FoMO | Maio | 2017
FOMO Nesta edição o foco está em Marvila. O oásis cultural a oriente. Quisémos fazer juz a este bairro histórico de Lisboa e como forma de honrar o culto da individualidade que aqui se sente, decidimos esquecer o layout da revista e deixar cada página ser invadida pelo espírito do local.
Genius Loci
espaรงo
identidade arq./ Urb. tribos espaรงos last words
Marvila Velha é um local de contradições, entre o novo que está a chegar e o antigo que permanece. Um palco de tensões entre o passado industrial glorioso e os criativos que assentam arraiais. A Praça David Leandro da Silva, bem no centro de Marvila Velha, é um mergulho profundo na contradição entre o novo e o antigo, entre a tradição e a inovação. O som do fado, vindo de um rádio a pilhas que o jardineiro de serviço não desliga um segundo, é a banda sonora do local. O pequeno jardim e os bancos que o preenchem são uma espécie de centro de dia ao ar livre para os mais velhos que ali vivem. Com este cenário de fundo, entram os jovens empreendedores e criativos com a vontade de revitalizar espaços abandonados no bairro, de criar projectos culturais e de intervenção social, de construir um futuro mais inclusivo. Querem investir em Marvila por sentir que este é o bairro perfeito: genuíno e livre. Conseguiram ver além da inércia e do abandono e apaixonaram-se por Marvila, pelas suas potencialidades, pela história que cada Fábrica esconde, pelas vidas que se conhece todos os dias na rua e no café. Apaixonaram-se pela sua autenticidade mas também pelo potencial de regeneração. Estes pequenos empreendedores são quem vai reabilitando e valorizando lugares que estavam vazios há anos e que só agora começam a ser alvo de algumas intervenções. A nova geração que invade o espaço não pretende colonizar esta zona da cidade mas sim fazer parte dela e cultivar uma verdadeira cultura bairrista entre os locais e os newcommers. Há recordações que têm de ser preservadas: os moradores contam a história, são a história viva de Portugal. O acesso à cultura e lazer era algo que faltava neste bairro, tanto que os moradores e pessoas que trabalham na zona acolheram com bons olhos a vinda destes novos projectos para aqui. Diziam que ‘aqui nunca se passava nada’ e que projetos como estes irão trazer mais vida, novidades, pessoas a circular. É uma zona com grande potencial, e acreditamos que nos próximos anos vai estar com uma dinâmica bastante diferente da que tem agora. Será uma zona mais vocacionada para a cultura e lazer. Marvila, uma zona de Lisboa em mudança.
As cidades são assim, criam zonas de grande brilho e outras de grande penumbra. Entre a regeneração luxuosa do Parque das Nações e o boom do turismo da Baixa ficou Marvila. Um poliedro em que várias dinâmicas se entrecruzam. O novo e o velho, os artesãos e os designers, o verde das hortas e o cinzento do cimento que ergue os bairros sociais são alguns exemplos dessa mistura. Marvila é uma freguesia portuguesa do concelho de Lisboa, pertencente à Zona Oriental da capital, com 7,12 km² de área e 37 793 habitantes (2011). Xabregas e Marvila misturam-se e entrelaçam-se, estando tão próximas geograficamente que é difícil perceber qual é a fronteira. Uma coisa é certa: o genius loci é o mesmo. O espaço é lânguido, quase uma única rua, com espaço para duas vias, que se prolonga paralelamente ao rio e à linha do comboio e que, embora varie de nome, poderia ser sempre a mesma. Localizada entre a tradicional baixa lisboeta e a moderna zona do Parque das Nações, Marvila dispõe de autocarros e de comboios. É fácil e cómodo chegar através de transportes públicos, mas também de carro, pois são muitos os lugares de estacionamento gratuito. Falta o metro, o que contribuiu para que Marvila esteja “fora do mapa mental da maioria das pessoas”. Mas optar pelo metro significaria perder o encanto da viagem e a possibilidade de sentir como a cidade vai mudando ao longo do percurso, como se “entra” num local completamente diferente daquilo que estamos habituados a ver, dispondo de uma energia e um charme muito próprios. Ao contrário daquilo que observamos na baixa Pombalina ou na Expo 98, nada nestes bairros se exibe ou se publicita. Nada é óbvio ou fácil de descobrir. É necessário ir percebendo a energia do local, a forma como o cenário vai mudando ao longo da viagem, como a narrativa visual e a identidade dos espaços se vai alternando. A viagem até lá é sem dúvida essencial para a contextualização do bairro e para a sua diferenciação da restante cidade. É uma introdução importante para a compreensão deste local e da forma como o tempo corre de forma tão diferente da restante Lisboa.
