Teoria CrĂtica do Direito
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Teoria Crítica do Direito / Obra organizada pelo Instituto IOB - São Paulo: Editora IOB, 2013. ISBN 978-85-8079-027-6
Sumário
Capítulo 1 – Noções Preliminares sobre Teoria Crítica do Direito, 5 1. Necessidade do Pensamento Crítico no Direito, 5 2. Definição do Termo “Crítica”, 6 3. Concepção Tradicional de Teoria, 7 4. Crítica ao Modelo Tradicional de Teoria, 8 5. Surgimento da Teoria Crítica e Início da Escola de Frankfurt, 9 6. Escola de Frankfurt, 10 Capítulo 2 – Introdução à Teoria Crítica do Direito, 12 1. Conexão entre a Teoria Crítica e Teoria Crítica do Direito, 12 2. Surgimento e Conceito, 14 Capítulo 3 – Positivismo, 16 1. O Positivismo Jurídico, 16 2. Crítica ao Positivismo Jurídico, 17 3. Introdução à Ideia de Direito como Instrumento de Dominação, 19 4. Direito como Instrumento de Dominação, 20 Capítulo 4 – Uso do Direito, 22 1. Uso Alternativo do Direito, 22 2. Pluralismo Jurídico, 24
3. Direito Instituído, 26 4. Direito Alternativo X Grupo de Magistrados Gaúchos, 27 Capítulo 5 – Direitos Humanos, 30 1. Direitos Humanos: Introdução, 30 2. Concepção Multicultural, 32 3. Teoria Crítica dos Direitos Humanos: Joaquin Herrera Flores, 34 Capítulo 6 – Judicialização, 37 1. Judicialização da Política no Brasil, 37 Capítulo 7 – Resumo, 40 1. Resumo Geral, 40 Gabarito, 43
Capítulo 1
Noções Preliminares sobre Teoria Crítica do Direito
1. Necessidade do Pensamento Crítico no Direito 1.1 Apresentação Esta unidade abordará as condições atuais que justificam o estudo e a necessidade da Teoria Crítica do Direito. Procurar-se-á apresentar os primeiros conceitos essenciais à disciplina, lembrando que esses conceitos serão aperfeiçoados no decorrer do curso nas unidades próprias.
1.2 Síntese O Direito é um ramo do conhecimento complexo que envolve, simultaneamente, a aplicação das mais diversas ciências. É imperioso reconhecer que o Direito “é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é compreender uma parte de nós mesmos”. (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio.)
6 Na prática atual, contudo, o estudo e aplicação do Direito se mantêm distantes de sua faceta humana e social, reinando um fetichismo formalista dogmático que afasta toda perspectiva que não seja essencialmente normativa. Vige, atualmente, (na égide da modernidade ou pós-modernidade), o modelo cientificista-positivista oriundo da exaltação do sujeito racional. As características desse modelo cientificista-normativista são as seguintes: • A obediência incontestável à lei. • A redução da legitimidade à legalidade. • A crença cega na neutralidade do direito. • A interpretação puramente mecanicista-formal. • Esvaziamento dos valores e da “humanidade”. Sob um posicionamento mais radical, pode-se dizer que o Direito vem sofrendo uma redução (deslocamento) de ciências sociais aplicadas à mera técnica de aplicação de fórmulas normativistas e dogmáticas. Na esteira do pensamento de Antonio Carlos Wolkmer, a importância da discussão sobre o “pensamento jurídico crítico” é plenamente justificada, porquanto, o modelo de cientificidade que sustenta o discurso jurídico-liberal individualista e a cultura normativista técnico-formal está em processo de profundo esgotamento.
Exercício 1.
Segundo o pensamento crítico, o que leva ao esgotamento do atual modelo do Direito?
2. Definição do Termo “Crítica”
Teoria Crítica do Direito
2.1 Apresentação Esta unidade abordará as construções filosóficas que norteiam o termo “crítica” para efeitos da Teoria Crítica, procurando demonstrar suas diferentes conotações, bem como a utilização da formulação marxista que servirá de matriz filosófica do estudo em questão e da Teoria Crítica do Direito.
2.2 Síntese A definição da palavra crítica, segundo o dicionário Aurélio, é juízo crítico, discernimento, critério, apreciação minuciosa, julgamento, apreciação.
7 Na construção filosófica ocidental, encontramos duas definições mais utilizadas do termo. Para Kant, “crítica” significa a “ideia de uma operação analítica do pensamento (...) maneira de trabalhar”. Para Marx, é “o discurso revelador e desmistificador das ideologias ocultadas que projetam os fenômenos de forma distorcida”. “Crítica” na Teoria Crítica é calcada na definição cunhada por Karl Marx: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de distintos modos, cabe transformá-lo.” (MARX; Engels. Teses Contra Feuerbach. p. 53.). Ou seja, é sair da ideia teórica e partir para a prática. “O conhecimento ‘crítico’ seria aquele relacionado com um tipo de ação que resulta na transformação da realidade” (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 4). Assim, pode-se dizer que a teoria crítica para da matriz filosófica original baseada em Marx é materialismo histórico, processo dialético, orientação para a emancipação do indivíduo e da sociedade. A Teoria Crítica, portanto, parte da ideia de que existe uma dissociação entre a teoria e a prática, resultantes do modelo cientificista tradicional aplicado às ciências humanas.
Exercício 2.
Por que a análise crítica de Karl Marx se adéqua aos pressupostos da teoria crítica?
3. Concepção Tradicional de Teoria
Esta unidade abordará como é concebida a ideia científica de teoria tradicional e como o pensamento crítico passa a “atacá-la”. A partir da análise do método científico tradicional aplicado às ciências humanas, verifica-se que primeira crítica passa justamente pelo princípio da isenção do cientista.
3.2 Síntese Teoria é “um conjunto de princípios abstratos a partir dos quais se torna possível formular leis que explicam a conexão necessária dos fenômenos naturais segundo relações de causa e efeito”.
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3.1 Apresentação
8 O modelo científico tradicional poder ser assim esquematizado: O método científico tradicional foi concebido, inicialmente, para as ciências não humanas. Entretanto, quando esse modelo de ciência é transposto para o estudo do homem em sociedade, para as hoje denominadas “ciências humanas”, surge o primeiro problema, já que o objeto se confunde com o cientista. Em outras palavras, como é possível, meramente observar os fenômenos e estabelecer conexões causais objetivas entre eles, quando o objeto em questão (as relações sociais) é um produto da ação humana? Segundo Marcos Nobre, “a teoria tradicional tem de separar rigidamente o que é do domínio do conhecimento e o que pertence ao domínio da ação. (...) não cabe ao cientista qualquer valoração do objeto estudado, mas tão somente a sua classificação e explicação segundo os parâmetros neutros do método. Na concepção tradicional, portanto, a teoria não pode em nenhum caso ter por objetivo a ação (...).” (NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. p. 36-37).
Exercício 3.
Por que o processo cartesiano científico na teoria tradicional é conflitante com as ciências humanas?
4. Crítica ao Modelo Tradicional de Teoria 4.1 Apresentação
Teoria Crítica do Direito
Esta unidade abordará como o modelo tradicional de Teoria passa a ser criticado lançando as bases para a formulação da Teoria Crítica. Será demonstrado que uma das principais bases da crítica ao modelo tradicional reside na necessidade de uma articulação dialética entre a “teoria” e a “práxis”.
4.2 Síntese A teoria tradicional aplicada às ciências humanas tem como característica, segundo os pensadores críticos, a análise estanque, que diz que a sociedade não evolui, negando a dinâmica histórica da sociedade, e a observação do fenômeno social passa a ser superficial, por ser atemporal. Termina por adaptar o pensamento à realidade.
