? Estética e Publicidade
Uma Reflexão Teórica Acerca da Temática dos Refugiados
QUE UNIÃO? A Crise Identitária da Europa
Inês Mendes Bolas Cardoso Ramalho | 2014 0048 | 3ºA1 | Marketing e Publicidade | IADE-U Jorge Miguel Diniz da Silva | 2014 0011 | 3ºA1 | Marketing e Publicidade | IADE-U
“Venham a mim as multidões exaustas, pobres e confusas, ansiosas pela liberdade. Venham a mim os desabrigados, os que estão sob a tempestade... Eu guio-os com a minha tocha.” - Emma Lazarus, 1875
INTRODUÇÃO
Segundo o 1º artigo da Convenção de Genebra1, tem o estatuto de refugiado a pessoa que “receando, com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar”. Desde 2015, ano em que o fluxo migratório aumentou de forma exponencial, chegaram à Europa cerca de 1.5 milhões de pessoas2, vindas de países como o Afeganistão, Eritreia, Iraque, Irão e Síria, sendo que este último, é o país que conta com o maior número de refugiados, perfazendo cerca de 40% de todo o fluxo migratório até à data. Apesar de nos últimos anos ter existido um grande aumento do fluxo de refugiados na Europa, este problema atinge todo o mundo. Segundo o ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - existem 65.3 milhões de pessoas que foram forçosamente, por qualquer razão, deslocadas do seu país de origem e, desse universo, 21.3 milhões3 têm o estatuto de refugiados. Os países que mais refugiados acolhem são a Jordânia, Etiópia, Irão, Líbano, Paquistão e Turquia. O maior motor da crise actual é, sem dúvida, a Síria. Quatro milhões de pessoas, quase um quinto da população da Síria, fugiram do país desde que a guerra começou em 2011. E não é difícil entender a razão pelo qual a população síria está a sair do seu país. O regime de Bashar al-Assad ataca os civis de formas horrendas, com armas químicas e
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Disponível em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/Lisboa/conv-genebra-1951.htm
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Disponível em: http://reporting.unhcr.org/sites/default/files/Europe%20RRMRP%20first %20Quaterly%20Update%20-%20May%202017.pdf 3
Disponível em: http://www.unhcr.org/figures-at-a-glance.html
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bombas. A ISIS submeteu os sírios ao assassinato, à tortura, à crucificação, à escravidão sexual e a muitas outras atrocidades; outros grupos como Jabhat al-Nusra torturaram e mataram sírios também. A maioria destes refugiados sírios acabou em campos sub-financiados e sobrelotados, nos países vizinhos como a Jordânia, Líbano, Iraque e Turquia. O problema não está apenas na Síria. Conflitos mais antigos e que ainda perduram, como por exemplo, a guerra civil, os ataques do grupo extremista al-Shabab e a corrupção na Somália4 fizeram com que 1,1 milhão de pessoas saíssem à procura de uma vida melhor; ou a guerra civil, o sistema político corrupto e os ataques do grupo extremista denominado Taliban, obrigaram 2,59 milhões de pessoas a saírem do Afeganistão5 . A repressão política e sectária em outros países também tem contribuído. Muitas famílias na Eritreia, por exemplo, fogem da ditadura que perdura há longos anos. Em campos com poucas condições de subsistência, com o seu futuro em risco e sem a mínima hipótese de voltar para o seu país nos próximos anos, as famílias sírias decidiram deixar os campos de refugiados em que se encontravam, para rumarem à Europa, à procura de uma vida melhor. E assim centenas de milhares de refugiados rumaram à Europa, onde a maioria atravessa o Mediterrâneo em barcos de borracha ou de pesca, completamente sobrelotados. As condições das embarcações são extremamente precárias, o que faz com que tragédias sejam frequentes: o ACNUR estima que mais de 7000 pessoas morreram nos anos de 2015 e 2016, enquanto tentavam fazer a travessia. Esse fluxo migratório para os países ricos faz com que a crise pareça, para esses países, muito mais imediata e extrema. Quando crianças morrem na Síria, isso raramente agarra a atenção do mundo desenvolvido pois, infelizmente, os conflitos armados nestes países já são encarados como rotina, mais uma notícia vinda da Síria. Mas quando morrem na parte de trás de um camião na Áustria, ou no Mediterrâneo ao tentar chegar à Grécia, é muito mais difícil ignorar.
