Revista insubmissa - Volume III - LGBTI+

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VOL. 3 | JULHO, 2021

insubmissa Lugar de fala Carta aberta a Gis

ABC da Igualdade Ciganofobia

Ética e Jornalismo Quando uma pessoa masculina menstrua O Impacto da Pandemia e do Confinamento na População LGBTI+ O trabalho sexual e os vários argumentos As pessoas trans e a divisão de género no desporto Comportamentos de risco vs. Orientação sexual nas dádivas de sangue

Sabia que...? Foi criado o primeiro espaço no norte do país com acesso a consultas trans

Exposição Fotográfica Entrevista a João Paulo, ativista e co-criador do site PortugalGay

Espaço Cultural


PARA QUE UM DIA TODAS AS PESSOAS POSSAM SER LUA CHEIA Na sociedade de hoje e de sempre, olho para as pessoas como se fossem luas. E a cada dia que se me escorre entre os dedos, já cansados de tentar agarrar o tempo, sinto a efervescência da injustiça que é as pessoas serem reduzidas aos seus quartos. Quarto minguante. Quarto crescente. Nunca luas cheias. É uma boa metáfora esta dos quartos. Até porque

nos

remete

para

os

nossos

próprios

quartos.

Para

a

individualidade. Para a solidão. Para a intimidade. Para o segredo. Para quem somos na nossa verdade, na nossa crueza. E nunca sozinhas/os. Sempre connosco. E como viver com isso de ter que viver em nós na consciência de que nunca estamos sós? O nosso próprio olhar toldado pelas pessoas que nos envolvem. Somos sempre os outros e as outras também. E quando os outros e as outras desprezam o nosso brilho em plenitude, com desdém e ódio, não é coisa que se finde, deixa rastos e poeiras de violência que cobrem as nossas faces e nos deixam reduzidas e reduzidos àquela que todas as pessoas aceitam, ao consensual. Escondidas e escondidos no nosso quarto fechado. A ironia que é vivermos presas e presos no nosso próprio constructo. Mas o que é o consensual? É algo inventado, que não existe. Dogmas inquestionáveis.


O preconceito ocupa o mesmo espaço da ausência da reflexão e do questionamento. É ali que se encaixa, porque a desconstrução é óbvia e simples: Quem inventou isto de que têm direitos e poder sobre a nossa identidade, sobre a nossa sexualidade, sobre o nosso corpo, sobre a nossa individualidade? Sobre a nossa carne, sobre a nossa alma, sobre a nossa felicidade? Falam e agem como se houvesse uma forma certa de ser, um manual que ninguém sabe quem criou. A sociedade age em formatura como se as pessoas fossem objeto seu, propriedade sua, tendo estas que se enquadrar nos seus moldes e padrões. A ignorância legitimada enquanto poder. “Eu aceito”, “Eu tolero”, quem é este Eu? E quem lhe conferiu este poder abstrato de aceitar, tolerar, ou negar a existência da singularidade de alguém? E negar, grande parte das vezes, quase sempre, a sua própria singularidade. Todos os dias as palavras “aceito” e “tolero” são recebidas com aplausos e compromisso de mudança, não há mudança alguma, o preconceito é o mesmo apesar de mais colorido, por isso nunca nos esqueçamos: há tanta liberdade para conquistar quanto a que há para proteger, este é o único processo para nos construirmos, todas e todos, luas cheias.

Vânia Alves


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EDITORIAL POR ARIANA CORREIA

O mês de junho pretende visibilizar, e

Simultaneamente,

trazer à reflexão, o caminho ainda por fazer

resistência em relação à prevenção e ao

no que diz respeito aos direitos das pessoas

combate da discriminação em função da

LGBTI, mas também celebrar as conquistas,

identidade de género, expressão de género

em

e

marcha

desde

muito

antes

da

das

é

muito

vívida

características

a

sexuais,

madrugada do dia 28 de junho de 1969 em

comprometendo também a intervenção

Nova Iorque.

em situações desta matriz; naturalizando,

Mais de 50 anos volvidos sobre Stonewall e

para

a primeira marcha LGBTI, o orgulho é

reproduzido em contexto escolar, que

selado pelo espírito de luta, pela resiliência

silencia

em prol dos direitos que são reconhecidos

comportamentos

a conta gotas e a diferentes velocidades, de

persecutórios contra pessoas LGBTI. Nas

acordo com o quadrante geográfico.