9 Segundo Max Horkheimer, a teoria em sentido tradicional, cartesiano, como a que se encontra em vigor em todas as ciências especializadas, organiza a experiência à base da formulação de questões que surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade atual. A gênese social dos problemas, as situações reais nas quais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua aplicação, são por ela mesma considerada exterior. Para a teoria tradicional as situações efetivas (...) são para ela uma coisa dada, cujo único problema estaria na mera constatação e previsão segundo as leis da probabilidade. O que é dado não depende apenas da natureza, mas também do poder do homem sobre ele. Segundo Marcos Nobre: “A teoria tradicional expulsa do seu campo de reflexão as condicionantes históricas de seu próprio método.” [...] o comportamento crítico “pretende conhecer sem abdicar da reflexão sobre o caráter histórico do conhecimento produzido”. A teoria crítica expressa a ideia de razão vinculada ao processo histórico-social e à superação de uma realidade em constante transformação. Articulam, dialeticamente, a “teoria” com a “práxis”. Toda teoria crítica visa à emancipação do homem como ser.
Exercício 4.
Como a Teoria Crítica une a teoria e a práxis na sua formulação filosófica?
5. Surgimento da Teoria Crítica e Início da Escola de Frankfurt
Esta unidade abordará como se deu o surgimento da Teoria Crítica, elaborada inicialmente por Max Horkheimer na célebre Escola de Frankfurt, com o objetivo de criticar a teoria científica tradicional.
5.2 Síntese O termo “Teoria Crítica” foi cunhado por Max Horkheimer em meados da década de 1930, no seio da célebre Escola de Frankfurt, que é um instituto de
Teoria Crítica do Direito
5.1 Apresentação
10 pesquisa social, que utilizava a obra de Marx como matriz filosófica. O objetivo era criticar a teoria científica tradicional que procurava separar o conhecimento da realidade o que perfazia, na verdade, um instrumento de dominação da elite. A “Escola de Frankfurt” se refere ao instituto de pesquisa social (Institut fur Sozialforschung) fundado 1923, por Felix Weil, em Frankfurt, junto à Universidade de Frankfurt Am Main, criado inicialmente para realizar investigações científicas a partir da obra de Karl Marx. “As repercussões sociais do modo como a ciência é concebida e manipulada na sociedade capitalista contemporânea soa o tema central do grupo de pensadores formados no seio do Instituto de Investigações sociais da universidade de Frankfurt.” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 105). Dá-se o nome “Escola de Frankfurt” ao grupo de pensadores e tendências reunidas em torno do instituto, cujo ponto comum das produções e investigações científicas é “Teoria Crítica”. Ou seja, comungavam do entendimento de que a separação do objeto da teoria tradicional equivale à falsificação da imagem, conduzindo ao conformismo e à submissão. Os principais integrantes da Escola de Frankfurt (...) buscam distanciar-se do marxismo ortodoxo, mas sem deixar de compartilhar metodologicamente do ideário utópico, dialético, crítico, revolucionário e emancipador. A Escola de Frankfurt encontra toda sua inspiração teórica na tradição racionalista que remonta o criticismo Kantiano, passando pela dialética hegeliana, pelo subjetivismo psicanalítico freudiano e culminando na reinterpretação do materialismo histórico marxista. (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 5).
Exercício 5.
Julgue se a assertiva abaixo está certa ou errada? Pode-se afirmar que todos os teóricos críticos da escola de Frankfurt são marxistas?
Teoria Crítica do Direito
6. Escola de Frankfurt 6.1 Apresentação Esta unidade abordará, sucintamente, os membros célebres e as fases da Escola de Frankfurt, demonstrando a evolução das investigações científicas realizadas, sem perder, contudo, o cerne de sua matriz filosófica.
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6.2 Síntese A Escola de Frankfurt critica o fato de as tendências positivas passarem muito superficialmente por todo o desenvolvimento da gnoseologia, desde Kant, atribuindo-lhes uma concepção ingênua sobre a teoria do conhecimento, por exemplo, o entendimento estritamente objetivista e aparentemente carente de todo o interesse transcendental. (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 106). Alguns dos principais integrantes da Escola de Frankfurt são Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Jurguen Harbemas. A primeira fase da escola de Frankfurt se deu com a criação e consolidação da Escola de Frankfurt (instituto de pesquisa social), em 1923, até o final da 2ª Guerra, em 1930. A articulação de uma “teoria crítica” da sociedade na Alemanha, se deu no início da ascensão do nazismo, e tinha como foco teórico a teoria de Marx, e, tendo a maioria dos teóricos origem judaica, foram fatores que culminaram no fechamento do instituto pela ameaça do nazismo. Com este fechamento, os filósofos migraram para os Estados Unidos (19331950). Em 1950 inicia-se a segunda fase, que consiste na reconstrução do instituto, e foi calcada sob a liderança de Adorno e suas análises sobre a teoria da estética eram baseadas na indústria cultural e na dialética negativa, onde toda produção cultural é direcionada pelo mercado. A terceira e última fase foi marcada pela atuação de Habermas e questiona o pessimismo das fases anteriores, o qual lutou contra o positivismo de Niklas Luhmann, ganhando visibilidade. Habermas insere sua teoria de ação comunicativa, que diz que é possível chegar ao consenso se houver todas as condições para atingir o fato do diálogo.
Exercício Cite duas teorias formuladas pelos teóricos críticos da Escola de Frankfurt. Teoria Crítica do Direito
6.
Capítulo 2
Introdução à Teoria Crítica do Direito
1. Conexão entre a Teoria Crítica e Teoria Crítica do Direito 1.1 Apresentação Esta unidade abordará como se começa a estabelecer a Teoria Crítica do Direito a partir da Teoria Crítica, partindo de advertências lançadas pelos próprios pensadores críticos a fim de se evitar a desvirtuação da Teoria Crítica do Direito.
1.2 Síntese Como recorda Ernildo Stein, o projeto da teoria crítica não prioriza necessariamente um modelo político (o socialismo), mas essencialmente, a emanci-
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Exercício 7.
Aponte a pedra de toque entre a teoria crítica da sociedade e a teoria crítica do direito.
Teoria Crítica do Direito
pação humana de todo o estado de retificação. (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 9). Ou seja, o ser humano ao ser transformado em fator de mercado, passa a ser coisificado e perde sua referência valorativa como ser humano. A teoria crítica deve permanentemente ser questionada para não incorrer em absolutizações e dogmatismos. Há que se evitar a substituição de verdades divinizadas por “pseudoparadigmas críticos”, novamente sacralizados. (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 12). O “pensamento crítico” nada mais é do que a formulação “teórico-prática” de se buscar, pedagogicamente, outra direção ou outro referencial epistemológico, que atenda as contradições estruturais da modernidade presente (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. XIV). “Na medida em que a sociedade moderna se cristalizava em suas estruturas jurídico-políticas, essa ordem-objeto, pela sua força autolegitimadora, catalisava o labor técnico da ciência e da filosofia do direito como um fim em si, além e acima da ordem social concreta, cumprindo um papel ideológico de preservação e reprodução dessa mesma ordem”. (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 1). Do mesmo modo que a teoria crítica vem para criticar a teoria tradicional, os juristas verificaram que o modelo tradicional de Direito apresentava falhas, principalmente com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando se constatou a necessidade de repensar a função do direito, uma releitura da crise do direito (do prisma do anacronismo das instituições para crise ontológica, epistemológica e axiológica). Havendo também a necessidade de revalorização do direito natural (inclusive com o escopo de revelação de direitos universais). Todavia, é importante frisar que o pensamento crítico no direito, como reação aos exageros da escola dogmática e o esvaziamento do conteúdo axiológico no direito, já existia desde o início do século XX, antes mesmo da criação da Escola de Frankfurt. Exemplo disso é a Escola do Direito Livre, iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) através da publicação, em 1906, da ousada luta pela ciência do direito.
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2. Surgimento e Conceito 2.1 Apresentação Esta unidade abordará as bases da teoria crítica do Direito, concluindo pela apresentação de um conceito que a caracteriza como uma teoria que insurge contra o modelo tradicional e concebe o Direito como um espaço de luta e conquista através da articulação dialética entre a teoria e a prática.