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Disponível em: https://www.usip.org/publications/2017/01/current-situation-somalia
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Disponível em: https://www.vox.com/2015/9/5/9265501/refugee-crisis-europe-syria
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Os países ricos, nos seus esforços para dissuadir os refugiados de chegar às suas costas, têm evitado activamente políticas que tornassem as viagens menos perigosas e, desta forma, contribuíram para o perigo das viagens. Em 2014, por exemplo, o Reino Unido cortou o financiamento para as operações de busca e resgate do Mare Nostrum6 que salvaram cerca de 150.000 pessoas entre 2013 e 2014, com o argumento que os resgates incentivam mais pessoas a fazerem a travessia. Com falta de financiamento, o governo italiano terminou a operação pois consideravam-na insustentável. Desde então, foi substituído pelo programa Frontex da UE, muito mais limitado, que apenas patrulha a 30 milhas da fronteira e não tem uma missão de busca e salvamento. O resultado, previsivelmente, tem sido mortal e isso não é um acidente. É o resultado da política europeia destinada a impedir a entrada de refugiados. Na Europa, os países também tentaram impedir que os refugiados entrassem ou permanecessem dentro das suas fronteiras. A Hungria construiu uma cerca de arame farpado ao longo da sua fronteira com a Sérvia, num esforço para impedir que os refugiados atravessem a Europa por terra. Anunciou também leis que criminalizam quem danificar a cerca ou atravessá-la, até três anos de prisão. O governo húngaro também cortou a ligação ferroviária para a Alemanha, num aparente esforço para desencorajar os refugiados de usar a Hungria como país de trânsito, para quem quer procurar asilo na Alemanha. A Áustria7 introduziu controlos ao longo da sua fronteira interna com o resto da Europa, de forma a procurar refugiados e outros imigrantes que são contrabandeados para o país. Embora o governo alegue que os controlos são uma medida humanitária destinada a evitar tragédias, como a morte de 71 pessoas que sufocaram na traseira do camião de um contrabandista, os críticos acusaram que eles constituem uma violação da política de fronteira aberta da UE. Durante anos, a grande maioria dos países mais ricos do mundo, recusaram-se firmemente a aceitar mais do que o mínimo possível dos refugiados do mundo. Como resultado, não há nenhum plano eficaz para lidar com o aumento exponencial do fluxo migratório, e nenhum acordo sobre como os encargos devem ser distribuídos. 6
Disponível em: https://www.theguardian.com/politics/2014/oct/27/uk-mediterranean-migrantrescue-plan 7
Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/2016/03/31/austria-closes-its-borders-to-almostall-asylum-seekers/
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A União Europeia é particularmente inadequada nesse aspecto. Em teoria, a UE deve lidar com os refugiados colectivamente, agindo como um país unificado. Mas, na prática, a maioria dos Estados-Membros da UE não quer fazer a sua parte, e as regras da UE dizem que eles não a têm de fazer. Como resultado, a maioria dos refugiados que chegam está “presa” nos mesmos dois ou três países, o que rapidamente se tornou em opressão. Tanto para esses países como para os refugiados, é uma situação indesejada. Isto acontece pois existe uma regra da União Europeia chamada Regulamento de Dublin8, que exige que os refugiados permaneçam no primeiro país europeu em que chegam até que os pedidos de asilo sejam processados. Em teoria, esta regra é uma forma de evitar que os requerentes "orbitem" a UE através da apresentação de pedidos de asilo em diferentes países até que um deles seja aprovado. Mas na prática, é uma regra que tem aprisionado milhares de refugiados na Grécia e na Itália, simplesmente porque esses países são os mais fáceis para chegar de barco pelo Mediterrâneo. Desta forma, os países da UE exploram essa regra, com o propósito de “empurrar” o ónus de lidar com esta situação, para esses dois países. Os resultados foram desastrosos. Stathis Kyroussis9, médico dos Médicos Sem Fronteiras, descreveu a crise dos refugiados na Grécia como a pior que já viu: "Já