palavras de Junqueira (2009, p. 37), uma

Em Portugal, Lisboa saiu à rua pela

“força desumanizadora” dirigida aqueles/as

primeira vez em 1999. No Porto, foi em

cujas

2006,

normativas

alavancada

pelo

homicídio

o

discurso a

heteronormativo

diversidade

identidades são

e

favorece

discriminatórios

e

expressões

percebidas

e

não como

transfóbico de Gisberta Salce Júnior, que

transgressoras.

trouxe à discussão a forma como múltiplas

De acordo com o EU LGBT Survey (FRA,

vulnerabilidades

entrecruzam,

2014), 2/3 dos/as jovens participantes (N=93

remetem tantos e tantas à invisibilidade,

000) admitiu esconder a sua orientação

invisibilidade esta que os/as desprotege.

sexual

Desde

contexto escolar até aos 18 anos sob pena

então,

multiplicação

de

que

se

temos marchas

assistido LGBTI,

à que

de

ser

ou

identidade

discriminado/a.

de

género Num

em

estudo

pintam o arco íris de norte a sul do

nacional junto de estudantes do Ensino

continente e ilhas, com participantes cada

Superior (N=369), concluiu-se que quem

vez mais jovens, indicador de uma cada vez

pratica comportamentos violentos contra

maior consciência crítica em matéria de

colegas LGBTI, apresenta crenças mais

justiça social.

conservadoras sobre a orientação sexual e

4


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(CONTINUAÇÃO)

identidade de género, comparativamente com os/as que não praticam (Neves et al., 2019), somando-se que mais de metade das

pessoas

docentes

não

se

sente

preparada para abordar as temáticas (Rede Ex aequo, 2019). Não é necessário destrinçar estes dados para

perceber

que

a

legitimação

de

práticas discriminatórias e atentatórias dos direitos das pessoas LGBTI vêm de um espaço de desinformação que alimenta crenças, que apenas a educação para a diversidade

pode

desconstruir.

Uma

educação que promova a reflexão crítica, que refine a deteção da opressão e que fomente que a inação é, em si, uma ação. Até lá, manter-se-ão os junhos de orgulho e com orgulho.

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ÍND ICE Organograma Plano i

7

Os rostos por detrás da Plano i - Apresentação de Membro da Direção

8

Projetos Plano i

10

Oferta Formativa Plano i

19

Apresentação de Entidades Parceiras - APF

21

Lugar de Fala:

27

Carta aberta a Gis

28

Ética e Jornalismo

29

Quando uma pessoa masculina menstrua O Impacto da Pandemia e do Confinamento na População LGBTI+, em

31 36

particular na sua Saúde Física e Mental O trabalho sexual e os vários argumentos As pessoas trans e a divisão de género no desporto Comportamentos de risco vs. Orientação sexual nas dádivas de sangue ABC da Igualdade: Ciganofobia Sabia que...? Foi criado o primeiro espaço no norte do país com acesso a

38 43 46 48 49

consultas trans Espaço Cultural Exposição Fotográfica Entrevista a João Paulo, ativista e co-criador do site PortugalGay

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ORGANOGRAMA DA PLANO i DIREÇÃO

ANA SOFIA NEVES

PAULA ALLEN

DORA PINTO

ARIANA CORREIA

ANA TELES 7


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OS ROSTOS POR DETRÁS DA PLANO i APRESENTAÇÃO DE MEMBRO DA DIREÇÃO É

psicóloga

clínica

desenvolvendo Coordenação

e

da

atualmente Executiva

saúde,

funções

do

de

Programa

TikTalks – Promoção da Saúde Mental no Ensino

Superior,

Associação

Plano

executado i

e

pela

financiado

pela

Direção Geral de Saúde. Foi, entre 2018 e 2020 e em regime de exclusividade, bolseira de doutoramento da Fundação para Ciência e Tecnologia, com projeto Femicídio na Intimidade em Portugal:

práticas,

discursos

sociais

e

narrativas mediáticas, aguardando a sua defesa pública na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.P. Tem,

desde

2011,

investigadora,

integrado

como

colaboradora

ou

coordenadora, equipas de diversos projetos de

investigação

investigação-ação, ARIANA PINTO CORREIA

Ariana

Pinto

Correia

é

membro

académica com

e

de

ênfase

na

prevenção e intervenção na violência em relações de intimidade e promoção dos

da

Direitos

Comissão Fundadora da Associação Plano i

reconhecida

e membro da Direção.

Humanos. pela

Especialista

Comissão

para

Cidadania e Igualdade de Género em

8

a


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(CONTINUAÇÃO) Igualdade de Género e Violência Doméstica e violência contra as mulheres, foi ainda docente convidada no ISMAI.

