VOL. 2 | MAIO, 2021
insubmissa
Lugar de fala Abril Vivo e Resistente 26 de abril, pela visibilidade lésbica A Islamofobia na Europa Discurso de ódio vs. Liberdade de Expressão Liberdade Individual vs. Saúde Pública: A discussão intensifica-se em tempos de pandemia Os crimes de Israel e a Luta da Palestina pela Liberdade
LIBER
Apresentação da Vice-Presidente
DA
DE
Os rostos por detrás da Plano i
ABC da Igualdade Bigamia
Sabia que...? A União Europeia foi considerada uma zona de liberdade LGBTI
Espaço Cultural
PAULA ALLEN É um enorme privilégio enquanto pessoa, profissional e acima de tudo enquanto mulher poder escrever este texto para a Revista insubmissa da nossa Plano i e do Grupo de Jovens que impulsionei e coordeno com tanto orgulho. Mas este orgulho não se esgota nestes tópicos, acrescenta-se infinitas vezes quando o texto que me é solicitado deve narrar sobre a Liberdade. A Liberdade é o tema fraturante das nossas vidas. O tema que não pode ser descurado e que nos permitirá, um dia, ter uma sociedade mais justa, inclusiva e não discriminatória. Todos os dias procuro educar quem comigo se cruza para os valores da liberdade, lembrando-os/as que sermos verdadeiramente livres é tão crucial quanto respirar. Todos/as podemos educar para a liberdade agindo como modelos e tendo em consideração que os nossos comportamentos e atitudes são um dos principais veículos de educação não formal das outras pessoas. Enquanto mãe, posso não conhecer todas as teorias nem dominar todas as estratégias, mas garantidamente posso e devo respeitar a diversidade do meu filho e da minha filha e posso ser um modelo social para ele e ela. Enquanto profissional, tenho uma obrigação ética e moral, de procurar formação especializada, que me permita promover a educação para os afetos e para o respeito e inclusão nas crianças e jovens que vou formando. Corria o ano de 2014 e o meu filho Francisco escreveu no prefácio do seu livro a seguinte frase: “Quero muito ser adulto, mas sonho poder continuar a pensar como a criança que hoje sou. Quero olhar para os/as outros/as e ver apenas meninos e meninas, homens e mulheres. Não me importa a cor, o cheiro, a raça, a etnia, a orientação sexual e todas as outras coisas que os/as adultos/as valorizam.” Com ele aprendi que também eu quero muito continuar a ver o mundo como uma criança e acima de tudo uma criança que foi educada em liberdade e igualdade.
PAULA ALLEN Liberdade de me vestir como quero, de me maquilhar ou não, de ter ou não ter filhos/as sem que isso me complete ou subtraia, de ter uma relação assumida com alguém, ou de não a ter, ou ter várias, acima de tudo a liberdade de ser eu própria e de poder mudar a minha forma de me ver e de me representar no mundo, podendo ser hoje de uma forma e amanhã de outra sem que isso seja visto como fruto da minha instabilidade e disfuncionalidade hormonal, por ter nascido e me auto identificar como mulher. A liberdade de me poder expressar frente a qualquer pessoa e em qualquer lugar sem estar a ser vista como irreverente, mal-educada ou pouco assertiva. A liberdade de escolher quando, como e com quem quero ter atividade sexual, sem que a avaliação da minha líbido sexual me coloque no lugar de uma mulher com menor ou maior valor para uma relação supostamente mais séria (seja lá o que isso possa significar). A liberdade de escolher ir a um concerto ao invés de ir a uma peça escolar de um/a filho/a, ou de ir jantar com o namorado ou amigos/as depois de uma semana intensa de trabalho, ao invés de escolher ficar em casa ou sair com os/as meus/minhas filhos/as, sem que isso seja considerado como comportamento de uma má mãe. A liberdade de ser eu própria lutando todos os dias contra todos os papéis que a sociedade adquiriu para mim como se eu tivesse assinado um contrato de promessa de bom comportamento. Desejo que o meu filho e a minha filha, as minhas afilhadas, os meus sobrinhos e sobrinhas, e os elementos do Grupo de Jovens da Plano i possam encontrar, todos os dias em si mesmos/as, o espaço de liberdade e espero que contem comigo nesta caminhada.
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
ÍND ICE Organograma Plano i
5
Os rostos por detrás da Plano i - Apresentação da Vice-Presidente
6
Projetos Plano i
8
Oferta Formativa Plano i
25
Outros Projetos a Acompanhar
26
Apresentação dos subgrupos de trabalho do Grupo de Jovens
30
Contributos do Grupo de Jovens Promotor da Igualdade e da Saúde
34
Lugar de Fala:
38
Abril Vivo e Resistente
39
26 de abril, pela visibilidade lésbica
43
A Islamofobia na Europa
46
Discurso de ódio vs. Liberdade de Expressão
57
Liberdade Individual vs. Saúde Pública: A discussão intensifica-se em tempos de pandemia
59
Os crimes de Israel e a Luta da Palestina pela Liberdade
66
ABC da Igualdade: Bigamia
76
Sabia que...? A União Europeia foi considerada uma zona de liberdade LGBTI
79
Espaço Cultural
83
Exposição Fotográfica
102
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
ORGANOGRAMA DA PLANO i DIREÇÃO
ANA SOFIA NEVES
PAULA ALLEN
DORA PINTO
ARIANA CORREIA
ANA TELES 5
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
OS ROSTOS POR DETRÁS DA PLANO i APRESENTAÇÃO DA VICE-PRESIDENTE Paula Allen é Psicóloga, membro efetivo da Ordem
dos
Psicólogos
Portugueses,
especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações e tem especialidade avançada em Psicologia Comunitária e Sexologia. Trabalhou durante mais de uma década com população de etnia cigana e vítimas de Tráfico de Seres Humanos. É consultora em Igualdade de Género e formadora nesta área, desde 2000. É uma das fundadoras da Associação Plano i e atual
Vice-Presidente
da
Direção
da
mesma Associação. É Diretora Técnica do Centro Gis – Centro de Respostas às Populações LGBTI, da Casa Arco-Íris – Casa de
Acolhimento
pessoas
LGBTI
de
Emergência
Vítimas
de
para
Violência
Doméstica e do Plano 3C – Casa Com Cor – Apartamento pessoas
de
LGBTI
Doméstica.
É
Autonomização Vítimas
também
de
Violência
Presidente
Conselho Consultivo para as questões DOUTORA PAULA ALLEN
6
para do
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) LGBTI,
Co-coordenadora
científica
do
Observatório Nacional do Bullying e do Programa Uni+ – Programa de Prevenção e Combate da Violência no Namoro no Ensino
Universitário,
Coordenadora
científica do projeto #Black Lives Matter in Football Matosinhos, do projeto Tik Talks – Programa para a Promoção da Saúde Mental no Ensino Superior e Assistente de Coordenação científica do Projeto Íris – Trajetórias de Vida das Pessoas LGBTI Vítimas de Violência Doméstica. Faz parte da lista de especialistas reconhecidos/as pela CIG nas áreas de Igualdade entre mulheres e homens, Violência Contra as Mulheres e Violência Doméstica, Tráfico de Seres
Humanos
Identidade
e
e
Orientação
Expressão
de
Sexual,
Género
e
Características sexuais.
7
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO CENTRO GIS Começa por ti! Traz o debate sobre os direitos
das
conversas
pessoas
com
as
LGBTI
pessoas
nas
amigas,
familiares, na escola ou até mesmo no teu
local
de
discriminação
trabalho! Às vezes a é
fruto
da
falta
de
informação. Se ouves ou vês alguma pessoa amiga a ter
um
comentário
ou
atitude
preconceituosa, não ignores, alerta-a e explica-lhe o porquê de aquilo estar Este mês, o Centro Gis partilha consigo
errado.
algumas dicas sobre como promover a
Não utilizes expressões baseadas em
igualdade e não discriminação das pessoas
estereótipos de género. Muitas vezes o
LGBTI. No dia 17 de Maio, celebrou-se o Dia
insulto às pessoas LGBTI encontra-se
Internacional contra a Homofobia, Bifobia e
revestido
Transfobia.
Lembra-te,
Esta
é
uma
data
que
pretende
em
forma
uma
de
brincadeira.
brincadeira
só
é
engraçada, quando todas as partes
consciencializar para a discriminação a que
envolvidas são respeitadas.
as pessoas LGBTI - lésbicas, gays, bissexuais,
Respeita o nome e o pronome pelo qual
trans e intersexo - são sujeitas todos os dias.
as pessoas te dizem que querem ser
Mas o combate à discriminação cabe a cada
tratadas.
um e a cada uma de nós, com o objetivo de
discriminação que acontece com as
tornarmos o mundo num lugar mais seguro
pessoas trans é a negação do uso do
e com mais respeito. E fazer a diferença é
nome
possível em pequenos gestos diários:
identificam.
8
e
Uma
pronome
das
com
formas
o
qual
de
se
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Não assumas que todas as pessoas são
tendo sido realizados 18 atendimentos a
cisgénero ou heterossexuais. Se não
estas pessoas. Destas, 2 foram pela primeira
sabes, pergunta, ou então experimenta
vez atendidas pelo Centro Gis; 3 eram
utilizar linguagem inclusiva do ponto
menores e 8 tinham idades compreendidas
de vista do género e da orientação
entre os 18 e os 55 anos; e a maioria era de
sexual.
nacionalidade portuguesa.
Lembra-te: Os direitos das pessoas LGBTI
Podemos
também
são direitos humanos!
seguinte,
as
verificar,
diferentes
no
gráfico
tipologias
de
violência nesta população.
O nosso desafio é simples: Transforma Respeita Apoia Não discrimines Somos todos/as seres humanos. Por isso, partilha esta mensagem e dá voz à luta pela igualdade. A diversidade é bonita. Se precisares, ou conheceres alguém que precise de ajuda, contacta-nos. 640 pessoas já nos encontraram. Estamos aqui à tua
Para além de atendimentos presenciais, o
espera. Veja o vídeo no nosso canal de
Centro
Youtube.
atendimentos não presenciais, que, em
Desde 2017, o Centro Gis - Centro de
comparação, se apresentam claramente
Respostas às populações LGBTI, já atendeu
mais numerosos, com 27 pessoas atendidas
mais de 640 pessoas, oferecendo serviços
e 43 atendimentos. À semelhança da
especializados de atendimento em diversas
população anterior, a maioria das pessoas
valências.
são de nacionalidade portuguesa; 3 eram
Durante o mês de março, o Centro Gis, fez o
menores e a faixa etária das restantes
atendimento
pessoas não ultrapassa os 55 anos de idade.
presencial
de
11
pessoas
vítimas de violência doméstica e de género,
Gis
também
disponibiliza
Os gráficos abaixo permitem-nos ter uma
9
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) noção mais clara em relação a duas variáveis
Durante o mês de março, o Centro Gis deu
nas duas populações identificadas (pessoas
também 4 formações financiadas, sendo
atendidas
não
que duas destas foram ao Grupo de Jovens
presencialmente): a identidade de género e
da Plano i, tendo 47 pessoas assistido às
a valência de atendimento.
mesmas. O Grupo de Jovens continua a
presencialmente
e
receber formação todos os meses. Adicionalmente,
o
Centro
Gis
teve
a
oportunidade de formar 32 pessoas na Intervenção com Pessoas LGBTI e 22 pessoas nas Especificidades da Violência Doméstica em Pessoas LGB. Ao
longo
do
mês
houve
também
a
preocupação em participar, como entidade formadora, noutras ações de formação, Importa ainda destacar que, além dos
sendo que destacamos a palestra que foi
apoios prestados a pessoas vítimas, o Centro
dada a 146 pessoas acerca da temática
Gis
Violência Doméstica e de Género contra
atendeu
46
pessoas
caraterísticas
de
vida
vulneráveis,
correspondente
atendimentos,
através
LGBTI
com
Pessoas LGBTI.
particularmente da
a
68
plataforma
Skype.
gis@associacaoplanoi.org
@centro_gis
/CentroGis
/AssociaçãoPlanoi
10
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
PROJETOS PLANO i TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PESSOAS LGBTI VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Administração Pública central (Saúde, Justiça,
Administração
interna,
Segurança Social e Educação); Sociedade
civil
(Organizações
Não
Governamentais de Direitos Humanos, coletivos e associações LGBTI); Prática privada (Consulta psicológica, consulta jurídica). A Associação Plano i, está a conduzir uma investigação, (2019-2022),
cofinanciada com
o
pelo
objetivo
POISE
geral
de
caraterizar as trajetórias de vida de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo (LGBTI) vítimas de violência doméstica, com o intuito de descrever e compreender as especificidades dos seus percursos desenvolvimentais e de vitimação e os respetivos
impactos
a
nível
pessoal,
familiar e social, neste caso à luz das
Todos os quesitos éticos, nomeadamente os que dizem respeito à confidencialidade e ao anonimato, estão garantidos pela equipa de investigação. Muito agradecemos a vossa colaboração e a partilha
junto
de
outras/os
potenciais
participantes. A associação Plano i, solicita também a participação
no
estudo
divulgado
página seguinte.
perspetivas das pessoas que com elas intervêm. Assim, solicitamos o preenchimento de um inquérito a pessoas de todos os sexos que intervenham direta ou indiretamente com pessoas
LGBTI
vítimas
de
iris@associacaoplanoi.org
violência projeto-iris.wixsite.com/planoi
doméstica, num dos seguintes âmbitos:
11
na
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
PROJETOS PLANO i TIKTALKS - PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NO ENSINO SUPERIOR
A breve trecho será criada uma app que permitirá difundir conteúdos de promoção da literacia para a saúde mental e que responda aos desafios desenvolvimentais em tempos de pandemia. A realidade pandémica veio acumular vulnerabilidades pré-existentes, pelo que o serviço de consulta psicológica do TikTalks apresenta-se como a matriz do projeto, com uma procura que excedeu o projetado, com 310 consultas realizadas, num total de 100 utentes abrangidos/as desde o mês de janeiro deste ano. Realizaram-se ainda 3 Focus
Group
junto
de
Associações
Académicas, por forma a auscultar as necessidades prementes do público-alvo, reconhecendo que a saúde mental, apesar de ser mencionada em conversas entre colegas, é um assunto para o qual a literacia
tiktalks@associacaoplanoi.org
no ensino superior ainda é baixa e está efetivamente patente a desvalorização da
@tiktalks.ensinosuperior/
mesma, principalmente em comparação com a saúde física. Foram ainda realizados 2 webinares e 2 workshops
dirigidos
/tiktalks.ensinosuperior
a
estudantes do Ensino Superior, todos com www.associacaoplanoi.org/tiktalks/
tónica na promoção da saúde mental, tendo alcançado cerca de 1400 pessoas.
13
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
PROJETOS PLANO i BANDA DESENHADA - SUPER I'S e o respeito através da sua história. Super Jo, ilustrada por Larissa dos Anjos e escrita por Ana Reis, aborda o universo LGBTI e o bullying em idade escolar.
O projeto Super i’s já está no mundo virtual! Na nossa página do instagram partilhamos dados relevantes para a comunidade em geral e desvendamos, uma a uma, as nossas super-heroínas.
Sigam
a
página
para
acompanhar a nossa aventura no universo da banda desenhada inclusiva. Também podem
lá
encontrar
os
nossos
lives
dinamizados por Cátia Seabra, pessoa voluntária do projeto, onde criamos um momento navegamos
de
partilha
pelo
de
processo
vivências de
e
Super Yasmin, ilustrada por Joana Molho e
escrita,
escrita com a colaboração de Bebiana
ilustração e inspiração de cada BD.
Brochado e Lisandro Castro, desvenda a
Todas as nossas heroínas apesar das suas
história de uma criança vinda da Síria para
características e estilos diferentes, têm em
Portugal
em comum o dom de despertar a empatia
refugiada. 14
com
o
estatuto
de
pessoa
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Contou com a participação de Sandra Rodrigues,
Mariana
Falcão
e
Catarina
Neves. Super Sol, ilustrada por Afonso Aroso e escrita por Ana Reis com a colaboração de Sofia Neves, fala-nos de uma super-heroína com
diversidade
funcional
capaz
de
estimular a bondade das pessoas que a rodeiam.
Super Duda, ilustrada por Mariana Serra e escrita por Cátia Seabra, leva-nos numa viagem
pelos
sentimentos
e
sensações
físicas duma heroína com perturbação de ansiedade.
Super Maria, ilustrada por Mariana Mattos e escrita por Marisa Santos, personifica o super-poder da empatia. Quando bate com o seu sapatinho no chão, torna-nos capazes de reconhecer e validar as experiências das outras pessoas.
15
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) A história de Nyah destaca a importância da representatividade
na
luta
contra
o
racismo. Muito melhor do que ler sobre as nossas super-heroínas é ler as suas aventuras que estão disponíveis no site da Plano i. Sintam-se à vontade para divulgar as nossas histórias, para que cheguem ao maior número de crianças e jovens possível. Em conjunto, contribuiremos para um futuro mais justo e digno, onde todas as pessoas se sentem representadas. Super Nyah foi ilustrada por Larissa dos Anjos e escrita por Cátia Seabra em parceria com
Nuna,
Josimar
Pacheco-Cassamá,
Paulo Dias e Leandro Tavares.
@bd.super.is www.associacaoplanoi.org/publicacoes
16
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
PROJETOS PLANO i 17 DE MAIO ‒ DIA INTERNACIONAL HOMOFOBIA, BIFOBIA E TRANSFOBIA
DE
LUTA
CONTRA
A
LGBTIQ+ marcaram o 17 de maio de forma simbólica, mas com um objetivo claro ‒ o de passar uma mensagem de visibilidade, inclusão e igualdade. Apesar das várias lutas e dos avanços legislativos, sociais e políticos, e apesar do apoio de várias entidades, os momentos cuja presença mais se faz notar, tendem a A 17 de maio de 1990, a Organização
ser os que o fazem pela negativa. Este ano, a
Mundial
a
Câmara Municipal de Lisboa, a Câmara
Classificação
Municipal de Matosinhos (na estrutura da
de
Saúde
Homossexualidade
da
excluiu
Estatística Internacional de Doenças e
sua
Problemas Relacionados com a Saúde. A
Municipal de Vila Nova de Gaia e a
partir daí, o dia 17 de maio passou a
Residência Oficial do Primeiro-Ministro de
simbolizar o Dia Internacional da Luta
Portugal
Contra a Homofobia (sendo, com o passar
abriram caminho, no último caso de forma
dos anos, adicionados os conceitos de
histórica, e posicionaram-se, efetivamente,
Bifobia, Transfobia e, por vezes, Interfobia).
contra
As pequenas vitórias da comunidade e das
discriminações enfrentadas pelas pessoas
pessoas LGBTIQ+ vêm a ser celebradas todos
LGBTIQ+, hasteando bem alto, a bandeira
os anos, neste dia que carrega consigo um
que
marco histórico na luta pela igualdade, e
AMPLOS-Porto,
2021 não seria diferente. Em Portugal, e um
Consultivo
pouco por toda a Europa, várias associações,
(CCLGBTI), criado pela Associação Plano i e
organizações
do qual faz parte, viu, tristemente, o seu
e
coletivos
pelos
Direitos
Humanos e em particular, pelos direitos
Casa
da
Juventude),
António
os
Costa,
vários
representa para
pessoas
membro as
Câmara
entre
ataques
as
a
do
outras,
sofridos
LGBTI.
e
A
Conselho
questões
LGBTI
pedido endereçado à Câmara Municipal do
17
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Porto para hastear a bandeira LGBTI, ao lado
terminou foi isto que sentimos na Plano i, a
das outras Câmaras, negado. A justificação
felicidade de dever cumprido. Foi também
dada de não ser possível hastear bandeiras
com este objetivo que geramos este bem
“não protocolares”, não serviu, nem foi
comum,
recebida com credibilidade, uma vez que o
alimentamos todos os dias. O objetivo de
protocolo é geral a todas as instituições
dar voz e de lutar ao lado das pessoas que
governamentais.
são mais discriminadas – lutar sempre do
Ainda assim, e porque a Associação Plano i
lado certo – estar sempre do lado certo da
se presa pela insubmissão e pela luta
história. E mais uma vez estivemos do lado
incondicional, às 13h, juntou-se com outras
certo da história.
associações,
pessoas
Quando olhamos para o arco-íris vemos dois
especialistas do CCLGBTI, frente ao edifício
lados e ficamos à espera de encontrar dois
da Câmara Municipal do Porto, com uma
potes de ouro, um em cada um desses
bandeira
sua
lados, e ontem, enquanto representava a
presença e deixando claro que, a luta para
Plano i e o Conselho Consultivo para as
que o Porto seja uma cidade inclusiva e
Questões LGBTI sentia que, trabalhar nesta
multicolorida, vai continuar.
