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Filosofia JurĂ­dica


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Filosofia Jurídica / Obra organizada pelo Instituto IOB - São Paulo: Editora IOB, 2013. ISBN 978-85-8079-032-0


Sumário

Capítulo 1 – Introdução à Filosofia Jurídica, 5 1. A Filosofia Jurídica, 5 2. O Surgimento da Filosofia, 7 3. Filósofos Pré-Socráticos, 9 Capítulo 2 – Filosofia Jurídica na Antiguidade, 12 1. O Nascimento da Democracia, 12 2. Os Sofistas, 13 3. Sócrates, 15 4. Platão: Política, Direito e Justiça, 17 5. Aristóteles e os Tipos de Justiça, 20 Capítulo 3 – Filosofia Jurídica na Idade Média, 23 1. A Filosofia Cristã: Estado x Igreja, 23 2. A Justiça em Santo Agostinho, 25 3. A Justiça em São Tomás de Aquino, 27 Capítulo 4 – O Humanismo Renascentista, 29 1. O Humanismo Renascentista, 29 2. O Pensamento de Maquiavel, 31


3. 4. 5. 6. 7.

A Filosofia Política do Liberalismo, 33 Hobbes e o Estado Absoluto, 34 Direito Natural em Locke, 36 Rousseau e a Soberania Popular, 37 O Iluminismo e a Teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu, 39 8. A Doutrina do Direito de Kant, 41 9. A Filosofia do Direito em Hegel, 43 10. A Filosofia Marxista, 44 11. O Pensamento Jurídico de Marx, 46 Capítulo 5 – Filosofia Jurídica na Idade Contemporânea, 49 1. A Filosofia do Direito no Século XX, 49 2. Kelsen e a Teoria Pura do Direito, 51 3. A Teoria da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale, 53 4. O Pensamento Jurídico de Habermas, 54 5. O Pensamento Jurídico de Heidegger, 55 6. O Decisionismo Jurídico de Schmitt, 56 7. Carlos Cossio: O Egologismo Existencial, 58 8. Hannah Arendt e os Direitos Humanos, 60 9. A Justiça como Equidade em John Rawls, 61 10. Chaïm Perelman e a Argumentação Jurídica, 63 11. O Realismo Jurídico de Alf Ross, 64 12. O Teleologismo de Rudolf von Jhering, 65 13. A Teoria de Herbert Hart, 67 14. O Pensamento Jurídico de Norberto Bobbio, 68 Referências, 70 Gabarito, 71


Capítulo 1

Introdução à Filosofia Jurídica

1. A Filosofia Jurídica 1.1 Apresentação Esta unidade abordará o surgimento histórico da filosofia jurídica como ciência e a sua importância como disciplina no ensino jurídico, destacando o seu conceito, atribuições e funções.

1.2 Síntese Apesar de a Filosofia e da Filosofia Jurídica se complementarem, ambas são consideradas atualmente como disciplinas autônomas. A filosofia era ligada a todas as outras matérias, mas a partir do século XVII, as áreas foram se diferenciando. A Filosofia Jurídica origina-se das práticas gerais da filosofia, aprofundando-se na época moderna até se tornar uma ciência autônoma a partir do século XVI, tendo nas obras de Pufendorf, Francisco de Vitória, Francisco Suárez e


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6 Hugo Grócio a sua identidade, e nos estudos advindos dos pensamentos de Montesquieu, Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, a sua autonomia plena. O marco da autonomia da Filosofia Jurídica como ciência se dá com a obra de Hegel: Fundamentos de Filosofia do Direito (1820), nos anos que assinalam o trânsito do jus naturalismo para o jus positivismo. No século XX, a disciplina ganha maior reconhecimento com o desenvolvimento de diversas correntes teóricas do pensamento, tornando-se um conhecimento indispensável em meio às práticas de formação e de reflexão do Direito, passando a ocupar o currículo acadêmico do bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Os primeiros estudos de Filosofia Jurídica ocorreram no Brasil no século XIX, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, propagando-se pelas faculdades de direito de todo o país, tendo merecido destaque como pensadores, Sílvio Romero, João Mendes de Almeida Junior, Pedro Lessa, entre outros. A Filosofia Jurídica é um campo da construção filosófica que tem por objeto o estudo crítico a respeito das construções jurídicas e da sua práxis, identificando-se com problemas fundamentais da sociabilidade humana. Como metas e tarefas compreendidas no âmbito da Filosofia Jurídica, destacam-se: a avaliação do papel do legislador e do jurista, a eficácia dos institutos e a realização da justiça. Enquanto a teoria geral do direito busca indagar o que é uma norma jurídica estatal, a filosofia do direito se questiona a respeito da legitimidade do estado de editar normas e do grau de justiça que essas normas podem alcançar. Desde a idade média o direito tornou-se um ramo muito aprofundado e de imenso conhecimento, sendo que na filosofia do direito essa sapiência também é requerida daquele que sobre ela se debruça. As exigências dessa disciplina na grade curricular e em concursos passaram a alterar esse quadro. O objetivo primordial da filosofia jurídica é exercitar o papel da verdade máxima sobre o próprio direito, buscando a legitimidade dos atos jurídicos além de sua mera formalidade. Também busca a verificação do atingimento ou não da justiça nesses atos, afinal, a filosofia jurídica se ocupa de relações sociais constituintes e constituídas do direito. Os jus naturalistas consideram que ela estuda a justiça. Os positivistas veem no dever ser, o seu objetivo. Já os formalistas procuram estudar e criticar o método jurídico utilizado cientificamente pelos juristas. Os normativistas procuram com as questões jurídicas históricas, visar uma contribuição para o aperfeiçoamento do direito positivo. Os sociologistas acreditam que a filosofia jurídica deve se ocupar com o estudo dos fatos jurídicos. Como resumem os professores Eduardo Bittar e Guilherme Almeida, “à parte de qualquer querela, é fato que a filosofia jurídica possui metas e tarefas que estão compreendidas em suas perspectivas de obrigação”.


7 A filosofia jurídica deve proceder a crítica das práticas, atitudes, atividades dos operadores do direito, entre outros objetivos. Portanto, a filosofia jurídica deve se ocupar de esclarecer a teleologia do direito, isto é, ajudar o juiz no processo decisório. A filosofia do direito deve abalar a estrutura de conceitos arcaicos e desconexos com a realidade social. Hoje o Brasil possui um passado jus filosófico que teve sua origem no movimento intelectual do século XIX, na Faculdade de Direito do Recife. A mentalidade à época era bastante conservadora. Os professores buscavam apoio no positivismo de Kant. A escola de Recife decide abandonar o positivismo ortodoxo. Outro nome significativo na história da nossa filosofia jurídica foi Tobias Barretos, que fez com que o positivismo ortodoxo não angariasse tantos adeptos quanto no sul do país. Para o professor Miguel Reale, para que haja o devido entendimento da norma jurídica é necessário estudá-la em uma relação de unidade e integração entre fatos e valores.

Exercício 1.

(Defensor Público da União − 2007) Muitas têm sido as explicações das causas históricas para a origem da filosofia na Jônia. Alguns consideram que as navegações e as transformações técnicas tiveram o poder de desencantar o mundo e forçar o surgimento de explicações racionais sobre a realidade. Outros enfatizam a invenção do calendário (tempo abstrato), da moeda (signo abstrato para a ação de troca) e da escrita alfabética (transcrição abstrata da palavra e do pensamento), que teriam propiciado o desenvolvimento da capacidade de abstração dos gregos, abrindo caminho para a filosofia. Tendo como referência inicial o texto acima, julgue o item a seguir. A formação da pólis, a cidade-Estado, é a principal determinação histórica para o nascimento da filosofia.

2. O Surgimento da Filosofia

Esta unidade abordará o surgimento da Filosofia na Grécia antiga, a etimologia da palavra “Filosofia”, a mitologia e os fundamentos básicos para o desenvolvimento do pensamento filosófico científico.

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2.1 Apresentação


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2.2 Síntese A palavra filosofia vem do grego philo e sophia. Philo deriva de philia, que significa “amizade”, e sophia, que quer dizer “sabedoria”. Assim, filosofia significa “amizade pela sabedoria”. A filosofia surge na Grécia Antiga, por volta do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas do Mar Jônico, cidades então cosmopolitas onde reinava certo pluralismo cultural. Em uma sociedade dedicada às práticas comerciais e aos interesses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas tendem a perder a sua importância. Atenas é o seu berço, com a formação da polis, a cidade-estado. Antes do surgimento da Filosofia como ciência, os aspectos essenciais da realidade, tais como a origem do mundo, o seu funcionamento, a natureza e os processos naturais eram explicados pela mitologia, por meio de narrativas de caráter eminentemente simbólico, envolvendo forças sobrenaturais representadas por deuses. A ordem cronológica do mito é basicamente oral, e este não se fundamenta, nem se presta a questionamentos, críticas ou correção. Desta forma, a explicação do pensamento mítico se sustenta no inexplicável. Os gregos foram os primeiros a contradizerem a explicação mítica de mundo. Diante da realidade fática, assumiram uma forma de pensar caracterizada pela explicação racional dos fenômenos naturais que cercam a vida do homem. Com a Escola Jônica surgiu a explicação do mundo baseada essencialmente em causas naturais. Com a busca de uma explicação racional do mundo, este se abre para explicações racionais dos fenômenos naturais que cercam o homem. A colônia grega de Mileto destacou-se como um dos portos comerciais mais importantes da Grécia, de onde seriam levadas mercadorias para vários lugares do mediterrâneo. A influência dessas diferentes culturas enfraqueceu os mitos, pois cada povo tinha um modo de ver o mundo. A phisis, segundo o fundamento pré-socrático, é matéria, fundamento eterno de todas as coisas. A explicação das causas estava na própria natureza. A causalidade também era interpretada em termos naturais. Toda causa tem seu efeito. Explicar esse conceito passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede ou determina. É a existência de uma relação de causalidade que torna uma a realidade inteligível, o que fez surgir um grupo de princípios, para que servissem de ponto de partida para todo o processo racional. A principal contribuição ao desenvolvimento do pensamento filosófico-científico encontra-se em um conjunto de conceitos básicos criados por esses primeiros pensadores, para explicar a realidade a partir da natureza. O primeiro filósofo a formular essa noção é Tales de Mileto, ao afirmar que a água é o elemento primário gerador de todas as coisas.


9 Diferentes pensadores sucessores de Tales de Mileto buscaram outros princípios explicativos. Anaxímenes adotou o ar, Heráclito dizia ser o fogo a origem de todas as coisas, Demócrito, o átomo etc. O elemento fundamental para compreender-se o pensamento filosófico-científico é o seu caráter crítico. As teorias formuladas pelos filósofos passam a ser discutidas, a suscitar divergências e discordâncias, permitindo reformulações e propostas alternativas, não sendo mais vistas de forma dogmática. O termo cosmos liga-se diretamente à ideia de ordem, de harmonia e de beleza. É a ideia de uma ordenação racional, tendo a causalidade como lei principal, e é uma ordem racional que se reflete na existência de princípios e leis que regem a realidade. Logos se contrapõe ao mito e significa discurso, em que as explicações são justificadas e estão sujeitas a críticas e discussão. Heráclito caracteriza a realidade como tendo um logos, ou seja, uma racionalidade que seria captada pela razão humana. Caráter crítico consiste em teorias possíveis de ser discutidas e suscitar divergências e discordâncias, permitindo alterações e propostas alternativas.

Exercício 2.

(UEL – 2003) Analise as assertivas a seguir e assinale a alternativa correta sobre o nascimento da filosofia: a) Surgiu como um discurso teórico, sem embasamento na realidade sensível, e em oposição aos mitos gregos. b) Retomou os temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. c) Reafirmou a aspiração ateísta dos gregos, vetando qualquer prova da existência de alguma força divina. d) Desprezou os conhecimentos produzidos por outros povos, graças à supremacia cultural dos gregos. e) Estabeleceu-se como um discurso acrítico e teve suas teses endossadas pela força da tradição.

3. Filósofos Pré-Socráticos

Esta unidade abordará os filósofos pré-socráticos, destacando os mais importantes das Escolas Jônica e Italiana e suas respectivas concepções filosóficas.

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3.1 Apresentação


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3.2 Síntese

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A denominação “pré-socráticos” toma Sócrates como um marco, pois ele introduziu uma nova problemática na discussão filosófica ao tratar das questões ético-políticas e jurídicas. Os pré-socráticos, também chamados “naturalistas” ou “filósofos da physis”, preocuparam-se com o tema da realidade primeira, originária e fundamental da existência do mundo, buscando o princípio de todas as coisas. Duas escolas se destacam nessa época: a Escola Jônica, que se caracterizou pelo interesse nas teorias sobre a natureza, e a Escola Italiana, com uma visão de mundo mais abstrata, menos voltada para uma explicação naturalista da realidade, prenunciando o surgimento da lógica e da metafísica. Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo. Fundador da Escola Jônica é visto como o iniciador da visão de mundo e do estilo de pensamento que se entende por filosófico, pois explica a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhuma referência ao sobrenatural. Inaugura o caráter crítico. Dentre os principais filósofos pertencentes à Escola Jônica, destaque-se Heráclito de Éfeso, cuja concepção de realidade natural se caracteriza pelo movimento, estando todas as coisas em um fluxo constante. Seu fragmento mais famoso diz que: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo e nós também não somos.” Esse fragmento sintetiza a ideia da realidade do fluxo. No âmbito das escolas italianas, destacaram-se: Pitágoras e sua doutrina, segundo a qual o número é o elemento básico explicativo da realidade, podendo-se constatar uma proporção em todo o cosmo. E Parmênides, para quem existia apenas uma única realidade, introduzindo a distinção entre realidade e aparência. Foi introdutor da distinção entre realidade e aparência. Parmênides caracteriza o movimento apenas como aparente. Para ele, é através do pensamento que devemos buscar a essência da realidade. Para Zenão de Eleia, a formulação dos paradoxos consiste em uma cisão entre o senso comum e a explicação teórica da realidade. Em uma segunda fase pluralista, Anaxágonas defende a multiplicidade infinita dos elementos a que denomina omeo merias. Tenta sintetizar doutrina de pensadores anteriores.

Exercício 3.

(UEL − 2003) A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a. C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos. Assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado:


11 A ética, enquanto investigação racional do agir humano. A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos. A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.

