportamento diário, é como se, ao brincar, a criança fosse uma cabeça mais alta que ela mesma. (VYGOTSKY, 1989, 134)
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Ainda de acordo com Vygotsky (1989), a criança que brinca, envolve-se constantemente no mundo do trabalho, da cultura, da amizade, por meio de representações e experiências. A brincadeira é um espaço em que a criança faz construções imaginárias para solucionar seus conflitos. Ao brincar, a criança experimenta, a partir dos momentos de imitação e da imaginação, outras formas de ser e de pensar, manipulando o sentido das palavras e da realidade, tendo consciência de que é uma representação. Nesse sentido: Brincar não é mentir nem fantasiar, a criança retira de sua vida os conteúdos da brincadeira através de impressões em sentimentos de vivência dos conhecimentos que se aprende, das histórias que escutou, por isso, para brincar é preciso entender que a brincadeira é uma atividade da imaginação. (ABRAMOWICZ; WAJSKOP, 1995, p. 59) Na visão de Vygotsky (1989) bem como na dos demais estudiosos, a brincadeira é um dos recursos empregados pelas crianças para conhecer o mundo que as rodeia, se reconhece que – muitas vezes – os temas escolhidos nas brincadeiras são aqueles a criança precisa aprofundar na vida real, porque brincando a criança constrói significados, objetivando assimilar papéis sociais e também compreender as relações afetivas, tendo a possibilidade de recriar as experiências vividas pelos adultos, construindo hipóteses sobre o funcionamento dessa sociedade. Brincar não tem somente valor recreativo. Os jogos e brincadeiras refletem e transmitem os valores básicos de uma sociedade e o modo de sobrevivência prevalecente é sua estrutura. O próprio ato de brincar ajuda a transmitir às crianças as atitudes requeridas pelas normas culturais dominantes.
m conformidade com os pensadores, ao crer que a aprendizagem ocorre na interação com outras pessoas e que isso possibilita o avanço no desenvolvimento psicológico, observa-se que as escolas infantis que atendem crianças de 0 a 5 anos têm importante função no desenvolvimento das crianças, pois, muitas vezes, elas passam boa parte do tempo nesse espaço, e é nele que experimentará as sensações do mundo e desenvolver suas habilidades. Desse modo, as escolas de educação infantil devem ser vistas como um local capaz de beneficiar o desenvolvimento infantil em seus diversos significados, pois compreendem um dos espaços apropriados para o brincar infantil, por representarem um microssistema, ou seja, “um contexto no qual há um padrão de atividades, papéis sociais e relações interpessoais, experiência dos face a face pela pessoa em desenvolvimento” (NARVAZ; KOLLER, 2004, p.57). De acordo com BRONFENBRENNER; MORRIS apud NARVAZ; KOLLER (2004), em diferentes contextos de desenvolvimento (microssistemas) é que a criança deve ter oportunidades de brincar sozinha com as outras crianças e com os adultos. As crianças que brincam com outras se relacionam com o mundo de formas diferentes daquelas que convivem somente com adultos. A aprendizagem de outros papéis é possível quando as pessoas convivem com outras da mesma faixa etária; aprendem a dividir os objetos, as ideias; aprendem a aceitar as opiniões; enfim aprendem o sentido de grupo. O brincar e a interação com as pessoas promovem o aprendizado infantil e impulsionam seu desenvolvimento nos aspectos físicos, cognitivos e emocionais, levando a criança a explorar o mundo e adquirir sua autonomia. Dentro dos microssistemas se preconiza o brincar como algo tão importante para a criança quanto a alimentação, o carinho dos pais e sua moradia,
sendo o ato de brincar, inerente à sua própria natureza. A Educação Infantil com foco no lúdico tem a função de estimular o desenvolvimento de habilidades específicas, tem o potencial de aumentar a capacidade de interação social e de promover a formação de pessoas autônomas. É um direito primordial para as conquistas no desenvolvimento da criança, no sentido de que lhe seja assegurada uma vida digna. Dessa forma, investir no lúdico nos primeiros seis anos de vida da criança, em creches e pré-escolas públicas de qualidade, é dar oportunidades para que ela possa exercer sua cidadania, alcançar a dignidade e melhorar sua qualidade de vida, além de possibilitar a construção de uma sociedade mais equitativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A função do brincar não está relacionada apenas e simplesmente ao prazer e à diversão