área e lutar esta luta, significa muitas vezes
A Drª Paula Allen, vice-presidente da
percorrer este arco-íris de uma ponta à
Associação
do
outra, vezes sem conta, na esperança de
ato
encontrar os potes de ouro e encontrá-los,
coletivos
arco-íris,
Plano
CCLGBTI,
esteve
simbólico,
com
e
marcando
i
e
Presidente
presente toda
a
a
neste
irreverência
e
que
é
a
Plano
i,
e
que
o
tantas e tantas vezes, vazios.
dedicação que já veste na pele, esta luta
São muitas as caminhadas e as marcas que
que lhe corre nas veias. Perguntamos-lhe o
espero
que significa para ela o 17 de maio e o que
lembrando-vos sempre a primeira frase
sentiu nos eventos que o marcaram este
deste texto: a felicidade do dever cumprido!
conseguir
explicar
de
seguida,
ano. O que se segue foi a sua resposta, um
Ouço frequentemente a velha frase
texto, como todos os outros que escreve,
“temos de marcar” e sinto que muitas
inspirador e impulsionador do seu ativismo,
vezes as pessoas querem estar, querem
ao qual deu o título de “A felicidade de
envolver-se, querem apoiar e querem
dever cumprido”: "Quando o dia 17 de maio
marcar presença, mas estão sem tempo.
18
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Assim como há outras pessoas que,
peguei naquela bandeira uma única vez.
tendo algum tempo, não terão o tempo
Por vários motivos. E o principal foi porque
certo para dedicar a esta causa. Eis um
a AMPLOS foi a Associação que solicitou à
dos potes muitas vezes vazio.
Câmara Municipal do Porto que a mesma
Entendo que, para certas pessoas, a
fosse hasteada, logo deveria ser a AMPLOS
paixão pelo que é nosso nos envolva e
(que tanto gosto, cuido e respeito) a erguer
nos faça crer que o nosso é perfeito, mas
bem alto. Outro dos motivos foi porque vi
essa paixão não nos deveria conduzir ao
nos olhos de tantas pessoas que ali
vazio afetivo de ver o que é das outras
estavam, que conheço pessoalmente e que
pessoas como inferior, e frequentemente
são LGBTI a vontade de erguer bem alto
encontro isso nesta luta. Sinto que,
aquele mastro, e aquele palco era deles e
muitas pessoas têm uma lente que
delas, e eu era apenas a fotógrafa. Era
apenas lhes permite ver desta forma: só
aquela que iria encher os seus emails de
se a minha associação/grupo estiver
mimo quando lhes enviasse as fotografias.
incluída é que o produto é bom ou vale a
Não sou pessoa LGBTI mas tenho outro
pena e caso contrário não valorizarei,
orgulho, sou uma profissional que procuro
não
darei
força,
desvalorizar.
A
irei
mesmo
a excelência naquilo que faço e que me
pelos
Direitos
especializei
ou
luta
para
poder
trabalhar
da
Humanos é uma luta de todas as
melhor forma possível com as pessoas
pessoas, ou deveria ser, e temos de unir
LGBTI. Falo-vos do último pote vazio de
as nossas mãos, caso contrário de nada
alma – da alma daqueles e daquelas que
adiantará
ordem
consideram que não sendo eu LGBTI não
“ninguém larga a mão de ninguém”,
deva ter estado onde estive em todos os 17
quando muitas vezes nunca as deram
de maio. Mas a minha vida profissional não
pela primeira vez. Outro pote tantas
se faz de palcos com luzes e holofotes, faz-
vezes vazio. Nos tempos que vivemos,
se todos os dias, muitas vezes mais de 14
palavras
sororidade,
horas por dia “atrás de uma câmara," onde
feminismos, igualdades e tantas outras,
mais precisam que eu esteja. E aí, o meu
devem ser colocadas no pote das lutas!
pote de ouro está cheio e coberto de glitter!
Por último falo-vos de legitimidade. Não
A felicidade de dever cumprido!
gritar
como
palavras
união,
de
19
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Por último, algumas palavras finais, as de
“Para mim o dia 17 de maio (o dia em que
agradecimento, vão para as Autarquias de
ser lésbica, gay ou bissexual (entre outras
Vila Nova de Gaia e de Matosinhos, que
possibilidades) deixou de ser considerado
estão do lado certo da história e que
doença) é um marco na história dos
hastearam a bandeira LGBTI; vão também
Direitos Humanos. Contudo, apesar de já se
para as pessoas que comigo lutam todos os
terem passado 31 anos e ainda existirem
dias na Plano i, Direção, colaboradores e
profissionais
colaboradoras e pessoas voluntárias; e por
reconversão, é sinal de que não podemos
fim vão para o Grupo de Jovens Promotor
deixar cair esta luta no esquecimento, nem
da Igualdade e da Saúde da Plano i, que nos
deixar de assinalar o dia, exigindo o
incentiva a sermos maiores e melhores.
respeito que todas as pessoas merecem.
As palavras de pesar vão para todas as
A recusa da Câmara Municipal do Porto em
críticas da montra de monstros que temos
assinalar o dia, mesmo que de forma
nas redes sociais e que, à luz de uma
simbólica, é
suposta e falsa liberdade de expressão,
negligente,
maltratam as pessoas LGBTI, e para os
estigmatizante de quem está à frente do
media, que mais uma vez, não estiveram na
poder político. Calar é compactuar com
cobertura dos eventos acima identificados
essa postura e isso não posso aceitar. Ir lá
e que poderiam ter feito a diferença
marcar a minha posição tem precisamente
mostrando que Portugal está mais seguro e
esse significado, por mais que queiram
inclusivo.”
calar a voz de quem defende os Direitos Humanos,
a
praticar
representativa
não
terapias
da
atitude
preconceituosa
e
irão
conseguir!
Na redação deste texto, a revista falou com a
sempre
Drª
presença e gritarmos mais alto.”
Ana
humanos,
Silva,
ativista
Mestre
Coordenadora
em
Técnica
pelos
direitos
Psicologia do
e
Projeto
Ampliando Famílias da responsabilidade da AMPLOS. A Drª Ana, tal como a Drª Paula, marcou presença na frente da Câmara Municipal do Porto e teve isto a dizer:
20
uma
de
maneira
de
Haverá
marcarmos
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
21
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
22
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
23
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
24
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
OFERTA FORMATIVA PLANO i FIQUE A PAR DE TODAS AS AÇÕES DE FORMAÇÃO QUE SERÃO DESENVOLVIDAS PELA ASSOCIAÇÃO PLANO i
Nas formações financiadas, os/as formandos/as têm direito a subsídio de alimentação. Todos/as os/as formandos têm direito a certificado emitido pela plataforma SIGO. Caso pretenda efetuar a sua inscrição em qualquer uma das formações acima mencionadas, consulte o site da Associação Plano i, nomeadamente o separador das formações.
25
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
OUTROS PROJETOS A ACOMPANHAR OBSERVATÓRIO NACIONAL CONHECER PARA AGIR
DA
VIOLÊNCIA
Por
forma
CONTRA
a
fenómenos,
conhecer
foi
criado
ATLETAS:
este em
e
outros
Portugal
o
Observatório Nacional da Violência contra Atletas (ObNVA). O Observatório Nacional da Violência contra Atletas - ObNVA, é uma plataforma de Nos últimos anos, têm sido várias as
recolha de dados de evidência sobre a
pessoas atletas, sobretudo mulheres, a vir a
prevalência de violência sobre atletas; um
público
depositário de denúncias informais que
denunciar
situações
de
discriminação e/ou de violência no âmbito
reencaminha
da sua prática desportiva.
competentes;
O documentário produzido em 2020 pela
facilitadora de apoios de vária índole para
Netflix, Athlete A, retrata os abusos sexuais
quem a ela recorre com esse pedido de
a que foram sujeitas, durante anos, as
ajuda.
atletas da seleção feminina de ginástica dos
Trata-se de uma iniciativa promovida pelo
Estados Unidos pelo médico Larry Nassar.
Instituto
Muito
Campeonato
colaboração com a Associação Plano i,
Europeu de Ginástica Artística, a decisão de
desenvolvida em parceria com o Instituto
Sarah Voss de usar um fato completo levou
Português do Desporto e Juventude, a Alta
a Federação do seu país a considerar que a
Autoridade para a Prevenção e o Combate à
atitude da atleta foi de contraposição à
Violência no Desporto, o Comité Olímpico
"sexualização da ginástica", numa altura
Português,
em que prevenir o abuso sexual parece ser
Portugueses
cada vez mais urgente.
Treinadores de Portugal.
recentemente,
no
26
para e
as
Autoridades
uma
ferramenta
Universitário
a
Ordem e
a
da
dos
Maia
em
Psicólogos
Confederação
de
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) O ObNVA destina-se a pessoas atletas que
realidade que urge caracterizar, no sentido
são ou foram vítimas, testemunhas ou
de desenvolver políticas e medidas de
outras que têm ou tiveram conhecimento
prevenção e combate eficazes.
de uma situação de violência neste âmbito.
Os objetivos centrais do projeto são:
Em suma, o objetivo é melhorar o ambiente
1. Fazer o levantamento de situações de
no universo desportivo e da promoção e
violência
salvaguarda da saúde e bem estar dos/as
diretamente ou testemunhadas;
atletas.
contra
atletas
vividas
2. Caracterizar as situações de violência
Tendo sido lançado em setembro de 2020,
contra atletas, na ótica da compreensão
o ObNVA recebeu até abril de 2021 um total
das
de 13 denúncias informais, o que perfaz
consequências e implicações;
suas
tipologias,
dinâmicas,
uma média de 2 reportes por mês. Estando
3. Encaminhar as pessoas que o desejarem
empírica e cientificamente documentada a
para as autoridades competentes (e.g.,
resistência que existe por parte de pessoas
órgãos
atletas em revelar a violência sofrida no
atendimento e apoio a vítimas);
contexto da prática desportiva, estes dados são,
ainda
que
de
polícia,
serviços
de
4. Contribuir para o desenvolvimento de
aparentemente
estudos científicos
inexpressivos em termos numéricos, muito
apreço;
relevantes do ponto de vista do seu
5. Contribuir
para
a
no
domínio
otimização
em das
significado.
políticas e medidas de prevenção e
Cientes da escassez de estudos científicos,
combate à violência contra atletas.
nomeadamente
em
Portugal,
e
da
A colaboração de pessoas e entidades na
inexistência de mecanismos de denúncia
desocultação
que estejam facilmente ao alcance de
absolutamente imprescindível. Acabar com
todos/as
a cultura do silêncio é desafiar a cultura da
e
que
permitam
às
vítimas
reportar, anonimamente, as situações de
deste
problema
é
violação.
violência a que estão ou estiveram expostas no âmbito do treino e/ou na competição, o ObNVA
será
uma
ferramenta
Sofia Neves
de
mapeamento e de compreensão de uma
www.ismai.pt/pt/investigacao/obnva
27
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
OUTROS PROJETOS A ACOMPANHAR PROJETO SAFE(CI)TY sua perceção de insegurança experienciada nestes locais e, consequentemente, limitar e restringir a sua utilização dos mesmos. Assim, muitas sentem que dependem de uma
presença
masculina
para
estar
seguras, o que limita as suas oportunidades e perpetua o sistema patriarcal de domínio masculino. Contudo, há um conjunto de caraterísticas
que
podem
ser
implementadas ao nível do planeamento urbano e que têm a capacidade de alterar esta
sensação.
Entre
estes
estão
a
iluminação, abertura, visibilidade ou o A violência contra as mulheres é uma
número de pessoas num certo local.
violação dos Direitos Humanos e um dos
Foi neste seguimento que surgiu o projeto
principais
de
SAFE(CI)TY. Uma iniciativa resultante do
igualdade entre géneros, de modo que é
Programa de Mentoria da HeForShe Lisboa,
preciso arranjar respostas para eliminar este
em conjunto com a Doutora Ana Sofia
tipo de agressões, nomeadamente, as que
Antunes – investigadora perita na matéria
acontecem em espaços públicos. Para as
da violência de género e Presidente da
mulheres jovens e adultas, a vida urbana
Associação Plano i. Este pretende, não só
está dotada de situações de assédio sexual
sensibilizar
– diferentes, mas não exclusivas, aos crimes
fomentação de diálogo para esta temática
experienciados pelos homens (como os
mas também promover a sensação de
assaltos) – que contribuem para aumentar a,
segurança e confiança das mulheres em
obstáculos
à
obtenção
28
as
pessoas
através
da
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Portugal.
outras mulheres e de facto compreender a
Perante o desafio do Mentoring the Future,
verdadeira dimensão deste problema, que
sabia que tinha de desenvolver algo que,
é a violência de género, em Portugal.
para mim, fosse especialmente importante.
Tendo, acima de tudo, a consciência de que,
Desde a adolescência que não me sinto
ao tornar as cidades mais seguras para as
segura a andar sozinha na rua. Começou
mulheres, podemos aumentar também a
com uns piropos ou assobios – que, por si
sua
só, são demasiadas vezes normalizados
económicas, culturais e políticas.
participação
nas
como, simplesmente, fazendo parte da vida de uma mulher que caminha pela rua
Sofia Batista
sozinha (ou não) – e depois cada vez com mais situações, como olhares permanentes em transportes públicos, que se seguiam de homens a sair na mesma paragem que eu e de chamadas à minha mãe, na esperança de que este apoio à distância me conseguisse
fazer
chegar
a
casa
em
segurança. Com o tempo, fui falando com amigas e familiares e apercebendo-me de que estas situações eram muito mais recorrentes do que pensava e que – para minha surpresa – ninguém falava realmente nelas, a não ser que o tópico surgisse. Então, decidi que estava na hora de reivindicarmos o
nosso
espaço
(público),
enquanto
mulheres, e de abrirmos este diálogo, na esperança de que se conseguisse alterar alguma coisa. Desde o seu começo, em março, que tem sido uma experiência muito interessante poder partilhar episódios com
@safecity_project
29
esferas
sociais,
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
APRESENTAÇÃO DOS SUBGRUPOS DE TRABALHO DO GRUPO DE JOVENS GRUPO 1 - Bullying e Ciberbullying
género ainda há muito por alcançar. Em
No que diz respeito aos temas do Bullying e
pleno século XXI continuamos a assistir a
Cyberbullying, a Plano i, pretende, através
desigualdades salariais baseadas no sexo,
dos seus diferentes projetos e atividades,
quando se exerce a mesma função; apesar
sensibilizar, formar, educar e intervir, com
de as mulheres aparecerem como maioria
toda a comunidade educativa articulando
no ensino superior, esta não se estende aos
em todas as esferas sociais na qual a
cargos de topo e de liderança, uma vez que
criança e o/a jovem se inserem.
estes são, maioritariamente, ocupados por
Um dos nossos objetivos é contribuir para a
homens;
promoção de espaços educativos/escolares
acumular as funções laborais com as
respeitadores, inclusivos, diversos e plurais!
domésticas, levando a cabo duplas ou, até,
Consideramos fundamental que, os alunos
triplas jornadas de trabalho – como se
e as alunas, desenvolvam competências ao
verificou em tempos de teletrabalho, tendo
nível da diversidade social e da promoção
de cuidar dos/as filhos/as; entre outros
do respeito entre todas as pessoas, e
exemplos. Tudo isto demonstra que a
consideramos
igualdade
também
crucial
que
se
as
mulheres
ainda
está
continuam
longe
de
a
ser
promova a articulação entre o espaço
alcançada. Para além da igualdade, será
escolar e o espaço familiar.
importante, também, trabalhar no sentido da equidade dos géneros. A violência de
GRUPO 2 - Igualdade de Género, Violência
género é a violência direcionada a alguém
de Género e Violência Doméstica
por causa do seu género, sendo que afeta,
O Grupo 2 foca-se nas temáticas da
desproporcionalmente, as mulheres. Um
Igualdade de Género, Violência de Género e
exemplo de violência de género é a
Violência Doméstica. Apesar de já termos
violência doméstica. O Grupo 2, estando
feito,
inserido no Grupo de Jovens da Plano i,
enquanto
sociedade,
avanços
significativos no caminho da igualdade de
rege-se pelos valores da mesma e, com o
30
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) o
seu
trabalho,
pretende
informar,
GRUPO 4 - Saúde sexual e reprodutiva,
sensibilizar e empoderar todas as pessoas –
Planeamento familiar e Direitos Sexuais
para que se sintam livres e para que todas
Segundo a Organização Mundial da Saúde
as decisões tomadas sejam fruto da sua
[OMS] (2015), a saúde sexual é amplamente
escolha – que se pretende informada;
compreendida à luz do bem-estar físico,
promover o reconhecimento das diferenças
emocional, mental e social relacionado à
entre
sexualidade. Os Direitos Sexuais devem ser
formas
de
comunicação
discriminatórias, neutras e sensíveis ao
respeitados,
ouvidos,
incentivados
e
género e romper com os estereótipos de
defendidos por toda a sociedade, pois são
género. Almejamos igualdade e equidade
estes direitos que defendem que toda e
de direitos e oportunidades mas, também,
qualquer pessoa possa viver a sua vida
de responsabilidades. Somos feministas.
sexual com prazer e livre de discriminação (IPFF, 2008). É fundamental que as pessoas
GRUPO
3
-
Orientação
Identidade/Expressão
de
sexual,
género
tenham controlo sobre a sua própria
e
fertilidade pelo acesso à contraceção e à
Características Sexuais à Nascença
interrupção
O grupo temático de orientação sexual,
aprendam e participem em campanhas de
identidade
sensibilização
e
características
expressão
de
género
e
sexuais
à
nascença,
voluntária sobre
da
gravidez,
as
doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs), tenham
pretende sensibilizar para as questões
acesso
relacionadas com a população LGBTI+.
sexuais, sequelas da violência sexual ou
Através da inclusão e da diversidade, este
mutilação genital feminina, bem como lhes
dinâmico grupo defende o ser humano da
seja permitido um espaço livre para que,
maneira que ele se entende e é.
sem coerção, discriminação ou violência, se
Num mundo em que os desafios urgem
possa
com cada vez mais rapidez e fluência,
prazerosas e seguras (OMS, 2015).
importa impormo-nos contra a intolerância
Isto porque, e como referido anteriormente,
e firmarmos um espaço seguro para quem
a sexualidade contribui para o equilíbrio
está fora da norma. Todas as formas de ser
físico e psicológico de todos os indivíduos,
e amar são válidas e esse é o nosso
constituindo-se como parte integrante da
propósito e a nossa missão.
sua identidade ao longo da vida (IPFF,
31
a
informação
experienciar
sobre
disfunções
relações
sexuais
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) 2008). Desta forma, o Grupo 4, da Saúde
Saúde
Sexual
passaram a estar na boca do mundo, talvez
e
Reprodutiva,
Planeamento
Mental
a
sua
como
pessoas de informação e quebrar tabus,
Enquanto
através da criação de um espaço seguro,
continuar a lutar e a informar para a
em que o conhecimento seja de fácil
importância
acesso, claro e abrangente, bem como
normalizar que está tudo certo quando
defender e promover a saúde sexual.
pedimos ajuda.
GRUPO 5 - Saúde Mental
GRUPO
O grupo 5 do Grupo de Jovens Promotor da
Ciganofobia
Igualdade e da Saúde é responsável pela
O nosso grupo pretende combater de
dinamização da área da Saúde Mental. O
forma
nosso
permanente,
é
informar,
antes
importância
Familiar e Direitos Sexuais, visa munir as
propósito
nunca
e
grupo,
6
de
-
tinha
a
nossa
combater
Racismo,
inconformada, tanto
acontecido. missão estigmas
Xenofobia
insubmissa no
é e
e
e
trabalho
consciencializar e desmistificar a saúde e a
desenvolvido na Associação Plano i como
doença mental.
na vida, o Racismo, a Xenofobia e a
Quando falamos da atualidade, surge na
Ciganofobia.
nossa mente a palavra COVID-19. Esta
porque foi-nos ensinado que não podemos
pandemia
panorama
ser duas coisas, e que a hipocrisia corrompe
nacional e internacional, e revelou uma
o mundo. Não podemos lutar invictamente,
perspetiva do quão difícil pode ser lidar
alertar, denunciar, esclarecer, informar, e
com diversas alterações e restrições nas
depois no nosso dia a dia, nas coisas
nossas vidas, particularmente a privação da
pequenas e corriqueiras, nas banalidades
nossa liberdade. A mudança, a incerteza e
sublinhadas, compactuar. Lutamos todos
nossa liberdade. A mudança, a incerteza e
os dias para contrariar todos os viés que a
o
nossa
medo
influenciou
trouxeram
o
insegurança
e
Principalmente
sociedade
na
racista,
vida,
xenófoba,
fragilizaram a saúde mental de muitas
ciganófoba,
pessoas.
desinformada, infelizmente nos incutiu.
Todos os dias surgiram e continuam a
Tornar
surgir notícias acerca da importância de
construirmo-nos melhor. Somos melhores
cuidar do nosso corpo e da nossa mente. A
quando vemos o melhor das outras pessoas
32
o
preconceituosa mundo
melhor,
é
e primeiro
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) e o trabalhamos também. A luta é não
Referências bibliográficas
negligenciar
International
as
pessoas
que
pela
Planned
Parenthood
ignorância se deixam consumir. É não calar
Federation [IPPF]. (2008). Sexual Rights: An
de cansaço das coisas que a nós nos
IPPF
parecem óbvias. É não achar nunca já
https://www.ippf.org/resource/sexual-
sabermos tudo. É ouvir para compreender,
rights-ippf-declaration
Declaration.
não para responder. É todos os dias recomeçar, porque todos os dias o mundo nos lembra do quanto ainda há para fazer. É fazer mais, fazer de novo, fazer melhor. O nosso grupo trata de muitas questões e a mais importante é a humanidade.