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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO TIKTALKS

O levantamento destes dados confirmou que a literacia para a saúde mental no ensino

superior

residual,

mostra-se

sendo

desvalorização,

de

frequente

forma a

especialmente

sua

quando

Reconhecendo o papel fulcral da saúde

comparativamente com a saúde física. A

mental no funcionamento do indivíduo,

análise dos resultados dos inquéritos vai de

bem como os desafios desenvolvimentais

encontro com os resultados da literatura

associados

ensino

sobre a temática junto de estudantes do

universitário, o TikTalks tem como objetivo

ensino superior, nomeadamente no que diz

constituir-se

respeito

à

transição como

para

ferramenta

o

para

a

à

diversidade

de

promoção da saúde mental de estudantes

motivos/necessidades que levam à procura

do Ensino Superior através de dois eixos

de acompanhamento psicológico por este

primordiais de atuação:

público,

i) enfoque nos desafios desenvolvimentais

com questões como: ansiedade (84,5%);

em tempos de pandemia e

depressão (54,9%); problemas relacionais

ii) enfoque na literacia para a saúde mental.

(38,7%);

Neste sentido realizou-se primeiramente

académico

(29,6%);

um mapeamento das necessidades através

adaptação

(19,7%);

da realização de Focus Groups junto de

profissional (14,1%).

dirigentes de federações, associações e

De realçar que 26,2% dos/as respondentes

coletivos académicos, tendo sido também

já pensaram em acabar com a vida, 12,8%

construído um inquérito para resposta

no mês anterior à participação no inquérito.

online sobre o impacto da pandemia na

Este e outros dados supra vão de encontro

saúde mental dos/as estudantes.

com a procura, largamente além do

10

prendendo-se

dificuldades

maioritariamente

no

desempenho

dificuldades e

de

orientação


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(CONTINUAÇÃO) expectado,

do

serviço

de

alimentares e obsessivo-compulsivos.

consulta

psicológica, serviço este criado no âmbito do

projeto,

disponibilizado

gratuitamente.

Assim,

em

online

e

menos

de

metade do tempo de execução do projeto, este atingiu parte dos indicadores, com mais de 500 consultas e 120 utentes em acompanhamento. O TikTalks dinamizou ainda

workshops

e

webinars,

tendo

chegado a perto de 5500 pessoas em apenas seis meses. Como balanço deste primeiro semestre de execução do projeto, os dados e as pessoas que

nos

chegam,

confirmam-nos

a

importância da promoção da saúde mental, considerando ademais as especificidades da realidade pandémica que atravessamos, que desestruturou rotina; duplicou tarefas; hipotecou estágios e recolhas de dados para dissertações; incertezas

semeou

quanto

inseguranças

ao

curso

das

e

suas

aprendizagens formais e das projetadas saídas

profissionais,

forçando

ainda

estudantes deslocados/as a retornarem à residência

de

família

e,

por

vezes,

tiktalks@associacaoplanoi.org

a @tiktalks.ensinosuperior/

dinâmicas familiares conflituosas e até violentas, ansiosa;

amplificando depressiva;

desmotivação;

de

sintomatologia burnout;

desesperança;

/tiktalks.ensinosuperior

de até

www.associacaoplanoi.org/tiktalks/

comportamentos auto lesivos; distúrbios

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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO MaRvel O projeto terá a duração de 36 meses e visa a construção e implementação de um programa de intervenção estruturado, junto de rapazes, entre os 13 e os 18 anos, acolhidos no Centro Educativo de Santo António (Porto), o Centro Educativo de Santa Clara (Vila do Conde) e o Instituto Profissional do Terço (Porto). Será, em consequência, realizado um documentário sobre O

MaRvel:

Masculinidades

(Re)veladas,

a

storytelling,

temática

(numa

assente

numa

ótica

de

perspectiva

doravante MaRvel, é um projeto que se

desenvolvimental

enquadra

no

Programa

e

contando com a colaboração da cooperativa

Igualdade

de

Género,

pelo

de criação multimédia Bagabaga Studios,

Espaço

que não só servirá de base para a construção

Económico Europeu - EEA Grants, sendo a

do programa de intervenção, como será

Comissão para a Cidadania e a Igualdade de

utilizado como ferramenta pedagógica a

Género (CIG) a entidade operadora do

usar na dinamização de debates sobre o

projeto e a Associação Plano i a promotora

tema nas 32 escolas parceiras.

do mesmo.