que a criança experimenta no ato de brincar, relaciona-se também ao aprendizado que essa ação proporciona a cada indivíduo em diversas áreas. Brincar é tão importante, tão essencial ao pleno desenvolvimento infantil que, para resguardar à criança esse direito, a legislação brasileira transmitiu ao Estado e à sociedade a obrigação de garantir o acesso ao brincar como um direito fundamental tão importante quanto a saúde e a alimentação, plenamente capaz de corroborar para a formação integral da criança. Assim, esse direito se encontra positivado na Constituição Republicana de 1988, bem com no (ECA), lei infraconstitucional. O ato de brincar é entendido como uma necessidade inerente à criança e deve constar nas atividades diárias dos microssistemas em que a criança está inserida, especialmente na esINEQ - Educação integral
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cola. A criança, ao frequentar a creche, a pré-escola, deve, por lei, brincar nesses espaços para ela singularmente preparados, sendo, dessa forma, exercido o seu direito ao brincar. Conforme mencionado neste estudo, a criança desenvolve, por meio da brincadeira, ao brincar sozinha, com outras crianças ou mesmo com um adulto, habilidades diferentes. Essas novas aquisições são benefícios que podem estar ligados a valores tais como a tolerância, o respeito, a cooperação, a persistência, entre outros; à moral; à ampliação de sua cognição ao ter contato com coisas, situações e problemas inusitados; à habilidade de conviver, compartilhar, fazer amigos; à compreensão da sociedade, dos papéis sociais e das relações afetivas; ao brincar a criança desenvolve o pensamento; compreende seus próprios sentimentos ao se relacionar e ao imaginar; adapta-se à cultura; interpreta o mundo e estrutura a sua realidade; desenvolve habilidades motoras, a criatividade e a concentração; toma consciência de si mesma como um ser atuante, além de se exercitar fisicamente. Desse modo, o brincar, ação que leva à consequente interação com outros indivíduos, bem como à decorrente ação de explorar o mundo, é capaz de promover o aprendizado infantil e de impulsionar seu desenvolvimento integral, isto é, nos aspectos físicos, cognitivos, psicológicos, emocionais e morais, levando a criança a adquirir sua autonomia, sua dignidade e a dar os primeiros passos rumo a uma sociedade mais desenvolvida e equilibrada. REFERÊNCIAS ABRAMOWICZ, Anete; WAJSKOP, Gisela. Creches: atividades para crianças de zero a seis anos. São Paulo: Moderna, 1995. BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
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A CRIANÇA E SUA RELAÇÃOINTERAÇÃO COM A LINGUAGEM ESCRITA E A ALFABETIZAÇÃO
Sônia Mazaro Candeias Massoni¹ RESUMO O presente artigo pretende comentar e analisar como a criança se relaciona com a linguagem escrita durante o período da alfabetização. Analisando o cenário da alfabetização atual nas escolas nos dia de hoje, muito se tem discutido sobre como as crianças se relacionam, sobre a maneira tradicional que veio por muitos anos sendo o único modo de ensinar. A questão da alfabetização e linguagem sempre são assuntos recorrentes nos centros de discussões da educação, pensar como a criança aprende os conceitos da linguagem e se alfabetiza é pensar nas medidas mais adequadas e apropriadas dessa aprendizagem. Será que existem métodos? Para responder a essa questão, dissertarei sobre como é o desenvolvimento da leitura nas escolas e como as crianças se relacionam com a alfabetização. Palavras-chave: Alfabetização; Criança; Escrita. ABSTRACT This article intends to comment and analyze how the child relates to the written language during the literacy period. Analyzing the current literacy scenario in schools today, much has been discussed about how children relate, about the traditional way that came for many years being the only way to teach. The issue of literacy and lan-