@jovens.planoi
33
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
CONTRIBUTO DO GRUPO DE JOVENS NO DIA DO/A TRABALHADOR/A No dia 1 de maio assinalou-se o dia das
Certifique-se de que o local de
pessoas trabalhadoras. Como tal, o Grupo
trabalho é acessível - com
de Jovens da Associação Plano i sugere
07
algumas medidas por forma a tornar o contexto laboral mais inclusivo:
01
Uso
de
Peça, regularmente, feedback
linguagem
sobre
inclusiva/sensível ao género. Locais de trabalho com casas de
03
cada
09
sua
o
processo
de
para
incluir
de
vários
programas comunitários, feiras de empregos e consultorias de
Ter uma sala de oração no local
contratação,
de trabalho.
garantir um staff diversificado. apoio
à
saúde
Não
mental nos seguros de saúde de
de
promova
forma
estágios
a
não
remunerados - todos/as os/as
todos/as trabalhadores/as.
10
Horas extras deverão, sempre, ser
06
na
candidatos/as
possa trazer comida típica da sua
Disponibilizar
05
dos/as
organização - para que possa
contratação
trabalhador/a
região/ cultura.
04
experiência
trabalhadores/as
Facilite
Promova convívios empresariais quais
a
colmatar possíveis lacunas.
banho neutras em género.
nos
pessoas que usem cadeiras de rodas.
08 02
rampas ou elevadores - para
trabalhadores/as
ter
direito a remuneração - tendo
pagas ou acumuladas em banco
ou
de horas.
prévia.
34
devem
não
experiência
laboral
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Promova
11
uma
O dia 1 de maio marca a luta por uma
cultura
empresarial onde todas
sociedade mais justa! Apelamos para que
as
vozes são bem-vindas, ouvidas
o
Governo
português,
as
empresas
e respeitadas.
portuguesas e o mercado de trabalho internacional considerem a adoção destas medidas para que possamos todos e todas
Reconheça e celebre os dias
viver num mundo melhor - um mundo
que têm significado para os/as
regido pelos direitos humanos, que aceita
seus/suas trabalhadores/as, tais
12
a diferença e promove a inclusão.
como o Mês da História Negra em fevereiro, o Mês do Orgulho em junho, o Ramadão, entre outros. Sempre que houver eventos sociais da empresa, certifiquese que são incluídos alimentos
13
e bebidas que todos/as podem comer e beber (carne halal, comida vegetariana ou vegan, gluten and dairy-free).
Crie espaços seguros para as
14
mães que estão a amamentar os/as filhos/as.
Considere
15
ter
produtos
menstruais gratuitos nas casas de banho.
35
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
CONTRIBUTO DO GRUPO DE JOVENS NO DIA 17 DE MAIO O caminho que tem vindo a ser traçado
vindas nos nossos países. Esta é uma
pelas pessoas LGBTI e pessoas que lutam
posição necessária de ser tomada quando
pelos seus direitos já é longo e, por vezes,
constatamos que 2020 foi o segundo ano
vitorioso. Têm ocorrido muitas mudanças
consecutivo em que os países Europeus
legais e algumas sociais. A alteração
desceram a sua posição no Índice Arco-
histórica à norma para pessoas candidatas
Íris, ilustrador da situação legal e em
a dádiva de sangue, terminando com a
termos de políticas LGBTI, continuando a
discriminação
observar-se
existente
em
relação
à
um
direitos
recente destas mudanças em Portugal.
adquiridos.
Podemos assim afirmar que vivemos
Em Portugal, ainda lutamos contra as
numa sociedade livre de discriminação,
chamadas terapias de reorientação sexual,
em
pode
que vão contra o próprio conceito de
orgulhosamente mostrar-se como é, viver
terapia, que pressupõe o tratar e curar, e
a
não uma constante negação e ferir da
vida
cada
de
pessoa
acordo
com
a
sua
individualidade e especificidade? Não. Mas
pessoa,
já estivemos mais longe dessa realidade.
sofrimento.
O
recente
posicionamento
pensava
causando
apenas
já
estarem
profundo
o
A realidade vivida neste momento, nos
Parlamento Europeu tomou em relação às
Estados Unidos da América (EUA), também
atrocidades que as pessoas Polacas e
é dolorosa e um atentado aos Direitos
Húngaras
Humanos,
vivem,
foi
que
se
de
orientação sexual, é um exemplo claro e
que
que
desaparecimento
simbolicamente
com
múltiplos
Estados
a
importante (como afirmou a Eurodeputada
lutarem pela criação de leis que limitam o
Terry Reintke) pois passa a mensagem, a
acesso de crianças trans a desportos, e as
quem concorda e a quem despreza a
banem de cuidados de saúde necessários
decisão, que as pessoas LGBTI são bem-
ao seu bem-estar.
36
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Relembramos também que, este ano, dias antes desta tão marcada data, foram brutalmente assassinados três homens gay - Lindolfo Kosmaski, Normunds Kindzulis e Alireza Fazeli Monfared. Relembramos que, em pleno século XXI, as pessoas ainda são alvo de crimes de ódio que atentam à sua
vida,
apenas
por
existirem.
A
criminalização de relações entre pessoas do mesmo género ainda existe em 69 países, sendo que 6 países ainda utilizam a pena de morte. 42 países apresentam barreiras legais contra a liberdade sexual e de género. Então, por todos estes motivos, na luta constante pela liberdade, justiça, respeito, amor, ainda celebramos este dia. Todos os dias são de luta contra a LGBTIfobia. Contra a invisibilidade e isolamento das pessoas
LGBTI.
Não
podemos
negar
identidades e formas de ser quando estas pessoas existem e tudo o que pedem é a possibilidade de continuarem a existir livremente e em segurança. Veja o vídeo no nosso canal de Youtube.
/AssociaçãoPlanoi
37
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA
38
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TEX SILVA ABRIL VIVO E RESISTENTE O povo português viveu décadas sob o
meia-noite, as ruas enchem de soldados,
efeito
que
tanques, jipes e camiões. Os edifícios de
as
poder político e policial ficam cercados,
anestésico
antecedeu
a
da
ditadura
Revolução,
até
que
injustiças sociais e o atraso económico e
sob
cultural que definiam a época culminaram
revolucionários.
naquilo que António Reis veio a chamar de
população é informada de que se trata de
“euforia revolucionária” (Almeida, 1996). A
uma ação do MFA, uma ação em busca da
25 de abril de 1974, Portugal iniciou o seu
liberdade para o País, para os seus
caminho rumo à liberdade e democracia,
cidadãos e cidadãs. Apesar dos vários
desejando alcançar os restantes países da
apelos para permanecerem em casa, as
Europa e recuperar as várias décadas de
pessoas começaram a sair às ruas. O
história às quais o regime o havia privado.
Movimento
Na noite de 24 para 25 de abril, os oficiais
receoso quanto a um possível contra-
das
que
ataque e, consequentemente, quanto ao
Forças
derrame de sangue (Santos, Cruzeiro &
Forças
compõem
Armadas o
e
Movimento
Armadas (MFA),
a
força
Soldados das por
trás
da
o
olhar
tranquilo
das
Através
Forças
dos da
resistentes rádio
Armadas
a
vê-se
Coimbra, 1997).
revolução, aguardam a senha que dará
Marcello Caetano, Presidente do Conselho
início aos primeiros atos e que marcará
de Ministros, é levado a procurar proteção
aquele que se viria a tornar no momento
no Quartel-General da Guarda Nacional
mais marcante e definitivo da história de
Republicana (GNR), no Largo do Carmo,
Portugal até aos dias de hoje. A senha seria
juntamente
transmitida
canção:
Governo, sendo o edifício cercado pelas
Grândola, Vila Morena (Santos, Cruzeiro &
tropas do MFA comandadas pelo Capitão
Coimbra, 1997).
José Salgueiro Maia, assim que tomam
Quando soa, passados vinte minutos da
conhecimento. Cidadãos e cidadãs que
por
rádio,
uma
39
com
outros
membros
do
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) haviam saído às ruas reúnem-se no Largo
Marcello
do
de
comando das Forças Armadas ao General
&
António de Spínola. A multidão inicia as
Carmo
Marcello
esperando
Caetano
a
rendição
(Santos,
Cruzeiro
Caetano
aceita
entregar
o
Coimbra, 1997).
celebrações e ouvem-se os gritos eufóricos
O Quartel-General está cercado há duas
da liberdade (Santos, Cruzeiro & Coimbra,
horas quando a hora de almoço chega. A
1997).
população unida distribui sandes pelos
É apenas na manhã seguinte, dia 26, que a
soldados que ficam a marcar o seu posto.
Polícia Internacional e de Defesa do Estado
Salgueiro Maia exige a rendição dos
(PIDE) e os seus agentes se rendem e se
membros do Governo de Portugal, de
entregam.
megafone na mão e preocupado com o
transportados
perigo a que estão sujeitos os seus soldados
políticos que haviam feito frente ao regime
e todos os membros da multidão popular.
são libertados. Infelizmente, no rescaldo
Apesar
que
dos confrontos com a PIDE, quatro pessoas
regressem a casa, a população mantém-se
perdem a vida quando a polícia política
firme, de lágrimas nos olhos, esperançosa
dispara sobre um grupo de manifestantes
pela
reunido à porta do seu edifício na Capital
dos
seus
possibilidade
pedidos
do
fim
para
do
regime
À
medida para
que
Caxias,
estes os
são
presos
(Santos, Cruzeiro & Coimbra, 1997).
(Santos, Cruzeiro & Coimbra, 1997).
Eventualmente, torna-se óbvio que não
No dia 26, forma-se a Junta de Salvação
será possível evacuar o Largo ou o Quartel
Nacional e inicia-se a transição para um
sem recorrer à força. Aí são disparadas duas
Governo democrático e um Portugal livre.
rajadas de metralhadora na fachada do
Das primeiras medidas tomadas destacam-
Quartel de forma a forçar a mão aos
se a extinção da PIDE, o fim do sistema de
membros do Governo refugiados no seu
Censura que havia até então marcado o
interior. É aí que dois homens, Feytor Pinto,
dia-a-dia dos Portugueses e Portuguesas, e
ex-diretor dos Serviços de Informação e
a legalização dos sindicatos livres e dos
Nuno Távora, funcionário do Quartel-Geral,
partidos políticos. O programa trabalhava
se
em
voluntariam
para
entrar
e
iniciar
três
vertentes:
Democratizar,
negociações. Algum tempo depois, Feytor
Descolonizar, Desenvolver.
Pinto regressa com a informação de que
Só um ano depois, a 25 de abril de 1975,
40
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) teriam lugar as primeiras eleições livres e
portuguesa. À que ficou conhecida como a
democráticas, com a vitória do Partido
última revolta de esquerda do século XX
Socialista (PS), na sequência das quais
seguiu-se
seria elaborada a nova Constituição de
significativa a nível da Europa, época que
Portugal, cuja formulação iria pender para
Boaventura de Sousa Santos viria a definir
o
uma
como “o movimento social mais amplo e
democracia parlamentar mais próxima do
profundo da história europeia”. O mesmo
que era observado nos países Ocidentais.
autor acrescentaria mais tarde que a
socialismo
A
Revolução
e
estabeleceria
circunscreveu aos limites nacionais tendo
que, apesar da revolta e do espírito
os
revolucionário
e
impacto
não
política
desmobilização que se seguiu mostrou
efeitos
Cravos
mobilização
se
seus
dos
uma
quebrado
fronteiras.
consequentes
descompressão
política
e
da
social,
a
sociedade portuguesa não havia mudado as suas crenças e a sua cultura política (Accornero, 2014). Quem viveu a história dificilmente a esquece. A Revolução dos Cravos continua até hoje a dividir a sociedade portuguesa (Soutelo & Loff, 2009). desde os dois Foto: Dominika Roseclay
extremos
do
espectro
político
até
às
pessoas que se dedicam ao seu estudo. À esquerda, existe o receio de que se tenha ao longo dos anos vindo a perder o espírito revolucionário; à direita, a lamentação pela perda dos costumes Salazaristas e ideias da época. Apesar
Tratou-se de uma revolta que conseguiu,
destas
diferenças
ideológicas,
reconhece-se de forma generalizada que o
em menos de 24 horas, abater um regime
25
ditatorial militar que havia, durante mais
de
abril
despoletou
grandes
desenvolvimentos sociais e políticos
de 40 anos, feito refém a população
41
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) (Baklanoff, 1996) e que a ocorrência marcou
Referências bibliográficas
de
Accornero, G. (2014). O ‘25 de Abril’: uma
forma
significativa
a
história
de
Portugal e da Europa, sendo que os valores
revolução
nas
ciências
sociais.
Em
de abril vivem hoje na alma de muitos e
Transformações culturais no pós 25 de Abril
muitas, mesmo nas novas gerações (talvez
de 1974. Ler História, (67), 171-177.
especialmente nas novas gerações). Para
Almeida, J. F. (1996). Portugal, 20 anos de
quem a liberdade é um bem adquirido, um
democracia. Lisboa: Temas & Debates.
facto que devemos àqueles e àquelas que
Baklanoff, E. N. (1996). Breve experiência de
a 25 de abril de 1974 se mantiveram de pé
socialismo em Portugal: o sector das
firme nas ruas de Portugal, o espírito
empresas estatais. Análise Social, 31(138),
revolucionário resiste.
925-947. Santos, B. D. S., Cruzeiro, M. M. & Coimbra, M. N. (1997). O Pulsar da Revolução. Cronologia da Revolução de 25 de Abril (1973-1976). Centro de Documentação, 25. Soutelo, L. D. C., & Loff, M. (2009). A memória do 25 de Abril nos anos do cavaquismo:
o
desenvolvimento
do
revisionismo histórico através da imprensa (1985-1995).
42
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE MARIANA REIS 26 DE ABRIL, PELA VISIBILIDADE LÉSBICA
Abril é verdadeiramente um mês de
visíveis (Vicente, 2020).
liberdade. Inclusão. Luta. 25 de abril é uma
Então, o que é a visibilidade lésbica? Alexa
data a comemorar e lembrar, sempre e, em
Santos faz parte da direção do Clube Safo,
especial, enquanto ainda for necessário
a primeira e única associação portuguesa
relembrar que continuam em perigo os
que trabalha exclusivamente na defesa dos
direitos pelos quais tantas pessoas lutaram.
direitos
Há também outro dia de abril que grita
responde: é ter a possibilidade de poder
liberdade, pede por visibilidade, e esse é o
existir;
dia 26 de abril. Dia da visibilidade lésbica.
automaticamente
E, tal como o 25 de abril, é também um dia
uma pessoa heterossexual. A visibilidade
que
permite que as lésbicas existam.
precisa,
continuamente,
de
ser
de é
lésbicas andar
na
em
Portugal,
rua
e
não
percecionada
e ser
como
exaltado, celebrado.
Assim, e voltando àquela que é a minha
Durante a ditadura, a identidade lésbica
experiência, se não há visibilidade, não há
não
mais
representatividade. Há alguns anos, os
discutida. Apenas se falava acerca da
media contribuíam fortemente para a
homossexualidade, negativamente claro,
invisibilidade,
sendo que, mesmo após o 25 de abril, é
ouvimos lésbicas falar de uma vida sem
apenas em 1982 que a vemos a ser
modelo,
descriminalizada (Carreira, 2021). Também
identidade lésbica e, se não sabes que uma
sabemos que as mulheres tinham os seus
identidade existe, é difícil que te revejas
direitos
suprimidos
nela. São demasiados os casos de pessoas
embora, em pleno século XXI, ainda não
que nunca se questionaram pois pensavam
nos é possível dizer que as mulheres e,
que nada havia a questionar (Vicente, 2020,
especialmente, que as mulheres e pessoas
2021). Também acontece que, quando
lésbicas se sentem seguras, protegidas ou
existe, a representatividade lésbica é
era
reconhecida,
aprisionados
quanto
e
43
sendo
incapazes
que de
se
facilmente rever
na
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) revestida
de
estereótipos.
A
arte
mostra apenas uma realidade: que ainda é
cinematográfica lésbica ainda é muito
preferível,
centrada nas dificuldades, adversidades e
diversidade não seja vista nem reconhecida
na profunda misoginia e lesbofobia sofrida,
(Vicente, 2021). É preferível que pessoas
e pouco no orgulho, felicidade e êxtase
como as lésbicas se escondam no quarto,
gerado pela vivência da nossa verdade, da
em segredo, ou que se misturem com o
nossa identidade.
resto da população. Abafar a identidade, o
A própria palavra - lésbica - teve que ser
orgulho, mais uma vez, voltar para dentro
apropriada pela comunidade de forma a
do armário. Mas não podemos pedir isso,
que se tornasse nossa, das lésbicas, porque
temos que falar sobre o assunto, sim. É
ainda é muito sentida como um insulto,
nosso direito e, acima de tudo, não
uma palavra feia e que dá medo, mesmo
podemos encaixar as pessoas todas na
às próprias. A realidade é que muitas se
mesma caixa.
sentem mais confortáveis a utilizar a
Por fim, é também importante falar do
palavra gay para se caraterizarem (Vicente,
gatekeeping que acontece dentro da
2020). Porém, é importante que exista este
própria comunidade, ou seja, quando as
apoderamento da palavra e da identidade,
pessoas lésbicas tentam excluir mulheres
que
trans
a
opressão
e
a
lesbofobia
e
por
muitas
pessoas
pessoas,
não-binárias
que
de
a
se
internalizada não sejam a base a partir da
apoderarem e utilizarem a identidade
qual criamos as nossas identidades.
lésbica, de se chamarem de lésbicas. É
A identidade lésbica é invisível no melhor
importante relembrar que ao fazer isto
dos dias e em vários países e o nosso não é
estamos
exceção. Podemos dizer que Portugal é um
discriminá-las e a causar sofrimento,
país que tem lutado pelos direitos das
privando-as de se identificarem com a sua
pessoas LGBTI+, pois legalmente vemos o
própria sexualidade. É preciso desconstruir
resultado
este tipo de agressão e pensar acerca das
destes
esforços,
porém,
a
as
pessoas,
identidade
a
socialmente ainda estamos muito aquém
origens
do que gostaríamos e do que é necessário
completamente associada à negação do
e justo. Toda a conversa ao redor da
binarismo e da repressão sexual (Michaeli,
afirmação “Portugal não é um país racista”
2019).
44
da
oprimir
lésbica,
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Voltamos assim à pergunta inicial: o que é
Referências bibliográficas
então a visibilidade lésbica? É existirmos.
Carreira, P. (2021). 25 de Abril, o ponto de
É simplesmente o direito a existir. Não
partida para o Orgulho LGBTI. [Entrada em
podemos negar uma identidade quando
website].
há pessoas que a representam, porque isso
https://esqrever.com/2021/04/25/25-de-
é negar a própria existência dessas pessoas.
abril-o-ponto-de-partida/
É sempre importante ter em mente tudo o
Michaeli, I. (2019). We were never gender
que foi alcançado com o 25 de abril, que
binary: It’s time to reclaim radical lesbian
foi muito, mas também lembrar da luta
feminism. [Entrada em website]. Retirado
que
de
continua
contentar.
Há
e
não
um
nos
longo
deixarmos caminho
a
Retirado
de
https://www.opendemocracy.net/en/5050/
percorrer em direção à liberdade de todas
we-were-never-gender-binary-its-time-to-
as pessoas.
reclaim-radical-lesbian-feminism/ Vicente, A. (2020). 25 e 26 de abril sempre, pela liberdade e pela visibilidade. [Entrada em
website].
Retirado
de
https://esqrever.com/2020/04/25/25-e-26de-abril-sempre-pela-liberdade-e-pelavisibilidade/ Vicente, A. (2021). Não, não está tudo bem! [Entrada
em
website].
Retirado
de
https://esqrever.com/2021/04/26/nao-nao-
Foto: Rodnae Productions
esta-tudo-bem/
45
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE SHEILA GÓIS HABIB A ISLAMOFOBIA NA EUROPA A
Convenção
Europeia
dos
Direitos
são proibidas de o fazer? E porquê é que a
Humanos declara que “Qualquer pessoa
mesma proibição não é aplicada a freiras
tem direito à liberdade de pensamento, de
(religião Cristã), por exemplo?
consciência e de religião… assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a
Contextualização
sua crença, individual ou colectivamente,
Na Holanda é proibido usar a burca em
em público e em privado, por meio do
transportes públicos e edifícios públicos
culto,
como
do
ensino,
de
práticas
e
da
escolas,
hospitais
e
edifícios
celebração de ritos.” Nesse âmbito, é
governamentais (Gercama & Derks, 2020), e
possível assumir que isto garante a todas as
na Dinamarca é proibido tapar a cara
pessoas
usarem
exceto no inverno e/ou por motivos legais
roupas/vestimenta religiosa como cada
tais como o uso de capacete para quem
um/uma
ou
anda de mota (The Guardian, 2018). Em
conforme exigido pela sua religião. No
março do corrente ano, a Suíça votou
entanto, a realidade não poderia estar mais
favoravelmente na proibição do uso de
longe disto. Governos, escolas e locais de
coberturas faciais completas (Hijab, Burca e
trabalho têm proibido o uso do véu
Niqab) em locais públicos (Deutsche Welle,
islâmico, conhecido por Burca (Tribunal
2021).