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a) b) c) d)


Capítulo 2

Filosofia Jurídica na Antiguidade

1. O Nascimento da Democracia 1.1 Apresentação Esta unidade abordará o nascimento da pólis e da democracia como fundamentos básicos para uma nova problemática filosófica de cunho mais jurídico e ético-político, superando-se a questão da natureza como temática principal e inaugurando-se o período clássico da filosofia.

1.2 Síntese Com o pensamento de Sócrates se inicia o período clássico da Filosofia, inaugurando-se uma nova problemática de cunho ético-político e jurídico, superando-se a questão da natureza como temática principal, o que se justifica pela nova concepção de homem como cidadão da pólis.


13 Para se compreender a filosofia é preciso entender o seu surgimento como um fato cultural, como produto de determinado contexto histórico e social em que nasce a pólis grega, provocando grandes alterações na vida social e nas relações entre os homens. O surgimento da Filosofia corresponde ao início da estabilização da sociedade grega, caracterizada pelo desenvolvimento da atividade comercial, pela consolidação das várias cidades-estados e pela organização social ateniense. Torna-se necessário a criação de uma base institucional sólida para a sociedade, o que se reflete nas reformas políticas iniciadas que representaram concretamente a quebra dos privilégios da oligarquia dominante e a progressiva secularização da sociedade. A democracia representa a possibilidade de serem resolvidas as divergências por meio do entendimento mútuo e de leis que possam refletir os anseios dos cidadãos. Sua originalidade se centra na possibilidade de se debaterem os problemas de interesse comum em praça pública (ágora) e de se tomarem as decisões por consenso, nascendo assim, a política. Na polis, separa-se o domínio público e o privado, inaugurando-se um novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão passa a ter direito ao poder. Essa nova noção de justiça assume caráter político, e não apenas moral, pois não diz respeito apenas ao indivíduo e aos interesses da tradição familiar, mas passa a se referir à sua atuação na sociedade. A polis se faz pela autonomia da narrativa humana. O saber rompe com a violência e o uso da força, pois todos têm o mesmo direito de argumentar. Para que isso fosse possível, foi necessária uma mudança entre os homens devido às relações de subordinação. Atenas possuía meio milhão de habitantes, do qual 300 mil eram escravos e 50 mil estrangeiros. 10%, excluindo-se mulheres e crianças, eram os considerados capacitados para decidirem por todos. Ou seja, a maior parte da população era excluída da política. O nascimento da democracia representou um processo de mutação do ideal político e o surgimento de uma concepção nova de poder baseada na participação popular.

2. Os Sofistas

Nesta unidade, estudaremos os sofistas como propulsores da consolidação da democracia através do ensino da retórica e da oratória, representando importante papel na participação dos cidadãos na vida política.

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2.1 Apresentação


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2.2 Síntese O ideal democrático precisava ser justificado e coube aos sofistas a função de elaborar a teorização de democracia que interessava à nova classe dos comerciantes enriquecidos. Ao contrário dos pré-socráticos, os sofistas eram mestres da retórica e da oratória, creditavam a verdade, a moralidade, a religião, a justiça e os conceitos políticos e sociais a um consenso, ou seja, a uma convenção entre os homens. A exigência que os sofistas vêm satisfazer não é apenas de ordem teórica, mas também prática, voltada para a vida. Eles foram responsáveis por prepararem o cidadão para a participação na vida política através da utilização de um discurso persuasivo. A retórica era muito importante, tanto que os sofistas reconheceram que a maneira como era falado seria mais relevante que um bom argumento, para o convencimento da plateia. Foram os responsáveis por preparar os cidadãos para a política. A retórica dos sofistas buscava incutir no ouvinte (oradores) ideologias que fossem aproveitáveis para a manipulação do povo (elite). A sofística também sustenta um certo relativismo prático que é destruidor da moral, pois a verdade se torna relativa e tudo o que diz respeito aos impulsos e às paixões, passa a ser justificado. Os sofistas estabelecem uma oposição especial entre a natureza e a lei. Consideram a lei um fruto arbitrário e mortificador. Pura convenção. Disseram não ser verdadeiro o fato de que a submissão às leis tornem os homens felizes. Para eles, para que se triunfe no mundo, não basta justiça e retidão, e sim, prudência e habilidade, bem como o domínio violento dos homens. Para os sofistas, a igualdade moral entre os fortes e fracos seria um prejuízo. A verdadeira justiça existe para que o forte e poderoso oprima o mais fraco. Eles foram acusados de superficialidade e logomania, sofrendo forte oposição por parte de Sócrates. Sua má fama se deu à excessiva atenção dada ao aspecto formal da exposição e à defesa das ideias, já que se achavam mais preocupados com a persuasão do que com a verdade. No que diz respeito ao direito, de um lado a norma era tida como uma construção histórica, uma convenção humana, e, de outro, a natureza imperava como medida de todas as coisas. As classes aristocráticas defendiam a noção perene de pertencimento à terra, às noções de sangue, entendendo o justo como sendo algo natural. Já as classes democráticas lutavam pela justiça convencional, que poderia ser alterada. Dos sofistas, destaque-se Protágoras, cujo principal e mais conhecido fragmento, que é o início de sua obra sobre a verdade, diz: “O homem é a medida de todas as coisas.”


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Exercício 4.

(Defensor Público da União − 2007) Conhecemos pouco dos sofistas. Em primeiro lugar, porque, com exceção de um sofista tardio, Isócrates, de quem temos as obras, não possuímos senão fragmentos dos dois principais sofistas: Protágoras de Abdera e Górgias de Leontini. Em segundo, porque os testemunhos recolhidos pela doxografia foram escritos por seus inimigos, Tucídides, Aristófanes, Xenofonte, Platão e Aristóteles, que nos deixaram relatos altamente desfavoráveis nos quais o sofista aparece como impostor, mentiroso e demagogo. Esses qualificativos acompanharam os sofistas durante séculos e a palavra sofista era empregada sempre com sentido pejorativo. Marilena Chaui. Introdução à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Cia. das Letras, 2002 (com adaptações). Tendo o texto acima como referência inicial, julgue o item que se segue: Desde o final do século XIX, tem-se observado uma reabilitação da sofística. Historiadores da filosofia, a partir de então, consideram os sofistas fundadores da pedagogia democrática mestres da arte da educação do cidadão.

3. Sócrates 3.1 Apresentação Esta unidade abordará a vida e a concepção filosófica de Sócrates, destacando o seu método de análise conceitual e a sua busca pela justiça através da racionalidade.

Sócrates é considerado o primeiro pensador da filosofia clássica, tendo como seu discípulo Platão. O que configura o pensar socrático é o seu método de análise conceitual conhecido como “maiêutica”. O método socrático opera através de um questionamento das crenças habituais de um interlocutor, interrogando-o e provocando-o a dar respostas e explicitar o conteúdo e o sentido dessas opiniões.

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3.2 Síntese


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16 Sócrates problematiza as crenças, fazendo com que o interlocutor caia em contradição, perceba a insuficiência delas e reconheça a sua ignorância. É este o sentido da célebre fórmula socrática: “só sei que nada sei”, ou seja, é o reconhecimento da própria ignorância como princípio de sabedoria. Para Sócrates, o papel do filósofo não é transmitir um saber pronto e acabado, mas fazer com que outro indivíduo, através do diálogo, dê à luz as suas próprias ideias. Por essa razão, Sócrates critica os sofistas, pois o ensinamento sofístico limita-se a uma mera técnica ou habilidade argumentativa que visa convencer o oponente daquilo que diz, mas não leva ao verdadeiro conhecimento. No âmbito do direito, Sócrates rompe com a visão mitológico-religiosa e sofista sobre a justiça, ao extrair o conceito do justo por meio da razão. Sócrates considera que o justo não é uma imposição de alguns contra outros, nem da maioria nem do mais forte. A própria democracia, só pelo simples ato de vontade da maioria, não faz a boa lei nem faz o justo. Sócrates é acusado por razões políticas, julgado e condenado à morte. Em seu julgamento, perante um júri de 501 cidadãos, confronta o Estado, insurgindo-se contra as práticas políticas da época e alegando em sua defesa a necessidade de independência do pensamento, recusando-se a se declarar inocente ou a pedir uma pena. Foi condenado à morte e levado à prisão onde deveria tomar uma taça de veneno (sicuta). Para ele, fugir corresponderia a negar suas ideias e princípios. Laques oferece a Sócrates diversas situações em que soldados demonstram coragem perante os desafios. Sócrates diz que não é o que busca, que quer exatamente o conceito de coragem. O método socrático envolve o questionamento do senso comum. Sócrates jamais responde às perguntas que formula, apenas indica que as respostas de seu interlocutor são insatisfatórias e também diz o porquê são insatisfatórias. Ele procura trilhar o caminho percorrido pelo interlocutor, para que este passe por um processo de revisão de suas crenças e opiniões, chegando ao verdadeiro conhecimento. Sócrates chamou o seu método de Maiêutica, que literalmente significa fazer o parto, que era o ofício de sua mãe. Sócrates se considerava um parteiro, por dar à luz ideias. A dialética socrática se faz por meio do questionamento das crenças habituais de um interlocutor, o incitando a dar respostas e a explicitar o conteúdo e o sentido dessas crenças. Utilizando-se da ironia, Sócrates problematiza tais crenças, fazendo com que o interlocutor caia em contradição, percebendo, assim, a insuficiência de seus argumentos. Sua reflexão sobre o direito se situa na busca sobre a verdade.


17 Sócrates rompe com a visão mística e religiosa do justo, inclusive com o posicionamento dos sofistas, pois dizia que estes não ensinavam o caminho do conhecimento. Platão e Aristóteles definem os sofistas como não filósofos. Sócrates queria demonstrar que sendo injusta sua condenação, todos perceberiam a injustiça de sua pena.

Exercício 5.

O julgamento e a morte de Sócrates marcaram profundamente seus contemporâneos e muitos de seus discípulos e companheiros escreveram relatos e testemunhos desse episódio em que o filósofo confrontou o Estado, em que suas ideias insurgiram-se contra as práticas políticas da época e que a necessidade de independência do pensamento foi explicitada e discutida pela primeira vez em nossa tradição. Sobre este filósofo, é incorreto afirmar: a) A reflexão filosófica proposta por Sócrates visa demonstrar que, frequentemente, sabemos o que pensamos saber. b) Em 399 a. C., Sócrates é acusado de haver cometido graves crimes por alguns cidadãos atenienses que pedem a sua condenação à morte, alegando principalmente o desrespeito às tradições religiosas da cidade e a corrupção dos jovens. c) No que tange à concepção filosófica de Sócrates, ela pode ser caracterizada como um método de análise conceitual denominado “maiêutica”, que é ilustrado pela célebre questão que permeia todos os seus diálogos: “O que é ...?”. d) O método socrático revela a fragilidade do nosso entendimento e aponta para a necessidade de aperfeiçoá-lo através da reflexão, ou seja, partindo de um entendimento já existente, indo além dele em busca de algo mais perfeito, mais completo. e) Todas as alternativas estão corretas.

4.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento político e jurídico de Platão.

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4. Platão: Política, Direito e Justiça


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4.2 Síntese Após a morte de Sócrates, Platão deixou Atenas e viajou por diversos países, voltando a Atenas em 389 a.C., quando funda sua escola filosófica chamada academia. Como aponta o professor Danilo Marcondes, a obra de Platão pode ser definida como uma longa reflexão sobre a decadência da democracia ateniense, seus valores, ideais e poder instituído. A obra de Platão é uma síntese da preocupação com a ciência, com a moral e com a política. Os diálogos de Platão representam um momento de luta política e de crítica aos sofistas e a sua arte de convencer. Ele era considerado crítico e inflexível. A filosofia não pode apenas afirmar, mas deve chegar à clareza. A filosofia, segundo o modelo que Platão cria, é a resposta a uma situação histórica injusta e legítima. O conceito platônico de justiça situa-se acima de todas as normas humanas e remonta até a sua origem na própria alma. Aos sábios caberia o papel de legislar, pois conseguem alcançar o nível das ideias e, por conseguinte, serão os mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a justiça. Platão é contrário à tirania e à oligarquia, que não se funda no conhecimento da verdade do próprio saber. É favorável a uma aristocracia do saber. O diálogo platônico busca um consenso baseado no conhecimento verdadeiro e entendimento racional. O método dialético não substitui a certeza de opinião por outra certeza. É um método negativo, exigindo uma atitude crítica, mostrando a necessidade de uma interrogação. Ao aceitar a regra dos diálogos, os interlocutores abandonam a sua opinião. Trata-se da busca da universalidade, por um discurso capaz de superar as divergências de opinião, e ter um caráter legitimador. Platão foi discípulo de Sócrates. Seu pensamento político e jurídico se encontra, sobretudo, nas obras “A República”, “O político” e “Leis”. A alegoria do mito da caverna, como uma metáfora da condição humana, demonstra uma passagem gradativa do senso comum para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado. O aspecto epistemológico consiste em um mito que representa uma alegoria às formas de conhecimento. Platão, na sua teoria das ideias, distingue o mundo sensível (fenômenos) do mundo inteligível (ideias). Para Platão, há uma dialética que faz a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis, ultrapassando o mundo das aparências ilusórias.


19 O filósofo é aquele que se liberta das correntes, ao contemplar a verdadeira realidade, passando da opinião à ciência. Sua função é de orientar os homens. Logo, do ponto de vista político, cabe ao sábio também governar. Essas ideias de Platão revelam um corte de classe e uma filosofia política de dominação. Para o filósofo, a realidade está no mundo das ideias, e a maioria das pessoas estão como se estivessem no fundo da caverna, no mundo ilusório das coisas sensíveis. Partindo do princípio de que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e funções diversas na sociedade, Platão imagina que o Estado deve incumbir-se de tudo, eliminando a propriedade e a família, a fim de evitar a cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos. Para Platão, só poderá ser chefe quem conhece a política. A democracia é inadequada porque desconhece que a igualdade deve dar-se apenas na repartição dos bens, mas nunca no igual direito ao poder. Para que o Estado seja bem governado, é preciso que os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos, propondo um modelo aristocrático em que o poder é confiado aos melhores.

Exercício (Universidade Estadual de Londrina – 2005) “Mas a cidade pareceu-nos justa, quando existiam dentro dela três espécies de naturezas, que executavam cada uma a tarefa que lhe era própria; e, por sua vez, temperante, corajosa e sábia, devido a outras disposições e qualidades dessas mesmas espécies. – É verdade. – Logo, meu amigo, entenderemos que o indivíduo, que tiver na sua alma estas mesmas espécies, merece bem, devido a essas mesmas qualidades, ser tratado pelos mesmos nomes que a cidade.” (PLATÃO. A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 190). Com base no texto e nos conhecimentos sobre a justiça em Platão, é correto afirmar: a) As pessoas justas agem movidas por interesses ou por benefícios pessoais, havendo a possibilidade de ficarem invisíveis aos olhos dos outros. b) A justiça consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe é de direito, conforme o princípio universal de igualdade entre todos os seres humanos, homens e mulheres.