guage are always recurring issues in education discussion centers, thinking about how the child learns the concepts of language and becoming literate is thinking about the most appropriate and appropriate measures of this learning. Are there any methods? To answer this question, I will talk about how reading is developed in schools and how children relate to literacy. Keywords: Literacy; Child; Writing. INTRODUÇÃO O sujeito estudado neste artigo é nosso objeto de partida para compreender como esse se relaciona com os outros elementos abordados. A criança se relaciona com a escrita e a alfabetização mesmo antes de ingressar na escola, ela tem contato com desenhos, símbolos, sinais, marcas, etc, em sua casa, nas ruas, pela televisão, através de vários materiais de uso cotidiano. Chegando na escola aprendem a sistematizar esse conhecimento num sistema de escrita usado socialmente como menciona Gontijo ( 2017, p.10 Apud Lusia) “a substituição de uma técnica por outra que leva a um aprimoramento das habilidades de ler e escrever”. A entrada da criança na escola desenvolve a forma cultural da utilização da escrita, mesmo que não associe a aprendizagem do alfabeto e sua
1 - Pós-Graduada em Arte e Educação pela Escola Superior de Administração (HSM) em 2015/ Graduada em Letras pela Universidade do Oeste Paulista- Faculdade de Ciências, Letras e Educação de Presidente Prudente ( FACLEPP) em 2000/ Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de Adamantina em 1991/ Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I PMSP. INEQ - Educação integral
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funcionalidade em um primeiro momento. Elas ingressam na instituição escolar onde já adquiriu um vasto patrimônio com habilidades que a deixará hábil a aprender a escrever durante esse processo de alfabetização. Esse trabalho teve como análise de pesquisa bibliográfica. 1. Concepção de Criança Por muito tempo a criança foi vista como um adulto em miniatura, como relata Ariès: [...] na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento de infância não existia-o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças, corresponde a consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança dos adultos, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condição de viver sem a solitude constante da mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes. (ARIÈS, 2006, p.99) Mas a pedagogia trouxe a luz, a importância do protagonismo infantil. A pedagogia da infância construiu relações em um novo olhar sobre como a criança pensa, constrói e contribui na sociedade. Os estudos sobre infância, nos mostra que as crianças são sujeitos que estão em atividade e que há uma construção cultural, social e histórica. Tomando esse pensamento como ponto de partida, políticas públicas foram criadas para que se garantisse os direitos dessas crianças. A partir do momento que o Estado oferece assistência a essas crianças como um direito garantido a elas, com a criação das creches. Pardindo daí, a criança é olhada como um sujeito
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que necessita ter um olhar institucionalizado e de garantias educacionais específicas “uma educação que parte de uma visão preconceituosa da pobreza por meio de um atendimento de baixa qualidade pretende preparar e permanecer no lugar social a que estariam destinados” (Kuhlmann, 2015, p. 167; Cerisara, 1999 e Kramer, 1982.). Até a criança ser incluída como um cidadão atuante em nossa sociedade em nossa Constituição Federal de 1988 e com garantias maiores a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Logo após a consolidação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/1996, reconhecer ser integrada ao direito do ensino primário. Mesmo diante desse cenário, ainda temos muitos desafios diante da aprendizagem e da aquisição da linguagem escrita e de como essa criança tem acesso e como aprendem. O próprio conceito de infância, criado a partir das relações sociais, vêm modificando-se e solidificando-se gradualmente. No entanto, ainda devemos ampliar o espaço da criança, devemos permiti-la viver a infância, e uma das formas é por meio do brincar. Assim ela vai construindo uma linguagem própria, simbólica, interligando o mundo real com a fantasia. Para Winnicott (1975) “essa primeira experiência do bebê, a brincadeira da criança e a criação do adulto, através do trabalho científico, da arte, ou seja, de sua participação na vida cultural, seguem uma continuidade temporal”. De acordo com a LDB ( 1996, artigo 29) “A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade , em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. 2. Ensino da Linguagem escrita: ontem e hoje