Com vista à sustentabilidade do projeto e

Considerando o impacto dos modelos de

numa ótica de capacitação de agentes

masculinidades

no

multiplicadores,

na

dinamizará ações de formação dirigidas a

construção das relações sociais, o MaRvel

docentes e ONG’s, com vista à replicação

tem como objetivo geral o desafio aos

futura do programa, a par da realização de

estereótipos

sessões de consultadoria a estes/as

Mecanismo

financiado

Financeiro

desenvolvimento

de

Conciliação do

hegemónicas de

rapazes

género

e

associados

às

masculinidades hegemónicas.

12

e

a

interseccional),

equipa

do

projeto


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(CONTINUAÇÃO) profissionais.

O

projeto

implementará

ainda ações de sensibilização dirigidas a públicos estratégicos.

@marvel.planoi/

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PROJETOS PLANO i TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PESSOAS LGBTI VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Administração Pública Central (Saúde, Justiça, Administração interna, Segurança social e Educação); Sociedade

Civil

(Organizações

Não

Governamentais de Direitos Humanos, coletivos e associações LGBTI); Prática Privada (Consulta psicológica e jurídica). A Associação Plano i está a conduzir uma investigação, (2019-2022),

cofinanciada com

o

pelo

objetivo

POISE

geral

de

caraterizar as trajetórias de vida de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo (LGBTI) vítimas de violência doméstica, com o intuito de descrever e compreender as especificidades dos seus percursos desenvolvimentais e de vitimação e os respetivos

impactos

a

nível

pessoal,

familiar e social, neste caso à luz das

Todos os quesitos éticos, nomeadamente os que dizem respeito à confidencialidade e ao anonimato, estão garantidos pela equipa de investigação. Muito agradecemos a vossa colaboração e a partilha

junto

de

outras/os

potenciais

participantes. A associação Plano i solicita também a participação no estudo divulgado na página seguinte.

perspetivas das pessoas que com elas intervêm. Assim, solicitamos o preenchimento de um inquérito a pessoas de todos os sexos que intervenham direta ou indiretamente com pessoas

LGBTI

vítimas

de

iris@associacaoplanoi.org

violência projeto-iris.wixsite.com/planoi

doméstica, num dos seguintes âmbitos:

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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO BAIRROS SEM BULLYING 2) Trabalhar com agrupamentos de escolas e

escolas

parceiras

e

com

as

associações/coletivos/ONG/IPSS do terreno, envolvendo toda a comunidade educativa nas várias etapas de desenvolvimento do projeto,

desde

necessidades

o à

mapeamento

de

implementação

do

programa; 3)

Trabalhar

não

na,

mas

com

a

comunidade, através da articulação com O Bairros Sem Bullying é um projeto

entidades

promovido e executado pela Associação

proximidade,

Plano i, financiado pelo Governo Português,

sensibilização coletiva e a ação conjunto

ao abrigo do Programa Bairros Saudáveis,

em prol do combate ao bullying;

que objetiva a promoção de contextos

4) Criar recursos pedagógicos dirigidos a

desenvolvimentais seguros e da saúde

profissionais,

mental, prevenindo o bullying e a violência

replicabilidade do Programa e garantindo a

interpessoal, através de uma ação integrada

sua sustentabilidade;

da comunidade.

5) Diminuir o número de crianças e jovens

São

objetivos

específicos

do

Programa

parceiras de

e

modo

estruturas a

de

promover

possibilitando

a

a

com perturbações de ansiedade, depressão,

Bairros Sem Bullying:

auto-mutilação, ideação suicida e suicídio.

1) Conhecer as idiossincrasias do contexto, através do mapeamento do fenómeno do bullying

na

comunidade,

a

fim

São atividades deste Projeto:

de

Criação de um guia de boas práticas

implementar medidas adequadas, dando

direcionado a profissionais;

resposta às necessidades;

Desenho de um Manual de Intervenção,

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(CONTINUAÇÃO) onde se poderá aceder a todas as atividades

ações de sensibilização e de formação, o

e a toda a informação científica utilizada no

projeto

desenho

vulnerabilidades, dotando a comunidade de

e

na

implementação

da

intervenção;

combater

as

estratégias para fazer face ao fenómeno da

Criação de materiais de sensibilização; Realização

pretende

de

entrevistas

da violência.

semi-

Serão

territórios

de

intervenção

os

estruturadas com docentes, assistentes

Conjuntos Habitacionais Seara, Bairro dos

operacionais

Pescadores, Carcavelos I e II, Cruz de Pau (25

e

profissionais

que

trabalham nos projetos de terreno; Realização

de

focus-groups

de abril), Cruz de Pau (Austrálias), Cruz de com

Pau (Bairro Antigo), Estádio do Mar (I, II e III),

membros da Comunidade;

Biquinha (1ª, 2ª, 3ª fase e Antiga), Refinaria

Observação Naturalista em Contexto;

Angola e Tarrafal.