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6.


20 c) A verdadeira justiça corresponde ao poder do mais forte, o qual, quando ocupa cargos políticos, faz as leis de acordo com os seus interesses e pune a quem lhe desobedece. d) A justiça deve ser vista como uma virtude que tem sua origem na alma, isto é, deve habitar o interior do homem, sendo independente das circunstâncias externas. e) Ser justo equivale a pagar dívidas contraídas e restituir aos demais aquilo que se tomou emprestado, atitudes que garantem uma velhice feliz.

5. Aristóteles e os Tipos de Justiça 5.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de justiça em Aristóteles.

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5.2 Síntese Aristóteles foi discípulo de Platão por mais de 19 anos. É considerado o maior pensador das questões do direito e da justiça de seu tempo. Para ele, o justo é uma medida econômica, histórica, social e política. Para Aristóteles, a amizade não se separa da justiça. A justiça, no seu sentido universal, é tanto uma manifestação geral da virtude quanto uma apropriação do justo à lei que, no geral, é tida como justa. No sentido particular, é uma virtude em si mesma, subdividindo-se em: distributiva, corretiva e reciprocidade. A justiça distributiva trata da divisão de riquezas, benefícios e honrarias segundo o parâmetro de dar a cada um de acordo com seu mérito, ainda que o critério meritório possa ser variável. É a proporcionalidade que caracteriza o justo, e sua falta traz a injustiça. A justiça corretiva é uma proporção aritmética baseada na reparação do quinhão que foi, voluntária ou involuntariamente, subtraído de alguém por outrem. A reciprocidade na justiça se relaciona à produção, estabelecendo uma relação entre direito e economia nas trocas entre os homens. O dinheiro faz o papel de equivalência universal entre os produtos. A justiça está intimamente ligada ao império da lei, pela qual se faz prevalecer a razão sobre as paixões cegas. A lei é o princípio que rege a ação dos


21 cidadãos, é a expressão política da ordem natural, sendo boa e justa, pois é a manifestação básica da unificação da vontade dos cidadãos que deliberaram coletivamente em assembleia. A justiça é uma ação, pois não se revela no mero conhecimento do justo, mas em sua aplicação deliberada com tal finalidade. A justiça deve primar pela equidade, servindo como corretivo da justiça legal no caso concreto, dada a generalidade da lei, estendendo o justo até as minúcias. Para Aristóteles o mero fato de habitar uma mesma cidade não torna seus habitantes igualmente cidadãos. Tampouco o fato de o homem ter nascido livre na pólis implica sua participação na justiça. Aristóteles exclui da cidadania a classe dos artesãos, negociantes e trabalhadores braçais em geral, pois o tipo de trabalho não lhes permite o tempo de ócio necessário para que participem do governo, pois tal atividade embrutece a alma. Ele concebe o homem como animal político por natureza e critica o autoritarismo de Platão, considerando sua utopia impraticável e não humana. O Estado, segundo Aristóteles, constitui a expressão mais feliz da comunidade em seu vínculo com a natureza. A teoria política elaborada por Aristóteles é de natureza descritiva, e prioriza a reflexão analítica da realidade política. A concepção de Estado elaborada pelo filósofo também traz em si uma natureza prescritiva e normativa. Trata-se do que podemos traduzir como o “dever ser” do universo jurídico. A monarquia corresponde à tirania. A aristocracia corresponde à oligarquia no mau sentido, quando um pequeno grupo de ricos ou nobres prevalece. A apoliteia corresponde em forma ruim à democracia, quando uma maioria pobre governa em detrimento de uma maioria rica, a preferida de Aristóteles. Ele diz que onde a classe média é numerosa, raramente ocorrem conspirações e revolta entre os cidadãos.

7.

(Universidade Estadual de Londrina – 2006) “[...] uma pessoa age injustamente ou justamente sempre que pratica tais atos voluntariamente; quando os pratica involuntariamente, ela não age injustamente nem justamente, a não ser de maneira acidental. O que determina se um ato é ou não é um ato de injustiça (ou de justiça) é sua voluntariedade ou involuntariedade; quando ele é voluntário, o agente é censurado, e somente neste caso se trata de um ato de

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Exercício


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injustiça, de tal forma que haverá atos que são injustos mas não chegam a ser atos de injustiça se a voluntariedade também não estiver presente.” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 207). Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de Justiça em Aristóteles, é correto afirmar: a) Um ato de justiça depende da consciência do agente e de ter sido praticado voluntariamente. b) A noção de justo desconsidera a discriminação de atos voluntários e involuntários quanto ao reconhecimento de mérito. c) A justiça é uma noção de virtude inata ao ser humano, a qual independe da voluntariedade do agente. d) O ato voluntário desobriga o agente de imputabilidade, devido à carência de critérios para distinguir a justiça da injustiça. e) Quando um homem delibera prejudicar outro, a injustiça está circunscrita ao ato e, portanto, exclui o agente.


Capítulo 3

Filosofia Jurídica na Idade Média

1. A Filosofia Cristã: Estado x Igreja 1.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento filosófico cristão do período medieval e a relação de poder entre o Estado e a Igreja.

1.2 Síntese A Idade Média ficou conhecida como um período obscuro, marcado pelo atraso econômico e político do feudalismo, pelas guerras religiosas, pela peste negra e pelo monopólio restritivo da Igreja nos campos da educação e da cultura. Após 476 d.C., com a ruína de Roma e o fim do escravismo, a população deixou as cidades para buscar sobrevivência no campo, o que geraria o mundo agrário feudal, estabelecendo entre si, vínculos de origem econômica e social.


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24 A alta idade média é caracterizada pela desagregação da antiga ordem social, e pela divisão do império em reinos bárbaros. Torna-se necessário, então, restaurar a unidade perdida. Esse desejo se expressa na difusão do cristianismo, que representa na idade média o ideal de Estado universal. Desde o final do Império Romano, quando o cristianismo se tornara a religião oficial, estabelece-se a ligação entre Estado e Igreja, em que esta funciona como legitimadora do poder do Estado, atribuindo-lhe uma origem divina. O declínio do feudalismo, a baixa idade média, durou do século V ao século XV. Estabelece-se, assim, uma nova ordem feudal no século XI, devido ao enfraquecimento do Estado, onde duques e barões tinham mais poder que o rei. Na medida em que mantém o monopólio do saber, a igreja exerceu muita influência. Os intelectuais pertenciam às ordens religiosas e as principais questões filosóficas referiam-se às relações entre fé e razão, sendo que a razão deveria subordinar-se sempre à fé, critério mais adequado na busca da verdade. O helenismo fornece o pano de fundo político e cultural que permite a aproximação entre a cultura judaica e a filosofia grega, o que tornará possível o surgimento de uma filosofia cristã. Os filósofos gregos passam a ser vistos como precursores do cristianismo por sua sabedoria e virtude. São Paulo foi um judeu helenizado que se converteu e passou a pregar e a difundir a religião cristã em suas viagens. Com isso, grupos religiosos passaram a surgir nos grandes centros urbanos, e a doutrina cristã passa a ser interpretada como uma filosofia. Os filósofos gregos, como Sócrates e Platão, são vistos como precursores do cristianismo, mesmo vivendo antes de Cristo. A Escola Neoplatônica de Alexandria realizava a síntese entre o platonismo e os pensamentos cristãos. Na Idade Média predomina uma concepção negativa do Estado. Isto, porque o homem teria uma natureza sujeita ao pecado e ao descontrole das paixões, o que exige uma vigilância constante, cabendo ao Estado intimidar os homens para que ajam de forma correta. De acordo com Monteiro (2009): “Configuram-se duas instâncias de poder: a do Estado e a da Igreja. O Estado é de natureza secular, voltado para as necessidades mundanas e caracteriza-se pelo exercício da força física. A Igreja é de natureza espiritual, voltada para os interesses da salvação da alma.” Há uma estreita ligação entre política e moral, com a exigência de se formar o governante justo, não tirânico, que por sua vez consiga obrigar, ainda que pelo medo, à obediência aos princípios da moral cristã.


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Exercício 8.

(PUC-SP) Dentre os itens abaixo, dois representam características integrantes do ideário cristão que, à época do reconhecimento do cristianismo como religião oficial de Roma (séc. IV), funcionaram como elementos facilitadores da aliança que uniu os interesses da Igreja cristã aos do Estado romano: 1. O dogma da transcendência divina. 2. As noções de culpa original dos homens e de perdão divino. 3. Os dogmas da criação e do juízo final. 4. O missionarismo expansionista. 5. A moral celibatária. 6. As concepções de inferno, purgatório e reino dos céus. 7. A estrutura hierárquica da organização clerical. Os itens corretos são os de número: a) 5 e 1. b) 3 e 6. c) 4 e 7. d) 6 e 4. e) 3 e 7.

2. A Justiça em Santo Agostinho 2.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento filosófico de Santo Agostinho e sua concepção de justiça como expressão divina.

Santo Agostinho nasceu no norte da África e é o filósofo mais importante do início da Idade Média, elaborando uma aproximação entre a filosofia platônica e o cristianismo, ao constituir a primeira síntese entre o pensamento cristão e a filosofia grega, o chamado platonismo cristão. A verdadeira e legítima ciência é a teologia, e é aos seus ensinamentos que o homem deve dedicar-se para preparar a sua alma para a salvação e para a visão de Deus. Através da teoria da interioridade e da iluminação, ele supõe que o conhecimento não pode ser derivado da apreensão sensível. O homem descobre a

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2.2 Síntese


26 verdade olhando para a sua interioridade, através da iluminação divina, pois a mente humana possui uma centelha do intelecto divino, já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Em sua obra A Cidade de Deus, Santo Agostinho interpreta a história da humanidade, estabelecendo uma distinção entre a cidade de Deus e a cidade terrestre, eivada de vícios, instabilidades e injustiças. A justiça não se vê nas ações do homem na Terra, mas na lei de Deus. Assim, a justiça não é mensurável pelos atos, pois é uma graça divina. Sendo expressão divina, a lei é imutável, e seus conteúdos de justiça e de injustiça são os mesmos para todos os povos e tempos. Mesmo sendo a justiça uma expressão divina, e as leis, por sua falibilidade, injustas, os homens devem a elas se submeter para manter a ordem social. Esse é o desígnio de Deus. Com Santo Agostinho é inaugurada uma nova visão de direito natural, não mais baseado na natureza das coisas, sendo flexível, histórico e social, mas no desígnio divino. Para Agostinho, o julgamento é necessário para a manutenção da ordem social, sendo justificável inclusive a tortura. Para ele, Deus é quem constitui a autoridade, ainda que os poderes desta determinem injustiças, pois se os homens encontram-se em diferentes posições sociais, sendo que os de posição mais privilegiada devem mandar e o restante obedecer, é porque Deus assim o quer. Para Santo Agostinho, a relação entre as dimensões terrena e celestial é de ligação e não de oposição, mas a repercussão do seu pensamento desemboca na doutrina chamada “agostinismo político”, que marca toda a Idade Média e significa o confronto entre o poder do Estado e o da Igreja, considerando a superioridade do poder espiritual sobre o temporal.

Exercício 9.

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(Universidade Estadual de Maringá − Adaptada) Santo Agostinho, expoente dessa filosofia, sobre a relação fé e razão, defendia a tese que se pode resumir nesta frase: Credo ut intelligam (Creio para entender). A esse respeito, assinale certo ou errado: Santo Agostinho retoma a célebre teoria platônica das ideias à luz do cristianismo e formula a teoria da iluminação segundo a qual o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas: à semelhança do sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar correto.


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3. A Justiça em São Tomás de Aquino 3.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento de São Tomás de Aquino enfocando a questão das leis, a justiça e a política em sua obra.

São Tomás de Aquino foi o maior representante da escolástica de Aristóteles, uma tendência da filosofia medieval influenciada por Aristóteles, mudando o enfoque dos temas políticos ao preocupar-se com questões como a natureza do poder e das leis, bem como a questão clássica do bom governo. Dois fatores característicos do século XII devem ser considerados: o surgimento das universidades e a criação das ordens religiosas dos franciscanos e anglicanos. As universidades surgem em consequência do grande desenvolvimento das escolas ligadas às abadias e às catedrais. A demanda pela educação era muito grande, na intenção de montar uma elite intelectual contra os hereges. São Tomás de Aquino tratou, praticamente, de todas as questões da filosofia e da teologia da sua época. Partiu de Aristóteles para desenvolver seu sistema. Em termos jurídicos, acredita que é possível que o homem descubra na natureza, atos, comportamentos e medidas justas, mas que se devem indiretamente a Deus. A filosofia tomista se caracteriza por ser a síntese do aristotelismo e as verdades teológicas da fé cristã. Como Aristóteles, São Tomás de Aquino considera que o homem só encontra sua realização na cidade, e o plano político é a instância possível, em que o governo não tirânico pode aliar ordem e justiça na busca de um bem comum. O uso da política deve requerer o uso da razão natural, não se circunscrevendo apenas no âmbito da teologia. O Estado conduz o homem até certo ponto, quando então se exige o concurso do poder superior da Igreja, que cuidará da dimensão sobrenatural do destino humano. A paz resulta da unidade do Estado, sendo fundamental um governante virtuoso. Além dos mandamentos divinos obtidos por meio da revelação e da fé, há um espaço para as leis naturais, que são divinas porque a natureza é criação de Deus, sendo, no entanto, passíveis do conhecimento humano.

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3.2 Síntese


28 Em sua obra Suma teológica, São Tomás se dedica à filosofia do direito em duas partes: o tratado das leis e o tratado da justiça. A lei é a regra e medida dos atos humanos. É um princípio que orienta o homem e a natureza, passível de ser compreendido pela razão humana. Uma lei que não é voltada ao bem comum não é lei. As leis são classificadas em eterna (a razão divina que governa o mundo), divina (a regra de Deus anunciada aos homens por meio da revelação) e natural (que se verifica na natureza, sendo obra de Deus, mas inteligível à razão humana). O tratado da justiça toma o direito como objeto da justiça, chegando à questão do direito natural. Trata das leis divina, natural e humana. Ao lado das leis, há a questão da justiça, cujo objeto específico é o direito. A justiça para ele é considerada o bem do outro, e sua manifestação é distributiva e retributiva. Para São Tomás de Aquino, a lei humana é a ordem promulgada por quem tem a responsabilidade pela comunidade. Estado é uma necessidade natural, pois o homem necessita de orientação para viver em sociedade. O objetivo é a convivência pacífica entre os homens, garantida pela lei.