Marvila
Na década de 60 Marvila era o motor industrial da cidade. As fábricas caracterizavam a paisagem: ali se produzia sabão, tabaco, vinho, fósforos e armamento militar. Nos anos de 1980 e 1990 a zona viveu um período de desindustrialização, o que originou o encerramento de fábricas e o abandono da região, que perdeu a vida de outrora e se rendeu ao esquecimento. Hoje, os que ainda lá vivem, recordam com saudosismo os tempos das ruas sempre cheias, do comércio, das lojas, dos cafés e da vida. Atualmente a zona está a renascer. São cada vez mais aqueles que escolhem estes bairros para abrir as suas lojas, restaurantes e ginásios: são os novos agentes culturais. Esta nova ocupação permite a revitalização dos espaços abandonados, conjugando o passado com o presente e as fachadas antigas com a decoração moderna. São exatamente os espaços que permanecem da década de 60 que hoje conferem ao bairro o seu ar misterioso, e que atraem todos aqueles que procuram um espaço para criar os seus negócios. Noutras capitais culturais mundiais podem verificar-se fenómenos semelhantes como em Nova Iorque com o Meatpacking District ou Copenhaga com o Vesterbro.
Marvila e as suas fábricas antigas cheias de história, permitem assim aos que chegam de novo adquirir espaços amplos, de pé direito alto e com fachadas únicas a preços acessíveis numa zona bastante central (entre a Expo 98 e a Baixa da cidade) e em franca expansão. Estes, são assim, bairros cheios de potencial de desenvolvimento, de oportunidades de crescimento e, acima de tudo, à espera de uma revitalização que conjugue os vestígios do passado com novos projetos, novas urbanizações e novos espaços comerciais. Sem as fábricas antigas, os painéis de azulejo, as placas antigas e a arquitetura de outros tempos, Marvila torna-se um bairro descaracterizado e desprovido de sentido. Os elementos do passado são fundamentais para a construção de um futuro coerente, sustentável, lucrativo e diferenciador.
Potencial de revitalização
Desindustrialização Antigos conventos, indústrias abandonadas, ruas vazias de pedestres e cheias de carros com pressa. Uma imagem cinza e bucólica que perdurou desde a industrialização do século XIX e que, à primeira vista, transmite a ideia de uma cidade-fantasma que serve de passagem entre o Parque das Nações e a parte agitada e alegre de Lisboa (Cais do Sodré, Baixa, Chiado, etc.). As fábricas, abandonadas devido ao processo de desindustrialização, representam sem dúvida um elemento fundamental na reconstrução do bairro. Por serem espaços grandes, com rendas acessíveis, que promovem a imaginação e adaptáveis a qualquer projeto, as antigas fábricas são espaços muito atrativos para todos aqueles que procuram um sitio diferente, longe do estereótipo e do mainstream, com um passado e uma identidade fortemente definidos mas que paralelamente permitem a construção de novas identidades, de novas estórias e de novos projetos. As fábricas abandonadas, e os projetos inovadores que acolhem, são a imagem de marca e o fator diferenciador destes bairros.
Marginalidade Os bairros sociais que crescem por detrás da linha de comboio nunca ajudaram a que estes bairros fossem visitáveis aos olhos dos lisboetas. Acostumados ao bulício do Chiado, viam o Lux como fronteira invisível e tudo entre a discoteca e o Parque das Nações era percecionado como marginal, perigoso e coincidência ou não, bairro de ‘mitras’. Talvez a ideia de sítio marginal que a maioria das pessoas ainda tem sobre este espaço o proteja da invasão das massas e da construção desenfreada. Por ser um local para o qual muitas pessoas ainda olham com alguma desconfiança, só lá vai quem efetivamente consegue ver para lá do óbvio e perceber todo o potencial de crescimento que oferece. Este “distanciamento” tem permitindo conservar a sua identidade, o seu carácter original, antigo e as fábricas abandonadas.