Europeu dos Direitos Humanos, 2018).
Também em março, o Senado Francês
Mas será que isto faz sentido? O uso das
votou a favor da "proibição, no espaço
nossas roupas é agora um fundamento
público, de qualquer símbolo religioso, de
para a interferência dos governos? Não é a
forma conspícua, por menores, ou qualquer
roupa, religiosa ou não, uma decisão nossa?
roupa que simbolize uma inferiorização das
Porquê é que as mulheres muçulmanas
mulheres em relação aos homens" Lodi,
que usam voluntariamente o véu islâmico
2021). Mães de crianças que usam a Hijab
o
direito
considerar
de
apropriado
46
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) estão também proibidas de acompanhálas em excursões escolares e os burquínis Priberam:
“Traje
de
banho
Foto: Rawdah Mohamed/Instagram
(dicionário
feminino, composto por calças, túnica com mangas compridas e proteção para o pescoço e cabeça, em tecido sintético elástico e leve, que cobre todo o corpo, deixando a descoberto apenas os pés, as mãos e a cara”) passarão também a ser proibidos em piscinas públicas (Lodi, 2021). Em maio, o Partido de Macron impediu também uma candidata muçulmana de concorrer a uma eleição local na França por
sentiriam se tivessem que remover a Burca,
Tal como muitas ativistas realçaram nas
as
redes sociais – enquanto a idade para
humilhante” pois a escolha para usar a
consentir para relações sexuais em França
Burca foi delas e querem ser elas a ter o
é 15 anos, para consentir para o uso do véu
poder de a retirar (Al Jazeera, 2021).
islâmico é 18 (Muhammad, 2021). A decisão
A ideia de muitas pessoas é que estas
do senado Francês deu luz a um protesto
mulheres são forçadas a usar a Burca pelos
online pelas mulheres muçulmanas que
seus maridos - e apesar de isto ser o caso
pedem um “pára” a estas medidas com
para algumas mulheres - a maioria escolhe
muitas a espalharem mensagens com o
usar a vestimenta e começam a usá-la
Foto: Rodnae Productions
usar a hijab (Público, 2021).
mesmas
alegaram
que
“seria
hashtag #HandsOffMyHijab (mãos fora do
antes de se casarem, geralmente durante a
meu hijab) (Público, 2021). O movimento
adolescência/puberdade (Gercama & Derks,
visa mostrar que forçar uma mulher ou
2020).
rapariga a usar o véu é errado, tal como
porque pretendem praticar a sua religião,
forçá-la a retirá-lo o deve ser - a escolha
cujo resultado é a discriminação - serem
tem que ser da mulher e da rapariga. Aliás,
vistas
quando mulheres e raparigas muçulmanas
simplesmente pela forma de vestir (Lodi,
foram questionadas sobre como se
2021). A situação complica-se quando a
47
Usam-na
ou
por
tratadas
escolha
como
própria,
“inimigas,”
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) prática da sua religião faz delas alvos de
Uma proibição de coberturas faciais é um
violência, tendo sido reportados vários
ataque
incidentes desagradáveis e agressivos, tais
muçulmanas. Estas leis que os governos
como serem empurradas com o carrinho
europeus alegam que é para “proteger as
de compras no supermercado por pessoas
mulheres
desconhecidas (Gercama & Derks, 2020).
contrário – confinam-nas em casa, e
Há ainda muitas pessoas a favor destas
impedem o seu acesso a serviços públicos
proibições pois as “mulheres [muçulmanas]
(Deutsche Welle, 2018).
vivem
Infelizmente, o modus operandi de muitos
num
país
europeu,
logo
não
à
autonomia
das
muçulmanas”
o
efeito
partidos
véus é como tortura, pelo que os governos
disseminação
fazem muito bem em proibir o uso da
muçulmanas (Alouane, 2021). É a venda do
burca” (Gercama & Derks, 2020). Mas nisto
preconceito
que
tudo, não está a ser considerado o ponto
terroristas
pertencem
de vista destas mulheres, e o que elas
muçulmana, e que o uso da Burca é um
desejam fazer. Pior, estas leis estão a ser
ataque
decididas sem incluir nem ouvir estas
ameaça do terrorismo (Warner et al., 2020).
mulheres (Alouane, 2021).
Entendo que como eu muitas pessoas
Na França e na Suíça, estas medidas foram
temam as pessoas terroristas. Por um lado,
decididas durante a pandemia COVID-19, o
não queremos que o medo nos silencie
que não podia deixar de ser mais irónico - é
mas
obrigatório o uso de máscaras faciais, mas
impotentes. Mas deixar o medo dominar-
proibido o uso da Burca. Ao que parece, as
nos,
mulheres poderão ser multadas tanto por
preconceito
usar como por não usar coberturas faciais,
muçulmanos/as
dependendo de sua finalidade – sendo
indivíduos não é aceitável. E para que fique
aceitável cobrir o rosto para a saúde
bem claro – o terrorismo não tem religião.
pública,
O terrorismo é um produto de crenças
não
pela
fé
religiosa
muçulmana (Warner et al., 2020).
à
do
tem
têm
precisam de se cobrir” ou porque "o uso de
mas
políticos
mulheres
medo todas
segurança
por incitar
outro o ou
das
a
na
pessoas
as
pessoas
à
religião
nacional
lado,
ódio,
consistido
e
uma
sentimo-nos hostilidade,
o
a
violência
contra
ou
quaisquer
outros
extremistas e violentas, fomentadas pelo ódio e xenofobia. As leis que proibem o uso
O efeito destas medidas
da Burca são o resultado da normalização
48
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) sociopolítica do “discurso de ódio, do
“a liberdade de manifestar a sua religião ou
preconceito,
dos
convicções não pode ser objecto de outras
crimes de ódio anti-islâmicos/as - é a
restrições senão as que, previstas na lei,
transformação
constituírem disposições necessárias, numa
da
discriminação da
e
islamofobia
em
legislação” (Muhammad, 2021). É inevitável
sociedade
questionar o porque da ausência de leis
pública, à protecção da ordem, da saúde e
contra o discurso de ódio islamofóbico,
moral
dado o risco que isso representa para a
direitos e liberdades de outrem” (Lei no
segurança
65/78 de 13 de outubro da Assembleia da
e
existência
das
pessoas
democrática,
públicas,
ou
protecção
contra a população muçulmana Rohingya
pretendo destacar:
e muito provavelmente está a acontecer ou
No primeiro, conhecido como Leyla Sahin
falta pouco para acontecer outro contra
contra
os/as muçulmanos/as Uigures (Amnistia
medicina foi negada a entrada num
Internacional, 2021). É de lamentar a falta
exame na Universidade de Istambul por
de atenção pela mídia e a falta de ação da
usar o véu islâmico. Lamentavelmente, o
comunidade internacional perante estes
TEDH
acontecimentos. É urgente a comunidade
justificada pelos seguintes motivos: a) o
internacional implementar uma lei contra
compromisso
a islamofobia, tal como há leis contra a
secularismo e a igualdade de género, b) a
negação
proteção
Holocausto
e
contra
a
blasfémia.
decidiu
do
dois
uma
que da
casos
dos
República,
Turquia,
Há
segurança
muçulmanas? Já ocorreu um genocídio
do
1978).
à
à
estudante
esta
medida
Turquia
princípio
da
com
que
de
era o
pluralidade
religiosa, c) a proteção dos direitos e liberdade de outrem e d) o objetivo
A contradição do Tribunal Europeu dos
proporcionado da manutenção da ordem
Direitos Humanos
pública.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
Em Dahlab contra Suíça, uma professora de
(TEDH) rege-se pela Convenção Europeia
escola primária foi proibida de usar o véu
dos Direitos Humanos. No entanto, em
islâmico no desempenho das suas funções.
várias
a
O TEDH considerou que a interferência era
proibição do uso da Burca era justificada
justificável e proporcional pois a medida
pela Convenção pois a mesma asserta que
era destinada a proteger a liberdade dos/as
instâncias
considerou
que
49
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) outros/as, nomeadamente dos/as alunos/as.
segurança
O Tribunal mostrou-se preocupado com "o
ofensivo. O conceito de liberdade religiosa
impacto
símbolo
é claramente inexistente na Europa (Evans,
externo, como o véu islâmico, pode ter
2006). Lamentavelmente, estamos numa
sobre a liberdade de... religião de crianças
era onde "a religião se apresenta como um
muito pequenas,” apesar de não haver
problema a ser gerido e controlado, em
reclamações
vez de uma parte integrante da vida
que
um
dos
poderoso
pais
e
mães
dos/as
pública
é
simplesmente
alunos/as.
pública e da cultura” europeia (Calo, 2011).
Estes são apenas dois exemplos das várias
O TEDH deveria ter entregue "decisões de
ocorrências onde o TEDH demonstrou que
empoderamento para as mulheres" e
as
as
retratá-las como “agentes de sua própria
muçulmanas, não têm um direito igual à
vontade” (Stuart, 2010). Em vez disso,
liberdade de religião (Brems, 2018). O
“retratou as mulheres muçulmanas como
direito à liberdade de religião na Europa
vítimas
está
proferindo
mulheres,
sujeito
principalmente
tanto
à
regulamentação
de
uma
religião
julgamentos
opressiva como
se
e as
estatal como às sensibilidades religiosas e
mulheres muçulmanas precisassem de
preconceitos (Stuart, 2010). O TEDH não
proteção de uma “cultura de dominação
teve nenhum problema em promover "a
masculina” (Evans, 2006). Esta visão é
imagem do Islão como uma ameaça à
refletida
democracia”
quando o mesmo admite ter dificuldade
(Vakulenko,
2007).
A
nas
de direitos humanos não tolerante e
consecutivamente a religião muçulmana,
degradada (Evans, 2006), onde religiões
com a igualdade de género (Evans, 2006).
minoritárias como o Islão não são bem-
Outro estereótipo invocado pelo TEDH nas
vindas (Brems, 2018). Como pode uma
instâncias onde mulheres que exerciam a
proibição
roupa
atividade profissional como professoras é
religiosa ser necessária para proteger a
que as mesmas são proselitas, tentando
ordem pública, a segurança, a harmonia
converter outros indivíduos, neste caso,
religiosa, cultura democrática e os direitos
crianças à religião islâmica (Evans, 2006).
das/os outras/os? A ideia que o uso do véu
Isso novamente justifica a necessidade
islâmico constitui uma ameaça à ordem e
urgente de proibir o uso do véu islâmico
de
usar
50
véu
Tribunal
em
direito
o
do
jurisprudência do TEDH promove uma era
do
conciliar
declarações
islâmico,
e
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) não apenas em escolas e universidades,
[como a Itália] dispõe crucifixos nas
mas também no espaço público.
escolas públicas?“ (acordão Lautsi e outros
O que o TEDH tem vindo a demonstrar nos
contra Itália).
últimos anos é que o véu islâmico é um
Numa nota mais positiva, o Comité de
símbolo político poderoso que desafia a
Direitos Humanos da Organização das
neutralidade em edifícios oficiais como
Nações Unidas (ONU) decidiu em 2018 que
escolas e locais de trabalho (Henley, 2004),
a proibição do uso da Burca pelo governo
no entanto, o crucifixo cristão é permitido
francês violava o direito das mulheres
em
muçulmanas
escolas
e
locais
de
trabalho
de
exercerem
a
sua
(McGoldrick, 2011), pois é um símbolo
liberdade religiosa, após duas mulheres
passivo,
da
terem feito uma queixa (The Office of the
neutralidade e "não é de forma alguma
High Commissioner for Human Rights,
coercivo." No entanto, usar o véu islâmico
2018). No entanto, esta decisão não teve
deve
as
nenhum efeito - dadas as recentes leis
e
propostas no senado Francês. Igualmente,
aplicar o princípio de ... neutralidade
até à data, não há conhecimento de
religiosa nas escolas” (acordão Lautsi e
nenhuma queixa ter sido feita ao mesmo, e
outros contra Itália).
nem
ser
crenças
Mas
que
respeita
proibido
religiosas
afinal
para
princípio
"proteger
dos/as
alunos/as
a
ONU
se
mais recentes (à exceção da medida na
a falta de neutralidade? Quem decide o
Suíça) (Swissinfo, 2021). Apesar de ser
que é aceitável? Juízes/as “imparciais” que
positiva a existência da ONU, onde os
ficam do lado das pessoas cristãs? Um
Direitos Humanos regem (ou devem reger)
crucifixo cristão é um símbolo neutro, mas
a sociedade, a realidade é que as Nações
um
de
Unidas não possuem um poder real de
proselitismo? (Danchin, 2010) “Como pode
decisão, estando condicionada às decisões
o TEDH encontrar o perigo de opressão ou
dos 5 Estados-Parte que compõem o
proselitismo quando uma estudante usa
Conselho de Segurança – China, França,
um
Inglaterra, Estados Unidos da América e
véu
pública
islâmico (acordão
um
numa Leyla
que
nem
neutralidade? Quem ficará ofendido/a com
é
o
Comité
pronunciaram ainda sobre estas medidas
islâmico
decide
o
é
véu
quem
o
símbolo
universidade Sahin
contra
Rússia.
Turquia), mas não quando um Estado...
Adicionalmente, em dezembro de 2020, o
51
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) tribunal constitucional da Áustria decidiu
abrangentes,
que a lei austríaca que proibia o uso de
educação e espaços laborais livres para
coberturas faciais religiosas por crianças
todas as culturas e religiões. É imperativo
nas escolas violava o direito da liberdade
que as mulheres muçulmanas se sintam
de religião das mesmas (BBC, 2020). Apesar
bem-vindas na Europa e em todas as outras
desta decisão ser uma pequena vitória é de
partes do mundo, e lembrar-nos que, atrás
lamentar que quando a lei entrou em efeito
das Burcas, estão seres humanos (Alouane,
em 2019, os/as legisladores/as afirmaram
2021).
que a mesma não se aplicava a rapazes
Devemos recusar-nos a viver numa era em
Siques ou Judeus que usam o solidéu
que prevalece a intolerância religiosa. É
(“pequeno barrete liso e em forma de
“necessário sancionar ou mesmo impedir
calota com que o papa, os bispos e outros
todas
dignitários eclesiásticos cobrem a parte
difundem,
superior da cabeça”). Isto prova não só que
justificam
a lei é um produto da Islamofobia, mas é
intolerância”
também uma lei discriminatória contra os
Turquia). Devemos respeitar as crenças
direitos das raparigas (BBC, 2020).
religiosas de todas as pessoas.
A conclusão é simples - a Islamofobia está
Está na altura de fazermos pressão junto
fora de controlo. A luta pelos direitos das
dos nossos governos e exigir que os
mulheres muçulmanas deve ser a luta de
mesmos
todos e todas nós. Os direitos das mulheres
desconfortáveis: a islamofobia, o racismo, o
muçulmanas são importantes, tais como os
direito das pessoas refugiadas e pessoas
das mulheres negras, os das mulheres com
imigrantes,
deficiências ou diversidades funcionais, os
reabilitação das pessoas sem abrigo, a
das mulheres indígenas, os das mulheres
proteção dos direitos LGBTI, entre muitos
sem abrigo, os das mulheres refugiadas, e
outros
de todas as mulheres.
esquecidos.
É importante que os governos repensem
concordam, lembrem-se que é por isto que
seriamente estas leis e que sejam mais
devemos
proativos ao tentar incluir todas
consciente e inteligente os/as nossos/as
as
pessoas na socieda, com iniciativas mais
líderes.
52
as
com
formas
um
de
incitam, o
ódio
que
promovem
ou
com
na
os
pobreza
assuntos
votar
contra
tópicos
menstrual,
a
frequentemente
todos e
base
Erbakan
abordarem
A
de
expressão
(acordão
a
sistema
e
a
escolher
todas de
que
forma
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
TIPOS DE COBERTURAS FACIAIS
(BBC, 2018)
53
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Referências bibliográficas
Burquini. (n.d.). In Priberam. Acedido a 11
Al Jazeera. (2021, 9 de abril). ‘Law against
de
Islam’ French vote in favour of hijab ban
https://dicionario.priberam.org/BURQU%C3
condemned.
%8DNI
https://www.aljazeera.com/news/2021/4/9/a
Calo, Z. R. (2011, setembro). Islamic
-law-against-islam
Headscarves,
Alouane, R. (2021, 10 de março). Where
Secular Human Rights. In International
Face Masks Are Required but Burqas Are
Consortium for Law and Religion Studies
Banned.
Conference, Santiago, Chile.
Foreign
Policy.
maio
2021.
Disponível
Religious
em:
Pluralism,
-
and
https://foreignpolicy.com/2021/03/10/switze
Danchin, P. G. (2010). Islam in the secular
rland-europe-burqa-ban-referendum-
nomos of the European Court of Human
coronavirus-face-masks-egerkinger-
Rights. Mich. J. Int'l L., 32, 663.
komitee/
Deutsche Welle. (2018, 23 de outubro).
Amnistia
Internacional
Portugal.
French “burqa ban” violates human rights,
https://www.amnistia.pt/china-uigures-
rules UN. https://www.dw.com/en/french-
separacao-familiar/
burqa-ban-violates-human-rights-rules-un-
BBC. (2020, 11 de dezembro). Austria court
committee/a-46007469
overturns primary school headscarf ban.
Deutsche Welle. (2021, 7 de março). Swiss
https://www.bbc.com/news/world-europe-
narrowly
55277840
Deutsche
BBC. (2018, 7 de agosto). What’s the
https://www.dw.com/en/swiss-narrowly-
difference between a hijab, niqab and
pass-muslim-burqa-ban/a-56797836
burka?
em
Evans, C. (2006). The Islamic Scarf in the
https://www.bbc.co.uk/newsround/24118241
European Court of Human Rights. Melb. J.
Brems, E. (2018, 21 de fevereiro). The
Int'l L., 7, 52
European Court of Human Rights and Face
Gercama, & Derks. (2020, 1 de agosto).
Veil
Burqa ban, face mask laws frustrate Dutch
Disponível
Bans.
E-International
Relations.
pass
Muslim
“burqa
Welle
(DW).
https://www.e-ir.info/2018/02/21/the-
Muslims.
european-court-of-human-rights-and-face-
www.dw.com/en/burqa-ban-face-mask-
veil-bans/
laws-frustrate-dutch-muslims/a-54397964
54
Deutsche
ban.”
Welle
(DW).
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Henley, J. (2004, 4 de fevereiro). Europe
Religious symbols and clothing. (2018,
faces up to Islam and the veil. The
Dezembro). Tribunal Europeu dos Direitos
Guardian.
Humanos.
https://www.theguardian.com/world/2004/
https://www.echr.coe.int/documents/fs_reli
feb/04/schools.schoolsworldwide
gious_symbols_eng.pdf
Lodi, H. (2021, 4 de abril). French Senate
Stuart, A. (2010). Freedom of religion and
Votes to Ban the Hijab for Muslim Women
gender equality: inclusive or exclusive?.
Under
Human Rights Law Review, 10(3), 429-459.
the
Age
of
18.
Vogue.
https://en.vogue.me/culture/french-senate-
Swissinfo. (2021, 10 de março). UN calls
votes-hijab-ban/
Swiss burka ban ‘restriction of fundamental
McGoldrick, D.
(2011).
Religion
in
the
freedoms.’ www.swissinfo.ch/eng/un-calls-
European Public Square and in European
swiss-burka-ban--restriction-of-
Public Life—Crucifixes in the Classroom?.
fundamental-freedoms-/46433468
Human Rights Law Review, 11(3), 451-502.
The
Muhammad, I. (2021, abril). WTH FRANCE?!
banning burqa and niqab. (2018, 31 de
Instagram.
maio).
https://www.instagram.com/p/CNKmtJRhK
www.theguardian.com/world/2018/may/31/
14/?utm_source=ig_embed
denmark-passes-law-banning-burqa-and-
Público. (2021, 12 maio). Partido de Macron
niqab
impede
The Office of the High Commissioner for
candidata
muçulmana
de
Guardian.
Denmark
passes
law
concorrer a eleição local por usar hijab.