Muito tem-se discutido e pensado em como nossos alunos se relacionam com a aquisição da leitura e escrita. Temos muitas bibliografias que nos auxiliam quais são os principais caminhos que levam esses estudantes a aprender a ler e escrever e também como as aulas, metodologia e didáticas influenciam nesse processo. O método é o processo para se atingir um determinado fim ou para se chegar ao conhecimento, através de pesquisas, sondagem e análise, criando uma didática para gerar motivação na busca do conhecimento. “Trabalhamos todos modificando o presente em bem do porvir. “ Em tempos de revolução a dificuldade, dizia Tacito, não está em cumprir o dever, está em saber onde ele se acha”. Nós sabíamos onde estava o dever, felizmente, creio poder assegurar que seguimó-lo a risca”. (Mortatti apud Silva Jardim, 2000, p. 55). A partir da fala de um educador positivista, observamos que o trabalho com o ensino da leitura a muito vem sendo discutido e analisado. Pensava-se em métodos, como um caminho pronto, único e sistemático poderiam ser ensinados aos alunos. Isso se refere ao método favorecer o hábito de pesquisar, estudar. Nesse estágio, cabe a cada pessoa descobrir qual é a melhor forma de aprender, qual técnica usar e como deve aprimorá-la para que se adapte ao seu estilo, sempre visando atingir a meta estabelecida. A metodologia consiste em uma reflexão sobre os métodos lógicos e científicos e que é descrita como parte integrante da lógica nas diversas modalidades de pensamento e em sua aplicação. Progressivamente, a metodologia que era exclusividade do campo da lógica foi abandonada, e os métodos passaram a ser aplicados em várias áreas do saber. Por muito tempo várias ramificações de métodos tradicionais surgiram nas escolas brasileiras como os silabários e cartilhas embasadas nesta metodologia de ensino soletração ou palavração. Esses são discutidos por Mortatti (2000, p.55) como “condenados pelo seu
próprio absurdo com o qual martirizam-se míseras crianças, lastimável é que, algumas de nossas escolas, retardatárias em acompanhar o progresso do ensino, ainda se ouça a voz infantil proferir com penoso acento e como que implorando compaixão; b-a-ba; b-e-be; b-i-bi; b-o-bo; b-u-bu.” Aqui vemos que o ensino da leitura não fazia uma reflexão sobre o que se reproduzia, uma aprendizagem limitada e sem significados para o aluno. Com o passar do tempo várias linhas teóricas e estudos sobre como se organiza e se trabalha em sala de aula e de como os alunos aprendem a linguagem escrita foi realizada e o grande percursor dessa teoria foi Jean Piaget (1896-1980), relata que nunca defendeu ou instituiu um método e sim fez estudos sobre o desenvolvimento infantil. Ele primeiro apresenta que o construtivismo é o desenvolvimento da inteligência construída pelo próprio indivíduo por sua convivência e interação com o meio em que vive. Piaget (1978, p. 387) diz que “as estruturas não estão pré-formadas dentro do sujeito, mas constroem-se à medida das necessidades e das situações”. Nessa teoria, os autores acreditam que o conhecimento não pode ser depositado do educador para a criança porque ele é construído e reconstruído através de suas experiências e contato com as coisas e meio em que vive mesmo que já se tenha tido contato com o objeto de estudo, essa aproximação será reconstruída pela criança. Segundo Piaget (1996), a criança passa por um processo de adaptação progressista que permite o tempo todo que a criança se equilibre ao encontrar respostas a suas perguntas e se desconstrua. Quando o inverso acontece, é desta forma que ela vai ganhar autonomia em aprender a aprender. Ferreiro e Tebereoky (1999) procuraram dentro da teoria de Piaget pesquisar sobre o processo de aquisição da língua. Emília, uma de suas discípulas, defendeu muito que o processo da escrita é um modelo a ser seguido, e nunca a ser copiado, que INEQ - Educação integral
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a escrita deve ser objeto. Às vezes é sujeito de conhecimento cultural que está sempre a descobrir e a buscar outras formas ainda não apresentadas de conhecimento, respeitando sempre seu tempo e observado pelo seus níveis. Desde que Piaget apresentou o construtivismo em seus estudos, muitos são os autores que o defendem pelo mundo todo, sendo o construtivismo a base de ensino no Brasil nos dias de hoje, citado nos PCN (1997) como método de ensino. Piaget (1996) em seus estudos afirma que as crianças não pensam como adulto, aprendem durante seu desenvolvimento que se dá por estágios cognitivos e sensório-motor, se preparando para ser pessoa adulta e ser inserido no mundo adulto. 