Apesar de Marvila ser a terceira maior freguesia de Lisboa, com 38 mil habitantes, vê ser-lhe atribuído o conceito de “in between” pelo professor de Sociologia e investigador na Universidade Nova de Lisboa, João Pedro Silva Nunes. Esta é a definição geográfica do bairro, localizado entre o moderno Parque das Nações e a turística Alfama. Esta característica “in between” está patente no fato das ruas terem circulação alta de carros, que aliás não respeitam qualquer limite de velocidade, e pouquíssima circulação de pedestres. Os carros devem fazer o circuito entre lugares mais movimentados ou simplesmente estão de passagem entre o local de residência e o trabalho. Inclusive é passagem para os turísticos autocarros de dois andares, pois o Oceanário de Lisboa e o Museu do Azulejo são atrações do roteiro. Para além de ser um sitio de passagem no sentido literal do termo, tal como explicado anteriormente, é também um local que está a passar, sob o ponto de vista da construção de identidade, por um processo de transição, de passagem e de transformação. Transição do abandono e do esquecimento para a reconstrução, o reaproveitamento, o renascimento.
A R
A
urbanização programada e a acção pública que têm tido Marvila como território de intervenção exprime bem um regime descuidado de economia e política urbana. Marvila adquiriu uma especialização necessária e problemática através de um programa público de habitação, iniciado nos anos de 1960 com o Plano de Urbanização de Chelas e prosseguido em moldes diversos nas décadas seguintes.
Q
Neste âmbito constituiu-se como território de política habitacional dirigida às populações de menores recursos económicos e sociais. Marvila marcava posição entre a Baixa e os núcleos suburbanos industriais mais distantes, agora, a sua posição na metrópole joga-se entre o Parque das Nações e a Baixa, entre Chelas e o porto de Lisboa e o rio Tejo. Hoje, através de iniciativas municipais como o programa Viver Marvila e as propostas de reabilitação urbana de espaços industriais junto ao rio Tejo, procura-se modificar a descontinuidade social e territorial desta zona de Lisboa. Marvila e o Beato detêm hoje um legado urbano complexo e contraditório. Edifícios industriais tidos como obsoletos e abandonados, a par de espaços residenciais degradados, e edificado de elevado valor fundiário e patrimonial, como palácios e conventos, fábricas e armazéns.
U Os projectos de reabilitação divulgados, destinados a transformar a forma e o uso de alguns destes espaços revelam a tensão da zona. Entre a sua condição presente de área industrial e portuária degradada e as hipóteses de reabilitação, aparecem sobretudo investimentos que pretendem aproveitar os antigos perímetros fabris e a escala do edificado para promover habitação de gama superior. Um exemplo diferente de revitalização em Marvila situa-se na baixa de Marvila, perto da qualificada zona de intervenção da EXPO'98 e do rio, é a reconversão da Fábrica Braço de Prata, que entre 1908 e os anos de 1990 laborou enquanto fábrica de armamento e hoje é um espaço de acolhimento à criação artística e ao debate cultural, uma livraria e espaços para exposições. Sobre este complexo cultural impendeu o perigo de desalojamento, na sequência do projecto de habitações de luxo “Jardins Braço de Prata” de Renzo Piano, planeado para essa zona e aprovado pela CML em 2008 O contraste entre dois projectos tão diferentes e para a mesma zona, um de âmbito residencial de gama alta e outro de pendor cultural é ilustrativo, não de duas formas de fazer cidade, mas da falta de programação urbana e de participação que envolva a cidade e os seus habitantes. Em face da actual situação da zona, uma revitalização urbana consciente da memória colectiva do lugar e dos percursos das suas populações e a criação de um pólo de produção artística e cultural será uma linha de intervenção com particular interesse, propiciando novas ambiências e vivências para a cidade, que poderão ser eficazes na renovação do espaço urbano.