trabalhei em muitos campos de refugiados no Iémen, no Malawi e em Angola. Mas aqui na ilha de Cós, é a primeira vez na minha vida, em que vi pessoas totalmente abandonadas". De acordo com a Human Rights Watch10 , os centros de acolhimento gregos, onde os refugiados que chegam são mantidos, carecem de alimentos e cuidados de saúde suficientes e estão tão sobrelotados que as condições neles podem ser consideradas desumanas e degradantes ao abrigo do direito internacional . Os países europeus poderiam e, teoricamente, deveriam aceitar muitos desses refugiados. Isso seria muito melhor para os refugiados, e também mais saudável para a UE, cujos ideais de partilha de encargos foram forçados quase ao ponto de ruptura pelo
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Disponível em: http://www.unhcr.org/4a9d13d59.pdf
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Disponível em: http://www.msf.org/article/greece-no-welcome-migrants-and-refugees-landinggreek-dodecanese-islands 10
Disponível em: https://www.hrw.org/news/2015/07/11/greece-humanitarian-crisis-islands
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fluxo de migrantes e refugiados mas, a maioria das nações da UE, age de forma egoísta para manter os refugiados fora das suas fronteiras. A Europa está em risco. A sua identidade está a ser testada até ao limite. Será que nos queremos manter como a civilização que privilegiou os direitos humanos ou será que vamos deixar que os extremismos da Direita, as ideologias racistas e xenófobas ou os interesses económicos dominem a Europa? Quem queremos ser?
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DESENVOLVIMENTO
- Síntese Reflexiva -
A Crise de Identidade da Europa A questão da migração moldou o discurso político na Europa, e é provável que continue a moldá-lo. De um lado, estão os liberais “cidadãos do mundo” que apoiam os princípios fundamentais do asilo e o sonho de um mundo sem fronteiras. No outro, estão os xenófobos que vêem a migração como uma versão moderna das invasões bárbaras que ameaçam a cultura e a civilização. A narrativa dos intolerantes é que o mundo europeu está a colapsar devido à chegada em massa de culturas com as quais não nos podemos misturar. Em França, uma teoria chamada “a grande substituição"11 integrou o discurso dos partidos de direita e de extrema-direita. Esta teoria afirma que, como resultado da imigração, a população nativa da nação será substituída por estrangeiros não-europeus que irão destruir a identidade do país. Há também ecos desse mesmo pensamento no movimento Pegida12 na Alemanha, cujo nome completo é "Europeus Patrióticos contra a Islamização do Ocidente". Desacreditar tais mitos pode ser mais difícil do que faz parecer. O ódio e as paixões subvertem o pensamento racional e os factos são ignorados. Este processo torna-se ainda mais difícil quando a longa história de migração da população europeia e a subsequente mistura das culturas é ignorada ou esquecida. Por exemplo, diz-se frequentemente que a chegada dos árabes e dos muçulmanos a França começou quando os esforços de reconstrução pós-segunda guerra mundial exigiram uma nova mão-deobra, ou após a Argélia se tornar independente em 1962. Mas os argelinos (especialmente de Kabylie) já estavam em França há pelo menos um século. O
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Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/france/11323557/Enfantterribles-literary-vision-of-an-Islamic-France.html 12
Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2015/oct/27/pegida-germany-anti-immigrantgroup-polarising-dresden