Teoria Crítica do Direito
2.2 Síntese O positivismo, ao menos no que tange às concepções filosóficas e políticas atinentes à juridicidade, desvaneceu-se nas duas grandes guerras. (...) depois do quase desaparecimento do que poderia haver constituído uma ética da civilização, verifica-se um retorno ao humanismo, aos direitos humanos, ao restabelecimento da concepção do Estado como instrumento a serviço do homem; o Estado como meio e não como fim em si mesmo. (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 304). O pensamento crítico no direto busca “questionar, repensar e superar o modelo jurídico tradicional (idealismo/formalismo)” (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 21). “Fica assim definido o contexto da teoria crítica do direito, como a união dialetizada entre a teoria e a experiência, na realização do direito como espaço de luta e conquista com vistas à autonomia dos indivíduos e à emancipação das sociedades” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 13). Entre as vertentes do pensamento crítico consolidadas na Europa e nos Estados Unidos, no final dos anos sessenta, podemos mencionar as seguintes: • Na Alemanha houve as escolas do direito livre e jurisprudência de interesses. • Na Itália o surgimento do socialismo jurídico ocorreu ao fim do fascismo, onde a máfia tomou o poder. Houve um vácuo de poder dominado pelo crime organizado e o magistrado resolveu criar formas de contestar tal situação. • Na França surgiu a Critique du droit que era uma crítica à coisificação da juventude, onde os jovens eram treinados para serem consumidores de produtos, não seres pensantes, tendo início, assim, a sociologia jurídica.
15 • Nos Estados Unidos houve a escola sociológica, com o Critical Legal Studies (CLS). Houve o surgimento do pensamento crítico que revê os posicionamentos passados e cria novas interpretações para o que já existia. Neste contexto surgiu a seguinte frase, “as constituições foram criadas para preservar direitos e não para manter teorias”.
Exercício Conceitue a teoria crítica do direito pelos seus objetivos.
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8.
Capítulo 3
Positivismo
1. O Positivismo Jurídico 1.1 Apresentação Esta unidade compreenderá as críticas ao modelo jurídico tradicional, pois é necessário resgatar o estudo do positivismo jurídico. Assim, este capítulo abordará a teoria do positivismo jurídico por meio das características estabelecidas por Norberto BOBBIO (O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131 a 133).
1.2 Síntese Bobbio é o autor que estudou o positivismo jurídico e determinou com suas características, que o direito tem de ser interpretado como fato e não como valor, e que na linguagem positivista o termo direito é avalorativo e prescinde do fato de ser bom ou mau, de ser um valor ou desvalor.
17 Outra característica segundo Bobbio é o elemento da coação. “o juspositivismo define o direito em função do elemento da coação”. Considerar o direito como fato, faz considerar como direito o que vige em determinada sociedade. Ou seja, se o direito é fato, é fato porque faço valer, e faço valer através de coação. Se não tem coação, não é norma jurídica, não sendo direito. Como terceira característica mencionada por Bobbio, podemos mencionar a teoria da legislação feita pelo Estado como fonte preeminente do direito. Para o juspositivismo, a fonte preeminente do direito é a lei. O juspositivismo considera a norma um comando, formulando a teoria imperativista do direito. O princípio da dignidade da pessoa humana não é um comando e sim uma orientação, por isso, não tem um grande peso na teoria positivista. O direito considera a estrutura do conjunto de normas existentes. O juspositivismo é calcado na teoria do ordenamento jurídico. Segundo Bobbio, tal teoria considera a estrutura não mais da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas vigentes na sociedade, sustentado na teoria da coerência, na impossibilidade da existência de normas antinômicas e da completude do ordenamento jurídico, ou seja, impossibilidade de lacunas no direito. O primeiro reflexo é a ideia de completude ou plenitude. A coerência ocorre se o ordenamento jurídico é um conjunto de normas, então, o direito é coerente, não permitindo que as normas colidam. A teoria da interpretação mecanicista consiste na atividade em que o jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produto ou criativo do direito (empregando uma imagem moderna, poderíamos dizer que o juspositivismo considera o jurista uma espécie de robô ou de calculadora eletrônica). Há também a teoria da obediência absoluta da lei enquanto lei, teoria sintetizada no aforismo: Gesetz ist Gesetz (lei é lei). Se existe lei, ela deve ser cumprida.
2. Crítica ao Positivismo Jurídico
Esta unidade abordará uma síntese do positivismo jurídico e sua concepção formalístico, dogmático-normativista, que é uma das preocupações da Teoria Crítica do Direito.
2.2 Síntese “A partir da cosmovisão apresentada pelo positivismo – basilarmente uma expressão epistemológica e historicista do empirismo –, cristaliza-se a noção
Teoria Crítica do Direito
2.1 Apresentação
Teoria Crítica do Direito
18 comum do direito identificado pelo chamado direito positivo, primeiro repelindo a ideia de uma ordem normativa de caráter metafísico – só o positivo é real – para então excluir como não jurídicas as regras sociais de conduta que não se revistam dos caracteres formais do direito oficialmente considerado. Segundo o ponto de vista positivista, o direito fica, portanto, definido como conjunto das normas postas pelo Estado, ou ao menos as que por ele são reconhecidas como válidas (...).” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 197). Quer dizer, o direito existente é só o reconhecido pelo Estado. Existem características que levaram a teoria crítica a questionar a teoria tradicional. Entre elas existe o pressuposto ideológico que trata da objetividade ontológica do direito. Para os teóricos tradicionais o direito é um ramo que tem sua autonomia em si, mas a crítica é que o direito é constantemente interpretado, tendo sua faceta dada pelo intérprete. O pressuposto diz que o direito é dotado de positividade axiológica. Alguns valores como o repúdio à escravidão e ofensa aos direitos humanos foram positivados. Mais uma vez o ataque é contundente de que o valor do direito está fora do direito. Outro pressuposto é a lógica do sistema antipoiético fechado. O feedback para esse sistema seria a sociedade e a teoria crítica diz que isso não é um sistema fechado, e sim aberto, no qual tem todas as informações e pressões. Há também o pressuposto da autonomia significativa das leis. Para a teoria tradicional a lei carrega dentro de si o pressuposto de autoexplicação, cabendo ao intérprete extrair esses resultados. Tem-se a seguinte síntese dos elementos do modelo positivista: verifica-se que os pressupostos ideológicos básicos, nos quais radica toda a concepção dogmática do direito, reduz-se a três fundamentais, o da unicidade, o da estatalidade e o da racionalidade, constituindo um tripé ideológico em que se apoia um quarto princípio, o da legitimidade (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 407). Unicidade significa que o direito é uno, não permitindo mais de um sistema jurídico simultâneo. A estatalidade consiste na não aceitação de pluralismo jurídico. A racionalidade dispõe que o direito é sempre fruto da razão. Na concepção da teoria crítica, a racionalidade é um mito da cientificidade, pois o direito não é só razão, é intuição. Vem da sociedade e da realidade.
Exercício 9.
Explique sob a ótica do positivismo, as características de unicidade, estatalidade e o da racionalidade?
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3. Introdução à Ideia de Direito como Instrumento de Dominação 3.1 Apresentação Esta unidade abordará a importância de salientar que o direito, independente da teoria adotada, carrega a função de harmonizar e manter o status quo. Este capítulo abordará a ideia, inspirada na filosofia marxista, de que o direito é um instrumento de dominação de classes elitizadas que visam à manutenção da ordem segundo seus interesses. A inversão de ordens jurídicas é, na verdade, a inversão da classe dominante.
Segundo o pensamento crítico, podemos observar como direito é um instrumento de dominação e opressão através de uma simples retrospectiva histórica. Verifica-se que cada mudança de paradigma jurídico visa sustentar filosoficamente a manutenção do poder da nova classe dominante. Utilizando-se a obra de Michel MIAILLE, Introdução Crítica ao Direito. 3. ed. Lisboa: 2005: Período Histórico. Até a Revolução Francesa a classe dominante era a nobreza. Os servos, cidadãos e escravos precisavam se conformar com tal situação e a justificativa era o poder divino dos reis, o contratualismo. A nobreza passa a ser contestada pela burguesia ascendente, culminando na Revolução Francesa, e após isso, a classe dominante passou a ser a burguesia ascendente, com base no jusnaturalismo, com o lema liberdade, igualdade e fraternidade. A ascensão da burguesia realiza-se ideologicamente com o jusnaturalismo, que é a arma intelectual que lhe permite criticar a ordem social do feudalismo. Mas, tendo feito a sua revolução e posto em funcionamento as instituições da sua dominação, a burguesia fechará as portas da interpretação e, invertendo a corrente na qual tinha exprimido as suas reivindicações, imporá uma forma completamente diferente do pensamento, cujas primeiras manifestações (a escola da exegese) serão francamente apologéticas. Logo após a Revolução Francesa em meados do século XIX, começam as revoluções sociais. Até então só existiam os direitos de primeira geração que consistia em liberdade, igualdade e fraternidade. A burguesia consolidada considerada capitalista decide mudar novamente a regra jurídica e expande a capacidade de direitos da sociedade, e impõe a ideia de sociologismo jurídico.