R B
"Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és". Já agora, diz-me que música ouves, como te vestes e que locais frequentas. A partilha de gostos musicais, de ideias, de modas, dos sites que visitamos e o modo de vida que temos definem, em parte, os grupos em que nos integramos. E quando falamos de grupos jovens estamos quase sempre a falar das tribos urbanas que, de forma mais ou menos exuberante, marcam o quotidiano das nossas cidades. Em Marvila só anda quem é diferente. O mainstream não tem lugar por estas ruas, pelo menos por enquanto. Se formos a Marvila durante a semana encontramos apenas os locais e os entrepreneurs. Que é quem lá passa o dia de trabalho de seg-sex das 9h-18h.
Marvila à noite já é outra história, principalmente se for durante o fim de semana. A zona é muito procurada pelos que querem fugir à noite atribulada e atolada do Cais do Sodré ou do Bairro Alto mas que buscam acima de tudo programas mais erúditos, aqueles que os espaços da zona têm para oferecer. Cada espaço proporciona um tipo diferente de noite e cada espaço é frequentado por tribos distintas. Na Fábrica do Braço de Prata podem encontrar-se os intelectuais que querem beber um copo rodeado de gente e de um espaço completamente dedicado à arte e à cultura.
No bar Capitão Leitão vamos encontrar os hipsters a desfrutar de cocktails e os sons contemporâneos que passam em gira-discos de outros tempos. No Eka Palace há uma mistura entre os hippies e os alternativos que estão sempre à procura de novos espaços e ambientes para experienciar. E há também casais e grupos de amigos de uma faixa etária mais avançada (35-55) que se deslocam à zona para experimentar os conceitos inovadores que os restaurantes da zona oferecem. Em Marvila há uma confluência de vários tipos de pessoas. Há um pouco de tudo e um pouco para todos.
Underdogs é uma plataforma cultural baseada em Lisboa que tenta criar um espaço entre a arte contemporânea para artistas ligados a novas linguagens da cultura visual e gráfica inspirada no ambiente urbano, apadrinhando o estabelecimento de parcerias e esforços colaborativos entre os criadores, os agentes, as galerias e a cidade, contribuindo para estabelecer uma relação próxima entre estes e o público.
Criada em 2010 e consolidada na sua forma actual desde 2013, o projecto Underdogs assenta em três áreas complementares: uma galeria de arte, um programa de arte urbana e a produção de edições originais e sustentáveis de artistas. A galeria Underdogs é uma espaço de exposição inovador onde se trabalha em ambiente próximo com os artistas contemporâneos que lideram o movimento artístico urbano em todo o mundo. Foi uma das primeiras a vir marcar território para estas bandas (o local é altamente improvável) e não se tem saído nada mal.
A galeria de Alexandre Farto (também conhecido por Vhils) é um entra e sai de artistas e, tem dado à cidade, algumas das suas exposições mais memoráveis. Maria Imaginário encheu o armazém com balões, André da Loba deu largas ao que vai passando pela imaginação humana, enquanto o espanhol Okuda voltou a Lisboa, depois de ter transformado uma igreja num skatepark, nas Astúrias. O foco está quase sempre na arte urbana e quando um artista pisa a Underdogs, é quase certo que vai levar a sua arte muito além da galeria. Por toda a cidade, há murais e empenas que provam a passagem de dezenas de artistas por Lisboa. Todos juntos compõem o principal roteiro de arte urbana cá do sítio, as Underdogs Public Art Tours.
1950-
132
Lisbon • Portugal
el
bulo El Bulo Social Club, é um espaço despretensioso, simples e para todos. Comida não gourmet, descomplicada e boa. É um espaço onde pode ver futebol e comer um prego, ou assitir a tango argentino dançado ao vivo, é um espaço onde tocam bandas, dançam as pessoas e até tem uma loja. Um espaço de convívio e diversão, um verdadeiro Social Club.
Chakall, entertainer de gema, cozinheiro do mundo e viajante pulsante que transpira irreverência, abriu este espaço em Marvila há um ano. Quando entramos, os nossos olhos enchem-se de cores. Há grafitties nas paredes, um balcão vermelho, uma parede verde feita de ervas aromáticas, mesas roxas, amarelas e azuis e, na cabeça de cada funcionário, o mítico turbante colorido que identifica o criador do El Bulo. Do espaço cheio de vida que convida a ficar, passamos para a comida. Ao navegar pela carta, tudo faz sentido e vai perceber rapidamente que entrou no maravilhoso mundo de Chakall, o mestre de cerimónias que viajou por todo o planeta e compilou na ementa algumas das suas experiências gastronómicas. Na carta pode-se encontrar pratos como o ceviche, a provoleta, ojo de bife, tudo tipicamente argentino ou pratos de outras inspirações como o hamburguer de wagyu, o papardelle de açaí ou o canneloni de ossobuco. Uma refeição para duas pessoas, fica em média 50€.