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historiador francês Benjamin Stora13 diz que o verdadeiro desafio da migração é "o desafio de conhecer o outro" - e esse desafio tem de ser recíproco. A crise dos refugiados de 2015 forçou os europeus a questionarem-se acerca de quem são, como se definem a si próprios e às suas acções. Os 1,3 milhões de pessoas que chegaram ao continente representaram apenas 0,2% da população total da UE. Esta situação devia ter sido de gestão relativamente fácil. A alegada crise de 2015, teve menos a ver com os refugiados (que sabiam do que estavam a fugir e para onde queriam ir) e mais a ver com os governos e as sociedades europeias que não estiveram à altura da situação. Efectivamente, a Europa não foi confrontada com uma crise de refugiados e migrantes. Os refugiados e os migrantes é que foram confrontados com uma crise identitária da Europa. Historicamente, a Europa sempre “exportou” a sua população, tanto para colónias distantes na fase de conquista e domínio, como para o Novo Mundo como consequência da pobreza, da perseguição ou da guerra. Agora, tornou-se um pólo de atracção para aqueles que procuram segurança e uma vida melhor. É simplesmente muito mais rica e estável do que outras partes do mundo. A sua diversidade está preparada para crescer mas não no cenário da “grande substituição”. A Europa precisa da imigração como uma injecção de juventude e dinamismo nas décadas que se avizinham se quer resolver os seus problemas de emprego e de pensões de reforma. Os europeus já passaram pela experiência difícil da migração em massa, quando atravessaram o Atlântico em direcção a Ellis Island ou Hallifax, no Canadá. O Canadá e os EUA foram criados tendo por base a mobilização de pessoas vindas de outros países. As nações europeias não partilham dessa génese mas poderiam inspirar-se neste exemplo histórico tentando criar um novo paradigma de inclusão social e cultural em vez de encararem a imigração como uma ameaça à conjuntura actual.
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Disponível em: https://www.nytimes.com/2014/03/29/world/europe/a-life-spent-remembering-awar-france-has-tried-to-forget.html?_r=0
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O Choque das Civilizações Partindo do princípio que o caminho a seguir face à chegada de milhares de refugiados às portas da Europa, oriundos de países em situações de guerra ou de restrição das suas liberdades individuais, será o de acolher estas pessoas que necessitam da nossa compaixão e solidariedade neste momento de crise, temos também que considerar o futuro desta escolha. O processo de acolhimento dos refugiados levanta algumas questões. O problema não é mensurável. Não se pode prever o número de refugiados que ainda pode vir a pedir asilo, quando vão chegar ou quanto tempo irão permanecer na Europa, uma vez que actualmente não se vislumbra nenhum fim para os conflitos na Síria. Estão cá transitoriamente ou permanentemente? Ao considerar tais questões tem que se encarar o processo de acolhimento dos refugiados como um processo de integração. Não podemos resolver o problema levianamente e nesse processo criar outro ainda maior. Há um problema de matriz civilizacional. A Europa é multicultural e é um continente de acolhimento mas nem sempre esse acolhimento tem sido bem feito, na prática. Por um lado, há uma desintegração social eminente, motivada pelo crise económica, pelo desemprego e pela incerteza relativa ao futuro do estado social, que pode vir a agravar-se com a chegada destas ondas de refugiados. Adicionalmente, o choque das civilizações existe e é muito difícil compatibilizar culturas que se regem por princípios completamente diferentes. A civilização ocidental é laica enquanto que a muçulmana é marcadamente religiosa, não separa o religioso do profano. A religião está enraizada em todos os aspectos da sua sociedade. Será que conseguem adaptar-se, em última análise, à nossa visão de um estado independente da religião? O desafio é bilateral. Enquanto a Europa tem que criar condições de acolhimento, os refugiados têm que estar dispostos a respeitar os princípios pelos quais nos regemos. Há consequências na vinda dos refugiados para a Europa mas isso não significa que a solução seja fechar as fronteiras. A solução será preparamo-nos, precavermo-nos e gerirmos as coisas de forma a planearmos a vinda destas pessoas da melhor forma, não 9
só na sua chegada mas também na sua integração em países completamente diferentes do seu país de origem. Há uma necessidade máxima de fazer os possíveis para evitar o choque cultural. O problema civilizacional não se trata apenas do choque das civilizações, como descrito por Huntington em 1996. Aparentemente, de forma paradoxal, as próprias virtudes da civilização ocidental criam as condições para ela se destruir a si mesma.
