Facebook, um limbo, crônica publicada n'O Diário do Norte do Paraná

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O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ

CULTURA

Domingo, 05 de outubro de 2014

TAVARES

Facebook, um limbo

T Sérgio Tavares

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A morte passa a ser vulgar. Um motivo para uma selfie, a inspiração para um meme

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enho um amigo que morreu, mas o Facebook não sabe. Com frequência, ele sugere que eu o ajude a aumentar seu círculo de amizade, que curta suas fotos, que o marque em minhas publicações. No dia 25 de agosto, pede euforicamente que eu escreva em sua linha do tempo, desejando-lhe bons votos. Não sei, suspeito que se meu amigo pudesse desejar algo agora, seria estar vivo. Ocorre que muitos atendem ao pedido do Facebook e, pressionados pela emoção, externam o quanto ele era um cara bacana, que provoca intratável saudade, que deveriam estar bebendo todas num daqueles churrascos nababescos de dobrar o dia em noite. Creio que, embora sinceras, meu amigo não consegue ler essas mensagens, que no plano em que está não há acesso às redes sociais. Mas ei, um aviso: existe algo que também pode ser compartilhado sem o intermédio do Facebook. Chamam-se lembranças. O problema é que ninguém fica sabendo. Parece não fazer sentido, do mesmo modo que não faz sentido iniciar o luto sem o disparo de uma publicação. Meus pais sempre foram braços trabalhadores, portanto quem me amparou desde muito cedo foi a minha avó materna. A morte

dela foi o primeiro golpe de perda que me nocauteou. Eu estava tão abalado que não conseguia dirigir o carro. Hoje, entre a notícia do falecimento e as primeiras providências, encontra-se sobriedade para acessar a internet, preparar um texto e publicá-lo no Facebook. No célebre ensaio “Luto e melancolia”, Freud escreve que o luto é a reação à perda de alguém que se ama, ocasionando “mesma perda de interesse pelo mundo externo”. Correto, meu caro Freud, o interesse agora é pelo mundo virtual. Angariar condolências de amigos que nunca conheceram o morto. Respondê-las à beira do caixão, no silêncio da capela, enquanto vela-se o corpo desconectado. O mesmo trato insípido se dá à morte. Motivo de pesar e de respeito muito antes do esteio civilizatório, o cadáver é banalizado naquilo que o grotesco deveria impedir de representar. Não mais. De assalto, numa navegada frívola pelo feed de notícias, a imagem de crianças com a cabeça destroçada pelos bombardeios na Síria lhe é oferecida, ao embalo de centenas de compartilhamentos. Acidentes, assassinatos, suicídios correndo na tela à revelia, esvaziados da impacção, pasteurizados por algum filtro do Instagram. O vídeo, divulgado nas redes sociais pelos

jihadistas do Estado Islâmico, em que o jornalista Steven Sotloff é decapitado, já conta com meio milhão de visualizações. Ou seja, um número extenso de pessoas propagou o momento em que um ser humano era liquidado de uma forma bárbara. Por quê? Tateio alguma explicação em outro ensaio, o magnífico “Diante da dor dos outros”, em que a escritora Susan Sontag analisa o horror contido em registros visuais no mundo contemporâneo. Refletindo sobre mídia e entendimento da guerra, Sontag questiona o real efeito das imagens de filas de cadáveres no nosso dia a dia congestionado por preocupações particulares. Segundo ela, a morte de desconhecidos em território estrangeiro, acessada pelos filtros dos meios de comunicação, estaria nos tornando insensíveis ao sofrimento. Portanto, “o choque tornar-se familiar”. A morte passa a ser vulgar. Um motivo para uma selfie, a inspiração para um meme. Confinado nessa espécie de limbo que é o Facebook, meu amigo segue denegando a finitude, a troco de mensagens e de votos de feliz aniversário. A eternização à possibilidade de uma curtida, uma vida inteira resumida a um perfil de rede social.

MÚSICA

Romulo Fróes e os urubus O Músico paulistano viu seus urubus e de Nuno Ramos “voarem” em uma instalação na Bienal em 2010 O Fotos das aves estão na capa do novo disco do artista, “Barulho Feio”, já disponível para baixar na web

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Paula Carvalho Agência Estado

O último trabalho de Romulo Fróes como assistente do artista plástico Nuno Ramos foi ruidoso. A instalação “Bandeira Branca” levou três urubus de cativeiro para dentro da Bienal de São Paulo, em 2010. Apesar do cuidado com as aves, os protestos começaram já antes da abertura. O ápice da fúria, que virou o tema da semana nas redes sociais, foi quando um homem cortou a rede que isolava a obra e pi-