Praça David Leandro da Silva Nº 9, Marvila - Lisboa.
E isso tem sempre jogado a favor do que lá acontece. Logo no plano dos seus contornos físicos. A FBP é um edifício meio abandonado, vestígio do lugar da administração da antiga fábrica de material de guerra, com 12 salas mutantes, que tanto são salas de concerto, como galerias de arte, gabinetes de curiosidades, estúdio de cinema, atelier de artes plásticas, oficina de ourivesaria, loja de roupas usadas e de outras coisas a usar, salas de jantar, bar, ou simplesmente livrarias. Mas também é um imenso muro exterior, que desenha por fora um terreiro, e onde várias camadas de graffiti se têm vindo a depositar como películas de memória. Também foi uma tenda de circo durante dois anos, onde houve concertos, feiras, performances e acrobacia aérea. E também é uma esplanada enorme, lugar para espectáculos de teatro e circo, concertos de verão, e jogos de bola para crianças em domingos à tarde. Este centro cultural instalou-se na antiga Fábrica de Material de Guerra em 2007. Mas a cantiga é uma arma e a luta por dar lugar a variadas expressões artísticas continua numa das fábricas culturais mais dinâmicas de Lisboa. Aqui há mais de uma dezena de salas, que num dia recebem concertos e noutro transformam-se em espaço de debate ou de exposições. Se estiver com fome, pode matá-la no restaurante da casa, o À La Carte. Lisboa adopta a Fábrica. Como uma performance clandestina se transforma em património da cidade.
A
CAFÉ COM
s mesas são velhas, as cadeiras rangem, os bancos são desconfortáveis – mas este sítio é maravilhoso. E até confortável. Entrar no Café com Calma, no coração de Marvila, um dos bairros mais típicos e castiços de Lisboa, é como entrar na cozinha da trisavó no pleno apogeu da Mocidade Portuguesa. Não propriamente por os empregados marcharem de braço esticado, mas porque aqui parece que se está nos bastidores da série Conta-me como Foi.
M CALMA O Café com Calma consegue misturar uma apaixonante decoração retro-chic com uma clientela que combina turistas fashion de barba ao melhor estilo António Variações com portugueses castiços que viveram toda a sua vida em Marvila. E é esta diversidade cultural que torna este restaurante caseiro num dos sítios mais irresistíveis, mais simpáticos e mais acolhedores de Lisboa para comer qualquer coisa durante a tarde. Se os pólos criativos de Lisboa estão a rumar a Oriente da cidade, já há quem esteja apostado em dar-lhes café, tartes caseiras e petiscos ao fim do dia. Sempre sem pressas.
Assim, estes novos habitantes do Beato encontram no Café Com Calma um sítio diferente das tascas que dominam a oferta das redondezas. “Alguns até dizem que foi uma lufada de ar fresco”, conta Rita. O nome não surgiu por acaso e tem a ver com o conceito que querem impor: um local onde se possa estar sem pressa, a desfrutar, seja em âmbito pessoal ou profissional.
Gosta de cerveja artesanal? Na Tap Room da cervejaria Dois Corvos pode provar a bebida e espreitar a fábrica onde ela é produzida. À sua disposição estão oito cervejas engarrafadas e dez à pressão. Os indecisos podem pedir um tasting tray com cinco cervejas e fazer um pijaminha alcoólico. A história da Dois Corvos não começa — apesar do nome — em Lisboa. Começa, aliás, bem longe de território nacional, mais concretamente em Seattle, na costa Noroeste dos Estados Unidos da América, cidade onde Scott Steffens se fez homem e cervejeiro e onde a mulher, Susana Cascais, trabalhou durante alguns anos com um produtor artesanal de larga escala. Quando se fixaram em Portugal, Susana e Scott trouxeram a fortíssima cultura de cerveja artesanal daquela região na bagagem e no final de 2013 criaram a marca Dois Corvos, uma das primeiras do género na capital. No entanto, não começaram logo a encher barris e a servir cervejas. Primeiro, foi necessário encontrar um sítio para instalar a respetiva fábrica. E fizeram-no já com a intenção de, numa extensão do espaço, criar um tap room: uma espécie de sala de provas, onde os clientes pudessem apreciar os diferentes tipos de cerveja à pressão que ali se produzem (tap, já agora, significa torneira, neste contexto).