Realização de ações de formação com

São parceiras do projeto as seguintes

pessoal técnico (docentes, assistentes

entidades:

operacionais

Matosinhos,

e

profissionais

das

ONG/Associações/Coletivos/IPSS) profissionais

da

comunidade

e

Freguesias

que

Câmara

Municipal

MatosinhosHabit, de

Matosinhos

e

de

União

de

Leça

da

Palmeira, União das Freguesias São Mamede

tenham contacto com crianças e jovens;

de Infesta e Senhora da Hora, Unidade Local

Implementação de um Programa de

de Saúde de Matosinhos (EPE), Associação

Intervenção com crianças e jovens que

para o Planeamento da Família (APF),

frequentam

Associação

o

e

ciclo

de

para

o

Desenvolvimento

escolaridade;

Integrado de Matosinhos (ADEIMA), Leixões

Articulação constante com Entidades

Sport Club, Associação Baptista Ágape,

Parceiras;

Agrupamento

Realização de ações de sensibilização

Matosinhos,Escola

junto das Famílias e da Comunidade;

Gomes e Escola Secundária João Gonçalves

Criação de um mural coletivo contra o

Zarco.

Bullying.

de

Escolas

Secundária

de Augusto

@bairrossaudaveis

Com a intervenção, construção de materiais psicopedagógicos, e desenvolvimento de

www.bairrossaudaveis.gov.pt/

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PROJETOS PLANO i ESPAÇO LIV(R)E Associação Plano i recebe 10 mil euros do IKEA para apoiar os direitos LGBTI+ Foto: IKEA

com

a

criação

do

primeiro

espaço

inclusivo e seguro para pessoas LGBTI+ no Norte

do

país.

O

mesmo

visa

ser

implementado até setembro. Acompanhe a insubmissa e descubra, na próxima edição, mais acerca deste novo projeto da Plano i. Até lá, pode acompanhar um projeto do IKEA

No passado dia 30 de junho, a Associação

Podcast

com o testemunho de colaboradores/as

Inclusão LGBTI+ da IKEA Portugal, com o

IKEA.

projeto “Espaço LIV(r)E”. visa

o

episódio cinco focado na temática LGBTI,

concurso para o progresso da Igualdade e

concurso,

recomendamos:

Igualmente. Sugerimos, em particular, o

Plano i venceu a primeira edição do

Este

que

desafiar

as

IPSS

(Instituições Particulares de Solidariedade Social) e ONGs a apresentarem projetos que possam promover e defender, não só a igualdade, como a inclusão de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo. O concurso obteve 7 candidaturas de todo o país, tendo estas sido avaliadas pelos júris

youtube.com/playlist? list=PLBScdoqlJH3ohsaLZAdNCq82R dCVXUMLw

do IKEA. Neste sentido, o projeto “Espaço LIV(r)E” da Associação Plano i conseguiu destacar-se devido ao facto de conseguir dar

www.ikea.com/pt/pt/this-isikea/work-with-us/podcastigualmente-pub059d3400

resposta a uma necessidade específica

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OFERTA FORMATIVA PLANO i FIQUE A PAR DE TODAS AS AÇÕES DE FORMAÇÃO QUE SERÃO DESENVOLVIDAS PELA ASSOCIAÇÃO PLANO i

Os/as formandos/as têm direito a: Frequência gratuita; Certificado emitido pela plataforma SIGO; Atribuição de subsídio de alimentação. Caso pretenda efetuar a sua inscrição em qualquer uma das formações acima mencionadas, consulte o site da Associação Plano i, nomeadamente o separador das formações.

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OFERTA FORMATIVA PLANO i FIQUE A PAR DE TODAS AS AÇÕES DE FORMAÇÃO QUE SERÃO DESENVOLVIDAS PELA ASSOCIAÇÃO PLANO i

Os/as formandos/as têm direito a: Certificado emitido pela plataforma SIGO. Caso pretenda efetuar a sua inscrição em qualquer uma das formações acima mencionadas, consulte o site da Associação Plano i, nomeadamente o separador das formações.

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APRESENTAÇÃO DE ENTIDADES PARCEIRAS APF, QUEM SOMOS E O QUE FAZEMOS tais como a igualdade de género, o acesso universal à contraceção e à educação para a sexualidade levou a atribuição de vários prémios e distinções, nomeadamente a condecoração com a Ordem de Mérito em 1998, pelo Presidente da República. A APF é A

Associação

para

o

Planeamento

da

uma associação de pessoas que acreditam

Família (APF) foi constituída em 1967 com a

na prossecução dos Direitos Sexuais e

missão de ajudar as pessoas a fazer

Reprodutivos, logo os nossos principais

escolhas livres e conscientes relativamente

valores são:

às suas vidas sexuais e reprodutivas e

Ser desejada é o primeiro direito da

promover

criança;

a

parentalidade

positiva.