Exercício

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10.

Julgue se o item a seguir é correto ou incorreto: Diferentemente dos modernos, para quem basta a validade formal estatal para que uma lei seja assim considerada, no pensamento de São Tomás de Aquino uma lei só será assim considerada se visar ao bem comum.


Capítulo 4

O Humanismo Renascentista

1. O Humanismo Renascentista 1.1 Apresentação Esta unidade abordará a ideia de modernidade, com enfoque no surgimento do humanismo renascentista e suas causas.

1.2 Síntese O período moderno consolidou os ideais de progresso e desenvolvimento que reforçaram o pensamento racionalista e individualista adotado pela classe burguesa, demolindo o universo católico-feudal. O uso do termo moderno opõe-se ao que é anterior, antigo, designando o atual, presente ou contemporâneo. Duas são as noções fundamentais relacionadas ao moderno. Uma delas é a ideia de progresso, e a outra, a valorização do indivíduo.


30 Três fatores históricos principais podem ser atribuídos à origem da Filosofia Jurídica Moderna: o humanismo renascentista, a Reforma Protestante e a revolução científica. Lutero recusa a autoridade da igreja e dos papas, dando origem à Igreja protestante. A reforma protestante foi um movimento religioso de adequação aos novos tempos em que se desenvolvia o capitalismo, ajustando os ideais e valores às transformações socioeconômicas da Europa. A revolução científica foi representada pela obra de Copérnico, que rompeu com o sistema geocêntrico, pela demonstração da validade do modelo heliocêntrico, empreendido por Galileu, e pela formulação da noção de um universo infinito e uma concepção do movimento dos corpos celestes. A ciência passa a valorizar a observação e o método experimental. Intimamente ligadas à expansão comercial, à reforma religiosa e ao absolutismo político, as transformações culturais dos séculos XIV a XVI estiveram articuladas com o capitalismo comercial e ficaram conhecidas como Renascimento Cultural: um movimento da burguesia enfatizando uma cultura laica, racional e científica, buscando subsídios na cultura greco-romana. O elemento central do Renascimento foi o humanismo. O homem passa a ser visto como o centro do universo, valorizando-se a vida terrena e a natureza em substituição ao divino (“antropocentrismo”). O homem renascentista, artista, cientista, literato, confunde-se com o próprio Deus pela sua genialidade e criatividade. A filosofia passa a ser platônica e a ideia terrena faz nascer uma ciência fundamental, a política. A nova visão do homem e da sociedade, da moral e da política constitui a base da discussão filosófica da modernidade, reaparecendo sob diferentes formulações no pensamento dos filósofos modernos. O lema sofista de Protágoras, em que diz que o homem é a medida de todas as coisas, leva a ruptura do período medieval.

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Exercício 11.

(Mackenzie – 1999) Leia o texto e julgue o item a seguir: Como descreve Pietro Maria Bardi, o impulso cultural do Renascimento revigorou valores opostos aos dos homens medievais. Em todos os campos do saber emergiu uma vitalidade cultural que rompia com os tradicionais limites. Chega-se até a rever, com dificuldades imagináveis, a teologia. A filosofia passa a ser platônica e a ideia ter-


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rena faz nascer uma ciência fundamental: a política. (BARDI, Pietro Maria. Gênios da Pintura: góticos e renascentistas. São Paulo: Abril, 1980. p. 15). Trazer os problemas filosóficos para o eixo do próprio homem representou, na filosofia política, abdicar da tradição que imaginava a sorte política como sendo uma emanação da vontade divina.

2. O Pensamento de Maquiavel 2.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento político de Maquiavel.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi o pensador político mais original e influente de sua época, autor de O Príncipe. Maquiavel lutou pelo abandono dos padrões morais. Viveu em uma época em que a Itália se achava fragmentada em principados e repúblicas, com muita hostilidade, sem estabilidade. Nessa época, ele ocupa a chancelaria do governo, o que lhe permitiu grande experiência na área política, entrando em contato direito com reis, papas, e César Bórgia, segundo ele, um exemplo de príncipe que a Itália precisava para se unificar. Na obra O Príncipe percebe-se a defesa do absolutismo e do imoralismo. Veja um trecho: “é necessário a um príncipe para se manter que aprenda a poder ser mau, e que se valha ou deixe de valer disso segundo a necessidade”. Rousseau no século XVIII traz à luz uma nova interpretação do “príncipe”. Afirma ele tal obra ser uma sátira, sendo que a verdadeira intenção de Maquiavel era desmascarar as práticas despóticas, ensinando ao povo como se defender dos tiranos. Maquiavel ensina como o poder deve ser conquistado e mantido, justificando o poder absoluto. Algumas ideias democráticas são demonstradas na obra de Maquiavel, dizendo que é sempre melhor ter o apoio do povo ao apoio dos grandes. Para Maquiavel, homens de “virtu” são homens especiais, capazes de realizar grandes obras, de perceber o jogo de forças que caracteriza a política, a fim de conquistar e manter o poder. O príncipe não pode descartar a oportunidade, senão, de nada vale um príncipe virtuoso.

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2.2 Síntese


32 Sua obra gerou o mito do maquiavelismo que tem atravessado os séculos. De acordo com Aranha e Martins (2009): “A novidade do seu pensamento está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política. O pensamento de Maquiavel leva à reflexão sobre a situação dramática e ambivalente do homem de ação. Se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos sucessivos, tornando-se um político incompetente. Defende o Estado absoluto e a valorização da política não atrelada à religião. Embora Maquiavel não tivesse usado o conceito de “razão de Estado”, é com ele que se começa a esboçar a doutrina que vigorará no século seguinte, quando o governante absoluto, em circunstâncias críticas e extremamente graves, a ela recorre, permitindo-se violar normas jurídicas, morais, políticas e econômicas. É considerado o fundador da ciência política, subvertendo a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais. Pode-se dizer que a sua política é realista, pois ele procura a verdade efetiva, partindo do pressuposto da natureza humana capaz do mal e do erro. Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política só tem sentido se propiciar o melhor exercício da arte política. Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião, procurando examiná-la em sua própria especificidade. A ética política se distingue da moral privada, uma vez que a ação política deve ser julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os resultados alcançados na busca do bem comum”.

Exercício

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12.

(UEL – 2004) “O maquiavelismo é uma interpretação de ‘O Príncipe,’ de Maquiavel, em particular a interpretação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.” (BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Trad. de Alfredo Fait. 3. ed. Brasília: Editora da UNB, 1984. p. 14.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é:


33 a) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por critérios restritos ao âmbito político. b) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem respeito à esfera privada da vida em sociedade. c) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros ditados pela Igreja. d) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e necessariamente. e) Independente das pretensões dos governantes de realizar os interesses do Estado.

3. A Filosofia Política do Liberalismo 3.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento liberal e sua vertente política.

A palavra “liberal” resume um conjunto de ideias éticas, políticas e econômicas da burguesia que se opunha à visão de mundo da nobreza feudal, buscando a separação entre Estado e sociedade; entre o público e o privado, reduzindo ao mínimo a intervenção do Estado na vida de cada um. O projeto filosófico de Descartes traduz como uma defesa do novo modelo de ciência contra uma inspiração escolástica de inspiração aristotélica. “Penso, logo existo” é a famosa máxima de Descartes. O empirismo, ao contrário do racionalismo, toma a experiência sensível como guia e processo de validade. Todo conhecimento é derivado de uma experiência empírica do real. Dentre os filósofos empiristas está Francis Bacon, cujo lema é “saber é poder”. Sua preocupação é a criação de um método que evite o erro e coloque o homem no caminho correto. O liberalismo político constituiu-se contra o absolutismo real, buscando nas teorias contratualistas as formas de legitimação do poder, não mais fundado no direito divino dos reis, nem na tradição e herança, mas no consentimento dos cidadãos. Houve um aperfeiçoamento das instituições do voto e da representação, bem como na autonomia dos poderes e uma consequente limitação do poder central.

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3.2 Síntese


34 O liberalismo econômico se opôs inicialmente à intervenção do poder do rei nos negócios, extinguindo a concessão de monopólios e privilégios. Os primeiros a se insurgirem contra o controle da economia foram os fisiocratas cujo lema era laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même (deixai fazer, deixai passar, que o mundo anda por si mesmo). O Estado mínimo, ou seja, o Estado não intervencionista é considerado possível porque o equilíbrio pode ser alcançado pela lei da oferta e da procura, baseada na livre iniciativa e competição do mercado, conforme as ideias de Adam Smith e David Ricardo […] (Wollmmann, 2011). De acordo com Guizze (2005): “O problema central do liberalismo e da discussão política desse período é a necessidade de conciliar as liberdades e os direitos individuais – concebidos como inerentes à própria natureza humana – com as exigências da vida em comunidade e, portanto, com o respeito ao direito do outro, imprescindível para o equilíbrio da vida social. […] Cria-se a necessidade da busca e discussão de um novo modelo de ordem social, de organização política, de legitimação do poder, representando pelas teses dos teóricos do liberalismo e do contrato social.” Essa discussão leva, em última análise, ao surgimento da democracia representativa e do sistema parlamentar, ao estabelecimento de constituições e cartas de direitos civis. O primeiro passo se dá com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688, seguindo-se a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

Exercício 13.

(Cespe – Diplomata – 2010) Quanto aos vários sentidos de que se revestiu historicamente a noção de liberalismo político, assinale a opção incorreta: a) Rejeição sistemática ao status quo. b) Valorização dos direitos individuais. c) Defesa intransigente da liberdade. d) Faculdade de escolha sem coerção. e) Conformidade com a lei.

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4. Hobbes e o Estado Absoluto 4.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento político e jurídico de Thomas Hobbes.


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Thomas Hobbes não é um pensador liberal, embora seja individualista. Sua obra teve uma influência marcante no desenvolvimento da discussão sobre as relações entre indivíduo e Estado. Teve como sua principal obra o Leviatã, que chegou a ser censurado pelo parlamento britânico. Hobbes tem uma concepção negativa da natureza humana, considerando o homem como um ser naturalmente agressivo e belicoso (o homem é o lobo do homem). Para Hobbes, o homem é movido por suas paixões. Como um filósofo contratualista, concebe de forma fictícia um estado de natureza em que o homem se encontraria em uma guerra de todos contra todos, caso se suspendesse a obrigação de se cumprirem as leis e contratos impostos pela sociedade. Hobbes analisa a natureza humana em uma perspectiva mecanicista, em que a liberdade nada mais é que a ausência do mecanismo de impedimento para ação. Hobbes oferece alguns argumentos que sustenta a posição de que a razão é uma medida natural dos valores e da justiça comum. Para ele, as diferenças entre os indivíduos são irrelevantes, já que mesmo o mais fraco pode matar o mais forte. A constituição e o funcionamento da sociedade pressupõem que os indivíduos cedam uma parte de seus direitos e os transfiram a um soberano. Essa cessão e transferência de direitos e poderes consistem em um contrato social, por meio do qual se institui a sociedade civil organizada para a sobrevivência do próprio homem. É a esse soberano que Hobbes chama de Leviatã. O poder é exercido de forma plena por um soberano, por meio da transferência a ele dos direitos de cada um dos indivíduos que compõem a sociedade. A mais alta expressão da justiça está no cumprimento das determinações do soberano, na medida em que os homens alienaram seus interesses pessoais àquele que lhes dá em troca segurança e paz. Trata-se de um direito natural de autopreservação, ou ainda, de uma lei natural pela sobrevivência (Marcondes, 2008). Para Hobbes, o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas condutas. Hobbes entende por leis civis, as que os homens são obrigados a respeitar, por serem membros de um Estado. A lei civil é para o súdito constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente, por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade.

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4.2 Síntese


36

Exercício 14.

(Cespe – Defensor Público da União – 2010) Com relação às concepções teóricas de Estado, julgue o item subsequente: Para Thomas Hobbes, com a criação do Estado, o súdito deixa de abdicar de seu direito à liberdade natural para proteger a própria vida.

5. Direito Natural em Locke 5.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento político e jurídico de John Locke.

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5.2 Síntese Locke era médico e descendia de uma família de burgueses. Foi com a obra Dois Tratados sobre o Governo Civil, que Locke tornou-se o teórico da revolução liberal inglesa, cujas ideias iriam fecundar todo o século XVIII, dando fundamento filosófico também às revoluções ocorridas na Europa e nas Américas. Locke não vê no estado de natureza uma situação de guerra e egoísmo, mas os riscos das paixões e da parcialidade são muito grandes e podem desestabilizar as relações entre os homens. Logo, visando à segurança e à tranquilidade necessárias ao gozo da propriedade é que as pessoas consentem em instituir o corpo político. A garantia da propriedade privada aparece como a razão para a criação do seu pensamento político e jurídico. Para ele, os direitos naturais dos homens não desaparecem em consequência desse consentimento, mas subsistem para limitar o poder do soberano. Embora o capitalismo estivesse em ascensão, o poder político ainda pertencia à monarquia, e a burguesia necessitava de algo que lhes desse poder compatível aos dos nobres. Daí surgiu a teoria da propriedade privada como direito natural feita por Locke. Ele usa o conceito de propriedade num sentido muito amplo: é tudo aquilo que pertence a cada indivíduo, ou seja, sua vida, sua liberdade e seus bens. Para Locke, a propriedade era um direito natural advindo de Deus, e que reis e nobres eram parasitas da sociedade, enquanto a burguesia lhes era superior, por adquirir propriedade com o seu suor.


37 O burguês se reconhece como superior a todos. Se Deus deu a todos a função de trabalhar e concedeu o direito da propriedade privada, os que não conseguem, é porque não trabalharam o suficiente, e por isso devem trabalhar para os outros. O Estado tem a função de arbitrar por meio das leis e da força a ordem social, e respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados. Locke considera o legislativo o poder supremo, ao qual deve se subordinar tanto o executivo quanto o poder federativo, aquele encarregado das relações exteriores. É individualista e exalta que a essência humana é ser livre da dependência das vontades alheias; e a liberdade existe como exercício de posse (Wollmmann, 2011). É o trabalho que dá início ao direito e propriedade em sentido estrito, englobando os bens, o patrimônio do indivíduo. Ao defender a propriedade privada como direito natural, Locke constrói a sua filosofia do direito e política em favor da burguesia em ascensão.