A Pluralidade dos Valores: Uma Questão de Hierarquização O que torna este assunto mais dramático para além da questão do sofrimento das pessoas, que é a razão evidente, será talvez uma questão civilizacional que ilustra que os melhores valores europeus são valores que acabam por se virar contra os fundamentos da nossa civilização. Ninguém é insensível a este problema, mesmo quando lhe põe reticências. Ninguém é dono da compaixão, todos a temos. Ninguém fica indiferente a esta tragédia. Mas, ao olhar para ela, defrontamo-nos com um problema recorrente: os valores que detemos são contraditórios entre si. A compaixão pode ser contraditória com o valor da salvaguarda da coesão social das nações. A solidariedade humanitária pode entrar em choque com o valor da saúde económica e social dos países acolhedores. O pluralismo próprio da tradição liberal da cultura ocidental não diz que os valores são relativos ou que há valores absolutos. Nem a vida é um valor absoluto. Há uma pluralidade de valores que se apresenta de uma forma bela e simultaneamente dramática. Os valores que detemos são igualmente estimáveis e igualmente valiosos mas nem sempre conseguem ser compatibilizados. Por isso é que temos de fazer escolhas e iniciar um processo de hierarquização de valores. O verdadeiro dilema é a hierarquização harmoniosa e unânime dos valores que todos, enquanto civilização, detemos e valorizamos mas que não podem ser cumpridos simultaneamente. 10
CONCLUSÃO
- Síntese Crítica -
Que União? O culminar da nossa pesquisa faz-nos reflectir acerca do significado da União. Em primeiro lugar, considerámos uma interpretação mais abrangente e de cariz humanista e humanitário, apelando à união em torno de uma causa maior - a solidariedade para com o sofrimento do nosso semelhante. Afinal, no essencial, “somos todos um”: independentemente da origem, raça, sexo ou cultura, o instinto primário do ser humano é a sobrevivência. E, em última análise é disso que se trata: sobrevivência perante um cenário de guerra, destruição, ausência de futuro, privação das mais básicas liberdades. Estes são valores que estão na génese da cultura ocidental e europeia. Ideais que perseguimos ao longo de séculos e que, supostamente, seriam valorizados não só no âmbito da União Europeia, mas arriscamo-nos a dizer, a nível universal. Contudo, a nossa cultura humanista assenta também nos princípios da democracia, da diversidade e da liberdade individual. E, neste contexto, nos últimos anos temos assistido a um extremar de posições, a um ressurgir de nacionalismos e conservadorismos exacerbados. A liberdade individual pode, de facto, encerrar nela própria o perigo de limitar a liberdade do outro. Que união é esta? Que união queremos ter? Não há maneira de responder a uma crise desta dimensão se cada país agir por si, se cada país tomar decisões tendo em conta os seus próprios interesses. É preciso uma resposta solidária da Europa face àquilo que, em circunstâncias normais, seria relativamente fácil de gerir. O problema é que não há condições de recepção, não há nenhuma estratégia comum e são as pessoas que se movimentam, muitas vezes recorrendo a contrabandistas sem escrúpulos. 11
As propostas da UE baseiam-se em relocalizar, a partir dos pontos de entrada da Europa, nomeadamente a Grécia e a Itália, os refugiados para outros países europeus. Se não forem criadas condições de recepção, instalações aptas para fazer o apoio de assistência elementar, para as registar, para identificar quem são os refugiados para os relocalizar noutros países da Europa e quem não são, e por isso não tem o direito de ficar na Europa, no respeito da sua dignidade e dos seus direitos humanos, ser reenviado para os seus países de origem. Fazer tudo isso exige investimento, mobilização de recursos e uma determinação política que não tem existido. Este problema seria muito mais fácil de resolver se fosse somente uma questão económica. A Europa é rica. Não há dúvida de que poderíamos suportar os custos de repovoamento e abrigo dos refugiados que precisam de ajuda, mesmo com