Teoria Crítica do Direito
3.2 Síntese
20 As contradições da paz burguesa tornam-se demasiado evidentes e graves para suportar a continuação do discurso positivista dos admiradores do Código de Napoleão. O sociologismo chega no momento exato da rendição ideológica da dominação burguesa. “Sob os golpes da contestação efetuada pela classe dos trabalhadores, os pilares da ordem jurídica vacilaram – o indivíduo livre e independente, a vontade soberana nas relações sociais, o Estado instrumento neutro a serviço da liberdade – no momento, pois, em que o sistema da sociedade burguesa punha a descoberto os seus mecanismos inconfessáveis, eis que o tratamento sociológico dos fenômenos menos jurídicos permitia reconstruir uma ‘capa’ inesperada, mediante a utilização dos instrumentos das ciências sociais.” “O direito contém, ao mesmo tempo, as filosofias da obediência e da revolta, servindo para expressar e produzir a aceitação do status quo, da situação existente, mas aparecendo também como sustentação moral da indignação e da rebelião.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. p. 31). “Em suma, a burguesia triunfante, que construíra um mundo de acordo com os seus ideais de liberdade e de igualdade, deveria assegurar a continuidade de sua ordem social e, para isso, impunha-se a sua legitimação. Tal como o Iluminismo no século anterior prestara-se a legitimar os mesmos ideais mediante o reinado da ordem heterônoma, o positivismo agora o fazia como algo que correspondia ao reinado da ciência e da filosofia positivista. Mas, para isso, o espírito reivindicatório e de crítica social do velho Iluminismo constituía um obstáculo, pois a crítica racionalista já cumprira seu papel e precisava ser anulada.” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 198).
Exercício 10.
Como o positivismo tradicional se revela como instrumento de dominação?
4. Direito como Instrumento de Dominação Teoria Crítica do Direito
4.1 Apresentação Esta unidade abordará, segundo o pensamento crítico, como o Direito Civil, apesar de ser um dos ramos jurídicos mais amplos, possui sua aplicação plena a apenas uma pequena parcela da sociedade, que por meio do direito mantém sua posição colocando o restante do corpo social à margem da proteção jurídica.
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4.2 Síntese
Exercício 11.
Por que o Direito Civil pode ser um ramo do direito direcionado à preservação dos interesses de uma classe favorecida?
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O Direito Civil é um ramo do direito que tem como um dos objetos principais a regulação e proteção da propriedade. Contudo, é forçoso verificar que grande parte da sociedade (a parcela pobre) não possui propriedade. As relações civis entre os mais pobres denotam a inadequação do Direito Civil a sua realidade. Diz-se “todos os direitos”, mas fica no ar a indagação: referem-se eles a todos os seres humanos? É evidente que não. A maioria da população, especialmente nos países do chamado terceiro mundo, não dispõe do direito de propriedade, em consequência, não tem patrimônio a ser objeto das sucessões. Suas obrigações, ainda pela mesma razão, ficam reduzidas a campo muito reduzido, limitando-se a relações de trabalho, ramo hipertrofiado do Direito Civil. Para que servem, então, os códigos civis? Aplicam-se a uma minoria, aquela que possui patrimônio a administrar, a negociar e a transferir post mortem, quer por via legítima, quer por via testamentária. As complexas operações obrigacionais (...) só são utilizadas por uma parcela reduzida da sociedade: os que têm patrimônio. Os deserdados da sociedade, os Enterbten (...) continuam à margem da vida, essa “agitação feroz e sem finalidade” a que se refere o vate brasileiro Manuel Bandeira. Vivemos, então, em um mundo, (...) em que se elaboram códigos para uma elite. Que mundo é esse? Para que servem as “declarações universais”, tão louvadas e tão ineficazes? Para que servem as “opções pelos pobres”, estes cada vez mais pobres? Para que servem, em última análise, os Códigos Civis (...)? (MEIRA, Silvio. Os Códigos Civis e a Felicidade dos Povos. p. 399). Afastados do alcance do Direito Civil Vigente, a parcela da sociedade prejudicada passa a criar normas próprias de conduta adequadas a sua realidade (ex.: procedimentos de compra e venda de propriedade em favelas, direito de vizinhança, contratos informais etc.). Todavia, tal criação encontra novo obstáculo, já que não é reconhecida pelo Estado.
Capítulo 4
Uso do Direito
1. Uso Alternativo do Direito 1.1 Apresentação Esta unidade abordará algumas das formas críticas de Direito focando, neste bloco, o chamado uso alternativo do Direito, que consiste na tentativa de aplicação de um direito mais justo dentro do próprio ordenamento jurídico hegemônico. Características e usos.
1.2 Síntese Existem várias denominações para correntes críticas de atuação no Direito como: direito alternativo, uso alternativo do direito, pluralismo jurídico etc. Todas têm um ponto de convergência teórica, mas divergem quanto à sua atuação.
Para muitos autores essa diferenciação não passa de preciosismo terminológico, na tentativa de revestir as ideias de certos teóricos com originalidade e independência. O Uso Alternativo do Direito consiste no uso do próprio direito positivado, reconhecido pelo Estado, procurando conseguir resultados que podem ser não compatíveis ou não desejados pela ordem vigente. É o uso das contradições, ambiguidades e lacunas do direito, numa ótica crítica. Trata-se de uma operação notadamente hermenêutica realizada por juristas, principalmente magistrados. O movimento tem seu início efetivo na Itália com objetivo de “propor, diante da dominação e da conservação do Direito burguês capitalista, a utilização do ordenamento jurídico vigente e de suas instituições na direção de uma prática judicial emancipadora, voltada aos setores sociais ou às classes menos favorecidas”. (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 41). O próprio ordenamento vigente brasileiro abre espaço para esse uso alternativo do Direito: art. 5º da LICC: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” O direito alternativo opta pela justiça do mais fraco frente ao caso concreto. “No caso do direito alternativo opta-se pela justiça do mais fraco frente ao caso concreto”. (ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996). “O direito acima da lei” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 326). O direito alternativo pode ser considerado subversivo. Há de se ter em mente o significado palavra alternativo = diferente, adversidade, alternativo, sujeito à opção. É um “direito paralelo”, “extradogmático” ou “paraestatal”, pois não estaria enquadrado no positivismo estatal. Os fundamentos do uso alternativo do direito podem ser facilmente compreendidos pelos seguintes motes: O direito é “normativamente inadequado e institucionalmente ineficiente” (NEVES, Antônio Castanheira. O Direito Hoje e Com Que Sentido? Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p. 10). “Como se comportaria o magistrado, então, perante a lei injusta? Como enfrentariam os operadores do Direito a necessidade de resolver problemas concretos [das situações reais em face da lei injusta]...? [...].” “Uma resposta possível surgiria desde logo na ciência política, quando tomou corpo a doutrina do direito político de resistência e, no campo jurídico, a possibilidade da decisão contra legem.” (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 305-306). A lógica de pluralismo jurídico (ordenamentos jurídicos alternativos ao ordenamento estatal) pode ser inserida nessa corrente.
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24 Nas aulas passadas, foi visto como o Direito Civil pode ser entendido como sendo inaplicável a determinada camada da sociedade devido ao tamanho abismo daquilo que é prescrito e a realidade operante. Quando se faz necessário a criação de um microcosmo jurídico, contrário à ordem estatuída, para que determinada comunidade possua normas eficazes para seu contexto, está-se criando um direito alternativo. Caso Alvorada, 1988: O Juiz Victor Sant’Anna de Souza Filho se pronunciou favoravelmente à população carente “sem-teto” ante uma invasão a conjunto habitacional, deixando de ser aplicada a legislação positiva convencional que determina a expulsão dos invasores. Utilizou-se de uma interpretação baseada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. XXXV: “Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo, o mais sagrado dos Direitos e o mais indispensável dos deveres”) reconhecendo o direito de insurreição, e ainda entendendo que não houve esbulho possessório.