Exercício 15.

(Cespe – Defensor Público da União – 2010) “De acordo com a teoria política de John Locke, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo instituição anterior à sociedade, é direito natural do indivíduo, não podendo ser violado pelo Estado.”

6. Rousseau e a Soberania Popular 6.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento político e jurídico de Jean-Jacques Rousseau.

O ponto de partida da filosofia de Rousseau é uma concepção de natureza humana representada pela famosa ideia segundo a qual o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe (Marcondes, 2011). A essa ideia, ele acrescenta a de que o homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentado.

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6.2 Síntese


38 A grande questão para Rousseau consiste em saber como preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar que a vida em sociedade pode lhe dar (Silva, 2011). Para Wollmmann, (2011): “No contrato social por ele proposto, o homem abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto, é livre. A obediência à lei que se estatuiu a si mesmo é a liberdade. Para Rousseau, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado dele. Mesmo quando cada associado se aliena totalmente em favor da comunidade, nada perde de fato, pois, enquanto povo incorporado, ele mantém a soberania. Para Rousseau, soberano é o povo, o corpo coletivo que expressa, através da lei, a sua vontade geral. A soberania é inalienável, ou seja, não pode ser representada. A democracia rousseauísta considera que toda a lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Os magistrados que constituem o governo estão subordinados ao poder de decisão do soberano e apenas executam as leis, devendo haver inclusive boa rotatividade na ocupação dos cargos. O homem é livre na medida em que dá o livre consentimento à lei. E consente por considerá-la válida e necessária.” Para Rousseau, a pessoa privada tem uma vontade individual, que visa um interesse egoísta. Se somar os benefícios individuais, teremos a vontade de todos. Enquanto cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir uma vontade caracterizada pelo interesse coletivo do bem comum. Rousseau diz ainda que a educação forma uma vontade geral, e transforma o indivíduo em cidadão.

Exercício

Filosofia Jurídica

16.

(UEL – 2004) “Não sendo o Estado ou a Cidade mais que uma pessoa moral, cuja vida consiste na união de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o de sua própria conservação, torna-se-lhe necessária uma força universal e compulsiva para mover e dispor cada parte da maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o nome de soberania.” (ROUSSEAU,


39

Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. de Lourdes Santos Machado. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1994. p. 48). De acordo com o texto e os conhecimentos sobre os conceitos de Estado e soberania em Rousseau, é correto afirmar: a) A soberania surge como resultado da imposição da vontade de alguns grupos sobre outros, visando a conservar o poder do Estado. b) O estabelecimento da soberania está desvinculado do pacto social que funda o Estado. c) O Estado é uma instituição social dependente da vontade impositiva da maioria, o que configura a democracia. d) A conservação do Estado independe de uma força política coletiva que seja capaz de garanti-lo. e) A soberania é estabelecida como poder absoluto orientado pela vontade geral e legitimado pelo pacto social para garantir a conservação do Estado.

7. O Iluminismo e a Teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu 7.1 Apresentação Esta unidade abordará o iluminismo e a teoria da separação dos poderes de Montesquieu.

O Iluminismo foi um movimento que abrangeu não só o pensamento filosófico, mas também as artes, as ciências, a teoria política e a doutrina jurídica, refletindo um determinado contexto europeu político e social do século XVIII. Para o Iluminismo a razão é fonte do progresso material, intelectual e moral. Também tem como pressupostos básicos: a racionalidade humana, a igualdade e a crença nos direitos naturais. O Iluminismo volta-se contra toda a autoridade que não esteja submetida à razão e à experiência, que não possa justificar-se racionalmente, que recorra ao medo, à superstição, à força e à submissão (Marcondes, 2008). Caracteriza-se pela liberdade, exemplificada pela defesa da livre iniciativa no comércio, segundo o pensamento liberal e opondo-se ao absolutismo; pelo individualismo, que se baseia na existência do indivíduo livre e autônomo,

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7.2 Síntese


40 consciente e capaz de se autodeterminar; e pela igualdade jurídica, que visa garantir a liberdade do indivíduo contra os privilégios (Marcondes, 2008). A Revolução Francesa (1789) é considerada uma tentativa de concretização dos ideais do Iluminismo, cristalizada na Declaração dos Direitos do Homem em seu artigo primeiro: “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos”. Montesquieu nasceu na França e era de família nobre. Ele foi jurista, filósofo e escritor da política. A obra mais importante de Montesquieu é O Espírito das Leis, na qual discute a respeito das instituições e das leis, buscando compreender a diversidade das legislações existentes em diferentes épocas e lugares. Montesquieu distingue três espécies de governo: republicano, monárquico e despótico. Ao procurar descobrir as relações que as leis têm com a natureza e o princípio de cada governo, desenvolve a sua teoria do governo que alimenta as ideias fecundas do constitucionalismo, pelo qual se busca distribuir a autoridade por meios legais, de modo a evitar o arbítrio e a violência. Concebeu a teoria da separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, pois acreditava que só o poder poderia frear o poder (Wollmmann, 2011). O poder executivo seria exercido por um rei que teria direito de veto sobre a decisão do parlamento. O poder legislativo, convocado pelo executivo, deveria ser dividido em duas casas, o corpo dos comuns, composto pelos representantes do povo, e o corpo dos nobres, formado de maneira hereditária, e com a faculdade de vetar as decisões do corpo dos comuns. A chave da sua teoria está no sistema de freios e contrapesos. Ao analisar o abuso de poder por parte da monarquia, Montesquieu conclui que só o poder freia o poder, e daí a necessidade de cada poder se manter autônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes.

Exercício 17.

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(FCC – Promotor de Justiça/CE − 2008) Considere o seguinte excerto doutrinário transcrito, expressivo do constitucionalismo da primeira metade do século XVIII: “Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo legislativo, sendo composto de duas partes, uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo poder executivo, que o será, por sua vez, pelo poder legislativo. Estes três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar, serão forçados a caminhar de acordo.”


41

(MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis, tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: UnB, 1995, p. 122). Sobre este texto, é correto afirmar que: a) A declaração de inconstitucionalidade é a faculdade de impedir própria ao poder de julgar. b) O corpo legislativo é composto de duas partes a bem das relações federativas. c) A faculdade de impedir do rei (veto) pode ser superada pelas duas partes do corpo legislativo (rejeição do veto). d) “Estes três poderes” são o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes (“poder executivo”) e o poder executivo das coisas que dependem do direito civil (“poder de julgar”). e) Na hipótese de não haver acordo entre “estes três poderes” acerca de um dado problema, eles se paralisam reciprocamente e o problema fica sem solução.

8. A Doutrina do Direito de Kant 8.1 Apresentação Esta unidade abordará a doutrina do direito de Immanuel Kant.

Em Kant, o direito possui um papel que se aproxima da moralidade, mas se distingue dela porque, enquanto o direito se impõe como uma ação exterior, concretizando-se no seu cumprimento, a moral busca a prática da lei baseada na vontade interna do sujeito. Apenas as normas universais podem ser consideradas como justas. O direito justo não é aquele que visa ao bem comum, não é aquele que se orienta para corrigir as desigualdades sociais e tampouco para amparar os mais frágeis na sua relação com os mais fortes. Apenas a forma da relação entre livres e iguais é o que importa. O direito se faz como uma ação externa que não se pergunta a respeito de seus fundamentos íntimos no sujeito, e, daí, a coercibilidade pode levar ao ato de dever como uma expectativa de se furtar à sanção em caso de descumprimento da lei.

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8.2 Síntese


42 A coercibilidade do direito sempre resta como elemento problemático na estrutura do pensamento kantiano, tendo em vista que os indivíduos, todos racionais, se agissem moralmente e de boa vontade, poderiam se conduzir se não fossem obrigados em uma sociedade que exerce a coerção. Kant apresenta a coerção estatal para a manutenção da ordem. Para ele o fundamento do direito reside primeiro no direito privado e só depois no direito público. Isso deriva da ideia de que a propriedade privada e o contrato são elementos inscritos já no estado de natureza. Para Kant, a associação que se faz historicamente entre os homens pressupõe como elemento de convivência e garantia de cada um, que havendo possuidores da terra, que esses sejam respeitados pelo que de fato é seu. É uma posição muito conservadora. A garantia da propriedade privada é um direito inabalável da razão. Para ele, o direito público é uma decorrência necessária dos interesses privados. Por isso, estrutura o direito público em três partes: o direito do Estado, os direitos das gentes e o direito cosmopolita. O projeto de Kant era fundar uma sociedade calcada no direito público. Em sua obra A Paz Perpétua, Kant dirá que o estado dos homens é um estado de guerra, que sempre haverá uma ameaça constante, e por isso, deve-se instaurar um estado de paz. No que diz respeito ao direito das gentes, Kant diz que as nações se encontram recentemente em estado de guerra. A proposta kantiana é uma federação de estados, dependendo de uma afirmação interna de cada Estado. A internacionalização das relações entre as nações traria a paz perpétua, o que foi o embrião teórico para a Organização das Nações Unidas. Trata-se de um direito do cidadão em uma sociedade internacional. Pode-se dizer que o direito cosmopolita é um avanço proposto por Kant, em relação ao já tradicional direito das gentes. A grande crítica que se fez ao modelo kantiano de direito é que a mera relação presumida, livre e igual, corresponderia ao apogeu da legitimação da relação da exploração capitalista, pois não levaria em conta considerações maiores a respeito da sua injustiça estrutural.

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Exercício 18.

(UEL − 2006) Sobre a concepção de justiça em Kant, é correto afirmar: a) É definida pelo direito positivo e nele encontra sua fonte, prescindindo de qualquer outro parâmetro de legitimidade.


43 b) Resulta da definição estatutária do direito, sob a forma da lei estabelecida nos códigos jurídicos e é confirmada pelas ações dos Estados. c) Coincide com a vontade do legislador, a partir da qual são definidos os parâmetros racionais de gestão dos Estados. d) Ampara-se em parâmetros racionais a priori que embasam o direito natural e que devem se converter em leis públicas de coerção. e) Configura-se com base em valores comuns partilhados tradicionalmente em cada ordenamento jurídico-político.

9. A Filosofia do Direito em Hegel 9.1 Apresentação Esta unidade abordará a filosofia do direito em Hegel.

No prefácio à sua Filosofia do Direito, para Hegel, “o que quer que aconteça, cada indivíduo é filho de sua época, portanto, a filosofia é a sua época, tal como apreendida pelo pensamento”. “É tão absurdo imaginar que a filosofia pode transcender sua realidade contemporânea, quanto imaginar que um indivíduo pode superar o seu tempo.” Para Hegel o sistema do direito é o império da liberdade realizada. Hegel enxerga em Platão e Aristóteles uma ética orgânica, social, que não fragmenta a totalidade em indivíduos que se pressuponham indiferentes. Para ele, a modernidade acaba corrigindo a submissão do indivíduo ao todo, dando dignidade a esse indivíduo, atribuindo-lhe direitos subjetivos, mas ao mesmo tempo abrindo-se margem ao problema oposto, o do perecimento dos vínculos entre os próprios indivíduos. Nesse sentido, é preciso suplantar tanto a visão antiga, que diluía o indivíduo no todo, quanto a visão moderna, que derruba o todo em prol da individualidade autônoma. O direito não deve ser visto como circunscrito ao universo da normatividade, a um núcleo normativo-judicial. O fenômeno jurídico deve ser compreendido sob a ótica da moral, da ética, da política e da economia. Hegel se afasta do jus naturalismo e, ao mesmo tempo, rejeita um tratamento do direto como uma ciência positiva, limitada às normas, porque crê

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9.2 Síntese


44 ser imprescindível compreender a razão de ser dessa própria ciência positiva do direito no todo social. O seu direito abstrato diz respeito ao direito natural moderno, que está diretamente ligado ao interesse do indivíduo, e cujo cerne é a propriedade privada e a autonomia da vontade nos contratos. Para Hegel, o trabalho gera desigualdade entre as riquezas. O pensamento jus filosófico de Hegel se dá em torno do Estado, plenificando-se o ser e o dever do direito com o seu surgimento. O Estado funda-se em si mesmo, em sua própria substancialidade, não sendo resultado do acordo de vontades dos indivíduos, rejeitando-se o contrato social. O Estado constitui o espaço de consolidação da cidadania dos indivíduos, que encontram nele sua razão de ser coletiva, por isso a ele se submetem. Hegel rompe com a tradição contratualista estabelecida na modernidade sobre a filosofia política e jurídica, ao consubstanciar o justo e o racional no Estado, e não no indivíduo. Para Hegel, o Estado é o racional em si e para si. Essa unidade substancial é um fim próprio absoluto e imóvel. Nele a liberdade obtém o seu valor supremo e, assim, esse último fim possui um direito soberano sobre os indivíduos. Hegel insiste no Estado como uma instância superior na vida do povo. O direito, a constituição e a soberania são pensados diretamente a partir do Estado, independentemente da vontade contratual dos indivíduos.

Exercício 19.

Julgue a assertiva a seguir: O direito em Hegel demonstra que a constituição e a soberania devem ser pensadas diretamente a partir do Estado, e não a partir de um Estado que ecoe a vontade contratual dos indivíduos.

10. A Filosofia Marxista

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10.1 Apresentação Esta unidade abordará a filosofia de Marx, tratando de alguns conceitos-chave como materialismo dialético e histórico, mais-valia, alienação e ideologia, práxis e luta de classes.