o seu número crescente. E, a longo prazo, o acolhimento dos refugiados na Europa acabaria por se pagar a si próprio, sendo que a imigração tende a ser um ponto positivo na economia dos países acolhedores. Mas o problema não é apenas o dinheiro. O verdadeiro desafio é superar as forças políticas domésticas que impulsionam o nacionalismo, o populismo de extrema-direita e as políticas anti-imigração. As forças políticas são complexas, mas muitas vezes resultam em ansiedade face à mudança. Acolher um grande número de refugiados exige aceitar que esses refugiados possam trazer mudanças à identidade ou à cultura de uma nação. Os refugiados têm enriquecido os seus países de acolhimento à várias gerações, dando vários contributos que vão desde a gastronomia até às descobertas científicas. Mas aceitá-los significa aceitar mudanças que podem ser assustadoras. Como Max Fisher14 escreveu, aceitar um grande número de refugiados significa ter que modificar, de vez em quando, a visão que se tem de uma cidade e das pessoas que nela habitam, e ter que ampliar a definição de cultura dentro de uma comunidade.
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Disponível em: https://www.vox.com/2015/9/3/9256925/aylan-kurdi-drowned-syrian-boy-viral
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E aí reside o verdadeiro problema: esta crise surgiu num momento em que muitas pessoas, em países ricos, já se sentiam ameaçadas pela imigração e pela ideia de que as suas cidades, comunidades e culturas estavam a mudar de uma maneira com a qual não se sentiam confortáveis e que, até certo ponto, as assustava. Isto é sentido particularmente na UE, em parte porque as medidas de austeridade económicas levaram ao crescimento de partidos anti-UE, de extrema direita e populistas anti-imigração. Será que é este o caminho a seguir? Será que devemos proteger primeiro os nossos, garantir a sua segurança e estabilidade e só depois considerar ajudar os outros? Ou não será o nosso dever ajudar o próximo? Acolher e integrar quem precisa de ajuda nesta altura de necessidade e sofrimento? Ninguém é dono da compaixão, todos a temos. União ou segregação?
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BIBLIOGRAFIA UNHCR. (2017). Regional Refugee and Migrant Response Plan (RMRP) for Europe. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: http://reporting.unhcr.org/sites/default/files/ Europe%20RRMRP%20first%20Quaterly%20Update%20-%20May%202017.pdf UNHCR. (2017). Figures at a Glance. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: http:// www.unhcr.org/figures-at-a-glance.html Mercy Corps. (2017). Quick Facts: What You Need to Know About the Syria Crisis. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: https://www.mercycorps.org/articles/iraqjordan-lebanon-syria-turkey/quick-facts-what-you-need-know-about-syria-crisis USIP. (2017). The Current Situation in Somalia. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: https://www.usip.org/publications/2017/01/current-situation-somalia UNHCR Staff. (2016). Mediterranean Death Toll Soars, 2016 is Deadliest Year Yet. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: http://www.unhcr.org/afr/news/latest/ 2016/10/580f3e684/mediterranean-death-toll-soars-2016-deadliest-year.html Wikipedia. (s.d.). Operation Mare Nostrum. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Mare_Nostrum Medecins Sans Frontieres. (2015). Greece: No Welcome for Migrants and Refugees Landing in Greek Dodecanese Islands. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: http:// www.msf.org/article/greece-no-welcome-migrants-and-refugees-landing-greekdodecanese-islands BBC. (2016). Migrant Crisis: Migration to Europe Explained in Seven Charts. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-europe-34131911 Fisher, M. (2015). The Drowned Syrian Boy Photo is Viral Social Media at its Most Hollow and Hypocritical. Consultado em Maio, 2017. Disponível em: https://www.vox.com/ 2015/9/3/9256925/aylan-kurdi-drowned-syrian-boy-viral 14
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