Exercício 12.
Por que o Direito Alternativo é subversivo?
2. Pluralismo Jurídico 2.1 Apresentação Esta unidade abordará a corrente do Pluralismo Jurídico que entende que o Estado não é fonte exclusiva de toda a produção do Direito, suas características e exemplos históricos.
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2.2 Síntese O pluralismo jurídico pode ser conceituado, Segundo Antônio Carlos WOLKMER, como “uma perspectiva descentralizadora e antidogmática que pleiteia a supremacia de fundamentos ético-político-sociológicos sobre critérios tecnoformais positivistas” (Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. p. 7). Monismo jurídico X Pluralismo jurídico. O monismo jurídico é a teoria que defende a unicidade do direito. Já o pluralismo jurídico é a vigência de ordenamentos concomitantes, aplicáveis à mesma situação.
É importante salientar que a história apresenta uma série de exemplos de existência de uma pluralidade de ordenamentos vigentes no mesmo espaço político-social. Império Romano: com o Direito Romano e o Direito dos povos conquistados. A Idade Média, com o Direito do Rei, o Direito da Igreja Católica, o Direito dos Senhores Feudais e o Direito dos Comerciantes. Nas sociedades africanas hoje, ainda há o direito oficial do colonizador e os direitos tribais. O Pluralismo jurídico deve estar calcado no referencial da ética da alteridade e uma justificativa nas necessidades fundamentais, a fim de diferenciar o pluralismo de outras “ordens normativas paralelas”: crime organizado etc. “A ética da alteridade é uma ética antropológica da solidariedade que parte das necessidades dos segmentos humanos marginalizados e se propõe a gerar uma prática pedagógica libertadora, capaz de emancipar os sujeitos históricos oprimidos, injustiçados, expropriados e excluídos.” (WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. p. 241). A Escola do Direito Livre foi iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) em 1906, quando publicou a monografia Der Kam um der Rechtwissenchat (A luta pela ciência do Direito). O citado autor pregava a ampla liberdade ao juiz, que deve decidir sem limites na lei. Deve-se ditar o justo e depois procurar a lei. “Para Kantorowicz, haja ou não lei que reja o caso, cabe ao juiz julgar segundo os ditames da ciência e de sua consciência, devendo ser devidamente preparado, por conseguinte, para tão delicada missão. O que deve prevalecer, para eles, é o direito justo, quer na falta de previsão legal (praeter legem) quer contra a própria lei (contra legem).” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p. 288). “Segundo os adeptos do Direito Livre, o juiz é como que legislador num pequenino domínio, o domínio do caso concreto. Assim como o legislador traça a norma genérica, que deverá abranger todos os casos futuros, concernentes à matéria, caberia ao juiz legislar, não apenas por equidade, mas, toda a vez que lhe parecer, por motivo de ordem científica, inexistente a lei apropriada ao caso específico: estamos, pois, no pleno domínio do arbítrio do intérprete.” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p. 289).
Exercício 13.
Quais são os limites da atuação do juiz na escola livre do direito?
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3. Direito Instituído 3.1 Apresentação Esta unidade abordará as diferenças entre Direito Alternativo e do Uso Alternativo do Direito, tendo como base a concepção de Edmundo Lima de Arruda Júnior sobre Direito instituído e Direito instituinte.
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3.2 Síntese Edmundo Lima de Arruda Júnior (Direito Alternativo no Brasil, Alguns Informes Preliminares. (org.) ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima. Lições de Direito Alternativo II, p. 159-177. São Paulo: Acadêmica, 1992) vê a alternatividade do Direito sob duas óticas: Do direito instituído, dentro do ordenamento estatal posto e do instituinte, extraestatal, a ser “instituído”, “pluralismo jurídico”. No plano do Direito instituído têm-se duas vertentes: • Plano do instituído sonegado, que ocorre quando o direito está posto, mas está sendo deixado para trás. Daí ocorre a positividade combatida ou positivismo de combate, que dentro da própria ordem busca os direitos estabelecidos em lei. Busca da validade de princípios sonegados, cobrando a efetividade destas normas. É a busca dos direitos reconhecidos e garantidos pela lei, mas que não são concretizados. Crítica: Em uma análise mais rígida, não é direito alternativo. É a simples concretização do direito positivo estatal. Não é uma forma alternativa ao direito oficial. • Plano instituído relido, que alguns consideram como uso alternativo do direito, que busca uma nova interpretação das normas jurídicas. Uma releitura hermenêutica ante a realidade social. “É o direito contextualizado.” Crítica: da mesma forma que o plano do instituído sonegado, não pode ser considerado direito alternativo sob uma análise mais rígida. É uma nova forma de ver o direito posto, mas não uma alternativa a ele. “É o direito oficial contextualizado.” • No plano do direito instituinte, o plano do instituinte negado (Direito Alternativo stricto sensu). É o Direito que existe, porém, não é reconhecido pela ordem estatal (negado). Via de regra, é contrário ao direito dominante, oficial, dogmático. Portanto, é um vir a ser (instituinte) e se apresenta como uma opção diferente ao ordenamento legalmente organizado. É uma alternativa ao direito posto.
27 Segundo Wolkmer, quatro conjuntos de pensamentos críticos podem ser referenciais de crítica jurídica no Brasil: • Critica jurídica de perspectiva sistêmica: Destaque para Tércio Sampaio Ferraz Jr. e João Maurício Leitão Adeodato. Tem como características o modelo sistêmico fechado, com inspiração em Niklas Luhmann e Theodor Viehweg. Traz uma visão crítica e interdisciplinar. Presa pela multidisciplinaridade e aproxima o diálogo do pensamento crítico da sociologia, política e filosofia (pode ser considerada uma escola neopositivista, ao invés de Teoria Crítica do Direito). • Crítica jurídica de perspectiva dialética, que ocorre em vários centros de pesquisa do Brasil. Tem como características a teoria do conflito, dimensão político-ideológica do jurídico, a defesa de uma sociedade democrática e socialista, a efetivação da justiça social, a superação da legalidade tradicional liberal burguesa e a opção pelos excluídos e injustiçados. Destaques: Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Souza Jr., Roberto A. R. de Aguiar, Luiz Fernando Coelho, Edmundo de L. Arruda Jr., Grupo de Magistrados Gaúchos. “A crítica dialética tem propiciado (...) tendências ou variantes que se desdobram e integram, como ‘o Direito Achado na Rua’, o ‘Direito Insurgente’ e o ‘Direito Alternativo’.” (Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. p. 98). • Crítica jurídica de perspectiva semiológica. Destaque para Luiz Alberto Warat. Crítica jurídica sob a perspectiva semiológica no Brasil e, nos últimos trabalhos, a crise da condição humana. • Crítica jurídica de perspectiva psicanalítica. Destaque para Agostinho Marques Neto e Jeanine Philippi. Tem como características a busca por aquilo que está omisso atrás do discurso normativo do direito. Destaca a vinculação do texto legal na manipulação dos desejos inconscientes e na revelação específica da função normativa enquanto estrutura repressora da sociedade.
4.1 Apresentação Esta unidade abordará quais são as premissas do movimento jurídico crítico capitaneado pelo Grupo de Magistrados Gaúchos e exemplos de sua aplicação prática por meio da jurisprudência.