Human Rights. (2018, 23 de outubro).
https://www.publico.pt/2021/05/12/mundo/
France: Banning the niqab violated two
noticia/partido-macron-impede-candidata-
Muslim women’s freedom of religion - UN
muculmana-concorrer-eleicao-local-usar-
experts.
hijab-1962299
https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pag
Público. (2021, 1 de maio). Mãos fora do
es/DisplayNews.aspxNewsID=23750&LangI
meu “hijab”: o protesto contra a proposta
Vakulenko, A. (2007). Islamic headscarves'
da
França.
and the European Convention on Human
https://www.publico.pt/2021/05/01/p3/fotog
Rights: an intersectional perspective. Social
aleria/maos-fora-hijab-protesto-contra-
& Legal Studies, 16(2), 183-199.
proposta-proibicao-veu-franca-406008
Warner, G., Hadid, D., & Beardsley, E. (2020,
proibição
do
véu
em
55
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
27 de maio). From Niqab to N95. NPR. https://www.npr.org/2020/04/28/847433454 /from-niqab-to-n95
56
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE SOFIA FIGUEIREDO DISCURSO DE ÓDIO VS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
De acordo com Brugger, o discurso de ódio
não é possível saber quem serão as vítimas,
pode definir-se por “palavras que tendem a
sendo apenas possível saber que existem
insultar, intimidar ou assediar pessoas em
indivíduos atingidos, pela simples razão de
virtude
etnicidade,
possuírem certas características. Por outro
nacionalidade, sexo ou religião”, tendo “a
lado, o incitamento pode ser dirigido ao
capacidade de instigar violência, ódio ou
grupo como um todo, ou seja, não são
discriminação
identificadas vítimas individuais. É nesse
de
sua
cor,
contra
tais
pessoas”
(Brugger, 2007, p.2).
caso um ataque a todo um grupo de
O conceito supramencionado pode ainda
pessoas,
dividir o discurso de ódio em dois atos:
preconceito para com o conjunto de
insulto e incitamento. O primeiro diz
caraterísticas que partilham e que são
respeito à vítima, uma vez que se baseia na
vistas como “fugindo à norma” e, como tal,
falta de respeito a um grupo de pessoas
merecedoras de ataque, podendo este
devido aos traços físicos e culturais que o
ataque compreender não só palavras
diferenciam. É importante realçar que, caso
como ações. Desta forma, quem pratica o
um determinado grupo tenha sido atingido
discurso de ódio tem como objetivo a
de forma direta, mas que, estejam incluídos
mobilização e a propaganda, utilizando
indivíduos
um grande número de estratégias para o
que
não
possuem
a
com
base
no
ódio
e
no
característica utilizada para incorrer em
alcançar (Martins, 2019).
discurso de ódio, as mesmas, ao contactar
A liberdade de expressão, que se define
com
a
como a possibilidade e liberdade para
compartilhar uma situação de violência
exteriorizar crenças, ideias, sentimentos
(Martins, 2019).
e/ou opiniões sem quaisquer restrições,
Neste caso, estará a produzir-se o que se
está também diretamente associada à
chama de “vitimação difusa”, uma vez que
existência de uma garantia da democracia,
esse
mesmo
discurso
estarão
57
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) bem
como,
da
dignidade
da
pessoa
uma
vez
que
os
discursos
de
ódio
humana (Stroppa & Rothenburg, 2015).
facilmente adquiriram uma versão digital, é
No entanto, o abuso da liberdade de
necessário que se faça uma reflexão sobre
expressão é uma realidade que deve ser
os limites da liberdade de expressão em
considerada quando falamos do discurso e
relação
da incitação ao ódio, potencializado pelo
usadas para afetar as pessoas (Stroppa &
acesso
Rothenburg, 2015).
facilitado
e
quasi-universal
à
às
mensagens
preconceituosas
internet, garantindo aos/às usuários/as o anonimato e a impunidade na prática destes discursos (Stroppa & Rothenburg, Foto: Nothing Ahead
2015). Cabe então levantar a questão acerca de se os conteúdos que envolvem o discurso do ódio estão (ou devem estar) também protegidos pela liberdade de expressão e como
será
possível
controlar
a
discriminação, se esses discursos gozam de tal
proteção.
Para
começar
qualquer
Referências bibliográficas
argumentação a este nível, é necessário
Brugger, W. (2007). Proibição ou proteção
definir o conceito de discurso de ódio
do discurso do ódio? Algumas observações
(Stroppa & Rothenburg, 2015).
sobre o direito alemão e o americano.
O conceito de discurso de ódio baseia-se na
Direito Público, 4(15).
divulgação de mensagens que propagam
Martins, A. C. L. (2019). Discurso de ódio em
o
redes sociais e reconhecimento do outro: o
ódio
(e.g.
xenofobia,
homofobia,
islamofobia, entre outros), sendo que, este
caso M. Revista Direito GV, 15(1).
conceito
Stroppa, T., & Rothenburg, W. C. (2015).
formas
pode de
ainda
ataques
englobar com
outras
base
na
Liberdade de expressão e discurso do ódio:
intolerância, que confrontam os limites
o conflito discursivo nas redes sociais.
éticos com o único objetivo de excluir os
Revista Eletrônica do Curso de Direito da
indivíduos discriminados. Desta forma,
UFSM, 10(2), 450-468.
58
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TERESA RAMOS SÁ LIBERDADE INDIVIDUAL VS. SAÚDE PÚBLICA: A DISCUSSÃO INTENSIFICASE EM TEMPOS DE PANDEMIA Estado de emergência e situação de
retroatividade da lei criminal, o direito de
calamidade: definição e diferenças
defesa dos arguidos e a liberdade de
Para fazer face à pandemia que assola todo
consciência e de religião”, e a suspensão de
o Mundo, a nível nacional, o Presidente da
Direitos implica o respeito pelo “princípio
República
da igualdade e não discriminação” – artigo
tem
Emergência,
decretado estando
Estado
de
todos/as
2º, números 1 e 2.
obrigados/as a seguir determinadas regras
Posto
e sujeitos/as a restrições – até de Direitos
permitida a aplicação de restrições, por
Fundamentais – possível devido ao que
períodos limitados de tempo e de certos
consta no artigo 19º da Constituição da
Direitos Fundamentais, no entanto estas
República Portuguesa.
têm
A Lei nº 44/ 86, de 30 de setembro,
calendarizadas e não deverão exceder o
estabelece o “Regime do Estado de Sítio e
estritamente necessário.
do Estado de Emergência”, sendo que
À data da redação deste artigo, encontrava-
estes “só podem ser declarados nos casos
se em vigor a Resolução do Conselho de
de agressão efetiva ou iminente por forças
Ministros n.º 45-C/2021, que declarava a
estrangeiras,
ou
situação de calamidade, no âmbito da
constitucional
pandemia da doença COVID-19, até às
perturbação
de da
grave ordem
ameaça
isto,
de
é
ser
constitucionalmente
legítimas,
proporcionais,
democrática ou de calamidade pública” –
23:59h do dia 16 de maio de 2021.
artigo 1º, número 1. A declaração do Estado
Essa Resolução ressalva que “o esforço
de Emergência “em nenhum caso pode
dos/as
afetar os direitos à vida, à integridade
política
pessoal,
progressão
à
identidade
pessoal,
à
capacidade civil e à cidadania, a não
Portugueses/as, de
testagem da
aliado massiva
vacinação,
a
uma e
de
permitiu
redução sustentada no número de novos
59
a
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) casos diários de infetados/as com a doença
não depende de um decreto do Presidente
COVID-19, verificando-se, de igual modo,
da República; a declaração do estado de
uma redução do número de internados/as
calamidade é da competência do Governo
em hospitais e da taxa de ocupação das
e é aplicada através de Resolução do
unidades de cuidados intensivos, tendo
Conselho
sido cumpridos os critérios identificados
trâmites normais do processo legislativo.
pelos/as peritos/as como fundamentais
Em ambos os casos, quem desobedecer ou
para o controlo da pandemia”.
resistir às ordens das autoridades será
No entanto, apesar de a situação estar um
punido/a por crime de desobediência, com
pouco mais controlada, “a necessidade de
as molduras penais a serem agravadas em
prevenção
um terço nos casos mais graves, podendo a
da
doença,
contenção
da
pandemia e garantia da segurança dos/as
de
Ministros,
seguindo
os
pena ser de prisão e ir até 1 ano e 4 meses.
Portugueses/as, aliada ao levantamento gradual
das
interdições
Liberdade individual e saúde pública:
decretadas durante o período em que
excesso de paternalismo por parte do
vigorou o estado de emergência, implica a
Estado?
necessidade de manutenção de medidas,
Durante o estado de emergência e, agora, o
ainda que menos restritivas”.
de calamidade, começou a intensificar-se a
Posto isto, qual é a diferença entre estado
discussão em torno das restrições à
de emergência e situação de calamidade?
liberdade individual em prol da saúde
O estado de emergência encontra-se
pública, tendo-se acusado o Estado de
previsto na Constituição da República
excesso de paternalismo.
Portuguesa – artigo 19º – e a sua declaração
A verdade é que só com o surgimento do
compete ao Presidente da República –
Estado Social, principalmente no pós II
artigo 134º. Já o estado de calamidade está
Guerra, se pôde falar em saúde pública
previsto na Lei de Bases da Proteção Civil –
como valor objetivo, cujas proteção e
Lei n.º 27/2006, 3 de julho –, criada em
promoção são assumidas como missões
2006 e já por várias vezes revista. Neste
do Estado. A comunidade internacional
caso,
reconheceu esta necessidade logo em
ao
suspensões
contrário
do
e
estado
de
emergência, uma situação de calamidade
1948, afirmando no número 1 do artigo 25º
60
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) da
Declaração
Direitos
exigir do Estado e demais entidades
Humanos que “toda a pessoa tem direito a
públicas que se abstenham de práticas
um nível de vida suficiente para lhe
potencial ou atualmente lesivas da sua
assegurar e à sua família a saúde e o bem-
saúde. Simultaneamente, impõe também
estar
um dever de defender a saúde e de a
(...)”,
criadas
Universal
tendo
pelo
dos
emergido
Estado
de
promover. Mas este dever tem como
concretizarem os objetivos da política de
objeto a saúde pública, não a saúde
saúde. Em Portugal, o despertar para esta
privada; ou seja, o Estado impõe ao/à
missão social do Estado é patente com a
cidadão/ã a obrigação de, por força da sua
segunda revisão da Constituição de 1933
inserção na comunidade, tudo fazer para
que aditou ao artigo 6º uma nova tarefa
preservar o bom estado sanitário geral,
estadual, a da defesa da saúde pública
mas não lhe impõe a obrigação de se
(número 4), passando esta a caber, em
manter, a si próprio/a, de boa saúde. Esta
primeira
conclusão tem como pilar o princípio de
linha,
ao
com
estruturas
Estado
o
e
fim
demais
entidades públicas e, em segunda linha,
liberdade,
aos/às cidadãos/ãs e pessoas coletivas de
humana
direito privado, numa tarefa comunitária
capacidade
de
Estado defende o direito à saúde de cada
solidarização
e
responsabilização
(Gomes, 1999). Os choques
um/a entre
a
necessidade
de
do e
respeito
pela de
apenas
positivamente,
pela
salvaguarda
pessoa da
autodeterminação.
sua O
negativamente,
não
impondo-lhe
um
proteção da saúde pública e a tendencial
comportamento ativo de preservação da
impenetrabilidade da esfera de liberdade
sua saúde (Gomes, 1999).
do/a cidadão/ã podem ocorrer a vários
É disto que se trata. No caso da presente
títulos (tendo nós já assistido a diversas
pandemia, as pessoas podem não ter as
situações que comprovam tal afirmação,
precauções
como pais e mães que se recusam a vacinar
importarem com a sua saúde, integridade
os/as seus/suas filhos/as).
física ou morte. No entanto, isto não se
O artigo 64º da Constituição assegura o
limita a uma questão individual, uma vez
direito à saúde de cada pessoa, o qual, na
que podemos infetar outras pessoas que
vertente negativa, permite à/ao cidadão/ã
se pautam por esses mesmos cuidados ou
61
aconselhadas
por
não
se
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) que, uma vez infetadas, podem não ter
que “a vida em sociedade só tem direitos e
mecanismos de defesa suficientes, no seu
nenhuns deveres” (Anjos, 2020).
organismo, para combater o vírus. Não é
Gostaria de destacar algumas das palavras
uma questão de saúde individual, mas sim
que foram escritas pelo humorista Bruno
pública.
Nogueira, no Instagram, que na altura da
Caso o vírus não se comportasse desta
sua publicação me fizeram todo o sentido,
maneira,
houvesse
uma vez que iam ao encontro da forma
possibilidade de ser transmitido uma vez a
como penso e acredito que se deve pautar
pessoa infetada, cada um/a teria liberdade
o
e capacidade de autodeterminação para
pandemia. Palavras que de humor não têm
escolher a forma como lidaria com a sua
nada e que encaixam que nem uma luva
infeção.
aos/às que apenas olham para o seu
ou
seja,
não
nosso
comportamento
face
a
esta
umbigo e atribuem pouca ou nenhuma Negacionistas: desinformação,
importância à saúde dos/as que os/as
preconceito e teorias infundadas
rodeiam.
Para adensar a discussão assistiu-se, ao
“O desconhecido dá medo, é o escuro das
longo do último ano e um pouco por todo
crianças. A contenção não é cobardia, é
o
teorias
trunfo. Há uma coisa importante no meio
negacionistas – “São os/as que vêem em
disto tudo: a negação do problema não o
tudo forças escondidas para dominar o
elimina, só o incendeia. Não é por me
mundo, como nos maus filmes de ação ou
sentir saudável que sigo a vida como se
de ficção científica. Os/as que dizem que
nada
tudo isto é muito suspeito e imaginam que
qualquer momento contrair o vírus, e
a pandemia foi obra da China – um vírus
antes de ter sintomas espalhar a quem
criado
não
Mundo,
em
ao
surgimento
laboratório
para
de
arrasar
e
estivesse
tem
a
sistema
acontecer.
imunitário
Posso
forte
a
o
controlar de seguida a Humanidade. Ou
suficiente para o combater. Isto não é
os/as que acham que as vacinas em estudo
sobre mim, é sobre uma coisa maior do que
trarão um chip localizador para nos vigiar.”;
eu. É sobre nós. E é esse degrau mental que
são os/as que “recusam a obrigação do uso
me faz ter consciência que a minha
da máscara”; e, ainda, os/as que acreditam
prioridade tem de ser coletiva, e não
62
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) minha e do meu espelho. Não ceder ao
Quando a pandemia surgiu, ouvi, diversas
pânico, o pânico é um vírus que mata por
vezes, que esta nos iria tornar pessoas
dentro. Os/as outros/as somos nós, hoje
melhores, no sentido de sermos mais
mais do que nunca. (…) não multiplico o
solidários/as com as/os outras/os; de haver
que leio na imprensa nem faço vista turva.
promoção do espírito de entreajuda – uma
Filtro.
à
vez que não conseguiríamos ultrapassar
indiferença, são os dois contagiosos. Nesta
esta pandemia se tivéssemos uma visão
história não há nós e eles/as, há todos/as.”
individualista. Mais de um ano depois do
Estas palavras foram escritas a 12 de março
aparecimento do SARS-CoV-2, não há essa
de 2020 e, mais de um ano depois,
certeza.
Não
ceder
à
histeria
nem
continuam a fazer sentido face às pessoas que
ainda
acreditam
em
teorias
da
A
forma
como
a
pandemia
expôs
conspiração e espalham desinformação.
situações de desigualdade
Teorias, essas, que geraram, um pouco por
É importante lembrar que a pandemia
todo
afetou, de grande modo e na sua maioria,
o
Mundo,
reações
violentas
e
discursos de ódio contra pessoas chinesas.
as
mulheres,
expondo
situações
de
desigualdade que estão longe de ser novidade. Mais trabalho e precariedade, menos reconhecimento, menos dinheiro e acesso desigual aos lugares de topo. O diagnóstico
da
situação
laboral
das
mulheres agravou-se com a pandemia. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 41% das mulheres trabalham nos setores mais duramente atingidos pela pandemia e são também as mulheres que estão em maior número na linha da frente,
ocupando
empregos
com
mais
de
relevância
70%
dos
sistémica
(hospitais, lares ou escolas, empregadas de
63
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) limpeza ou do comércio) (Bizzaro, 2021).
um dos principais veículos de comunicação
Para além da questão do desemprego,
de resultados científicos e têm sido objeto
também o teletrabalho veio realçar as
de estudo no que diz respeito à sub-
desigualdades de género nomeadamente
representação feminina enquanto autoras
no que diz respeito à divisão das tarefas
de textos (Candido & Campos, 2020).
domésticas – que caem, quase sempre, nas
Segundo
mãos das mulheres – e no cuidados dos/as
Exteriores, União Europeia e Cooperação da
filhos/as que se viram, igualmente, em casa
Espanha,
a ter aulas.
reconhecimento
Fruto deste acumular de tarefas, houve,
remunerado,
também, uma redução da submissão de
salarial e as políticas fiscais e de proteção
artigos científicos por parte das mulheres
social
em comparação com os homens. “As
empoderamento económico e evitar uma
submissões de artigos científicos escritos
maior feminização da pobreza”.
a
ministra
Arancha a
devem
das
González do
Relações Laya,
trabalho
redução
da
resultar
“o não
diferença no
seu
por homens aumentaram quase 50%. A percentagem pode mesmo chegar aos
Maio de 2021
100%,
que
Em Portugal, o número de contágios
confirmam este fenómeno: investigadoras,
diminuiu; o mesmo aconteceu com o
fechadas em casa com filhos/as sob tutela,
número de mortes e de pessoas internadas
começaram a ficar para trás em relação
nos cuidados intensivos. Há que continuar
aos colegas homens. Mesmo que eles
o esforço que todos/as temos feito até
sejam os seus maridos.” (Leal, 2021).
agora – continuar a limitar os convívios com
A publicação de artigos tem relevância,
amigos/as ou familiares; usar máscara; lavar
uma vez que tem peso nos atuais sistemas
e desinfetar as mãos com regularidade. É
de
de
segundo
avaliação
estudos
do
recentes
desempenho
de
relembrar
que
se
pretende
um
pesquisadoras/es, que influencia não só as
distanciamento físico mas não social.
possibilidades
um
É urgente a criação de políticas que não
emprego, como também de conquistar
promovam o trabalho precário e que
financiamento de projetos e visibilidade
visem o achatamento da desigualdade de
académica. As revistas especializadas são
género e que, nesse sentido, promovam
de
se
encontrar
64
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) género e que, nesse sentido, promovam
Pública Vs. Liberdade Individual: Casos da
uma igual participação pública de homens
vida de um médico de saúde pública.
e mulheres.
Disponível
A vacina veio, inegavelmente, devolver
https://www.icjp.pt/sites/default/files/medi
alguma
a/289-133.pdf
esperança
e
representa
uma
em
“lufada de ar fresco” que nem as máscaras
Leal, S. (2021, 15 de fevereiro). Mulheres
impedem que chegue à nossa alma.
escreveram
Continuemos!
durante
menos a
pandemia
submeteram Referências bibliográficas Anjos,
M.
(2020,
29
artigos
em
e
dobro.
científicos homens Polígrafo.