Intervém assim na área da Saúde Sexual e

A sexualidade é importante ao longo de

Reprodutiva (SSR) e dos Direitos Sexuais e

todo o ciclo de vida do ser humano,

Reprodutivos.

independentemente da sua condição

É

uma

Instituição

Particular

de

física, mental, económica ou social;

Solidariedade Social (IPSS) com Finalidades

A maternidade e a paternidade devem

de Saúde, reconhecida como Organização

ser livres e responsáveis;

Não-Governamental

para

o

A gravidez não desejada pode ser

e

como

prevenida e reduzida sem colocar em

Associação de Família. A APF é membro da

risco a saúde da mulher; O acesso a

International

cuidados

Desenvolvimento

Federation.

(ONGD) Planned

O

Parenthood

reconhecimento

de

saúde

reprodutiva,

da

nomeadamente à contraceção e à IVG

importância da APF para a sociedade civil

(interrupção voluntária da gravidez),

através da defesa de direitos fundamentais

deve ser um direito universal;

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(CONTINUAÇÃO) A educação sexual é estruturante do

relacionados

desenvolvimento humano saudável e da

Associação para o Planeamento da Família,

vivência plena da cidadania;

e

Todas as pessoas têm o direito de viver a

internacionais e similares;

sua

5.

sexualidade

de

uma

forma

com

com

os

objetivos

organizações

Contribuir

para

da

nacionais o

avanço

e do

responsável, saudável, livre de doenças,

conhecimento científico nas áreas acima

culpas, preconceitos e de todas as

referidas, através da promoção regular de

formas de violência ou discriminação;

atividades

As questões da sexualidade devem ser

científica nomeadamente nos domínios das

debatidas de forma aberta e abrangente

ciências da saúde, da reprodução e sociais.

no respeito pelos valores humanistas,

De modo a responder às necessidades de

verdade científica, diferenças de opinião

todos/as a nível de SSR, a APF tem um

e opções de cada pessoa.

funcionamento descentralizado. Existe uma

e

projetos

de

investigação

A intervenção APF é orientada em função de

Sede Nacional em Lisboa e 6 delegações

5 objetivos:

regionais. As delegações regionais estão

1.

Promover

a

aconselhamento

educação

sobre

e

sexualidade,

o

organizadas por regiões plano: APF Alentejo

o

com sede em Évora, APF Algarve com sede

acesso à contraceção e a orientação de

em

problemas de infertilidade, sempre na base

Cantanhede, APF Lisboa Tejo e Sado com

da aceitação voluntária e escolha informada

sede em Lisboa, APF Madeira com sede no

e sem qualquer coerção;

Funchal e APF Norte com sede no Porto.

2. Promover a formação e o treino de

A

profissionais

exclusivamente por pessoas voluntárias. A

de

saúde,

educação

e

Faro,

APF

Direção

da

APF

é

assegurada

protagonizadas por equipas profissionais e

Planeamento

da

em

das

ao

atividades

sede

vida

ligadas

as

com

intervenção comunitária para a abordagem questões

e

Centro

APF

são

Familiar e à Educação Sexual;

pelo voluntariado, destacando-se os grupos

3. Contribuir para a promoção de legislação

de jovens distribuídos por cada delegação.

e políticas que garantam o exercício dos

A APF estrutura a sua intervenção nas

direitos

seguintes áreas:

humanos

nos

campos

da

reprodução e sexualidade;

1)

4. Cooperar com os organismos oficiais

reprodutiva: promovendo a educação para

22

Educação

para

a

saúde

sexual

e


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(CONTINUAÇÃO) a saúde e direitos sexuais e reprodutivos,

promovendo o debate e colaborando com

através de programas de intervenção em

os decisores políticos e técnicos na área dos

proximidade nas escolas e nas comunidades

direitos sexuais e reprodutivos.

e junto de grupos vulneráveis, realizando

Atualmente,

campanhas, produzindo e disseminando

funcionamento as seguintes respostas e

materiais

projetos:

educativos

e

informativos,

a

APF

Norte,

tem

em

intervindo na comunicação social.