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4. Direito Alternativo X Grupo de Magistrados Gaúchos
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4.2 Síntese A novidade está nas premissas da atitude da atuação do grupo de magistrados gaúchos declaradamente em favor dos pobres e oprimidos, em que reconhece que a lei vem sendo usada como instrumento de dominação, que o judiciário não é neutro, mas comprometido com o poder, e que a lei não exaure todo o direito. E, mais ainda, que existem leis injustas, cuja aplicabilidade pode ser recusada em nome de um compromisso superior, com a própria consciência e com a sociedade. (COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. p. 330). Ementa: alienação fiduciária em garantia. Ação de busca e apreensão. Ação de depósito. Prisão. Decisão contra legem. 1. Não e aplicável a pena de prisão, prevista na Constituição Federal, a figuras legalmente equiparadas ao depositário infiel, como sucede com o fiduciante, na alienação fiduciária em garantia. Orientação do STJ. 2. Quando o magistrado se preocupa em proferir uma decisão valorativamente adequada, mesmo em eventual descompasso com a precisa literalidade do texto normativo, não está resolvendo contra legem, desde que não atue conforme critérios subjetivos e privados, mas com perspectiva axiológica objetiva, resultante dos princípios universais de direito, dos valores fundamentais à coletividade e dos parâmetros constitucionais. Nem poderia ser diferente, sob pena de as leis ordinárias terem mais força do que a Lei Maior e o caminho hermenêutico se restringir à interpretação literal ou gramatical, o que nunca foi sustentado pela hermenêutica tradicional e dogmática. Pontes de Miranda ensina que mesmo a lei clara comporta sempre interpretação. Se o magistrado resolver com critérios apenas seus, a sistemática ampla de recursos corrigirá o delírio. Não se desconhece que a autoridade do juiz vem da lei e que as pessoas estão obrigadas a fazer ou não fazer alguma coisa em virtude da lei. Porém, como é evidente, quando um litígio vai aos tribunais, a lei vinculante passa a ser a lei conforme interpretada pelo judiciário. Também previsto na Constituição Federal. É a própria razão de ser e existir do judiciário. (Apelação Cível nº 192158020, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Sérgio Gischkow Pereira, Julgado em 02/09/1992). Direito Achado na Rua foi a expressão criada por Roberto Lira Filho para pensar o Direito derivado da ação dos movimentos sociais, ou seja, direito como “organização social da liberdade”. Seria o encontro dos Novos Movimentos Sociais e o Direito, indo além do legalismo, procurando encontrar o Direito na “rua”, no espaço público, nas reivindicações da população. “Esse direito tem de ser encontrado em outro lugar, lá na rua onde vive e sofre o povo daquela inadequação e ineficiência, porque, afinal de contas, é dele a origem e causa de ser, tanto da lei como do Estado.” (Jacques Alfonsin
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em entrevista ao IHU On-line – Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos). “(...) quando a constituição diz que ‘o elenco de direitos descrito dela não exclui outros direitos que derivem da natureza do regime ou dos princípios que a constituição adota’, abre uma pauta muito larga, que tanto do ponto de vista teórico quanto do político, nós pensemos o direito como relações legitimadas”. Ou seja, trata-se de “pensar o direito como relação, e não como um banco de enunciados legislativos, é criar as condições para que as lutas por reconhecimento encontrem espaço politizado adequado para que se manifestem”. (José Geraldo de Sousa Junior em entrevista ao IHU On-line – Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos).
Capítulo 5
Direitos Humanos
1. Direitos Humanos: Introdução 1.1 Apresentação Esta unidade abordará as premissas que orientam o atual modelo tradicional ocidental de Direitos Humanos, sua controvérsia prática no cenário mundial total e a cisão entre universalistas e relativistas.
1.2 Síntese Os Direitos Humanos alcançam um status jurídico consolidado no pós-Segunda Guerra com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O modelo é calcado na ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Na construção inicial dos Direitos Humanos, é inegável a inspiração no Direito Natural (sendo que vários autores veem que os Direitos Humanos têm nele seu fundamento). Da mesma forma, é uma construção nitidamente ocidental.
Nesse contexto, Celso Antonio Mello Albuquerque, aponta as seguintes questões: “Quem diz o que pertence ao direito natural? Qual a classe social deste intérprete? E assim por diante, como haveria uma natureza humana imutável e universal?” Relativistas afirmam que os homens que existem concretamente só têm realidade e sentido humano em função da cultura de que participam. Assim, não existe “humanidade” existem “humanidades”. Dessa forma, não há valores humanos universais, portanto, não há ordem internacional universal. As normas concernentes aos direitos humanos devem ser consideradas, e aplicadas, de acordo com os diferentes contextos culturais formadores das sociedades, ou seja, relativizadas. Universalistas, por sua vez, afirmam a existência de um conjunto de direitos mínimos herdados por todos os povos. Existem critérios axiológicos absolutos comuns em todas as culturas, sob os quais foram declarados os Direitos Humanos. A unidade do gênero humano sobrepõe-se, assim, à diversidade de culturas existentes, pois existe uma identidade humana universal. A declaração da delegação do Irã proferida na Convenção Mundial sobre Direitos Humanos de Viena – 1993 acirra o debate: “Os direitos humanos são, sem dúvidas, universais. Contudo, a predominância de um grupo de países nas relações internacionais, o que é temporária pela natureza e pela história, não confere licença para impor um conjunto de orientações e normas de comportamento para toda comunidade internacional.” (Tradução livre). À parte das questões envolvendo a universalidade dos Direitos Humanos, o problema da indivisibilidade desses direitos é igualmente conflituosa. Primeiro, a divisão dos direitos humanos por gerações (como nos direitos fundamentais) é imprópria, já que historicamente os direitos internacionais sociais (trabalho – OIT 1919) vieram bem antes da própria ONU. Dado que os pactos da ONU dos Direitos Humanos foram firmados em dois documentos apartados (1 – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2 – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966) passou-se a entender que: • Os direitos civis e políticos (demandam abstenção do estado) teriam aplicação imediata. • Os direitos econômicos sociais (demandam atuação do estado) teriam aplicação progressiva. Assim, Estados de orientação democrática se escudam da concessão de direitos civis para negar os direitos econômicos. Ao passo que Estados de orientação não democrática afirmam que é necessário o desenvolvimento do Estado para posterior expansão e aplicação dos direitos individuais. A atual doutrina predominante entende que os direitos humanos individuais, sociais e econômicos deveriam ter aplicação imediata e conjunta, não
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32 podendo ser compartimentalizadas. Não há direitos civis sem sociais – Ex.: Acesso à justiça (Atuação do Estado) defesa de liberdades. Tal entendimento é fundamento para diversas condenações em cortes internacionais, inclusive do Brasil: Como exemplo podemos mencionar o caso Damião vs. Clínica Guararapaes (2006). Damião era um deficiente mental que faleceu nessa clínica, onde encontrava-se internado. A clínica foi absolvida e os familiares entraram na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil foi condenado sob a alegação de que os direitos humanos são indivisíveis. No âmbito europeu, o caso Airey vs. Irlanda (1979). A lei da Irlanda não permitia que a mulher casada entrasse na justiça sem a autorização do marido. A Irlanda foi condenada porque o acesso à justiça é igualmente um direito humano.
Exercício 14.
Identifique as matrizes jurídico-filosóficas das correntes conflitantes ao princípio da universalidade dos Direitos Humanos.
2. Concepção Multicultural 2.1 Apresentação Esta unidade abordará a introdução de uma Concepção Multicultural dos Direitos Humanos na teoria desenvolvida por Boaventura Souza Santos. Tensões da modernidade. Premissas de política contra-hegemônica.
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2.2 Síntese Boaventura Souza Santos (Para uma Concepção Intercultural dos Direitos Humanos in Ikawa, Daniela; Piovesan, Flavia; Sarmento, Daniel (coord.). Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2010.) inicia sua proposta evidenciando três tensões dialéticas na modernidade. São elas: • Tensão Regulação Social x Emancipação Social. Antigamente o Estado regulava a sociedade em constante conflito de emancipação social. A própria ideia de emancipação social começou a ser individualizada e o Estado a ser mais fraco, o que também gera reflexo nos direitos humanos, uma vez que os grupos de emancipação perderam força.