45 O materialismo histórico defende que a evolução do homem, desde as sociedades mais remotas, se dá pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da exploração do homem pelo homem. O materialismo dialético considera que nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido isoladamente dos demais fenômenos que o rodeiam, pois a natureza está em constante movimento e transformação (Wikipédia, 2010). Para Aranha e Martins (1993), A Práxis, de Marx é a ação humana de transformar a realidade. É a união dialética da teoria e da prática. No contexto marxista, as relações fundamentais de toda sociedade humana são as relações de produção, que revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, usam as técnicas e se organizam por meio da divisão do trabalho social. O chamado modo de produção é a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em determinadas relações de produção, num dado momento histórico. No modo de produção capitalista, as forças produtivas representadas, sobretudo pelas máquinas do sistema fabril, determinam as relações de produção caracterizadas pelos donos do capital e pelo operário assalariado. A luta de classes representa duas categorias antagônicas propugnando por seus interesses. No modo de produção capitalista, a relação antitética se faz entre o burguês, que é o detentor do capital, e o proletário, que nada possui e só vive porque vende sua força de trabalho. Chama-se “mais-valia” o valor que o operário cria além do valor de sua força de trabalho e que é apropriado pelo capitalista. A força de trabalho que ele vende ao industrial. O desenvolvimento do capitalismo consiste na exploração do trabalho do operário. Para sobreviver, o trabalhador vende tudo o que possui, que é a sua força de trabalho. O operário se distingue dos escravos e dos servos por receber um salário a partir de um contrato aceito livremente. Na obra de Marx, O Capital, ele explica que a contratação é livre apenas na aparência, e na verdade, o desenvolvimento do capitalismo pressupõe a exploração do trabalho do operário. Ao comprar força de trabalho, o industrial adquire o direito sobre ela a qualquer tempo, e quem a comprou, será possuidor de todo o fruto por ela produzido. A alienação ocorre quando o trabalho, ao invés de realizar o homem, o escraviza; ao invés de humanizá-lo, o desumaniza. Marx concebeu diferentes formas de alienação: através da religião ou do Estado. Com o aceleramento da produção pelo maquinário, o operário realiza apenas uma parte da produção, e adota um ritmo externo de trabalho, ditado pela

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10.2 Síntese


46 máquina, e superior ao seu próprio corpo. O produto do trabalho do operário subtrai-se a sua própria vontade e não reconhece mais o que está produzindo. A esse processo, Marx chama de fetichismo da mercadoria. A coisificação do homem é o contraponto do fetichismo da mercadoria. A ideologia impede que o proletário tenha consciência da própria submissão, porque camufla a luta de classes quando faz a representação ilusória da sociedade, mostrando-a como una e harmônica. Mais ainda, a ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é expressão dos interesses da classe dominante. Para Marx, o Estado não supera as contradições da sociedade civil, mas é o reflexo delas, e está aí para perpetuá-las, ao defender o interesse da burguesia. O Estado é um mal que deve ser extirpado.

Exercício 20.

(Esaf – Analista de Planejamento e Orçamento/MG – 2010) Julgue a assertiva a seguir: Para Marx, é no Estado político que são declarados os direitos do homem, como liberdade, a propriedade, a igualdade e a segurança. No entanto, essa liberdade concedida como direito do homem não se objetiva nas relações sociais. Desse modo, a igualdade política não tem correspondência na igualdade social.

11. O Pensamento Jurídico de Marx 11.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento jurídico de Karl Marx.

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11.2 Síntese Marx não dedicou um trabalho específico sobre a análise do Estado, mas suas ideias a esse respeito estão espalhadas por suas obras. Talvez isso se dê ao fato de Marx ter uma concepção negativa do Estado. Para o filósofo o Estado não supera as contradições da sociedade civil, mas é o reflexo delas, e existe para perpetuá-las, estando a serviço da classe dominante.


Ainda, diz que o Estado é um mal que deve ser extirpado. Ao lutar contra o poder da burguesia, o proletariado deve destruir o poder estatal, por meio de uma revolução. Marx não considera viável a passagem brusca da sociedade dominada pelo Estado burguês, para uma sociedade sem estado, havendo a necessidade de um período de transição. A classe operária, organizando-se em um partido revolucionário, deve destruir o Estado burguês e criar um Estado capaz de suprimir a propriedade privada dos meios de produção. A esse novo Estado, dá-se o nome de ditadura do proletariado, uma vez que, segundo Marx, o fortalecimento contínuo da classe operária é indispensável enquanto a burguesia não tiver sido liquidada como classe no mundo inteiro. A primeira fase da vigência da ditadura do proletariado corresponderia ao socialismo, que supõe a existência do aparelho estatal, da burocracia, do aparelho repressivo e do aparelho jurídico. A segunda fase, chamada comunismo, teria o seguinte princípio: “de cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidades.” O direito se constitui pela necessidade histórica das relações produtivas capitalistas estabelecerem determinadas instâncias que possibilitem a própria reprodução do sistema. Marx já expõe a associação indissolúvel entre o direito e a estrutura material do capitalismo. A lógica do direito não está ligada às necessidades de bem comum, nem a verdades jurídicas transcendentes, mas à “práxis”, à vida material concreta e ao nível da própria exploração econômica. Marx trata dos direitos humanos, explicitando que a lógica do direito moderno é a própria lógica da dinâmica capitalista, na medida em que torna todos os indivíduos sujeitos de direito a benefício da circulação do trabalho no mercado. Ele liberta a compreensão dos direitos humanos da tradição moderna, que entendia que esses direitos eram expressão de um justo natural, ou então, direitos da natureza intrínseca do homem. Em O Capital, o autor chega à base específica da compreensão da relação entre direito e capitalismo ao dizer que apenas as relações de produção capitalistas necessitam de um aparato jurídico que lhes sirva de suporte. Segundo o seu pensamento, a sociedade burguesa reduziu o direito à lei, de tal sorte que esse mecanismo seja a imediata reprodução da circulação mercantil. De modo geral, a sociedade capitalista aponta para a justiça como sendo a confirmação de suas regras. A justiça é considerada o correto modo de funcionamento de um determinado sistema de exploração.

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47


48

Exercício

Filosofia Jurídica

21.

Julgue a assertiva a seguir: O problema da justiça em Marx aponta para a limitação estrutural do próprio conceito: a justiça é considerada o correto modo de funcionamento de um determinado sistema de exploração.


Capítulo 5

Filosofia Jurídica na Idade Contemporânea

1. A Filosofia do Direito no Século XX 1.1 Apresentação Esta unidade abordará as novas concepções da filosofia jurídica na Idade Contemporânea.

1.2 Síntese Na contemporaneidade, as tentativas modernas de fundamentação do conhecimento na subjetividade parecem insatisfatórias e problemáticas, pois seus argumentos remontam a um processo de conhecimento que parte apenas da consciência individual, tanto na vertente racionalista como na empirista. O quadro do pensamento jus filosófico contemporâneo se fragmenta em dois campos de visão do mundo: um mais conservador, que legitima o direi-


Filosofia Jurídica

50 to positivo estatal como única vertente de compreensão filosófica possível ao direito, e o outro mais crítico, que desnuda os limites do jus positivismo, que pode ser considerado uma corrente de pensamento reducionista das visões filosóficas contemporâneas. A filosofia do direito contemporâneo pode ainda ser compreendida sob três perspectivas: a da legitimação e de aceitação do direito e das instituições políticas e jurídicas, a realista do fenômeno jurídico, e a crítica, que tem no marxismo o seu mais importante expoente. A corrente jus positivista se confina ao normativo estatal, ou seja, é a mais reducionista das visões jus filosóficas contemporâneas. Toma o direito como uma esfera autônoma, imediatamente dada e limitada pelas normas estatais. A corrente não jus positivista vislumbra, além das normas jurídicas, relações de poder concretas, históricas e sociais, que influenciam diretamente nas decisões da vontade estatal e na configuração do poder, escapando de um reducionismo formalista. Logo, transfere a autonomia do campo normativo para o campo político. O marxismo amplia o espectro de análise do direito do campo da norma jurídica para o do poder, como também se põe a entender os nexos mais profundos das próprias relações de poder. Há três correntes dos pensamentos jus positivistas: ecléticos, estritos e dos ditos éticos. Os jus positivistas ecléticos surgiram no contexto em que era preciso buscar várias raízes e elementos externos para fundamentar o direito positivo. O maior exemplo de ecletismo jurídico se deu com a Escola Histórica do Direito. Para os juristas que dela fizeram parte, o direito é a expressão do “espírito do povo”. O direito se legitima por originar-se de uma petição popular. O movimento da Escola Histórica do Direito é a tentativa de acomodação entre os imperativos revolucionários da burguesia europeia e os reclames reacionários da nobreza e das classes privilegiadas de outros regimes. Um dos primeiros pensadores da Escola Histórica do Direito foi Karl Von Savigny, com sua obra “Sistema do Direito Romano Atual, propondo que o direito não fosse compreendido meramente a partir da norma jurídica, mas sim que esta se impusesse por representar, acima de tudo, o espírito do povo, inaugura uma nova concepção filosófica do direito”. Para Savigny, não é a lei que cria os conceitos jurídicos, pois eles têm origem nos institutos concretos e sociais que manifestam o espírito do povo. O direito é haurido no Estado, mas este não é sua fonte inicial, pois a fonte do direito é o povo. Um dos pensamentos mais assentados no ecletismo jurídico é o do professor Miguel Reale, para quem o direito se divide em norma, fato e valor. Essa é sua famosa teoria tridimensional do direito.


51 O jus positivismo estrito teve como obra a Teoria Pura do Direito, de Kelsen. O jus positivismo estrito encerra cientificamente o direito nos seus limites normativistas, sem juízo de valor. Podem considerar-se três caminhos adotados pela filosofia do direito atualmente: do reducionismo ao normativismo, do reducionismo ao político-estatal ou ao poder, e a totalidade. Kant e Hegel são marcantes no campo do jus positivismo. Já no campo do não jus positivismo e do não marxismo, destaca-se Heidegger e Michel Foucault. No do campo da visão crítica do direito, Marx se destacará como o maior teórico e filósofo.

Exercício 22.

Julgue a assertiva a seguir: Para Hegel, o positivismo considera como regra o que é validado pelo Estado, mesmo que fora da realidade, desconsiderando circunstâncias interiores do fato. Isso torna o direito algo irracional e acaba por lesar o seu próprio conceito, reduzindo-o a um mero princípio da autoridade.

2. Kelsen e a Teoria Pura do Direito 2.1 Apresentação Esta unidade abordará a filosofia do direito em Hans Kelsen.

Hans Kelsen é considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito. Ele lançou as bases de uma ciência do direito, excluindo do conceito de seu objeto quaisquer referências de cunho sociológico e axiológico, as quais considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da Ciência, tais como Sociologia e Filosofia. Para Kelsen a ciência do direito só pode ser pensada a partir de uma construção escalonada do ordenamento jurídico, que estabelece patamares, tendo por base a hierarquia das normas.

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2.2 Síntese


52 A distinção entre ser e dever ser é muito importante para o filósofo, uma vez que o direito não entendido como uma compreensão do ser, da realidade existente, mas enquanto ciência, limita-se às conexões do dever ser. Kelsen abstraiu do conceito do Direito a ideia de justiça, haja vista que ela está sempre e invariavelmente imbricada com os valores adotados por aquele que a invoca, não cabendo, portanto, pela imprecisão e fluidez de significado, um conceito de Direito universalmente válido. O ordenamento jurídico é visto como um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante é a denominada “hipotética fundamental”, da qual as demais retiram seu fundamento de validade. A validade da norma está ligada a esta hierarquia. A norma constitucional é a fundamental, da qual se inicia todo o escalonamento hierárquico do ordenamento jurídico. As normas jurídicas estão constituídas pelo primado do dever ser. A norma fundamental é a norma de direito internacional que aduz que os pactos devem ser cumpridos. De acordo com Kelsen, a validade das normas de direito positivo não depende da relação em que se encontram com a norma da justiça. Para ele, o homem deve acreditar na justiça tal como acredita na existência da instância de que elas procedem. O ideal dessa justiça é absoluta de conformidade com o seu próprio sentido. Seu principal objetivo foi criar e desenvolver uma ciência jurídica separada e autônoma de outras áreas do conhecimento humano, pela definição de seu objeto de estudo: a norma jurídica.

Exercício

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23.

(FCC – Defensor Público/SP − 2010) Em sua Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen concebe o Direito como uma “técnica social específica”. Segundo o filósofo, na obra O que é Justiça?, “esta técnica é caracterizada pelo fato de que a ordem social designada como ‘Direito’ tenta ocasionar certa conduta dos homens, considerada pelo legislador como desejável, provendo atos coercitivos como sanções no caso da conduta oposta”. Tal concepção corresponde à definição kelseniana do Direito como: a) Uma ordem estatal facultativa. b) Uma ordem axiológica que vincula a interioridade. c) Um veículo de transformação social. d) Uma ordem coercitiva. e) Uma positivação da justiça natural.


53

3. A Teoria da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale 3.1 Apresentação Esta unidade abordará a teoria da tridimensionalidade do direito de Miguel Reale.

Miguel Reale transcende os limites jus positivistas ao propor que o direito não deve ser analisado exclusivamente sob o padrão normativista. A realidade social é constituinte fundamental do direito, mas ele também não pode se esgotar no fenômeno bruto do poder ou da realidade social, pois, além dos fatos e das normas, estão os valores. A visão tridimensional de Miguel Reale se assenta na percepção de que o fenômeno jurídico se constitui como tal justamente pela interação real de fato, norma e valor, numa dinâmica processual de mútua implicação. Os valores se desenvolvem de relações históricas concretas, mas não se esgotam numa identidade de origem e fins com a própria realidade social, pois são inexauríveis. Os fatos compõem o direito como realidade compreendida, e devem ser valorados, além de compreendidos. As normas jurídicas não resultam da mera vontade do legislador. Há um processo de formação da norma que se faz a partir da junção de um complexo de valores com um complexo fático. Dessa relação dos fatos com os valores surgem várias possibilidades de proposições normativas. Para Reale, nenhuma expressão de beleza é toda a beleza. Assim, no mundo jurídico, nenhuma sentença é a própria justiça, mas sim o momento de justiça. Se o valor e o fato se mantêm distintos, mas se exigem reciprocamente, há entre eles um nexo de polaridade e de implicação. Logo, nasce dos dois elementos um processo dialético de complementaridade. O autor chama a atenção para a importância da conduta na obra tridimensional do direito, e que o ato humano já se acha objetivado pela obra do espírito. Sob o ponto de vista de Reale, o fenômeno jurídico se apresenta como sendo necessariamente cultural, e a integração de fato, valor e norma é a expressão maior desse culturalismo que se distancia do tecnicismo estrito do normativismo, mas não reduz o direito a uma sociologia nem a uma filosofia moral.

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3.2 Síntese


54

Exercício 24.

Julgue a assertiva a seguir: Para Miguel Reale, direito é a integração normativa de fatos, e valores, ante a triplicidade dos aspectos do jurídico, não havendo como separar o fato da conduta, nem o valor ou finalidade a que a conduta está relacionada, nem a norma que incide sobre ela.

4. O Pensamento Jurídico de Habermas 4.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento jurídico de Jürgen Habermas.