Equipa Multidisciplinar Especializada

2) Qualificação, formação e apoio técnico:

de

capacitando profissionais de áreas diversas –

Humanos – Norte (EME): tem como

saúde, educação, mediação comunitária e

principal objetivo garantir a qualidade

familiar, organismos de polícia criminal –

de vida, a segurança e aumentar a

para reforçar a intervenção nas temáticas já

autonomia de pessoas vítimas de tráfico

referidas, realizando ações e programas de

de

formação

discriminações associadas. Pretende-se

e

ações

de

aconselhamento

Combate

seres

ao

Tráfico

humanos,

de

Seres

reduzindo

técnico;

empoderar

3) Prestação de cuidados de saúde e de

vulnerabilidades sentidas, promovendo

apoio social: disponibilizando serviços de

igualdade de oportunidades e inclusão

apoio a jovens, às famílias e a grupos

social.

vulneráveis, através das nossas linhas de

atividades:

ajuda,

unidades

Regional de Apoio e Proteção a Vítimas

móveis, das nossas escolas de pais/mães e

de Tráfico de Seres Humanos do Norte

dos nossos espaços comunitários;

(TSH); assistência a presumíveis vítimas

4)

consultas,

das

as

dinamização

às

seguintes da

Rede

de TSH, incluindo linhas telefónicas de

conhecimento: produzindo conhecimento

apoio (24h); apoio técnico nos processos

nas nossas prioridades de ação, quer em

de sinalização, identificação e integração

termos de diagnóstico quer na invenção de

de vítimas de TSH, bem como a outros

novos

intervenção

níveis que se relacionem direta ou

disseminando-os através do nosso website e

indiretamente com o fenómeno; ações

de eventos técnicos e científicos.

de sensibilização adequadas a qualquer

instrumentos

Advocacy:

comunicação

Desenvolve

face

e

5)

Informação,

nossas

vítimas

as

de

intervindo

nas

políticas

tipo de população-alvo.

públicas em torno destas temáticas,

23


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) Centro de Acolhimento e Proteção

Trata-se de um trabalho concertado com

(CAP):

populações

o

CAP

encontra-se

em

cujas

vulnerabilidades

são

funcionamento desde 2008 e tem como

múltiplas, assim como múltiplas e diversas são

principal

acolhimento

as necessidades, os termos e os modos como

seguro, a estabilização emocional e a

interpelam a Equipa Técnica Multidisciplinar,

futura reintegração social de mulheres

na qual está representada a Psicologia, a

e seus/suas filhos/as menores vítimas

Enfermagem, Serviço Social e Sociologia.

de Tráfico de Seres Humanos (TSH).

Projeto “Matosinhos”: a área de intervenção é a

Pauta-se

educação

finalidade

por

o

uma

intervenção

sexual

e

a

promoção

de

multidisciplinar centrada na vítima, nas

comportamentos saudáveis ligados à saúde

suas

sexual

especificidades,

necessidades

e

e

reprodutiva,

nomeadamente

a

urgências resultantes dos processos de

prevenção de gravidezes não desejadas e de

vitimização por TSH.

Infeções Sexualmente Transmissíveis. Neste

Estrutura

de

para

projeto são realizadas: consultas de promoção

Mulheres e seus/suas Filhos/as Menores

de SSR; ações sobre SSR, dirigidas a jovens;

Vítimas de Tráfico de Seres Humanos: É

ações de aconselhamento técnico na área da

uma estrutura pioneira que assegura um

educação

processo gradual entre o acolhimento e

ações de sensibilização sobre SSR, dirigidas a

proteção

profissionais;

do

Autonomização

CAP

e

a

autonomia

sexual,

dirigidas

distribuição

a

profissionais;

de

materiais

completa.

preventivos. No âmbito deste projeto a APF

Espaço Pessoa – Centro de Encontro e

desenvolve

Apoio a Prostitutas/os da Cidade do

proximidade com pessoas ciganas nas áreas

Porto: desde o seu início, em 1997, o

acima descritas. Este trabalho foi fundamental

Espaço Pessoa tem alocado diferentes

para a participação da APF na elaboração de

projetos e tem trabalhado de forma

um

articulada

Casamentos Forçados e/ou Precoces dirigido a

fenómenos

diversos

que

Roteiro

desde

da

União

trabalho

Europeia

proximidade

-

“EU

de

Sobre

apresentam grandes eixos de interseção,

profissionais

como é o caso do trabalho sexual (com

Roadmap”.

especial enfoque na prostituição), os

100 + Preconceito 5.0: tem como principal foco

consumos problemáticos de drogas e as

de atuação, o combate à discriminação de que

pessoas em situação de sem-abrigo.

são alvo as pessoas ciganas e a tentativa de

24

de

2004

FEM


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(CONTINUAÇÃO) de desmontar as representações sociais,