• Tensão Estado x Sociedade Civil. A sociedade civil passou a ser desorganizada. • Tensão Estado Nação x Globalização. O Estado nação está perdendo espaço para a globalização. Houve a cultura hegemônica, onde determinados grupos de pessoas passam a brigar por seus interesses. Essas tensões da maturidade são um início para a formulação de premissas para construir uma transformação nos direitos humanos. Identifica as seguintes premissas necessárias para a transformação dos Direitos Humanos: • Superação do debate sobre Universalismo x Relativismo cultural. Esse debate deve ser ultrapassado, uma vez que é inócuo e atrapalha a evolução dos direitos humanos. • “Todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos”. • “Todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana”. • “Nenhuma cultura é monolítica”. • “Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica”. Partem do princípio da igualdade e do princípio da diferença. Essas premissas e tensões que podem levar ao diálogo cultural e a eventual concepção mestiça de Direitos Humanos. Segundo Flávia Piovesan sobre essa obra de Boaventura: “A construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria deste diálogo intercultural”. Compreendidos os pressupostos para um diálogo intercultural em Boaventura Souza Santos (Para uma Concepção Intercultural dos Direitos Humanos in Ikawa, Daniela; Piovesan, Flavia; Sarmento, Daniel (coord.). Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Editora Lumen Juris. Rio de janeiro: 2010), passa-se a compreender a metodologia de sua proposta, a hermenêutica diatópica. Na hermenêutica, topoi (lugar) refere-se a lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Topoi fortes tornam-se problemáticos quando utilizados em outra cultura. As “falhas” ou incompletudes do topoi são pouco visíveis pela própria cultura daquele topoi, já que aspiração à totalidade induz que se tome a parte pelo todo. Hermenêutica diatópica propõe que os topoi são sempre incompletos. Não visa atingir a completude, mas a máxima conscientização da incompletude, através de uma análise simultânea com base em dois ou mais topoi (di tópica). Ou seja, as culturas se reconheceriam mutuamente incompletas e seu diálogo, mesmo não objetivando a completude, ampliaria a consciência desse caráter incompleto e o respeito pelo outro.
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34 O problema de uma determinada cultura se considerar incompleta (fechamento cultural e conquista cultural). Boaventura, então, propõe as seguintes condições para reconstrução intercultural dos Direitos Humanos: • Da completude à incompletude. • Das versões culturais estreitas às versões amplas. • De tempos unilaterais a tempos partilhados. • De parceiros e temas unilateralmente impostos a parceiros e temas por mútuo acordo. • Da igualdade ou diferença à igualdade e diferença.
3. Teoria Crítica dos Direitos Humanos: Joaquin Herrera Flores 3.1 Apresentação Esta unidade abordará alguns aspectos da Teoria Crítica dos Direitos Humanos desenvolvida por Joaquin Herrera Flores. Serão apresentados, segundo a referida teoria, os paradoxos evidentes na teoria tradicional dos Direitos Humanos.
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3.2 Síntese Segundo Joaquin Herrera Flores (Teoria Crítica dos Direitos Humanos – Os Direitos Humanos como Produtos Culturais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 72 a 76) existem seis paradoxos que permeiam a atividade daqueles que pretendem trabalhar com os direitos humanos. Os paradoxos resultam das contradições internas de certas matrizes filosóficas utilizadas no atual modelo de Direitos Humanos: • O paradoxo do “lugar comum”, que teve como referência a obra de Norberto Bobbio: A Era dos Direitos. Tal obra menciona que os direitos já estão fundamentados e basta aplicá-los. Para Joaquin, isso elimina e fecha as porta para novos direitos. • O paradoxo da “condição humana”, baseado na obra de Hannah Arendt: A Condição Humana. Tal obra traz que o centro da natureza humana não se perde com a evolução histórica. Segundo Joaquin, se isso for adotado, haverá uma posição passiva, de que não importa o que aconteça na história, pois as coisas vão se ajeitar de uma hora para outra.
• O paradoxo do “duplo critério”, baseado na obra de Samuel Huntington: El Choque de Civilizaciones y la Reconfiguración del Orden Mundial. Segundo tal obra, os feitos históricos são sempre colocados na interpretação de quem está na posição dominante naquele contexto. Para Joaquim, o que deve ser abandonado é a ideia de que é possível ter esse duplo critério aceito. • O paradoxo dos “direitos e o mercado capitalista com pretensão de autorregulação”, baseado na obra de Friedrich v. Hayek: Los Fundamentos de la Libertad. Tal obra defende que os direitos humanos são perfeitamente compatíveis com o modo de distribuição capitalista. • O paradoxo dos “direitos e dos bens” que tem como base a obra de Jürguen Habermas: Facticidad y Validez, que fomenta um funcionalismo e separa a ideia de teoria e da ideia de prática. • O paradoxo dos “direitos como produtos ideológicos”. Baseado na obra de John Rawls: Uma Teoria da Justiça. Cria a figura do “véu da ignorância”. Passa a ideia de que o direito é um produto racional ideológico e não um produto cultural criado pelo homem. Segundo Joaquin Herrera Flores (Teoria Crítica dos Direitos Humanos – Os Direitos Humanos como Produtos Culturais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 72 a 76) existem seis decisões iniciais que devem ser tomadas para nortear a Teoria Crítica dos Direitos Humanos: • Decisão inicial: Pensar é pensar de outro modo. Tem como referência a obra de Michel Foucault: Qué és la Ilustración. Segundo tal obra, deve-se mudar a forma de pensar e aceitar outra forma de pensamento, para poder evoluir. • Da negatividade dialética à afirmação ontológica e axiológica. Tem como obra de referência Karl Korsch e Oskar Negt: La Concepción Materialista de la História (K. Korsch) Kant y Marx (O. Negt). Trata-se de uma consolidação da teoria crítica. • Problematizar a realidade. Baseado na obra de Giles Deluze e Felix Guattari: Mil Mesetas. • Das utopias às heterotopias. Com base na obra de Franz Hinkelammert e Edward Said: Crítica de la Razón Utópica (F. Hinkelammert) e Cultura e Imperialismo (E. Said). Tal obra menciona que devemos sair da utopia e partir para a prática. • A indignação frente ao intolerável, baseada na obra de Max Horkheimer: Teoria Crítica. • Os direitos humanos como produtos culturais, baseado nas obras de Edward Said, Giles Deleuze e Antonio Negri: El Mundo, el Texto, el Crítico (E. Said). La Isla Desierta e Otros Ensayos (G. Deleuze); La Fábrica de Porcelana: una nueva gramática de la política (A. Negri). A
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36 primeira consequência dessa decisão é permitir que cada cultura produza seus direitos. Que cada cultura tenha formas diferentes de lutar pela dignidade. Universalismo de confluência de Joaquin Herrera Flores: “(...) um universalismo de ponto de chegada e não de ponto de partida. No dizer de Herrera Flores: (...) nossa visão complexa dos direitos baseia-se em uma racionalidade de resistência. Uma racionalidade que não nega que é possível chegar a uma síntese universal das diferentes opções relativas a direitos. (...) O que negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de desencontros. Ao universal há que se chegar – universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes de) um processo conflitivo, discursivo de diálogo (...). Falamos de entrecruzamento e não de uma mera superposição de propostas.” “Acredita-se, de igual modo, que a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humanos, inspirada pela observância do ‘mínimo ético irredutível’, alcançado por um universalismo de confluência.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional in Caderno de Direito Constitucional – Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Emagis. p. 14). Multiculturalismo Emancipatório de Boaventura Souza Santos: “Os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais. O multiculturalismo, tal como eu o entendo, é precondição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo”. Prossegue o autor defendendo a necessidade de superar o debate sobre universalismo e relativismo cultural, a partir da transformação cosmopolita dos direitos humanos. Na medida em que todas as culturas possuem concepções distintas de dignidade humana, mas são incompletas, haveria de se aumentar a consciência dessas incompletudes culturais mútuas, como pressuposto para um diálogo intercultural. A construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria desse diálogo intercultural.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional in Caderno de Direito Constitucional – Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Emagis. p. 13).
Capítulo 6
Judicialização
1. Judicialização da Política no Brasil 1.1 Apresentação Esta unidade abordará alguns aspectos da chamada judicialização da política e sua aplicação no Brasil. Suas causas no âmbito brasileiro. Importância para o movimento da teoria crítica – ativismo judicial. Judicialização da política x ativismo judicial.