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4.2 Síntese Habermas acreditava na interação comunicacional entre os indivíduos a partir de certas relações culturais estruturadas entre os homens, em relação ao grupo social e mesmo em relação à produção e à natureza. O direito se apresenta como elemento fundamental, pois é o lócus privilegiado do agir comunicativo superior, garantidor da democracia, da liberdade e da interação igualitária entre os sujeitos e os grupos sociais. No quadro do pensamento jurídico, ele não se põe numa linha de crítica transformadora e revolucionária ao direito, mas estabelece uma linha de análise pautada na teoria comunicacional, na qual o direito positivo se despe tanto de suas pretensões de expressão de alguma verdade natural ou divina, como de sua indefinição liberal, meramente formalista e despreocupada com alguma interação ética. O direito para Habermas se traduz na construção e utilização da ética em um espaço de interação comunicacional que demanda um agir democrático e uma amarração institucional de garantias. Não é a norma que se revela ética, mas o procedimento geral de interação da sociedade com o direito que permite uma eticização da via social contemporânea. O direito está em relação direta com o plano ético-moral, mas não porque ele em si mesmo seja ético, mas sim porque há uma complementaridade entre os dois campos. Habermas desvenda as instituições jurídicas e políticas, dialogando com sua formação histórica, buscando captar elementos que afirmem a democracia jurídica ou possibilitem sua consecução e melhoria.


55 O direito, portanto, deve ser compreendido a partir dos níveis de interação comunicativa entre os sujeitos sociais, articulando-se entre o princípio democrático e o princípio moral.

Exercício 25.

O direito para Habermas se traduz na construção e utilização da ética em um espaço de interação comunicacional que demanda um agir democrático e uma amarração institucional de garantias. Essa concepção de direito foi formulada por: a) Norberto Bobbio. b) Miguel Reale. c) Jürgen Habermas. d) Martin Heidegger. e) Carlos Cossio.

5. O Pensamento Jurídico de Heidegger 5.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento jurídico de Heidegger.

Heidegger acreditava que o direito se constrói a partir da compreensão das situações existenciais concretas. A existência, como manifestação social e natural, não se reduz à técnica da norma estatal, nem ao método filosófico analítico. O direito se manifesta e deve ser compreendido a partir da hermenêutica situacional. O ser jurídico releva-se como uma região ontológica do todo existencial. Enquanto a filosofia do direito jus positivista reduz o direito à técnica normativa, facilmente encontrável e identificável, o pensamento existencial no direito procede ao contrário, lidando com as profundezas do existencial. Pode-se dizer que o primeiro fio condutor do pensamento jurídico não positivista, são as próprias filosofias existencialistas que, embora com visões distintas entre si, tem em Heidegger sua origem e melhor expressão. O existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana.

Filosofia Jurídica

5.2 Síntese


56 Para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia a dia. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. Nesse sentido, a liberdade exerce papel fundamental na vida. Ao escolher a si próprio pela sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. Heidegger rompe com a tradição do pensamento ocidental, afastando-se das filosofias metafísicas idealistas ao propor uma busca ontológica como base da filosofia, ou seja, a sua preocupação é com a filosofia do ser. Ele acredita que a busca do homem é pela exploração máxima e total das possibilidades da natureza. A técnica possibilita amplos e indispensáveis horizontes de exploração. Heidegger critica a técnica e a relaciona ao direito como sendo um dos cernes de todo o mundo burguês, individualista, universalista e homogêneo. O fenômeno jurídico é um modo de ser. Por isso, o modo de ser jurídico não pode se reduzir inteiramente a simples objeto, pois o jurídico emerge na própria existência humana, manifestando-se na situação em que cada um de nós sempre se encontra. Afastando-se do mero tecnicismo e do normativismo estatal, o problema do direito passa a ser uma compreensão do sentido dos fatos, dos atos, das questões que se abrem ao juízo jurídico.

Exercício 26.

Julgue a assertiva a seguir: Para Heidegger, o fenômeno jurídico emerge da própria existência humana, manifestando-se na situação em que cada um de nós sempre se encontra.

6. O Decisionismo Jurídico de Schmitt 6.1 Apresentação

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Esta unidade abordará o pensamento jurídico e político de Carl Schmitt.

6.2 Síntese Carl Schmitt é considerado um pensador do direito fundamental da corrente não positivista. Foi um jurista, filósofo, político e professor universitário


alemão. É considerado um dos mais significativos especialistas em direito constitucional e internacional da Alemanha no século XX. Sua carreira foi manchada pela proximidade com o regime nacional socialista. Em 1920, Schmitt publicou um ensaio intitulado A Ditadura, no qual tratou da fundação da recém estabelecida república de Weimar. Para Schmitt, um ditador forte poderia encarnar a vontade popular mais efetivamente que um corpo legislativo, pois os parlamentares se envolvem em discussões intermináveis sobre interesses antagônicos. Nesse sentido, segundo o pensador, todo governo capaz de uma ação decisiva deve incluir um elemento ditatorial na sua constituição. Assim, ele defende o livre exercício do poder Executivo, sem qualquer restrição legal para tomar determinadas decisões em caráter de excepcionalidade. O uso do termo excepcional deve ser delineado: Schmitt definiu soberania como poder de decidir a instauração do Estado de Exceção. Por Estado de Exceção, o filósofo incluiu todos os tipos de violência que estão abaixo do direito, dando abertura para transformar o sistema judicial em uma máquina de matar. Segundo Carl Schmitt, as questões de ordem e segurança devem ser frutos de uma decisão soberana e evidenciadas mais claramente em situações de exceção. Teve como um dos seus principais rivais Hans Kelsen, com quem travou o debate sobre quem deveria ser o guardião da constituição. Para Schmitt, em obra publicada originalmente em 1929 sob o título de O Guardião da Constituição, a guarda da constituição era uma função de natureza política, e não jurídica, e, portanto, somente o presidente do Reich poderia desempenhar essa função, que passaria a ser exercida por Adolf Hitler. Schmitt postula o fenômeno jurídico de modo intimamente ligado às manifestações de poder. Operou uma mudança de compreensão fenomênica do direito, ultrapassando uma barreira formal, meramente normativa, e chegando a um núcleo decisional que concentra o poder enquanto ato originário de seguir a regra ou de rompê-la, criando a exceção. O direito não deve ser compreendido como uma processualidade formal e automática, como uma pirâmide do ordenamento de normas ou uma decorrência lógica de competências preestabelecidas, mas como decisão independente das normas, como ato que instaura uma condição que não haveria de outro modo. O cumpridor da regra não revela a verdade do direito, apenas demonstra seu caráter burocrático. O poder nu, soberano, é aquele que passa por cima das normas e instaura a decisão original. Daí o soberano ser aquele que decide sobre a exceção.

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58 Pensar a exceção é pensar um quadro no qual não há uma ordem mecanicamente estabelecida. A decisão não é o último momento de uma cadeia normativa, como pensa o jus positivismo, mas é o primeiro, que dá base à ordem. A decisão fora da norma é que dá sentido à própria norma, pois todo o direito é situacional. Para se entender e situar a verdade do direito, é preciso ir além da norma jurídica e da sua processualidade automática de criação e aplicação aos casos concretos. Schmitt recusa a identidade do poder com a norma, pois o poder político soberano está acima dela, decidindo sobre a exceção. Nesse sentido, o soberano é aquele que decide sobre o direito, e não aquele a quem o direito investiu de competências formais. Ao se pensar na relação entre o direito e o Estado, a soberania não é um atributo que se concretiza na Constituição para, posteriormente, determinar as competências dos agentes públicos, mas é o poder que institui a exceção. Na Alemanha, suas ideias serviram como sustentáculo teórico para o regime nazista.

Exercício 27.

(Cespe – Delegado de Polícia/RN − 2009) Julgue a assertiva que se segue: Segundo o sentido político da constituição, na concepção de Carl Schmitt, o texto constitucional equivale à soma dos fatores reais de poder, não passando de uma folha de papel.

7. Carlos Cossio: O Egologismo Existencial 7.1 Apresentação Esta unidade abordará a teoria egológica de Carlos Cossio.

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7.2 Síntese Carlos Cossio iniciou os estudos na filosofia de Hans Kelsen, com quem escreveu o livro Problemas Escolhidos da Teoria Pura do Direito, em 1952. Contrapondo-se a Kelsen, Cossio acredita que o direito está identificado com a conduta humana, sendo a norma jurídica apenas a representação de um “dever ser”, e ficou conhecida como a teoria egológica do direito.


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Exercício 28.

Julgue a assertiva a seguir: Para Carlos Cossio, filósofo do direito argentino, a norma é um instrumento de expressão do direito, não o cria nem o extingue. A nor-

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A teoria egológica tem como premissa o direito enquanto fenômeno incorporado na vida do ego e no embate entre os diversos sujeitos sociais. O direito deve ser estudado mediante o método empírico-dialético. Segundo a teoria egológica, a norma não é objeto em si, mas sim a significação e conceito expresso em seu texto. Para a teoria egológica, tanto a moral quanto o direito são espécies de mesma hierarquia e se originam no campo ético da conduta. Assim, moral e direito são independentes e um não pode excluir o outro. A egologia só se interessa na conduta humana, se esta conduta interferir nas relações intersubjetivas. Para Cossio, a conduta é a própria vida humana, e, por isso, o direito é a vida humana. Cossio esclarece que a conduta a ser objeto de atenção do jurista deve ser uma “conduta compartilhada”, ou seja, aquela relacionada aos demais e que, obviamente, geram alguma consequência no âmbito jurídico. O direito é um objeto cultural composto de uma única unidade formada de substrato e sentido. O substrato é a própria conduta humana e o sentido se constitui quando estiver referido a um valor e fundamentado nesse valor. Para Cossio o direito é uma conduta e, portanto, jamais poderá reproduzir um código moral. A conduta humana e a interação do ego em sociedade são mais importantes que a norma, e uma das projeções do ego é o dever ser. A egologia defende que os problemas devem ser resolvidos por meio da intuição, do pensamento inerente ao ser humano. Por isso, não é necessário se recorrer a princípios ou leis. Os seres humanos carregam em si a noção de direito. A verdade expressa pelo Poder Judiciário é sempre relativa, pois depende e varia de acordo com o modo de pensar e de julgar de cada juiz, que se influencia pelos valores presentes em determinada época. Logo, a sentença judicial apresenta uma variante axiológica inerente. A grande contribuição da teoria egológica ao estudo do Direito é a nova forma de olhar a norma, que deixa de ser o principal elemento da ciência jurídica e se transforma em um meio de conhecimento. Mais importante que a norma é a conduta humana; a interação do ego com a sociedade. O pensamento de Carlos Cossio faz do direito um fenômeno incorporado à vida social cotidiana.


60 ma tem um papel constitutivo dos modos de ser do direito. A criação legislativa pode apenas confirmar ou modificar os modos de vida existentes e não elaborar a vida existente.

8. Hannah Arendt e os Direitos Humanos 8.1 Apresentação Esta unidade abordará as ideias de violência, poder e liberdade que permeiam o pensamento jurídico de Hannah Arendt.

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8.2 Síntese Para Hannah Arendt, compreender é enfrentar sem preconceitos a realidade. Sua obra mais célebre é a Condição Humana, que diferenciava a condição humana da natureza humana. Para ela, a condição humana é a forma de vida que o ser humano impõe para sua subsistência. Somos condicionados pelo seu próprio ato, pensamento, entendimento. Hannah divide a condição humana em três aspectos: • Labor: processo biológico necessário para a sobrevivência. • Trabalho: atividade que transforma coisa natural em artificial. • Ação: necessidade do homem de conviver com os seus semelhantes. Logo, ação, labor e trabalho, estão relacionados com o conceito de vita activa, que quer dizer inquietude, ocupação. Para Hannah, a força de trabalho é o que o homem possui por natureza e só cessa com sua morte, e é chamado pela filósofa de labor. Segundo a autora, meio é o recurso utilizado para obter um fim. Assim, o instrumento é utilizado para produzir um objeto. O que importa ao empregador é o objeto final acabado e os meios de produção são instrumentos para gerar a mais-valia. A obra de Hannah Arendt tem como marca distintiva a luta contra o arbítrio do poder violento, inaugurando uma nova forma de pensar a política. A ausência da violência é requisito essencial para garantir a convivência pacífica entre os homens e a realização de ações conjuntas por meio da utilização da palavra como instrumento conciliador. O verdadeiro poder deixa de existir quando entra em ação um conjunto de aparatos cuja força representa a aniquilação do poder de discussão, de debate, o que caracteriza a convivência social.


61 Mahatma Ghandi se utilizou da teoria sobre o poder de Hannah Arendt de forma prática, ocupando a não violência papel fundamental do seu pensamento político. A liberdade não equivale ao livre-arbítrio, mas está identificada à esfera da ação equivalendo à soberania: os homens se tornam livres ao exercitarem a ação e decidirem, em conjunto, seu futuro comum. A teoria política de Hannah Arendt se refletiu no surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que passa a reconhecer o ser humano como sujeito de direito não pelo vínculo jurídico com determinado Estado, mas pela simples existência. A mera existência deve vincular o ser humano à ordem jurídica internacional. Ao tornar imprescindível a manutenção do espaço da ação, Hannah Arendt constrói uma nova política, não mais entendida como instrumento de opressão e controle, mas uma senda para a liberdade. É no campo de ação que a liberdade se realiza.

Exercício 29.

Em suas obras, Hannah Arendt compreende o poder político como: a) O monopólio do exercício legítimo da força. b) O sucesso no alcance de metas próprias. c) A habilidade para influenciar comportamentos. d) A capacidade humana de agir em concerto.

9. A Justiça como Equidade em John Rawls 9.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento filosófico e jurídico de John Rawls.

De acordo com a teoria de Rawls, seria necessário maximizar a sociedade do bem-estar social, levando-se em consideração aqueles que estão em piores condições, respeitando a liberdade do outro. Assim, quando se trata de justiça, o filósofo se pauta na noção de equidade, que se apresenta como o ponto central das reflexões de John Rawls sobre justiça.