Disponível de
outubro).
em
https://poligrafo.sapo.pt/sociedade/artigos/
Obscurantismo 2.0 e os quatro tipos de
mulheres-escreveram-menos-artigos-
negacionistas Covid. Visão. Disponível em
cientificos-durante-a-pandemia-e-homens-
https://visao.sapo.pt/opiniao/editorial/2020-
submeteram-em-dobro
10-29-obscurantismo-2-0-e-os-quatro-tipos-
Lei n.º 27/2006, 03 de julho. Lei de Bases
de-negacionistas-covid/
da Proteção Civil. Diário da República n.º
Bizzaro, T. (2021). Mulheres são as mais
126/2006, Série I
afetadas pela crise. Euronews. Disponível
Lei nº 44/ 86, 30 de setembro. Regime do
em
Estado de Sítio e do Estado de Emergência.
https://pt.euronews.com/2021/03/08/mulher
Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11/05.
es-sao-as-mais-afetadas-pela-crise
Resolução do Conselho de Ministros n.º
Candido, M. R. & Campos, L. A. Pandemia
45-C/2021.
reduz submissões de artigos académicos
calamidade, no âmbito da pandemia da
assinados
DADOS,
doença COVID-19. Diário da República n.º
[publicado a 14 maio 2020]. Disponível em:
84/2021, 1º Suplemento, Série I de 2021-04-
http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-
30.
por
mulheres,
Blog
submissoes-de-mulheres/ Constituição da República Portuguesa
(2013). Coimbra: Almedina. Gomes, C. A. (1999). Defesa da Saúde
65
Declara
a
situação
de
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TEX SILVA OS CRIMES DE ISRAEL E A LUTA DA PALESTINA PELA LIBERDADE “Não há simetria. Há um Estado que tem dois povos na mão. Um povo tem direito à vida, tem dignidade, tem liberdade de movimentos. E outro povo está completamente refém há 73 anos.” ‒ Alexandra Lucas Coelho, 18 de maio de 2021, RTP2 A segunda metade do mês de maio de 2021
tem
sido
forma
infraestruturas, matando cerca de 2000
significativa, pelos acontecimentos na
pessoas nos últimos 13 anos. O direito a
Faixa da Gaza, no Território Ocupado da
protestar não existe para o povo da
Palestina
agitação
Palestina que é recebido com fogo aberto
ofensivos,
se se tentar aproximar das barreiras físicas
terrestres e aéreos, sobre a população
que separam Gaza e o OPT, mesmo quando
Palestiniana, numa escalada de violência
de forma passiva (Human Rights Watch,
rápida e mortal, que vitimou até à data da
2021b).
redação deste artigo cerca de 200 pessoas
padrão de uso de força excessivo e
Palestinianas. Numa só semana, os ataques
desproporcional, que transforma esta luta
de Israel sobre Gaza vitimaram mais
pela liberdade, ou pelo seu retorno, que há
Palestinianos/as do que todos os “ataques”
décadas dura, numa luta sem fim.
da Palestina sobre Israel vitimaram desde
Nas reportagens temos lido e ouvido
2000 (Hajjaji, 2021).
informações sobre um conflito entre Israel
A atitude das autoridades Israelitas face a
e
comportamentos e movimentações em
propositadamente passivo, coloca ambos
Gaza considerados hostis tem sido, desde
os Estados em pé de igualdade. Mas
2008, responder com o uso da força,
pedras, atiradas pelas mãos do povo da
lançando ofensivas à escala militar sobre a
Palestina e das suas crianças, numa nova
população, de forma indiscriminada,
tentativa de reclamar o seu direito sobre as
(OPT).
culminaram
em
marcada,
Noites
de
incluindo ataques diretos a civis e a
de
ataques
66
Estas
Palestina,
práticas
sendo
culminam
que
o
num
discurso,
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) suas terras, não são equiparáveis àquela
autorização para despejar, confinar, separar
que representa a 4ª potência militar a
e subjugar o povo Palestiniano, aos mais
nível mundial. Não podemos falar de
variados níveis. Estas violações dos seus
conflito quando estamos perante um
Direitos Humanos e fundamentais têm
Estado que exerce um regime restritivo de
sido tais, que a comunidade internacional
direitos e liberdades sobre outro, restringe
tem discutido a possibilidade de estarmos
os seus movimentos, o despoja da sua
perante os crimes contra a humanidade
propriedade e anexa as suas terras, sob o
de
nariz de toda a comunidade internacional.
Rights Watch, 2021b).
Mas para compreender o escopo da
Mas é possível que seja esse o caso?
situação e para compreender o que está
Estaremos
por trás da luta Palestiniana, é necessário
humanidade? Ou perante um conflito entre
compreender primeiro, ainda que a um
duas nações em pé de igualdade? Alerta de
nível
superficial
spoiler ‒ a comunidade internacional tem
(incentivando as/os nossas/os leitoras/es a
razão nas suas preocupações. Não é um
fazer
se
conflito; é criminal, à luz do Direito
pretenderem aprofundar a informação que
Internacional. Vejamos a lei antes de
será disponibilizada neste artigo), o flagelo
enumerar os atos em si.
que tem sido vivido pelo povo da Palestina
Segundo o Estatuto de Roma do Tribunal
às mãos do Estado de Israel há mais de 50
Penal
anos e as graves violações dos seus
ratificação pela Resolução da Assembleia
Direitos Humanos.
da República nº 3/2002, de 18 de janeiro,
Cerca de 6,8 milhões de Israelitas e cerca
entende-se
de 6,8 milhões de Palestinianos/as vivem
Humanidade (art. 7º, nº1) “qualquer um dos
atualmente em Israel e no OPT, sendo que
actos
o
Bank,
quadro de um ataque, generalizado ou
Jerusalém-Leste e a Faixa de Gaza. Israel é o
sistemático, contra qualquer população
poder
do
civil, havendo conhecimento desse ataque”,
território. Na busca pelo poder total sob o
sendo que os atos mencionados incluem,
OPT, as autoridades Israelitas têm
entre outros, al. “h) Perseguição de um
bastante a
último
sua
basilar
e
própria
compreende
governamental
pesquisa
o na
West
maioria
67
Apartheid
e
Perseguição
perante
crimes
Internacional,
por
seguintes,
(Human
contra
aprovado
Crime quando
Contra cometido
a
para
a no
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) grupo ou coletividade que possa ser
destruir
identificado, por motivos políticos, raciais,
reconhecimento, o gozo ou o exercício, em
nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou
condições de igualdade, dos direitos do
de sexo, (...)”; e “j) Crime de apartheid”.
homem e das liberdades fundamentais nos
Ainda no nº2 do mesmo artigo, o Estatuto
domínios político, económico, social e
acrescenta
cultural ou em qualquer outro domínio da
que
se
entende
por
ou
comprometer
o
Perseguição “a privação intencional e grave
vida pública.”
de direitos fundamentais em violação do
Importa ainda mencionar o art. 7º, nº 1, al.
direito
motivos
d) do Estatuto de Roma que define
relacionados com a identidade do grupo
“Deportação ou transferência à força de
ou da coletividade em causa;” (al. g)), e por
uma população” como crime contra a
Crime
acto
humanidade, continuando dizendo na al.
desumano análogo aos referidos no n.º 1,
d) do seu nº 2, que “Por «deportação ou
praticado no contexto de um regime
transferência à força de uma população»
institucionalizado de opressão e domínio
entende-se
sistemático de um grupo rácico sobre um
pessoas através da expulsão ou de outro
ou outros e com a intenção de manter esse
ato coercivo, da zona em que se encontram
regime;” (al. h)). Se, no caso do apartheid,
legalmente,
questiona a sua aplicabilidade ao povo
reconhecido em direito internacional;”.
Palestiniano devido à conotação racial que
Estando estabelecida a base legal, passam
o apartheid, como conceito, acarreta, esta
a enumerar-se os atos cometidos pelo
dúvida é facilmente esclarecida quando
estado de Israel sobre o povo da Palestina
olhamos ao art. 1º, nº 1, da Convenção
no OPT.
Internacional para Eliminação de Todas as
Ao longo de 2020, as autoridades e o
Formas
governo Israelitas continuaram a exercer
define
internacional
de
de a
apartheid
por
“qualquer
Discriminação discriminação
Racial, que
deslocação
sem
coativa
qualquer
de
motivo
como
um sistema de repressão e discriminação
“qualquer distinção, exclusão, restrição ou
contra o povo Palestiniano, excedendo
preferência
cor,
qualquer justificação legal (Human Rights
ascendência ou origem nacional ou étnica
Watch, 2021a). Nas últimas cinco décadas, e
que tenha como objetivo ou como efeito
tendo-se mantido até aos dias de hoje, as
fundada
na
racial
a
raça,
68
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) autoridades
Israelitas
a
reunião e associação, e da confiscação das
movimentação de cidadãos/ãs Israelitas
suas terras e propriedade, forçou milhares
para o OPT, uma vez que Israel detém o
de palestinianos/as a deixar as suas casas,
controlo
do
atos que cabem, e podem ser equiparados,
espaço aéreo, do mercado de importações
à definição legal de transferência à força
e exportações, da segurança e do próprio
de
registo
anteriormente quando se discutiram as
primário
de
imposta
têm
das
cidadania.
aos
palestiniano
facilitado
fronteiras,
Esta
movimentos e,
limitação do
povo
concomitantemente,
uma
população,
mencionada
definições legais que constam do direito
a
internacional
(Human
Rights
Watch,
facilitação dos/as Israelitas em estabelecer
2021b).
residência dentro do OPT objetivam a
Israel continuou, em 2020, a anexar
manutenção
território Palestiniano e a relocar as
dominante,
de
Israel
assim
como
como
o
as
povo
próprias
famílias
que
aí
residiam
várias
políticas impostas que se definem a si
gerações,
próprias como instrumentos de segurança
citando leis retroativas e largamente
de proteção contra a “ameaça demográfica
discriminatórias
que os/as Palestinianos/as representam”
terrenos como desocupados ou como
(Human Rights Watch, 2021b).
tendo pertencido a Israel nos anos que
Além da proibição da entrada de pessoas
antecederam 1948. Além disso, a fronteira
palestinas em Gaza, o Governo Israelita
física construída com o intuito de dividir os
tem vindo a restringir, de forma cada vez
dois territórios (e sob o falso pretexto da
mais exigente, a liberdade de movimentos
segurança) situa-se não nas fronteiras
dos dois milhões de Palestinianos/as que
“reais”, mas sim, na sua grande maioria,
ainda vivem na zona, limitando o seu
dentro do West Bank, cortando o acesso
acesso a água e eletricidade e deixando
de milhares de Palestinianos/as aos seus
estas
pessoas
definiam
esses
ajudas
terrenos de agricultura e isolando cerca de
Rights
Watch,
11.000 pessoas que vivem no lado Oeste da
condições
barreira e que não têm autorização para
desumanas, acrescido da suspensão dos
viajar para Israel, não podendo assim
seus direitos civis, como a liberdade de
aceder à sua propriedade (Human Rights
2021a).
A
mercê
que
Jerusalém-Leste,
das
humanitárias
à
incluindo
há
(Human
imposição
dessas
69
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Watch, 2021a). Na zona ocupada de West
contra a humanidade, concluiu a Human
Bank, Israel submete o povo Palestiniano a
Rights
leis militares que se assemelham ao
descrição dos abusos cometidos no OPT
direito draconiano e impõe um sistema de
que
segregação.
Palestinianos/as
Por
outro
lado,
na
zona
Watch
privam
(2021b)
baseando-se
diariamente dos
milhões
seus
na de
direitos
anexada de Jerusalém-Leste, que Israel
universais de residência, à propriedade
considera como seu território soberano
privada, de acesso ao território, a serviços
contrariamente
lei
e recursos (como educação, segurança e
internacional, o Estado prevê estatutos
saúde), à identidade, e em especial, à
legais especiais para o povo Palestiniano
liberdade.
que enfraquecem os seus direitos de
A nível da intervenção internacional, em
residência (Human Rights Watch, 2021b).
2020 os Estados Unidos da América (EUA)
As pessoas Palestinianas que residem em
apresentaram um plano que se tem vindo
Israel, ao contrário das residentes no OPT,
a chamar de “Solução de Dois-Estados”,
podem votar nas eleições Israelitas, no
plano esse que previa, por um lado, a
entanto este facto em nada diminui o seu
dominação permanente de Israel sobre
sofrimento
de
grandes partes do território do West Bank
discriminação sistémico que as visa, que
e a anexação formal de zonas como o Vale
inclui mas não se circunscreve à restrição
do Jordão e partes da Área C, e, por outro
de movimentos e proibição de reunião
lado,
com as suas famílias no OPT e West Bank.
concretização de um estado Palestiniano
Na
(Human
às
verdade,
ao
que
mãos
esta
do
afirma
a
regime
fragmentação
da
tornaria Rights
quase Watch,
2021a).
Mas
a a
população Palestiniana auxilia Israel na
consciencialização
busca de domínio total, permitindo-lhe
internacional para os crimes contra a
obscurar a repressão de direitos de milhões
humanidade cometidos por Israel tem
de Palestinianos/as, a diferentes níveis e em
levado
diferentes áreas (Human Rights Watch,
abordagem ao conflito, em especial no que
2021b).
diz respeito à postura dos EUA, que se tem
Os atos até agora descritos justificam a sua
recusado a tomar uma posição firme e a
classificação como perseguição, um crime
condenar o regime, mantendo a sua
70
a
pedidos
da
impossível
de
comunidade
reavaliação
da
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) postura como aliado de Israel, postura essa
níveis
que culminou, em 2018, numa das piores
sancionar as violações de Direitos Humanos
decisões geopolíticas da História dos EUA
cometidas por Israel sobre o povo da
com a mudança da Embaixada dos EUA
Palestina (Human Rights Watch, 2021a),
em
com alguns Estados a tomar uma posição
Israel
ocupado
para
da
Jerusalém,
Palestina
território
(Human
Rights
travar
qualquer
neutra/centrista
e
tentativa
diplomática,
declarar-se
A posição centrista que procura uma
Quanto aos Estados-Parte da Organização
Solução
das Nações Unidas (ONU), torna-se urgente
Dois-Estados
quanto
ao
pró-Ocupação.
conflito Israel-Palestina não é viável a
e
curto, médio ou longo prazo. Mas além da
publicamente
sua (in)viabilidade, devemos perguntar-
Palestina e contra os graves crimes contra
nos se é justa, ou mesmo humana. Na sua
a humanidade cometidos pelo Estado de
essência, ela prevê a negligência e omissão
Israel, pedindo que o último abandone o
de um sistema que durante décadas tem
OPT. Para além da condenação pública, a
oprimido
ONU deve atuar usando o seu poder de
e
Palestiniano,
discriminado minimizando
o
povo
todo
o
veto,
decisivo
e
a
Watch, 2021b). de
pró-Israel
ou
de
travando
se
contra
a
acordos,
ocupação
esquemas
importação e exportação, e trabalhar no
da ocupação, a ser curados por um
sentido de identificar os agentes direta e
qualquer “processo de paz” que virá.
indiretamente envolvidos na segregação e
aconselhar
o
(UE)
Governo
formas
de
tratando-os como sintomas temporários
Europeia
as
da
cooperação
União
todas
posicionem
sofrimento e todos os abusos cometidos e
A
e
que
de
tem
vindo
a
perseguição do povo Palestiniano, com o
de
Israel
a
foco na aplicação de sanções (Human
abandonar os seus planos de anexação e a
Rights Watch, 2021b).
travar
nos
O Tribunal Criminal Internacional (TCI)
a
concluiu, em dezembro de 2019 e após
ilegalidade desses atos ao abrigo da Lei
uma análise preliminar do conflito Israel-
Internacional Humanitária. No entanto, o
Palestina, que estavam preenchidos os
conflito ideológico entre os diferentes
requisitos necessários para avançar com
Estados-Membros da UE tem vindo a vários
uma investigação formal dos crimes
os
territórios
projetos
de
colonizados,
construção destacando
71
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) cometidos (Human Rights Watch, 2021a). O
insubmissa,
Estado da Palestina é abrangido tanto pelo
coincidentemente, a Liberdade, falemos da
Estatuto de Roma como pela Convenção
resposta de Portugal aos confrontos que
Internacional de 1973 sobre a Supressão e
têm marcado as esferas social, política e
Punição do Crime de Apartheid, pelo que
humanitária este mês de maio.
em fevereiro deste ano, o TCI decretou que
Demarcando-se pela negativa, o Ministério
tem jurisdição para atuar quanto aos
dos
crimes
publicou
internacionais
cometidos
na
cuja
Negócios
temática
Estrangeiros
nas
redes
é,
Português
sociais
uma
totalidade do OPT, incluindo os crimes de
mensagem
Apartheid e Perseguição. Em março de
“lançamento indiscriminado de mísseis a
2021, o Procurador do TCI anunciou a
partir da Faixa de Gaza contra civis
abertura de inquérito para investigação
israelitas”, sendo esta recebida com uma
formal da situação na Palestina (Human
enchente de respostas condenando, desta
Rights Watch, 2021b).
vez, o próprio tweet (Moreira, 2021). Quase
É de salientar que a comprovação dos
como em forma de resposta, o Partido
crimes de Apartheid e de Perseguição não
Comunista Português (PCP), o Bloco de
negam a realidade da ocupação e não
Esquerda
eliminam as obrigações que cabem a
Assembleia da República Joacine Katar
Israel ao abrigo da legislação internacional
Moreira,
(Human Rights Watch, 2021b), que inclui as
regime de Apartheid imposto pelo Estado
Convenções de Haia e de Genébra e que
de Israel e as contínuas violações dos
regulam a ocupação. Assim sendo, Israel
Direitos Humanos do povo Palestiniano,
deve
comunidade
pedindo uma posição firme do Governo
internacional a abandonar o OPT, sendo
Português que vá ao encontro dos tratados
que quaisquer possíveis sanções aplicadas
e
deverão vir em segundo plano, após o povo
Também a Associação Plano i, da qual esta
da Palestina ser libertado.
revista faz parte, publicou, em forma de
Voltando ao início e aos acontecimentos
carta aberta, a sua condenação pelos
que trouxeram a necessidade de escrever
crimes de Israel, defendendo a libertação
este artigo para a 2ª Edição da Revista
da Palestina.
ser
ordenado
pela
72
de
central
(BE)
e
condenação
a
condenaram
resoluções
pelo
representante publicamente
internacionais
na o
vigentes.
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) O
Governo
Português,
entanto,
direito do povo Palestiniano ter direito à
manteve-se fora das linhas de jogo, sendo
sua pátria, a viver em paz na sua própria
que o Primeiro-Ministro António Costa não
pátria, no seu próprio país (...) infelizmente
se pronunciou, a não ser para concordar
não tem acontecido, com a desobediência
com o Presidente dos Estados Unidos Joe
sistemática por parte de Israel a esse direito
Biden de que “ambos os lados” devem
internacional,
cessar-fogo, de forma a voltar a um
Infelizmente, vemos a UE, de uma forma
patamar onde seja possível a conciliação e
hipócrita, a tentar responsabilizar tanto o
a paz entre os dois Estados. Mas esta tem
agressor como o agredido.”
sido a postura desde a década de 60 e,
Uma semana após o início dos ataques à
como já foi possível apurar, é insuficiente,
Faixa de Gaza, e um dia após o ataque e
para lá de inviável.
subsequente destruição do edifício que, em
Em declarações prestadas ao Observador
Gaza, abrigava escritórios da Al Jazeera
(Lusa, 2021), e no que diz respeito à postura
Media Network e da American Associated
de António Costa, Jerónimo de Sousa, líder
Press (Pietromarchi, Gadzo, & Siddiqui,
do PCP, comentou: “Vemos também que o
2021), estruturas de jornalismo que há
Presidente
nesta
anos reportam e documentam os abusos e
posição que tenta embrulhar numa certa
demais acontecimentos em Israel e no
reconsideração
e,
OPT (ataque este que constitui um crime
simultaneamente, o Governo Português,
de guerra), várias cidades, espalhadas por
que balança nestas posições, que navega
todo o mundo, organizaram concentrações
nestas
essa
e protestos em solidariedade para com a
identificação inaceitável em que põe os
Palestina, exigindo a sua libertação e a
dois [Israel e Palestina] ao mesmo nível (...)
condenação
Israel
influência
diretamente envolvidos/as com a ocupação
geoestratégica. Creio que não é saudável
e a perseguição do povo Palestiniano.
nem boa a posição do Governo Português.”.
Portugal não foi exceção, com centenas a
Acrescentou ainda “(...) em conformidade
reunirem-se no na Praça da Palestina, no
com o Direito Internacional, com decisões
Porto, e no Martim Moniz, em Lisboa, no
da própria ONU, que seja respeitado esse
passado dia 17 de maio, pelas 18h00.
dos
Estados
águas,
quer
alargar
no
Unidos,
hipócrita
assumindo
a
sua
73
a
esse
daqueles
posicionamento.
e
daquelas
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Como terminar este artigo? Pedindo que as nossas leitoras e leitores não fiquem por aqui. Que façam a sua própria pesquisa e formem a sua própria opinião, mas que o façam de forma informada e humana. A Revista
insubmissa
recomenda-lhe
a
leitura do livro “A Liberdade é uma Luta Constante: Ferguson, a Palestina e as bases de um movimento”, de Angela Davis, um dos ícones da luta pelos direitos civis
nos
EUA
(pode
encontrar
mais
informação acerca do livro no Espaço Cultural da nossa revista). Pedimos que vejam, leiam e ouçam com atenção, não só as notícias e o tipo de linguagem que é utilizada, mas também os
Foto: Mihriban
discursos e conversas à vossa volta. O ativismo não tira férias, não tem hora para
Referências bibliográficas
despegar. E quanto ao que se passa na
Convenção
Palestina, não é guerra, nem é conflito ‒ é
Eliminação
aniquilação.
Discriminação
Internacional de
Todas Racial.
as
sobre
Formas
Resolução
de da
Assembleia da República nº 7/82, de 29 de abril. Diário da República I série, nº 99, (1982). Acedido a 18 mai. 2021. Disponível em www.dre.pt. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Resolução da Assembleia da República nº 3/2002, de 18 de janeiro. Diário da República: I série, nº 15 (2002). Acedido a Por uma Palestina livre.
17 mai. 2021. Disponível em www.dre.pt
74
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Hajjaji, D. (2021, 17 maio). Israeli Airstrikes
Económico.
on Gaza Killed More This Week Than Hamas
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/a-
Rockets Have in 20 Years. Newsweek.
vergonhosa-posicao-do-governo-
Disponível em:
portugues-sobre-a-aniquilacao-na-
https://www.newsweek.com/israeli-
palestina-739343
airstrikes-gaza-killed-more-this-week-
Pietromarchi, V., Gadzo, M., & Siddiqui, U.
hamas-rockets-have-20-years-1591714
(2021, 16 maio). Israeli air raid flattens Gaza
Human
Rights
Watch.
(2021a).
World
Disponível
em:
building housing Al Jazeera. Al Jazeera.