O local escolhido foi uma antiga adega vinícola de Marvila, na zona oriental da cidade. Em julho de 2015 serviram a sua primeira cerveja e o tap room abriu no final de novembro. “Desde o início que o nosso objetivo é fomentar a cultura da cerveja artesanal e este espaço, com vista para a fábrica e para o equipamento, permite isso mesmo”, explica Susana. Um espaço inédito numa cidade que já vai tendo alguns produtores artesanais de qualidade reconhecida. Mesmo quem conhece bem ou já provou todas as variedades de cervejas Dois Corvos tem razões de sobra para visitar o tap room da marca. Não só porque permite observar de perto o processo de produção e até trocar impressões com os seus responsáveis mas também porque entre as cervejas disponíveis para provar estão algumas exclusivas que não chegarão a ser engarrafadas. “Há certas cervejas que só se encontram aqui. Algumas delas podem chegar ao mercado, outras não”. Para acompanhar as dez variedades de cerveja disponíveis — Susana não descarta a hipótese de, no futuro, se aumentar a oferta — há alguns petiscos, tanto aperitivos como tábuas de queijos e enchidos. Os mais curiosos podem sempre espreitar para a zona de produção, onde o som da cerveja a fermentar se junta ao aroma distinto das leveduras, maltes e lúpulos.
Uma oficina criativa partilhada com espaço para residentes, onde se transformam ideias em produtos. A Fábrica Moderna é muito mais do que um laboratório de fabricação digital, é um espaço colaborativo onde pessoas, empresas e estudantes podem partilhar conhecimento e fortalecer sinergias. O primeiro Makerspace comercial em Lisboa e o foco é os Maker Businesses. Encontras, para além de um co-work, espaço e tempo para workshops e brainstorming, e mentores que te podem ajudar a incubar o teu projeto ou a lançar o teu produto.
MAKERS:
todos aqueles que desenvolvem o seu trabalho nas áreas criativas e técnicas de design de produto, hardware, crafts e artes, em que o output são peças físicas.
Torna real a tua criatividade.
[ Velho palácio, velha vila operária, novo centro cultural ] Por terras de Xabregas-Beato, um palácio das artes anda a fazer mexer o bairro. O EKA Palace abriu no edifício do século XVII da Vila Maria Luísa, antiga vila operária, e, entre muitas artes e artistas, esta associação sem fins lucrativos tem também uma atracção especial: um terraço-jardim que prolonga o café e bar e que promete ser um recanto de bem-estar. Não se espere o luxo turístico do centro nem vistas de postal ilustrado. Aqui o luxo conjuga-se em criatividade, boa vontade e bons ares. O terraço recebeu o nome de floating garden e quer ser uma “esplanada pouco convencional”. Entrámos pelo pátio da vila e à nossa frente eis o palácio, entre a solidez e as marcas do tempo, obra em construção.
Um átrio monumental acolhe-nos e mostra como este é um palácio ainda mais vivido do que parecia: vamos pela escadaria admirando velhos azulejos e novos desenhos: são dedicados à Primavera e criados pelos mais jovens artistas da vila, que no primeiro piso funciona uma escola. Já no piso superior, fica o EKA. As salas são um caos ordenado artístico, entre móveis recuperados, paredes desenhadas, quadros e instalações, peças de arte criadas ou em criação, símbolos e estatuetas que unem culturas, um tecto decorado a chapéus-de-chuva, um pátio cheio de gente a criar.