3. Alfabetização Atualmente temos um ensino básico no Brasil dividido em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio e é nas duas primeiras etapas que se encontram nossas crianças da primeira infância, que começam a terem contato com o mundo letrado e da alfabetização. Nos últimos anos houve uma ampliação do ensino básico e o ingresso mais cedo desses alunos nesse universo alfabetizador. O Ensino Fundamental que antes era de oito anos, passou a ser de nove anos, portanto, os alunos ingressam mais cedo no Ensino Fundamental I, com as seis anos as crianças já estão matriculadas no 1° ano do Ensino Fundamental. A ampliação do ensino obrigatório no Brasil é algo que esteve sempre presente no contexto histórico de nosso país, como podemos constatar sobre o número de anos obrigatórios para o ensino nas legislações brasileiras a partir da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A LDB 4.024/61 estabeleceu quatro anos de ensino obrigatório, passando esta obrigatoriedade para seis anos. A LDB 9.394/96 já indicava para o Ensino Fundamental de nove anos ao estabelecer o ensino fundamental com dura-
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ção mínima de oito anos (art. 32). Plano Nacional de Educação (PNE – Lei n.º 10.172/2001) coloca como uma de suas metas a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos. A partir de 2004, o Conselho Nacional de Educação passou a elaborar Resoluções e Pareceres que visam a orientar a política de implantação do Ensino Fundamental de nove anos. Em 2005, a Lei 11.114, que altera os artigos 6º, 30, 32 e 87 da LDB 9.394/96, torna obrigatório o Ensino Fundamental aos seis anos de idade, porém não especifica a duração exata para este segmento de ensino, referindo-se apenas à sua duração mínima de oito anos. Em 2006, a Lei 11.274, que altera os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB 9.394/96, estabeleceu a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Esta lei também estabeleceu o prazo até 2010 para que todo o território nacional implemente esta obrigatoriedade, garantindo, assim, um período de transitoriedade para esta nova formatação dos dois primeiros segmentos da Educação Básica. Em 2013, foi sancionada a Lei 12.796, que altera a LDB 9.394/96, estabelecendo a Educação Básica obrigatória a partir dos quatro anos de idade. Analisando que todas essas leis e diretrizes foram criadas visando que a alfabetização deva ser igualitária para todos. No contexto atual de ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, considera-se necessário compreender quais são as propostas para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita para os anos iniciais desse segmento de ensino, em especial para o primeiro ano, visto que essa ampliação significa uma possibilidade de qualificação do ensino e da aprendizagem da alfabetização e do letramento. Isso porque a criança ingressando mais cedo no sistema de ensino terá um tempo mais longo para estas aprendizagens, sendo este um dos objetivos dessa ampliação, como apresentado nos documentos orientadores desta política
(BRASIL, 2007; 2009). Ao ingressar na escola, a criança terá na alfabetização a oportunidade de aprender a ler e a escrever, isso “significa adquirir tecnologia, a de codificar em língua escrita, e no letramento apropriar-se da escrita ‘própria’, ou seja, é assumi-la como sua ‘propriedade’” (SOARES, 2001. p. 39). Para isso é importante se trabalhar os conceitos de letramento e alfabetização juntos, fazendo com que a criança aprenda a usar a leitura e escrita para uma aprendizagem significativa, como afirma Emília Ferreiro: A invenção da escrita foi um sucesso histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação. Uma vez construído, poder-se-ia pensar que o sistema de representação é aprendido pelos novos usuários como um sistema de codificação. Entretanto, não é assim. No caso dos dois sistemas envolvidos no início da escolarização (o sistema de representação de números e o sistema de representação da linguagem) as dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais semelhantes às de construção de um sistema e por isso pode-se dizer, em ambos os casos, que a criança reinventa esses sistemas. Bem entendido: não se trata de as crianças reinventarem as letras nem os números, mas que, para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, devem compreender seu processo de construção e suas regras de produção, o que coloca o problema epistemológico fundamental: qual a real natureza da relação entre o real e a sua representação? (FERREIRO, 1988, p. 12, 13) Com base neste fragmento, podemos analisar e compreender como a criança adquire a linguagem escrita e como se constrói esse processo.