Report 2021: Rights Trends in Israel and
Disponível em:
Palestine. Disponível em:
https://www.aljazeera.com/news/2021/5/15/
https://www.hrw.org/world-
palestinian-death-toll-in-gaza-occupied-
report/2021/country-
west-bank-mounts-live-news
chapters/israel/palestine Human Rights Watch. (2021b). A Threshold Crossed: Israeli Authorities and the Crimes of Apartheid and Persecution. Disponível em: https://www.hrw.org/report/2021/04/27/thr eshold-crossed/israeli-authorities-andcrimes-apartheid-and-persecution Lusa, A. (2021, 17 maio). Médio Oriente. Posição de Portugal não é saudável, nem boa, diz Jerónimo de Sousa. Observador. Disponível em: https://observador.pt/2021/05/17/mediooriente-posicao-de-portugal-nao-esaudavel-nem-boa-diz-jeronimo-de-sousa/ Moreira, R. S. (2021, 16 maio). A vergonhosa posição do Governo português sobre a aniquilação na Palestina. O Jornal
75
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
ABC DA IGUALDADE ABCDEFGHIJLMNOPQRSTUVXZ BIGAMIA Antes
de
mais,
essencial
legalmente reconhecida naquele país. Por
proceder a uma distinção clara entre os
fim, o conceito de poliamor (polyamory)
conceitos
tem vindo a ganhar reconhecimento como
de
mostra-se
bigamia,
poligamia
e
poliamor (polyamory). A bigamia não é um
um
conceito social, mas sim um conceito legal
orientação sexual, que define a prática de
e cível, definido como “o ato de contrair
se
segundo casamento legal, sem terminar o
sexualmente com mais do que uma
casamento legal anterior”. Apesar de o
pessoa, sendo este relacionamento, um
conceito ser usado no contexto social de
relacionamento
forma
monogâmico,
negativa
e
frequentemente
comportamento relacionar
sexual,
ou
afetivamente
não-casual com
o
e
uma e/ou
não-
conhecimento,
acompanhado de juízos de valor de cariz
consentimento e participação de todas as
moralista,
prática
pessoas envolvidas na relação. Legalmente,
reconhecida em várias culturas e por
as pessoas poliamor não são reconhecidas
milhares de pessoas, cuja religião ou
como
comunidade a encoraja.
LGBTQI+, mas tem havido movimentação
Já o conceito de poligamia, e a sua versão
para que isso se altere.
oposta poliandria, não é reconhecido como
Atualmente, e na grande parte dos países
conceito legal ou cível, sendo usada como
ocidentais, a bigamia é considerada crime,
palavra que define o “costume de ter mais
independentemente da cultura de origem
do que uma esposa ao mesmo tempo”
das pessoas que pretendem praticar e
(poliandria será o costume de ter mais do
efetivamente
que
tempo).
independentemente do seu estatuto penal,
Podemos, então, concluir que a bigamia
a prática existe, em alguns países e
não é poligamia, mas a poligamia pode
comunidades de uma forma mais aberta,
englobar a bigamia, caso a prática seja
pública e socialmente aceite do que
um
a
bigamia
marido
ao
é
uma
mesmo
76
fazendo
parte
o
da
comunidade
fazem.
Mas,
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) noutras,
consoante
da
Idade Média e do Direito Canónico até ao
localidade, sendo que onde existe uma
Séc. XXI, já esqueceu as suas origens,
grande influência religiosa em defesa da
porque a prática da poligamia (e, neste
monogamia, a prática tende a ser vista
caso, referindo o conceito social e histórico,
como desviante e imoral.
e não o conceito legal de bigamia) e o
Na Índia, Egito, Indonésia, Irão, Líbia,
envolvimento em relacionamentos afetivo-
Marrocos, Filipinas, África do Sul, entre
sexuais
outros, a Bigamia (ou uma forma legal dela)
relacionamento
é permitida ao abrigo da lei, mas apenas
instintivos. A monogamia, e os conceitos de
para os homens. Nas Maldivas, no entanto,
casamento para a vida e fidelidade que lhe
é totalmente legal, independentemente
acrescem, é o resultado de milhares de
do género.
anos de socialização e alterações culturais,
Concomitantemente, bigamia
faz
parte
os
em do
costumes
Portugal, Código
foram,
outrora, humano,
basilares
ao
naturais
e
a
em grande medida influenciadas tanto
Penal
pela religião, como pela assimilação e
Português, estando incluída na Secção I
desejo de pertencer.
dos crimes contra a família, Artigo n.º 247, onde refere que quem: a) Sendo casado,
Referências bibliográficas
contrair outro casamento; ou b) Contrair
Lourenço, L. A., Fukagawa, N. R. R. L.,
casamento com pessoa casada é punido
Ferreira, P. C. C. & Freitas, D. B. (2015).
com pena de prisão até 2 anos ou com
Descriminalização
pena de multa até 240 dias.
Direito e Sociedade, 3(1), 105-113.
da
bigamia.
Revista
Pinheiro, A. R. S. (2013, julho). Casar Nota insubmissa: Sendo ilegal, não quer
segunda vez nos sertões: Casos de bigamia
dizer que não seja praticada, ainda que as
na Capitania do Ceará Grande (1752-1798).
uniões
Apresentado no XXVII Simpósio Nacional
não
sejam
reconhecidas
pelo
Estado, e não quer dizer que seja uma
de
prática imoral ou contra-natura. De facto,
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/a
a sociedade ocidental atual, em toda a sua
nais/27/1364932505_ARQUIVO_TEXTOANP
superioridade moral reciclada dos ideais
UH2013.pdf
anglo-saxónicos que sobreviveram desde a
Psychology Today. (n.d.). Polyamory.
77
História.
Retirado
de
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Acedido a 19 de maio de 2021. Retirado de: https://www.psychologytoday.com/us/basic s/polyamory#what-is-polyamory Rosa, G. F. & De Carvalho, G. M. (2016). Delito de bigamia e intervenção mínima: O casamento é, ainda, um bem jurídicopenal? Revista de Direito Penal, Processo Penal e Constituição, 2(1), 693-713.
78
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
SABIA QUE...? A UNIÃO EUROPEIA FOI CONSIDERADA UMA ZONA DE LIBERDADE LGBTI “O passo que o Parlamento Europeu deu hoje pode ter sido simbólico para muitos/as, mas é um sinal para a sociedade civil, ativistas e cidadãos/ãs LGBTIQ na Polónia, Hungria, Roménia e em toda a UE de que são bem-vindos/as e amados/as em toda a União”. Terry Reintke (Dezanove, 2021) Em março de 2021, a União Europeia (UE)
afirmou que “Aquilo que cada um/a é não
juntou-se e defendeu a proteção e respeito
tem a ver com ideologia, é uma questão de
das
gays,
identidade que ninguém pode arrancar.
intersexo),
Portanto, quero deixar claro que as zonas
repudiando as situações LGBTIfóbicas que
livres de LGBTIQ são zonas livres de
se têm vindo a observar em certos países
humanidade” (Silva, 2020).
da
pelo
Torna-se importante perceber o contexto
Parlamento Europeu, que contou com a
destas declarações. A UE trabalha para
rejeição da extrema direita, foi proclamado
garantir
que a UE é uma Zona de Liberdade LGBTI
pessoas LGBTI e repudiou, a dezembro de
(Esqrever, 2021).
2019, não só o estabelecimento de ‘‘zonas
“As pessoas LGBTIQ em toda a UE devem
livres de LGBTI’’ na Polónia e Hungria, mas
gozar da liberdade de viver e mostrar
também todos e quaisquer ataques contra
publicamente a sua orientação sexual e
os
identidade de género sem receio de
Membros. A UE continua a promover a
intolerância,
igualdade e a combater a discriminação
pessoas
bissexuais,
UE.
Na
LGBTI
transgénero
resolução
(lésbicas, e
aprovada
discriminação
ou
a
direitos
razão
proteção dos direitos das
LGBTI
da
noutros
orientação
Estados-
perseguição. As autoridades europeias a
em
sexual,
todos os níveis de governação devem
identidade de género e das características
proteger e promover a igualdade e os
sexuais (Parlamento Europeu, 2021b).
direitos fundamentais de todos, incluindo as pessoas LGBTIQ” (Esqrever, 2021).
Situação na Polónia
Durante o encontro, Ursula von der Leyen
A Polónia tem-se destacado, de forma
79
da
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) negativa, nos seus esforços por disseminar
respeito pelos direitos Humanos, incluindo
uma
contra
os direitos das pessoas pertencentes a
pessoas LGBTI onde autoridades públicas,
minorias” e apela ao “pluralismo, a não
o Presidente e os meios de comunicação
discriminação, a tolerância, a justiça, a
usam o discurso de ódio para passar a
solidariedade e a igualdade entre homens
mensagem de que estas pessoas não são
e mulheres”
bem-vindas. Os ataques têm vindo a
Europeia, 2016).
cultura
discriminatória
(Jornal
Oficial
da
União
intensificar-se com a prisão de ativistas LGBTI e a proibição de marchas do
Situação na Hungria
Orgulho
É de salientar que na Hungria se tem vindo
LGBTI
(Parlamento
Europeu,
2021a). Nesta
a verificar uma situação de ataque aos medida,
a
Comissão
Europeia
direitos
das
pessoas
LGBTI,
respondeu, cortando o financiamento às
nomeadamente com a decisão tomada
cidades
numa das suas cidades, a novembro de
Polacas
que
adotaram
estes
mecanismos de opressão. Porém, tem sido
2020,
apelado a que sejam utilizados todos os
promoção
instrumentos possíveis para consolidar a
Posteriormente, e apenas um mês depois, o
posição da UE em relação a estas violações,
governo decidiu não aceitar a existência
como é o exemplo do artigo 7º do Tratado
de pessoas transexuais e não binárias e,
da UE (Parlamento Europeu, 2021a), que
consequentemente, limitar o seu direito a
decreta que “Se tiver sido verificada a
constituir uma vida familiar (Parlamento
existência da violação a que se refere o nº 2,
Europeu, 2021a).
o
maioria
Os últimos acontecimentos na Polónia e
qualificada, pode decidir suspender alguns
Hungria servem para relembrar que os
dos direitos decorrentes da aplicação dos
direitos
Tratados ao Estado-Membro em causa”;
trabalharam
sendo que o referido nº 2 diz respeito aos
retirados a qualquer momento, alertando
“valores
para a importância de continuar a luta,
Conselho,
do
deliberando
respeito
por
pela
dignidade
de
proibir da
pelos e
a
“disseminação
propaganda
quais
tantas
lutaram
e
LGBTIQ”.
pessoas
podem
ser
humana, da liberdade, da democracia, da
sempre.
igualdade, do Estado de direito e do
Apoiamos a posição da UE de defesa dos
80
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) direitos LGBTI+ e apelamos ao respeito
direitos LGBTI é preocupante, e que a crise
pelos direitos destas pessoas e dos/as
que se seguirá à pandemia COVID-19,
ativistas.
poderá agravar a situação (Ilga Europa, 2021).
Rainbow Map 2020
Temos
A ILGA-Europe tem vindo a produzir um
retrocesso e guiar os países na direção
Mapa Arco-Íris que ilustra a situação legal
certa, para que atinjam o auge das suas
e em termos de políticas LGBTI na Europa.
possibilidades. Lutemos por uma Europa
Estes
verdadeiramente livre de discriminação
foram
os
resultados
de
maior
destaque, em relação ao ano de 2020 (Ilga
que
lutar
para
travar
este
LGBTI (Ilga Europa, 2021).
Europa, 2021): Não houve qualquer mudança positiva em 49% dos países; É o segundo ano consecutivo em que países estão a retroceder no Índice Arco-Íris, isto porque se verifica o desaparecimento de direitos que, até aí, as pessoas possuíam; Dentro dos movimentos de igualdade
Foto: Brett Sayles
LGBTI, os movimentos relativos aos direitos das pessoas trans são os mais
Referências bibliográficas
numerosos,
Dezanove. (2021). O Parlamento Europeu
tanto
positiva
como
declarou a UE uma "Zona de Liberdade
negativamente; maior
LGBTIQ" [Entrada em website]. Retirado de
proteção de pessoas intersexo contra
https://dezanove.pt/o-parlamento-europeu-
discriminação sofrida.
declarou-a-ue-uma-1395734
Também
se
observou
uma
Esqrever.
(2021).
Parlamento
Europeu
ILGA-Europe,
declara a União Europeia uma “zona de
Evelyne Paradis, avisa que o que tem vindo
liberdade” para as pessoas LGBTIQ [Entrada
a acontecer na Europa em relação aos
em website]. Retirado de
A
diretora
executiva
da
81
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) https://esqrever.com/2021/03/11/parlamento
Silva, I. M. (2020). Comunidade LGBTQI
-europeu-declara-a-uniao-europeia-uma-
pede ação da UE contra discriminação
zona-de-liberdade-para-as-pessoas-lgbtiq/
[Entrada
Ilga Europa. (2021). Rainbow Europe 2020
https://pt.euronews.com/2020/09/24/comu
[Entrada
nidade-lgbtqi-pede-acao-da-ue-contra-
em
website].
Retirado
de
https://www.ilga-
discriminacao
europe.org/rainboweurope/2020 Jornal
Oficial
da
União
Europeia.
(2016).Tratado da União Europeia. Retirado de http://publications.europa.eu/resource/cella r/9e8d52e1-2c70-11e6-b49701aa75ed71a1.0019.01/DOC_2 Parlamento Europeu. (2021a). Parlamento declara União Europeia como “Zona de Liberdade LGBTIQ” [Entrada em website]. Retirado
de
https://www.europarl.europa.eu/news/pt/pr ess-room/20210304IPR99219/parlamentodeclara-uniao-europeia-como-zona-deliberdade-lgbtiq Parlamento
em
Europeu.
(2021b).
União
Europeia: Um lugar de liberdade para pessoas LGBTIQ [Entrada em website]. Retirado
de
https://news.cision.com/pt/parlamentoeuropeu/r/uniao-europeia--um-lugar-deliberdade-para-pessoaslgbtiq,c637507968290000000
82
website].
Retirado
de
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
ESPAÇO CULTURAL
83
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
ESPAÇO CULTURAL O Espaço Cultural é o novo espaço da nossa insubmissa. Este será um espaço em aberto, em que o objetivo, primeiro e único, será aglutinar três esferas primordiais, a sociedade, a arte e a cultura. Aqui
poderão
informativos
encontrar
acerca
de
conteúdos
personalidades
relevantes, reflexões, sugestões de livros, séries, documentários, podcasts, sítios a visitar, entre outros conteúdos. No
enquadramento
do
tema
deste
bimestre, Liberdade, temos para si um texto acerca de Natália Correia, a escritora com mais livros censurados pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), quatro sugestões culturais, bem como a nossa agenda insubmissa. No final, um espaço para reflexão.
84
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
NATÁLIA OLIVEIRA CORREIA, INSUBMISSA MULHER DE ABRIL Mulher e Abril com letra maiúscula, porque ser Mulher e Livre, nunca foram coisas de ser pequenas. ESCRITO POR VÂNIA ALVES
Não é fácil escrever sobre a Natália. Digo a
poético, Natália de Oliveira Correia. Nasceu
Natália, porque nos faz chegar próxima e
em São Miguel, arquipélago dos Açores,
íntima com o seu vigor tão conciso, e as
cujo hino é de sua autoria. Quando tinha 11
suas palavras quase como um abraço, que
anos o seu pai emigrou para o Brasil,
têm tanto de revolução quanto de ternura.
acabando Natália por se estabelecer em
As informações, tantas e tão diversificadas,
Lisboa com a mãe e a irmã. A morte da sua
quase sempre extensamente adjetivadas,
mãe, em 1956, acaba por gravar em si uma
refletem quem foi e como viveu. Uma vida
saudade terna, e eterna, dos Açores que se
cheia, onde se construiu imensa.
refletiu na sua literatura.
Natália Correia poderia dividir-se entre
Natália
várias Mulheres, que mesmo assim todas
poeta/poetisa, e afirmava-se vincadamente
seriam completas, além de notáveis. Em
das duas formas, uma enquanto poeta,
comum? O vigor, a desconstrução do
pois
paradigma político e social, a oratória que
assexuada,
rasga em elegância, a forma singular e crua.
poetisa, pois, nas palavras de Maria Teresa
E nenhuma conjuga, todas elas infinitivo,
Horta: “A Natália disse-me uma vez que nos
todas elas insubmissas.
chamavam poetas, e não poetisas, porque a
a
distinguia-se
poesia, e
nas
uma
suas
enquanto
palavras,
segunda
é
enquanto
figura do poeta com qualidade poética, Natália
Oliveira
Correia
em
3
i’s:
estava dominantemente «adjudicada» aos
insubmissa, inconformada e invicta
homens,
Marcava o calendário o ano de 1923 quando
consideradas nessa categoria, tinham de
nascia
ser tão «bons» quanto eles. Nós somos
em
Portugal
mais
um
revolucionário, inquieto e singular cravo
e
as
mulheres,
para
serem
poetisas, repetia bem alto, tão boas ou
85
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) melhores que eles. Nunca mais esqueci
quase como um símbolo consumado dessa
este aviso”. De uma forma ou de outra,
vitória.
Natália sabia que posição queria marcar e
A luta foi longa, durou-lhe 51 anos, 51 anos
o peso que as palavras teriam para a
esses em que Natália foi incisiva, nunca
tomada desse posicionamento.
moldável, nunca plasticina, sempre terra
Além
de
poeta/poetisa,
Natália
foi
molhada, indomável!
romancista, ensaísta, tradutora, jornalista,
Ativa na cultura, na literatura, na sociedade,
guionista, editora, diretora de editoras,
na política, fazendo a ponte entre estas
semanários e jornais diários, deputada e
esferas que nunca se desligam, e sabendo
ativista social e cultural. Entre o atropelo
da importância de as unir. Estava na
das convicções, que se transformavam em
política pela cultura, e usou a literatura
ocupações, criou e apresentou ainda um
como um ato político e de denúncia. Foi a
programa revolucionário na sua época, já
Mulher com mais livros censurados (num
nos anos 80, de nome Mátria, sobre as mais
total de seis livros) pela PIDE, e mesmo
destacadas figuras femininas portuguesas.
depois de condenada a três anos de pena
O nome “Mátria” deriva da ideia de que se a
suspensa nunca se demoveu. A cada
Terra é a mãe que nos cria a todas e a
palavra sua, determinada, um rasgo no véu
todos, o substantivo deveria ser feminino, e
de ignorância que encobria Portugal. Nos
não masculino como utilizado de forma
seus livros, ao longe, ouve-se um compasso
normativa (Pátria). Mais tarde, acrescenta
em espera, a sua boca, quase como uma
ao leque de palavras do seu dicionário o
visão: vermelho revolução!
conceito
É importante dizer também que, mesmo
de
Fratria,
símbolo
da
fraternidade, igualdade e equidade.
sendo uma figura de destaque, Natália não
A escritora lutou toda a sua vida, ao lado de
estava sozinha nesta luta, e fazia questão
tantas
outras
ao
lado
de não estar. Nas décadas de 50 e 60, a sua
vivia
nas
casa funcionava como um salão cultural
sombras, de forma invicta, para que um
onde se concretizavam as denominadas
programa
Tertúlias
também
de
personalidades, um
com
povo esta
que
envergadura,
artísticas
e
culturais,
que
profundamente livre e feminista, pudesse
culminavam de forma constante e feroz na
ser concretizado, e olho para o “Mátria”
crítica ao fascismo, transformando-se
86
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) quase num símbolo de resistência que
de ser. Nunca se enquadrou, nunca se
ofereciam ao regime ditatorial de Salazar.
silenciou,
Sempre envolta em atos políticos diretos,
insubmissa, inconformada e invicta.
como subscrições de documentos, em que
Marcava o calendário o ano de 1993
aliada a outras escritoras e escritores,
quando, de forma súbita e sem aviso,
reivindicava as liberdades e solicitava,
morre de ataque cardíaco, um dos cravos
inclusive, o despedimento de António
que fez a nossa revolução. Mas fica-nos a
Oliveira de Salazar, constituindo-se como
literatura e as sementes de uma liberdade
parte integrante dos “inimigos do silêncio”,
por cumprir. Porque a sua luta não
silêncio este que era a pedra basilar da
terminou no dia 25, a sua luta continuou, e
estrutura do Estado Novo.
a de quem ainda aqui está prossegue. 25 de
Mais
tarde,
em
1971,
tornou-se
co-
lutou,
sempre,
de
forma
Abril foi um início vitorioso, nunca um fim,
fundadora do bar Botequim, consagrado
uma batalha consumada em si mesma.
como o Botequim da liberdade, no livro de
Todos os dias arrancamos mais um cravo
Fernando Dacosta (2013). Espaço lembrado
da terra que a Natália fomentou. Todos os
por ser um dos grandes centros de
dias vemos um caminho a ser feito ao
conspiração em prol da liberdade, onde se
contrário. Mas silêncio que já se ouve! Lá ao
reunia
fundo... nada mais bonito que o burburinho
parte
da
intelectualidade
portuguesa, em convívios literários, cafés-
de um compasso em formação!
concertos e tertúlias políticas. Por lá, a título de exemplo, passaram nomes como
Neste contexto, ficam aqui, alguns dos
António
factos mais relevantes acerca de Natália
Sérgio,
Mário
Cesariny,
David
Mourão-Ferreira, Almada Negreiros, Ary dos
Oliveira Correia:
Santos, Amália Rodrigues, entre tantas
Na década de 40 colaborou com o
outras personalidades.