A ideia é tornar isto um “espaço multifunção”, juntar “as pessoas do bairro e de fora para virem aqui estar com os amigos, com as crianças, ouvirem um DJ, um concerto, teatro ou poesia”, diz-nos Dilen, 36 anos, mentor do EKA, músico e produtor. “É um espaço de toda a gente”, resume. “E os vizinhos têm gostado, ficam curiosos”. Vêm ver o jardim, conversam, voltam a sentir o palácio como seu (até pela nostalgia, já que muitos dos locais andaram na escola da vila). Este sinal de “bom bairrismo” é uma das bases do projecto que desenvolvem aqui. “O bairrismo verdadeiro é teres uma família gigante”, diz Dilen. E aqui, nesta "família", lembra-se, cabe toda a gente.
O Cantinho do Vintage Nem toda a gente gosta de ter uma casa igual ao catálogo do Ikea e não há arquitectura moderna onde não encaixe que nem uma luva uma ou outra peça vintage. No Cantinho do Vintage, local de romaria de muitos lisboetas aos sábados, as peças de mobiliário e os acessórios de decoração de outros tempos amontoam-se sobre mesas, estantes, carrinhos e armários. Vale a pena ir com tempo para descobrir as melhores pérolas. No irmão mais novo, Mercadinho do Vintage (também em Marvila), tudo parece mais organizado e apesar da pinta old school estar lá, os objectos são quase sempre novos e até podem ser feitos à medida. No Cantinho do Vintage & Friends, o público é composto principalmente por famílias, casais, turistas e jovens que apreciam peças de decoração diferentes e móveis de estilo nórdico. Neste espaço é possível encontrar peças antigas com história e que “chamam à atenção”. O projeto nasceu há cerca de sete anos quando dois sócios decidiram aproveitar estas peças e criar o seu próprio negócio. Inicialmente localizado numa garagem nos Olivais, ocupa hoje dois armazéns de dimensões enormes em Marvila, repletos de objetos, móveis, livros e réplicas. Com os anos souberam adequar-se à procura e flutuação de gostos: “tínhamos 80% de peças nacionais e agora é o inverso. Os artigos nacionais escasseiam”. Os clientes são de todas as idades e, para os donos, é sempre comovedor ver uma senhora idosa comprar um móvel igual ao que teve outrora. O motivo pelo qual escolheram Marvila é simples: “acreditamos que o centro da cidade está interligado com a Expo e nós queremos estar no meio destes pólos.”
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Se trabalhar num espaço de cowork é fixe, então imagine trabalhar num bairro alternativo que se quer transformar rapidamente no sítio-onde-todos-querem-estar. Os níveis de estilo aumentam radicalmente. Junte a isto a ideia de passar os dias dentro de um antigo armazém, com uma fachada art déco e gabinetes modernaços. É admiração garantida. Todos - Um hub criativo em Lisboa. Neste espaço trabalha-se a sério e em conjunto, por isso é que convém que estejam todos debaixo do mesmo telhado. O hub concentra-se em oferecer conteúdo criativo e produção para os visual media. Juntos conseguem alcançar diversas visões criativas e fornecer serviços integrados. A Todos navega por áreas de criatividade, comunicação, activação de marca, publicidade e estratégia de marca com produção in-house de filmes, fotografia, design, art e musica. A razão de ser da empresa advém de uma necessidade insatisfeita no panorama dos serviços audiovisuais integrados na cidade de Lisboa.
a "new business model": integrated services for brands
Marvila é e será cada vez mais o novo hub artístico e cultural da capital. A afluência de projectos e empresas criativas e de espírito independente que estão a encher as ruas desta zona é impressionante e impossível de ignorar. Até agora o que parece unir todos estes espaços é a representação única e original deles próprios. Ninguém em Marvila tenta ser outrem nem imitar ninguém. O espírito de cada negócio, de cada projecto é experienciado sempre de forma única, autêntica e cativante. Há algo verdadeiramente extraordinário nesse aspecto. O culto da individualidade é algo que devia ser mais comum na nossa sociedade. O que aqui encontramos é um conjunto de pessoas que existem, vivem e criam no mesmo espaço, todas motivadas pela mesma máxima: a auto-expressão. Criou-se um espaço por estas bandas que faz um elogio máximo à self-expression mas também faz apologia ao convívio pautado por um respeito mútuo que se traduz numa verdadeira cultura bairrista, que está ainda a crescer. A liberdade sente-se em Marvila. A liberdade em ser, estar, fazer e partilhar. A quem estas palavras soarem bem sugiro então, uma viagem rumo a oriente.