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9.2 Síntese


62 Ele acredita que a única maneira de administrar a justiça é por meio de instituições sociais. Baseando-se na teoria contratualista, Rawls concebe a equidade no momento inicial de formação do contrato e igualdade social, quando se definem as premissas com as quais se constituirão as estruturas institucionais. Os princípios da igualdade, da diferença e da oportunidade justa são os responsáveis pelo equacionamento de todo o sistema de organização das instituições justas, regulando a atividade institucional que vise distribuir direitos e deveres, benefícios e ônus. O equilíbrio entre os dois princípios garante o equilíbrio das instituições. Pensar a justiça é refletir sobre o justo e o injusto das instituições, pois são elas que beneficiam ou prejudicam a comunidade. A justiça figura como a virtude primeira de todas as instituições sociais e se define na capacidade que essas instituições possuem de realizá-la. Para Rawls, a sociedade deve ser de cooperação mútua, para que cada indivíduo possa alcançar seus objetivos. A justiça depende da forma como são atribuídos os direitos e deveres fundamentais, bem como das oportunidades econômicas e condições sociais nos diferentes setores da sociedade. Uma sociedade sem estabilidade convive com o desvirtuamento dos seus poderes institucionais. Rawls prioriza o coletivo, o público e o institucional em detrimento do indivíduo e de seu poder de ação voluntária. O modelo de um bom governo e boas instituições, apresentado por Rawls, assenta-se sobre dois princípios: o da garantia de liberdade e o da distribuição igual para todos. Ambos garantem a estabilidade, a legitimidade e a observância das leis. A Constituição institui um governo de legalidade, no qual a ordem se estabelece na base da igualdade e da publicidade. É o dever natural de justiça que propulsiona o cidadão à obediência da Constituição e das leis.

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Exercício 30.

Julgue a assertiva a seguir: As liberdades básicas a que Rawls dá atenção são os direitos civis e políticos reconhecidos nas democracias liberais, como a liberdade de expressão, o direito à justiça e à mobilidade, o direito de votar e de ser candidato a cargos públicos.


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10. Chaïm Perelman e a Argumentação Jurídica 10. Apresentação Esta unidade abordará o estudo da argumentação e da retórica jurídica propostos por Chaïm Perelman.

Chaïm Perelman notabilizou-se pela sua preocupação com o raciocínio jurídico, buscando entender suas peculiaridades e características, construindo uma sólida reflexão a respeito do julgamento e do ato jurídico de decisão. Perelman se contrapõe veementemente ao positivismo, defendendo que o raciocínio jurídico não obedece a uma mecânica do raciocínio exato e que o direito não se resume à lei. Define as bases de uma lógica jurídica específica que não se reduz a conclusões extraídas do texto da lei, que é vago, abrindo espaço para a interpretação. Para Perelman justiça é sinônimo de igualdade. Porém, deixou claro que não se pode atingir uma definição completa dessa palavra. Segundo ele, o raciocínio lógico-arbitrário pode nos levar a definição dupla, isto é, uma noção com dois sentidos distintos. Diz, ainda, que a justiça é a principal virtude do homem, e que é a partir dessa virtude que todas as demais se originam. Ele reforça a ideia de que nenhuma concepção da palavra justiça está incorreta e que cabe a cada grupo defender a sua concepção. Perelman não se preocupa em conceituar a justiça, mas em vê-la acontecer nos casos concretos, pois sua própria noção é substituída pela de equidade dos casos reais, tendo-se em vista a liberdade de convencimento do juiz que deve sopesar os valores e administrá-los diante de cada ocorrência factual. O pensamento de Perelman prioriza a argumentação jurídica na prática do jurista, relegando a um segundo plano as estruturas formais do pensamento jurídico. A lógica da argumentação vislumbra na atividade do juiz um complexo empreendimento de elaboração, condensação, valoração, ponderação, divisão de elementos de várias naturezas, em que não somente a norma jurídica é um ponto de referência, pois divide espaço com impressões psicológicas e históricas.

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10.2 Síntese


64 Toda atividade argumentativa é uma atividade racional. A verdadeira oposição dá-se entre a demonstração e a argumentação. A nova retórica proposta por Perelman abala os tradicionais conceitos esculpidos ao longo dos anos pelo positivismo, propondo um estudo técnico dos processos e dos instrumentos de produção do convencimento e da persuasão.

Exercício 31.

Julgue a assertiva a seguir: De acordo com Perelman, o Direito deveria seguir um mecanicismo perfeito do raciocínio exato, resumindo-se à lei e não ser uma atividade criadora, operando no plano prático.

11. O Realismo Jurídico de Alf Ross 11.1 Apresentação Esta unidade abordará o realismo na filosofia jurídica de Alf Ross.

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11.2 Síntese Ross evoluiu na busca científica por um modelo de direito que fosse capaz de colocar a norma imposta em sintonia com a consciência jurídica social. O ponto central de sua teoria jurídica foi tentar liberar o pensamento dos juristas das ideias místicas e de pressupostos não verificáveis cientificamente. Apesar de não se autodeterminar como positivista, essa corrente também aceita a teoria da separação, entre o campo do direito e o campo da moral, rejeitando uma fundamentação metafísica do direito, ao vê-lo como fruto do comportamento humano. Para Ross, a pirâmide kelseniana hierárquica não existe. O direito não pode ser considerado como uma norma abstrata preestabelecida, produzida pelo legislador, antes de sua aplicação, mas sim como a própria aplicação, de modo que a sua validade esteja na vontade do julgador, e não em uma norma superior hierárquica. O realismo jurídico norte-americano rejeita a distinção clássica do positivismo entre o “ser” e o “dever ser”, mas mantém que o direito é fruto de uma vontade política, a do juiz. Direito válido é o conjunto abstrato de ideias normativas que servem como um esquema de interpretação para os fenômenos do direito em ação.


65 O ordenamento jurídico não é uma multiplicidade de normas conjugadas lógica e racionalmente, mas um todo coerente sujeito a um contínuo processo de evolução. Um sistema jurídico é considerado legítimo apenas em função de um elemento de reconhecimento consciencial e ideológico. Ross aceita três teses positivistas: a que distingue o direito como é e como deveria ser; a que o coloca como objeto da ciência jurídica em termos puramente empíricos, baseado na observação e na interpretação dos fatos sociais concretos, e a que nega a existência do direito natural. Para ele, o destinatário das ideias normativas não é o indivíduo comum, mas os juízes ou as autoridades públicas, pois são eles que exercem o direito na prática. Segundo Ross, o conceito de validade repousa em uma hipótese referente à vida espiritual do juiz e não se pode determinar o que não é direito válido por meios condutivistas, ou seja, mediante observação externa da regularidade nas reações dos juízes. Para Ross, a eficácia consiste em mero ato de aplicação da norma pelo juiz. A justiça, como princípio do direito, delimita e harmoniza os desejos, pretensões e interesses conflitantes na vida social de uma comunidade. Ross aponta diversas formulações de justiça, para grupos ou contextos diversos, levando em conta, além de uma ideia de igualdade, um padrão de avaliação: a cada um segundo seu mérito, sua contribuição, suas necessidades, sua capacidade e sua posição e condição.

Exercício 32.

Julgue a assertiva a seguir: Segundo Alf Ross, a consciência jurídica é tão presente como critério de legitimação que as pessoas seguem as normas mesmo se estas estiverem em conflito com seu pensamento jurídico específico a respeito da justiça.

12. O Teleologismo de Rudolf von Jhering

Esta unidade abordará a orientação teleológica do pensamento jurídico de Rudolf von Jhering.

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12.1 Apresentação


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12.2 Síntese Para Jhering o direito é uma consecução de fins, demonstrando uma visão finalista do direito, daí chamar-se a teoria de teleológica. Quando o direito se depara com uma inversão da ordem social, que põe em perigo a vida coletiva, ele apela para o instinto de conservação individual e social, como mais poderoso argumento contra o abuso. Para ele, o direito é algo que se forja no perene trabalho do próprio direito, sendo por essa razão o conjunto das condições de vida da sociedade, assegurado pelo poder estatal por meio de coação externa. E é por essa razão que o direito está intimamente ligado ao Estado. Para Jhering o direito autêntico é aquele vivido pelo jurista e pelo aplicador. O autor arquiteta todo o edifício do direito sobre alicerces fornecidos de uma lei destinada a assegurar as condições primordiais da existência social. Verificada uma condição de vida e desenvolvimento da sociedade, a missão do direito consiste em dar a forma de norma de conduta a essa condição e assegurar a sua realização pela coação do Estado. Ele critica a jurisprudência conceitual e o abstracionismo dos conceitos jurídicos, bem como o emprego do método dedutivo-silogístico na aplicação do direito. Segundo Jhering, a lei não deve ser compreendida sem o conhecimento efetivo das condições sociais do povo e da época em que vigora, porque o seu sentido depende das circunstâncias sociais dentro das quais foi elaborada. Sua concepção do direito é prática, resultante da vida social e da luta contínua que é o meio de realização do direito para chegar ao seu objetivo: a paz. As normas devem ser interpretadas levando-se em conta os seus fins, pois a norma não é um fim em si mesma, mas um meio a serviço de uma finalidade, que é a existência da sociedade. A lei não deve ser compreendida sem o conhecimento efetivo das condições sociais do povo e da época em que vigora, porque o seu sentido depende das circunstâncias sociais dentro das quais foi elaborada. O direito autêntico não é aquele que aparece formulado em conceitos abstratos, mas aquele vivido realmente pelo jurista e pelo aplicador. A finalidade do direito é a proteção dos interesses, procurando conciliar os individuais com os coletivos. O direito é uma criação objetiva e real da história, não sendo, porém, o resultado de um processo natural, mas de um trabalho árduo de conquista, da luta pelo direito, já que este existe para um fim, objetivando garantir as condições de existência da sociedade.


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Exercício 33.

Julgue a assertiva a seguir: Na teoria de Jhering, não há lugar para um direito ideal. O direito positivo nasce da luta dos interesses. Entre direito e verdade, nada há de comum. O que determina a promulgação de uma nova regra de direito é o aparecimento de um novo e momentâneo interesse.

13. A Teoria de Herbert Hart 13.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento de Herbert Hart sobre o direito.

Para Hart, o direito é um conjunto de regras e não um fato social bruto. A característica distintiva do direito consiste na fusão de normas primárias, que impõem deveres ou obrigações, e secundárias, que conferem poderes, regulamentando a produção jurídica. As normas primárias devem apresentar como características: a generalidade, aplicando-se a todos a permanência, sendo habitualmente obedecida por certa classe de pessoas; e ser decorrência de uma autoridade competente. A ideia de validade jurídica está na identificação de uma norma como possuidora de características exigidas para pertencer a um rol de normas a que se atribui autoridade. As normas de mudança constituem o remédio para sanar o caráter estático da estrutura de normas primárias ou de obrigação, permitindo que se introduzam novas normas, tornando as anteriores sem efeito. Entre as normas secundárias, a chamada “norma de reconhecimento” comporta os critérios utilizados para identificação das regras primárias pertencentes a um determinado sistema jurídico. Não se resume na ordem imposta por alguém, mas na convicção dos membros da sociedade de que são corretas e legítimas. O status de direito não advém de um exercício tácito do Poder Legislativo, mas da aceitação de uma norma de reconhecimento pelo tribunal, como adequada para ser usada desta maneira.

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13.2 Síntese


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Exercício 34.

Julgue a assertiva a seguir: Hart, ao tratar da interpretação do direito e das decisões judiciais, considera como difíceis os casos em que se constata que a norma aplicável é de textura aberta ou contém uma ou mais expressões linguísticas vagas, propondo nesses casos a utilização da analogia.

14. O Pensamento Jurídico de Norberto Bobbio 14.1 Apresentação Esta unidade abordará o pensamento jurídico de Norberto Bobbio.

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14.2 Síntese Bobbio entende o fenômeno jurídico por meio de um método científico, capaz de isolar o objeto do direito das questões filosóficas ou ideológicas, adotando a norma jurídica como objeto de investigação. O direito, como uma das partes do sistema social, é considerado em função do todo, detendo uma função positiva primária, já que é instrumento de conservação por excelência, apesar de poder mudar a ordem vigente, adaptando-a às mudanças sociais. O direito tem uma função distributiva, conferindo a membros do grupo social recursos econômicos e não econômicos. Bobbio simplifica o conceito de direito ao dizer que a norma jurídica é aquela cuja execução é garantida por sanção externa e institucionalizada. A existência do direito pressupõe um sistema normativo composto por três tipos básicos de norma: as que permitem determinada conduta, as que proíbem e as que obrigam a determinada conduta. O autor define norma jurídica como aquela cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada, devendo obedecer a uma série de requisitos: validade, vigência, eficácia e vigor. Ao definir o direito através da noção de sanção organizada e institucionalizada, distinta das sanções morais e sociais, ele pressupõe um complexo orgânico de normas que forma o ordenamento jurídico.


69 Ao tratar de direitos do homem, Bobbio os define como uma classe variável de direitos que se modificam com o passar dos anos, constituindo-se em fins que merecem ser perseguidos, pois ainda não foram alcançados por toda a parte e em igual medida reconhecidos.

Exercício Julgue a assertiva a seguir: Nessa teoria, Bobbio rompe com a ideia tradicional de que a norma jurídica era a única perspectiva pela qual o Direito deveria ser estudado, e que o ordenamento jurídico era apenas um conjunto de normas, e não um objeto autônomo de estudo.

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35.


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Referências

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. GUIZZE, C. l. C. O Problema Central do Liberalismo e da Discussão Política. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://www.fau.ufrj.br/prolugar/arq_pdf/diversos/jamaisfomosmodernos. pdf>. Acesso em: 28 jan. 2011. MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. SILVA, H. A. da. Educação e Cidadania: uma proposta dialética. Disponível em: <http://www.ceedo.com.br/agora/agora7/educacaoecidadania.pdf.>. Acesso em: 28 jan. 2011. WIKIPÉDIA. Materialismo Histórico. Disponível em: <http://pt.wikipedia. org/wiki/Materialismo_hist%C3%B3rico>. Acesso em 28 jan. 2011. WOLLMMANN. Liturgia. 2011. Disponível em: <http://nossaversao.pro.br/ liturgia_detalhes.php?numero=70>. Acesso em: 28 jan. 2011.


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1. Correta. 2. Letra B. 3. Letra D. 4. Correta. 5. Letra A. 6. Letra D. 7. Letra A. 8. Letra C. 9. Correta. 10. Correta. 11. Correta. 12. Letra A. 13. Letra A. 14. Errada. 15. Correta. 16. Letra C. 17. Letra E. 18. Letra D.

19. Correta. 20. Correta. 21. Correta. 22. Correta. 23. Letra D. 24. Correta. 25. Letra C. 26. Correta. 27. Errada. 28. Correta. 29. Letra D. 30. Correta. 31. Errada. 32. Correta. 33. Correta. 34. Correta. 35. Correta.

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