1.2 Síntese Desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo.
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38 São causas da judicialização no âmbito brasileiro: • Redemocratização do país (Constituição de 1988) ex.: “garantia dos magistrados”. • Constitucionalização abrangente. Proporcionou maior espaço de atuação ao judiciário. • Sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Um dos mais amplos do mundo, que permite tanto o sistema concentrado quando o difuso. Sendo que um dos nortes da teoria crítica é a concepção do direito como espaço de luta e concretização dos anseios da classe não dominante, a crescente judicialização da política perfaz ponto essencial merecendo um estudo à parte. A judicialização da justiça (crescente poder do judiciário sobre os outros poderes, prevista no ordenamento como competência e dever do magistrado), é diferente do ativismo judicial (modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance). São características da postura ativista: • A aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário. • A declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição. • A imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. Até o passado recente, pode-se verificar que o judiciário brasileiro adotava uma postura de autocontenção judicial, pois: • Evitavam aplicar diretamente a Constituição ante a falta de previsão expressa (aguardavam o pronunciamento do legislador ordinário). • Utilização de critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos. • Abstenção de interferência na definição das políticas públicas. O judiciário recente, principalmente nos âmbito superiores vem adotando uma postura claramente ativista, de forma a inovar o ordenamento (“legislar”, ex.: julgamento de fidelidade partidária – criação de nova hipótese para perda de cargo). O crescente ativismo judicial é facilitado pela “crise” de legitimidade do poder legislativo. Exemplos polêmicos: Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias (ADIn nº 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto). Vedação do nepotismo nos três Poderes (ADC nº 12, Rel. Min. Carlos Britto; e RE nº 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).
39 Prisão por dívida. Virada na jurisprudência (HC n 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio e 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio; RE nos 349.703, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes e 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso). Restrições ao uso de algemas (HC nº 91.952/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). Riscos para a legitimidade democrática (ataque: juízes não são eleitos. Defesa: • Atuação prevista na Constituição. • Democracia não se resume ao princípio majoritário, mas na defesa de princípios e valores previstos na Constituição. Risco de politização da Justiça (ataque: juízes passam a adotar uma postura claramente política e até populista. Defesa: até mesmo dentro dos extremos da teoria crítica, o juiz deve agir dentro de um escopo de normas de conduta, justificando e fundamentando suas decisões. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites (O judiciário não tem capacidade institucional de fazer ou implementar todos os aspectos de suas decisões). Acontecimentos recentes que corroboraram com o crescente ativismo judicial no Brasil. • Renovação do corpo de juízes e mudança de presidência do STF: Criação de Súmulas vinculantes (alegação de que o número reduzido de precedentes em relação a algumas delas daria ao STF, com sua edição, um papel quase normativo). • A operacionalização do instituto da repercussão geral promete um impacto significativo na qualidade e na quantidade das questões a serem julgadas. • O judiciário tem promovido um amplo debate por meio de audiências públicas antes de prolatar suas decisões (Ex.: interrupção da gestação no caso de anencefalia). • A polêmica dos habeas corpus em casos de grande visibilidade (ex.: caso Daniel Dantas).
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Capítulo 7
Resumo
1. Resumo Geral 1.1 Apresentação Nesta unidade, será iniciado um resumo de todo o curso dado até então, frisando os pontos mais importantes para fixação.
1.2 Síntese A Teoria Crítica surge como uma forma de pensamento alternativa à teoria tradicional hegemônica, pois apresenta: • Uma dissociação entre a teoria e prática. A separação do conhecimento da realidade. • Análise estanque – nega a dinâmica histórica da sociedade. • Termina por adaptar o pensamento à realidade. • Um instrumento de dominação da classe privilegiada.
O termo “Teoria Crítica” foi cunhado por Max Horkheimer na Escola de Frankfurt, instituto que foi criado com objetivo de realizar investigações científicas baseadas na obra de Marx. Destacam-se, dentre outros, Max HORKHEIMER, Theodor ADORNO, Herbert MARCUSE e Jurguen HARBEMAS. A Teoria Crítica do Direito, da mesma forma que a Teoria Crítica, vem para questionar o modelo jurídico tradicional que pode ser caracterizado pelos pensadores críticos como um modelo dogmático-fetichista-cientificista-normativista baseado: • Na obediência incontestável à lei. • Na redução da legitimidade à legalidade. • Na crença cega na neutralidade do direito. • Na interpretação puramente mecanicista-formal. • No Esvaziamento dos valores e da “humanidade”. • Reprodutor e instrumento de uma ordem dominante. • Em descompasso com a realidade social. • Excludente. A teoria crítica do direito tem como alvo básico as teorias positivista e jusnaturalista (fundamento do direito internacional para muitos autores). Grosso modo, dentre as correntes críticas de pensamento, atuação e concepção do Direito destacam-se: • Uso Alternativo do Direito. • Direito Alternativo. • Pluralismo Jurídico. • Escola do Direito Livre. Em relação ao pensamento jurídico crítico no Brasil, destaca-se apenas para efeitos de concurso: • Direito Alternativo e Grupo de Magistrados Gaúchos. • Direito Achado na Rua. Direitos humanos – Teoria Tradicional. O atual modelo é calcado na ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, criado em 1948 e reforçado 1993 por meio da Convenção de Viena. As discussões quanto à aplicação dos Direitos Humanos demonstram a ineficácia do sistema principalmente nos pontos da universalidade e indivisibilidade. Os teóricos críticos dos Direitos Humanos, notadamente Boaventura Souza Santos e Joaquin Herrera Flores, iniciam suas teorias demonstrando as falhas prático-filosóficas do atual modelo de Direitos Humanos. Ambos propõem uma reconstrução dos Direitos Humanos com base em um diálogo intercultural, criando um multiculturalismo emancipatório por meio de uma hermenêutica diatópica (Boaventura) e/ou um universalismo de confluência (Joaquin Herrera Flores).
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É importante frisar que um dos nortes da Teoria Crítica do Direito é articulação entre teoria e prática e concepção do direito como um espaço de luta para a emancipação. A crescente judicialização da Justiça e ativismo judicial se mostram como um solo fértil para a aplicação e proliferação dos preceitos da Teoria Crítica do Direito. A atual posição ativista do judiciário brasileiro pode ser percebida pela: • Aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário. Declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição. Imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
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1. A crise de legitimidade, da elaboração e aplicação da justiça. A crescente complexidade das novas formas de produção do capital e incisivas contradições sociais das sociedades contemporâneas. 2. Baseada na historicidade e cultura a formulação crítica de Marx descreve a formação de classes e a relação de dominação entre esses grupos. A crítica ao modelo vigente, portanto, visa a revelação da dominação, descobrir o que está por trás do discurso. Pressupõe a transformação pela ação. 3. Não só o cientista é também objeto como as ações sociais
são dinâmicas e frutos da história e cultura. 4. Propõe uma investigação dos fenômenos, relacionando-os com as forças sociais que os provocam. Ou seja, não apenas observam, mas interferem ao buscar os motivos e razões históricas, psicanalíticas e culturais que levaram à ocorrência de determinado fenômeno. A Ação está na busca, “fora do experimento”. 5. Errada. A Escola de Frankfurt não compartilha, necessariamente, a ideologia marxista, mas de seu modo analítico e crítico de ver o mundo.
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Gabarito
44 Indústria cultural, cultura de massa, teoria da razão comunicativa. 7. Crítica à teoria tradicional. 8. Repensar e superar o modelo jurídico tradicional concebendo o direito como um espaço de luta e emancipação. 9. Unicidade significa que só existe um direito válido, apto e abrangente. A estatalidade determina que esse direito válido é fruto do Estado, somente. Racionalidade é o fruto da construção racional exacerbada nos moldes do iluminismo. 10. Reduz o direito a mero conjunto de regras, cuja produção, uma vez que formalmente válida, é incontestável.
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11. O direito civil regulamenta e protege, em última instância, a propriedade. “Pobres”, por definição, não têm propriedade. Logo, é um ramo do direito, rotulado de abrangente a todos, mas que na verdade se aplica apenas a uma pequena parcela. 12. Não se pretende inovar o ordenamento, mas buscar alternativas jurídicas dentro do próprio ordenamento. Conferir-lhe um uso não tradicional, alternativo. 13. Não há. Os limites seriam apenas a consciência do julgador. 14. Universalistas: Jusnaturalismo. Relativistas: todo direito é criado pelo homem. É considerado o neopositivismo.