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PARA OUVIR

BARULHO FEIO Romulo Fróes Gravadora: YB Music Faixas: 15 Lançamentos de CD físico e vinil previstos para este ano Baixe as faixas em MP3 no: www.romulofroes.com.br/ discos

chou “Liberte os urubu” (sic). Em meio à repercussão de “Bandeira Branca”, que acabou sem os urubus, Romulo e Nuno compuseram “Barulho Feio”. A música também é título do disco que o cantor lançou esta semana no Sesc Vila Mariana. Na capa, a foto relembra a instalação na Bienal. Naquela época, diz, eles se sentiram limitados por uma “proibição burra, de gente que fala as coisas sem pensar”. “Os bichos estavam tão bem que se reproduziram, inclusive. Mas, nas redes sociais, as pessoas não se escutam. ‘Barulho Feio’ fala também disso.” Romulo diz que seu 5º álbum é recheado de “canções-manifesto” que tratam da própria música e da ideia, lançada por Chico Buarque em 2004 e debatida entre críticos desde então, de que a canção morreu. A temática não é nova para ele. Músicas como “Não Há Mas Derruba”, “Ó”, “Barulho Feio” e “Como Um Raio” (“Dizem que deixei no violão/O que em mim tinha de bom/E que eu já nem sei cantar/Mas atenção, escuta o rádio/Minha canção vai acender o teu silêncio como um raio”) têm paralelo com outras de discos antigos, como “Muro”, “Para Fazer Sucesso” ou “Saiba Ficar Quieto”. Desde que percebeu a força da geração atual de músicos paulistanos, Romulo é um dos que passaram a defender o bando com mais eloquência, em textos e entrevistas. Ele enfatiza que não se

trata de um grupo homogêneo e, sim, dividido em “turmas - os mais pops, os mais fofos, os mais engajados”. A sua tem Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral (os quatro formam o Passo Torto), além de Guilherme Held, Thiago França, Juçara Marçal e outros. “Dizem que nos diferenciamos por um som mais arrojado, mas, na verdade, acho que somos muito ligados à canção e à composição. Não cantamos uma música por cantar.” França, Held e Cabral tocam no disco. Os instrumentos compõem a plástica do barulho, caos, incomunicação. A ideia era que o seu violão (que não tocava desde “Calado”) viesse à frente do sax, baixo acústico e guitarra, que aparecem mais como uma “sonoplastia”, como brinca, junto a um áudio captado no centro de São Paulo. “Esquisito, no limite até chato”, o disco tem respiros nas canções à capela e no dueto com Juçara Marçal, “Espera”, que tem Rodrigo Campos no violão. “Quis fazer algo que captasse a atenção das pessoas. Ele incomoda, se você estiver ouvindo enquanto está vendo seus e-mails, vai querer trocar por música ambiente”, provoca. Uma outra característica da sua “turma”, apesar de lançar muitos discos (trabalhos solo, Metá Metá, Passo Torto e em bandas de outros artistas), é a preocupação com um jeito de “não se perder” no

BARULHO BONITO. Romulo Fróes retorna ao violão e toca ao lado de Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral —FOTO: FERNANDO EDUARDO meio de tanta produção, criando um estilo “muito radical”. “Hoje em dia, temos pouca bala na agulha. As pessoas não têm mais tempo de ouvir música”, reflete. Desde que

lançou “Calado” e ganhou o rótulo de “sambista-indie”, já são dez anos. O disco será relançado, ainda neste ano, em vinil. “De lá para cá, muita coisa mudou. Antigamente

era estranho eu me vestir daquele jeito e lançar sambas, mas hoje até rappers fazem samba, tudo é música brasilei ra, é normal. Não tem mais fazer samba ou fazer rap.”

MÚSICA

Mulheres vencem o Prêmio Deezer de Novos Talentos y

FILHA DE PEIXE. Anelis Assumpção: uma das vencedoras do concurso com disco elogiado. FOTO: DIVULGAÇÃO

Wilame Prado wilame@odiario.com

A Deezer e a ABMI anunciaram as duas vencedoras do 1º Prêmio Deezer ABMI de Novos Talentos. Na categoria Prêmio do Júri, venceu a cantora paulistana Anelis Assumpção, com o disco “Amigos Imaginários”; na categoria Prêmio Popular, a campeã foi a jovem gaúcha Bibiana, 20, com seu recém-lançado “Dengo”. “Parabéns às duas vencedoras, que mostram que a música brasileira vive um grande momento, com talentos nos quatro cantos do País e uma diversidade ímpar”, desejou a orga-

nização, que garantiu a segunda edição do concurso musical para o ano que vem. Ainda de acordo com a organização, foram quase mil inscrições de músicos que tiveram seus trabalhos escutados e votados no canal de música virtual. Para definir os vencedores, foram levados em consideração os votos de um júri e também pelo público. “Amigos Imaginários” é um um dos grandes discos de 2014, lançado pela filha de Itamar Assumpção, que desponta como um belo novo talento brasileiro. “Um disco intenso, cheio de vida e puro estilo como a própria Anelis”, confirmou o jurado.

Bibiana - a vencedora do disputado Prêmio Popular - obteve 33% dos votos de ouvintes que conferiam as músicas dos candidatos no Deezer. Com apenas 20 anos e um disco lançado, “a gaúcha mostra que tem tudo pra se tornar um sucesso em todo o País.”

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PARA OUVIR

DEEZER, CDs completos, discografias e rádios temáticas de inúmeros artistas e bandas nacionais e internacionais podem ser ouvidos em www.deezer.com


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