O ato de escrever é, neste caso, apenas extremamente associado à tarefa de anotar uma palavra específica; é puramente intuitivo. A criança só está interessada em "escrever como os adultos"; para ela, o ato de escrever não é um meio para recordar, para representar algum significado, mas um ato suficiente em si mesmo, um brinquedo. Tal ato não é, de forma alguma, sempre visto como um recurso para ajudar a criança a lembrar-se mais tarde da sentença. A palavra alfabetização tem como significado o ato de alfabetizar, de ensinar as primeiras letras, ensinar a ler e a escrever, de propagar o ensino da leitura, levar à aquisição dos códigos da língua escrita. Mas a alfabetização não se resume a isso, como nos lembra Tfouni (2010, p. 16) “Existem duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos de naturezas diferentes” E sabemos que cada criança tem seu tempo e ritmo para aprender, portanto, generalizar o processo como único é não considerar as particularidades de cada indivíduo. A relação e interação de como a criança realiza e passa por esse processo de aquisição da linguagem escrita e de como se alfabetiza, se fazem importante para a construção de uma aprendizagem significativa, como afirma Mortatti (2007, p. 159): “A perspectiva interacionista propõe, portanto, uma forma de se compreender como se ensina e como se aprende a língua escrita e comporta uma nova didática da leitura e da escrita centrada no texto e na qual se relacionam os diferentes aspectos envolvidos nesse processo discursivo: por que, para que, como, o quê, quando, onde, quem, com quem ensinar e aprender a língua escrita”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Deve-se considerar desde o início a importância da infância e de como esses indivíduos interagem e aprendem durante o processo da INEQ - Educação integral
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aquisição da leitura e da alfabetização. Desde muito cedo as crianças apropriam-se do ato de ser alfabetizados, conhecendo o ato de ler através de meios fora da escola, pelo mundo tecnológico, por meio daquilo que se oferece para essas crianças. A criança tem sede de aprender, busca por aprendizado o tempo todo. Compreender as práticas de alfabetização desenvolvidas com as crianças do ensino Ensino Fundamental, visto que, com a ampliação dos anos de escolaridade desse segmento de ensino, as crianças de seis anos de idade passaram a ser atendidas nesta segunda etapa da Educação Básica. As crianças não aprendem sozinhas e nem de forma espontânea. Para que elas se apropriem dos conhecimentos, em particular, da linguagem escrita é necessário uma estrutura curricular e de uma formação sólida dos educadores para que possam compreender como se dá a relação das crianças diante desse momento alfabetizador. No ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, não podemos desconsiderar que a linguagem é um produto social, que se realiza através das interações entre os sujeitos e, portanto, essa aprendizagem precisa contemplar o processo dinâmico que envolve a língua, levando em conta o contexto social, cultural e histórico que a envolve. Esse trabalho com as crianças, precisa-se respeitar as suas especificidades e desenvolver metodologias que contemplem essas especificidades, considerando o contexto cultural e social dessas crianças, os conhecimentos que elas têm, e promovendo uma aprendizagem significativa e contextualizada da língua escrita. Dessa forma este trabalho suscita outras questões para futuras investigações como o lugar das crianças nas práticas desenvolvidas. Esta pesquisa não tem por fim a si mesmo, pois, carece de uma investigação mais aprofundada de toda essa temática exposta.
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