Seminário “O Sol”, um jornal que se
Visionária e revolucionária, Natália foi, o
opunha de forma explícita ao Estado
que se costuma dizer corriqueiramente,
Novo.
uma força da Natureza. Extrapolou os
Constituía parte ativa dos movimentos
cânones,
de oposição ao Estado Novo, tendo
e
desconstruiu
convenções
sociais. Livre, quanto mais a impedissem
participado no MUD (Movimento de
87
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) de Unidade Democrática, 1945), no
Em 1992, fundou, com José Saramago,
apoio
Armindo
às
candidaturas
para
a
Magalhães,
Manuel
da
Presidência da República do general
Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues, a
Norton de Matos (1949) e de Humberto
Frente Nacional para a Defesa da
Delgado (1958) e na CEUD (Comissão
Cultura (FNDC).
Eleitoral
Em 1981, Natália Correia recebeu a
de
Unidade
Democrática,
1969).
medalha de Grande-Oficial da Ordem
Publicou com Luiz Pacheco, em 1953, o
Militar de Sant’Iago da Espada.
Cântico do País Emerso, exaltando o
Em 1991, foi-lhe atribuído o Grande
desejo de liberdade em Portugal.
Prémio
Em 1959, publica Comunicação, o seu
Portuguesa de Escritores pelo livro
primeiro livro censurado, proibido e
Sonetos Românticos.
apreendido pela PIDE.
Também em 1991, foi feita Grande-
Em 1965, a publicação da Antologia da
Oficial da Ordem da Liberdade.
de
Poesia
da
Associação
Poesia Erótica e Satírica condenou-a a 3 anos de pena suspensa por abuso da
Lista
de
livros
de
liberdade de imprensa.
censurados pela PIDE:
Natália
Correia
Em 1971 é musicado o poema Queixa
Comunicação, 1959
das Almas Jovens Censuradas por José
O Homúnculo, 1965
Mário Branco.
A Antologia de Poesia Erótica e Satírica,
Em 1972, foi iniciado um processo
1965
judicial contra a Editora Estúdios Cor,
O vinho e a lira, 1966
onde
A Pécora, 1967
desempenhava
a
função
de
diretora literária, devido à publicação do
livro
icónico
Novas
O Encoberto, 1969
Cartas
Portuguesas, escrito pelas conhecidas
A luta não terminou a 25 de Abril de 74
"três Marias".
A 3 de Abril de 1982, durante o primeiro
Em 1980, foi eleita para o Parlamento
debate parlamentar sobre a interrupção
pelo
voluntária da gravidez, João Morgado,
Partido
Popular
Democrático,
enquanto deputada independente.
deputado do CDS, afirma que o ato sexual
88
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) tem como fim único a procriação. Em resposta,
Natália
deputada
Oliveira
independente
Parlamento
pelo
Correia,
eleita
Partido
para
o
Popular
Democrático, responde, de forma pouco ortodoxa e incisiva, com um poema que suscitou
gargalhadas
em
todas
as
bancadas, conduzindo à interrupção da
Foto: Arquivo Global Imagens
sessão: "Já que o coito - diz Morgado tem como fim cristalino, preciso e imaculado fazer menina ou menino; e cada vez que o varão sexual petisco manduca, temos na procriação Referências bibliográficas
prova de que houve truca-truca. Sendo pai só de um rebento,
Pedrosa, A. (2017). Escritoras Portuguesas
lógica é a conclusão
e Estado Novo: As obras que a ditadura
de que o viril instrumento
tentou
apagar
da
vida
pública.
só usou - parca ração! -
Universidade Federal de adianta Catarina.
uma vez. E se a função
https://repositorio.ufsc.br
faz o órgão - diz o ditado -
Centro de Documentação de Autores
consumada essa exceção,
Portugueses. (2004, Novembro). Natália
ficou capado o Morgado."
Correia. DGLAB. https://livro.dglab.gov.pt Movimento Democrático de Mulheres.
(n.d). Natália Correia. https://mdm.org.pt
(Natália Correia - 3 de Abril de 1982)
Domeneck, R. (n.d). Natália Correia.
89
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Escritas. https://escritas.org Faculdade Humanas
de da
Ciências
Sociais
e
Universidade
Nova
de
Lisboa. (2017, Abril 19). Natália Correia: todas as personalidades num botequim.
+Lisboa. https://maislisboa.fcsh.unl.pt
90
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Documentário: Paula Rego, Histórias e
Sinopse:
Segredos
Paula Rego, conhecida por ser uma artista resguardada e discreta, revela-se pela
Ano: 2016
primeira vez neste documentário realizado
Realização: Nick Willing
pelo seu filho cineasta, Nick Willing. Aqui,
Produção: Kismet Film Company
expõe as suas histórias, os segredos, e a
Imagem: Juvenal de Figueiroa
sua verdade.
Música original: Madison Willing
Este documentário apresenta-se como um
Duração: 90 minutos
grande arquivo de filmes pessoais e
Plataforma: Filmin
fotografias de família, intercaladas com entrevistas, onde a artista conta as suas histórias na primeira pessoa. Um combo que percorre 60 anos da sua existência. Breves apontamentos sobre Paula Rego: Maria Paula Figueiroa Rego, nasceu em Lisboa, no ano de 1935. Estudou, entre 1945 e 1951, na St.Julian’s School, em Carcavelos. No ano a seguir, por sugestão do pai, um pai que sempre afirmou que Portugal não era um país bom para as mulheres, que seria o mesmo que dizer, que não era um país para se ser Mulher, ingressa numa
FOTO: CINEMAX RTP
escola de artes em Londres. Em 1952, na Slade
School
Fine
Art,
ganha o seu
primeiro prémio, Summer Composition. Também aqui, conhece Victor Willing, ainda estudante, com quem viria a casar e ter um filho e duas filhas. 91
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Em 1957 regressa a Portugal, onde viveu
emancipação dos seus direitos, conferindo
até 1963, ano em que terminou a sua bolsa
ênfase a temas como o aborto. Paula Rego
da Fundação Calouste Gulbenkian. Desde
respira pelas suas obras, e basta vê-las
então viveu entre Portugal e o Reino Unido,
para lhe conhecer as entranhas, porque,
até se fixar definitivamente em Londres
como o próprio filho diz, sempre foi artista
em 1976.
antes de ser outra coisa qualquer. No seu
A pintora construiu um percurso artístico
traço, é alma e intensidade, é verdade e
brilhante, repleto de conquistas, prémios
denúncia. Paula Rego, é também ela um
e exposições, mas mais que o percurso,
prenúncio introspetivo de Abril.
com quem casou ou que prémios ganhou, o que importa saber é a verdade que
Factos relevantes:
carrega em si e nas suas obras. Paula Rego,
Em 1935, na Slade School of Art, tornou-
tem uma crueza quase palpável no seu
se na única artista mulher do grupo da
caráter. Revolucionária discreta, sempre
Escola de Londres;
fez uso da arte como um instrumento de
Paula Rego nesta época conviveu com
denúncia, como uma arma. Nas suas obras,
nomes internacionais, relevantes da
extraordinariamente viscerais, podemos ver
pintura como Francis Bacon, Lucian
e
Freud,
quase
que
ouvir-lhe
de
perto
os
Frank
Auerbach
e
David
tormentos. Extrapolou qualquer ideal de
Hockney;
beleza, uma fealdade que lhe pulsa nas
Entre 1960 e 1970 manifesta oposição à
obras em que expõe a violência que era
ditadura
aquilo de ser mulher, numa condição
pinturas,
colagens
e
subjugada, num mundo em que não eram
referidas
décadas,
utilizando
vistas. E que ainda hoje não são, porque o
fontes
trabalho é muito, o caminho é longo, e a
caricaturas e notícias;
meta ainda pouco se vê, lá, muito ao longe.
A artista fez uma série sobre o aborto na
Com uma ironia perspicaz denuncia o
sequência do referendo de 1998 em
colonialismo, o fascismo e todo o sistema
Portugal;
opressor
A pintora utiliza muito na sua obra a
que
violenta
a
Mulher,
insurgindo-se pela sua emancipação, pela
Portuguesa
de
através
de
desenhos
das
inspiração
anúncios,
interceção das suas experiências
92
como
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
autobiográficas com referências literárias
Referências bibliográficas
do século XIX e XX.
Centro Português de Serigrafia. (n.d). Paula Rego. www.cps.pt
Notícias recentes:
Moura, C. (2014, Maio 23) . Violência e
O Museu Tate Britain vai inaugurar a
liberdade em Paula Rego: uma exposição
retrospetiva de Paula Rego entre 7 de
com
julho a 24 de outubro de 2021;
Disponível em: www.publico.pt
A partir de 13 de junho é reaberta a
40
anos
de
histórias.
Público.
Lusa. (2021, Abril 13). Obra de Paula Rego
exposição Paula Rego e Josefa de
vai a leilão com estimativa de 1,2 milhões
Óbidos: Arte Religiosa no feminino, na
de
Casa das Histórias Paula Rego, sendo
euros.
Público.
Disponível
em:
www.publico.pt
prolongada até 19 de setembro. A Casa
Amaral, J. (2021, Março 29). Museu Tate
das Histórias estará fechada até 12 de
Britain inaugura retrospectiva de Paula
junho para intervenção e manutenção
Rego
de algumas áreas, seguem os horários e
no
verão.
Diário
Disponível em: www.dn.pt
os respetivos preços das visitas ao espaço após a reabertura: Horário 3ª a 6ª: das 10h às 18h sábado e domingo: 10h às 13h e das 14h às 18h Público Geral: 5€ Residentes: 2.5€
93
de
Notícias.
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Série: Três Mulheres
Falcão,
de
pseudónimo
Vera
Lagoa,
primeira locutora da RTP. Ano: 2018
Estas três Mulheres pela sua atividade
Realização: Fernando Vendrell
cívica e cultural foram na História, e são
Produção: David e Golias
durante
Argumento: Fátima Ribeiro, Luís Alvarães,
permanente de Revolução.
Filipa
Martins,
Diogo
Figueira,
toda
a
série,
um
prenúncio
Rúben
Gonçalves, Flávio Gonçalves
Espaço temporal:
Música: Pedro Marques
Portugal durante os últimos anos do
Duração: 1 temporada | 13 episódios | 45
Estado Novo, entre 1961 (Início da Guerra
minutos
Colonial) e 1973 (Vésperas da Revolução).
Plataforma: RTP Play Retratos relevantes: 1961: Lançamento do livro Cântico do País Emerso de Natália Correia no primeiro bairro de lata de Lisboa, o Bairro da Alegria. Uma ação política e simbólica; Retrato de Portugal na época da eclosão da Guerra Colonial pelos olhos de Snu, uma atenta e observadora Sinopse:
dinamarquesa de visita a um país que
Esta série de ficção é inspirada na biografia
não conhece a liberdade;
de três Mulheres, todas elas insubmissas,
Representação da ação da PIDE e todas
todas elas Abril: Natália Correia, consagrada
as
poeta/poetisa; Snu Abecassis, fundadora da
tomada de um posicionamento no
Publicações Dom Quixote, conhecida pela
regime fascista, pelos olhos de Maria
publicação de livros de ideias contrárias ao
Armanda Falcão;
regime; Maria Armanda
Golpes de estado falhados,
94
consequências
que
acarreta
a
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
conspirações em prol da liberdade e protestos estudantis; Toda a construção do livro Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, da ideia à publicação; A fundação da editora Dom Quixote, a origem e o seu papel; A obrigação do serviço militar; Desaparecimento e morte do General Humberto Delgado; Julgamento de Natália Correia por pornografia e atentado ao pudor em consequência
da
publicação
da
Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica; Abertura do Botequim. Referências bibliográficas RTP. (2018). RTP PLAY. Disponível em:
www.rtp.pt
95
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Livro: Novas Cartas Portuguesas
consumado em si mesmo. Revolucionário na desconstrução do paradigma patriarcal
Data da primeira publicação: 1971
e no desmantelamento do estereótipo da
Autoras: Maria Isabel Barreno, Maria Teresa
feminilidade representado por Mariana nas
Horta e Maria Velho da Costa
Cartas Portuguesas, símbolo da Mulher
Editora: Estúdios Cor
nacional, submissa, devota e enclausurada. Importa enfatizar que Cartas Portuguesas é um livro de 1669, representando desta forma
a
perpetuação
e
constante
manutenção de um papel de género inferior, secundário e mais do que isso, instrumentalizado. Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreto e Maria Velho da Costa, sob alçada de Natália Correia que, ao contrário de todas as diretivas, se recusou a cortar partes da obra e a apresentou na íntegra, rasgaram o papel de género que lhes foi construído, concedendo a todas as Mulheres a ideia do direito ao papel e à caneta para se escreverem, inventarem e se assumirem conforme a sua identidade e não sob a vontade de uma sociedade que as faz instrumento. Esta publicação parece vir dizer: Estas somos nós, cruas e verdade! Estas são as O livro Novas Cartas Portuguesas constitui
Novas Cartas Portuguesas, esta é uma
mais do que um macro literário, constitui
nova era, viemos ocupar o nosso lugar, não
acima de tudo, um marco revolucionário
o que nos cederam, mas o que nós criamos!
96
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
Neste livro encontramos as mais bonitas cartas de amor. Amor por uma revolução a chegar, pela construção de um mundo novo, um amor pela identidade feminina. A par desse amor, a denúncia da guerra colonial,
de
um
sistema
de
justiça
inexistente, uma violência galopante e um sistema patriarcal putrificado. Notícias recentes: No mês de maio, Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, desafiou as Mulheres que integram o XXII Governo
a
lerem
esta
obra.
Uma
homenagem às Três Marias e a todas as Mulheres que com elas estiveram, Natália Correia, Maria de Lourdes Pintasilgo, Ana Luísa Amaral, e tantas outras. Aconteceu entre o dia 18 e 21 de maio, com a divulgação, nas redes sociais do Governo, das leituras das 8 Ministras e 18 Secretárias de Estado, mas também de Maria Teresa Horta, de excertos da obra. Referências bibliográficas Novas Cartas Portuguesas. (n.d). Novas Cartas Portuguesas | 40 Anos Depois. www.novascartasnovas.com
97
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Livro: A Liberdade é uma Luta Constante
e ativista, Angela Yvonne Davis. Angela
Davis,
Mulher,
Racializada
e
Data da primeira publicação : 2015
Lésbica, é um símbolo interseccional de
Autora: Angela Davis
uma
luta
permanente.
Neste
livro
é
desconstruído o paradigma político e social de forma global, desmantelando o patriarcado, a supremacia branca e as políticas imperialistas, trazendo para a discussão a violência atroz vivenciada em tantos lugares do nosso mundo, com um enfoque especial em lugares como a Palestina, um tema que, infelizmente, não podia ser mais atual. Desta forma, Angela Davis é considerada uma das ativistas mais incómodas da atualidade, porque agita as bases infundadas de um sistema dominado pela injustiça social, pela discriminação e pelo capitalismo desenfreado. Nota
1:
panorama
Podem geral
ler da
mais
acerca
Palestina,
do na
atualidade, no texto de opinião deste Volume II Os crimes de Israel e a luta da Palestina pela liberdade.
Liberdade é uma Luta Constante é um livro
Nota
imperativo e urgente que surge de uma
informações acerca de Angela Davis no
seleção de discursos, ensaios e entrevistas,
Volume I da nossa insubmissa, no espaço
da emblemática e inspiradora, académica
dedicado às Mulheres Pioneiras.
98
2:
Podem
ter
acesso
a
mais
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
AGENDA INSUBMISSA A agenda insubmissa vem dar a conhecer
Até 19 de junho | Ver com outros olhos |
os eventos culturais, de cariz social e
Biblioteca Municipal de Cascais - São
educativo, a decorrer durante os dois
Domingos de Rana, Cascais | Gratuito
meses após o lançamento da Revista.
Até 20 de junho | Des(obedecer), Patrícia Ferreira | Theatro Club - Póvoa de Lanhoso
Até 6 de junho | Utopia!?, Nalini Mali | Serralves, Porto |
Até 20 de junho | The Horizon is Moving Até
6
de
junho
|
Nearer | CPF - Centro Português de
ROOM
Fotografia, Porto
[Performance/Instalação] | Bistrô, Cowork
& Concept Store, Porto Até 27 de junho | Octopus e Miopia, Ilídio Candja Candja | Galeria Quadrum, Lisboa
Até 7 de junho | Exposição: as passadas prolongadas noutros passos | Casa da
Achada - Centro Mário Dionísio, Lisboa |
Até 30 de junho | Mensagens de Amor,
Entrada livre
Quem Não as Tem? | AMUCIP - Associação
para Até 9 de junho | Matéria Vital, António Ole
o
Desenvolvimento
das
Mulheres
Ciganas, Seixal | Exposição Online
| Movart Galeria, Lisboa Até 30 de junho | 8998 Pomar | Museu do Até
16
de
junho
|
“A
Imprensa
Aljube - Resistência e Liberdade, Lisboa
Clandestina”, Câmara Municipal da Maia e
a Direção da Organização Regional do Porto
Até 30 de junho | Arte na Lusofonia |
do PCP | Fórum da Maia, Maia | Entrada livre
Centro
Cultural
Cabo
Verde,
Lisboa
|
Gratuito Até 16 de junho | Os pássaros escondemse para morrer, Jérémy Pajeanc | Maus
Até 17 de julho | In Memory We Trust,
Hábitos - Espaço de Intervenção Cultural,
René Tavares | This Is Not A White Cube,
Porto | Entrada livre
Lisboa 99
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
Até 25 de julho | Inauguração do Museu Efémero de Arte Urbana | LX Factory,
Lisboa Até 31 de Julho | A Tribute To Women | São Roque Antiguidades e Galeria de Arte, Lisboa
100
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
JOSÉ MÁRIO BRANCO Não se podia criar um Volume sobre
Envie
as
suas
Liberdade e não mencionar José Mário
revista.aplanoi@gmail.com ou responda
Branco, símbolo de Inquietação.
nos
instastories
a
reflexões ser
para
publicados
no
Instagram do Grupo de Jovens Promotor da Igualdade e da Saúde.
Foto: Rita Carmo
Desta forma, deixamos em baixo uma pergunta
de
homenagem.
resposta As
aberta
respostas
em
sua
serão
publicadas na próxima edição da revista insubmissa, podendo estas ser anónimas.
O que o/a inquieta na sociedade e mundo de hoje?
(Este espaço é inspirado por uma ação do podcast de jornalismo independente Fumaça!)
101
Revista insubmissa
VOL. 2 | MAIO, 2021
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA SOBRE EU E LISBOA
Nestas
fotografias
pode-se
encontrar
vós. Um bem-haja e sejam felizes, seja onde
certamente uma amadora para os olhos de
for.
alguns/ algumas, pelo menos aos meus, mas para além disso, uma pessoa que deu oportunidade. Oportunidade de gostar. Outrora, não suportava a ideia de passear até à capital. O movimento, o trânsito, os preços exorbitantes enfim... até que, me apaixonei em Lisboa. Paixão esta que não durou, mas que marcou. Fez com que eu me apaixonasse pela cidade, que jamais me passaria pela cabeça. A liberdade que me dá de a observar como se de uma pessoa
se
tratasse.
Enquanto
ando
livremente a observar as cores das ruas, os azulejos das casas, como se fossem uns profundos olhos castanhos. Observo com tanto amor e com uma ambição enorme de criar vida em ti. Como refere Rui Veloso numa das suas músicas, “Nunca voltes ao lugar, onde já foste feliz...”. É o que sinto sempre
que
regresso,
mas
a
minha
vontade de ser feliz em ti é maior. Por isso Lisboa, aos meus olhos, és uma prova de amor. E é nestas fotografias que o tento transmitir.
Espero
passar
alguns
pormenores desta mensagem a todos/as
BEATRIZ FIGUEIREDO
102
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
FOTO: BEATRIZ FIGUEIREDO
VOL. 2 | MAIO, 2021
Revista insubmissa
FICHA TÉCNICA REVISÃO DE CONTÉUDOS: PAULA ALLEN SOFIA NEVES EDIÇÃO E REDAÇÃO: ANA SOFIA FIGUEIREDO MARIANA REIS SHEILA GÓIS HABIB TERESA RAMOS DE SÁ TEX SILVA VÂNIA ALVES COMPOSIÇÃO GRÁFICA: SHEILA GÓIS HABIB TERESA RAMOS DE SÁ
SUBSCREVA A NOSSA NEWSLETTER PARA QUE POSSA RECEBER A REVISTA DIRETAMENTE NO SEU E-MAIL. ESTAREMOS À SUA ESPERA NA PRÓXIMA EDIÇÃO.
ATÉ LÁ!