Tradicionais

mitos e preconceitos existentes através

Casamentos Precoces e/ou Forçados e a

da partilha de conhecimento e dando

Mutilação Genital Feminina. Realizamos

visibilidade

um

a

casos

de

sucesso

Nefastas,

acompanhamento

como

sistémico

os

e

académico e profissional de pessoas

personalizado às vítimas, em estreita

ciganas.

articulação

Projeto

PAsSO

-

os

outros

do

serviços/gabinetes de atendimento em

Aliciamento Sexual Online: Intervenção

funcionamento no CNAIM. O GAV Norte

com Jovens em Contexto Escolar: tem

é uma resposta específica com o objetivo

como principal objetivo colmatar a falta

de fornecer informação, orientação e

de informação acerca do grooming

apoio psicossocial e encaminhamento,

online,

comunidade

quando necessário, para uma resposta

juvenil e às suas famílias residentes em

mais adequada da Rede Nacional de

Matosinhos. É dinamizado pelo Grupo de

Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.

dirigindo-se

Prevenção

com

à

Jovens da APF Norte. Cartão Vermelho à Violência de Género: pretende-se promover a igualdade de género e aumentar a participação de jovens do género feminino no futebol e no futsal. O projeto desenvolve-se no território de Matosinhos. Visa contribuir para erradicar a violência de género no desporto. Diversity 1-0 Prejudice: atua no combate à homofobia promovendo a igualdade de direitos e a diversidade. Gabinete de Apoio à Vítima (GAV): funciona no CNAIM (Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrante) Norte e é dirigido a migrantes, vítimas de Violência Doméstica e Práticas

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LUGAR DE FALA

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LUGAR DE FALA CARTA ABERTA DE TEX SILVA A GIS "Queremos lembrar Gisberta e todas as Gisbertas deste país, assim como todas as crianças maltratadas, assassinadas, atiradas ao rio, as que desaparecem e as mulheres violentadas pelos maridos.” João Paulo, Portugal Gay Gis. O teu nome, para quem te conheceu,

Em 2016, declarado o Ano da Gisberta,

significa amor. Alegravas todos os locais

celebramos o teu legado, dez anos depois,

em que entravas, é o que me dizem.

10 anos tarde demais; e em 2017, foi

Sorridente, a dançar e a cantar, viveste

inaugurado o Centro Gis, em teu nome,

sempre em performance. O que teria sido a

para

tua vida se o mundo fosse livre? Se a

tenham

ignorância não cobrisse as ruas, gritando

aceitação (para evitar que a história se

mais alto do que tu eras capaz de falar? Se

repita). Deste último, acho que terias mais

a compaixão reinasse na comunidade com

orgulho.

a mesma força que corria nas tuas veias?

Não sei onde estarias hoje, se tivesse sido

Não te conheci e era jovem quando nos

diferente. Gosto de pensar que terias

deixaste, mas se eu pudesse, eis o que te

encontrado a felicidade, estabilidade e

diria hoje: O teu legado é tão brilhante

saúde. Gosto de pensar que a tua voz e riso

como tu.

continuariam, até hoje, a encher as nossas

No ano em que, tão jovem, partiste, o Porto

vidas.

(que também era teu) organizou a primeira

Durante algum tempo, olharam para a tua

Marcha do Orgulho em tua honra. Desde aí,

história

o teu rosto tem corrido as ruas da tua

impossível de evitar, culparam-te, não

cidade e o teu nome é dito alto e com

reconheceram o teu nome nem a tua

orgulho. Arte, poesia, música e teatro têm

verdade. Hoje, és símbolo de orgulho e de

sido produzidos e lançados em teu nome, a

vida eterna, de evolução e pertença. Ainda

contar a tua história, para que nunca te

lutamos por ti e não nos deixaremos

esqueçamos

esquecer. E se a rua fosse tua...se a rua

(gostava

que

tivesses

testemunhado este amor em vida).

que

jovens

um

e

porto

como

uma

adultos/as de

abrigo,

tragédia,

LGBTI+ apoio,

quase

tivesse sido tua, teria sido menos cinzenta.

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LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE PAULA ALLEN ÉTICA E JORNALISMO Não

se

faz

jornalismo

preventivo

e

em tragédias, que vocês tornaram públicas

informativo. Faz-se uma espécie de rasgar

para

da alma de quem, já estando a sofrer, fica

reviverem tudo de novo, a cada incidente

ainda mais magoado/a.

idêntico, a cada data comemorativa, vocês

Queria eu acreditar que os/as jornalistas

revitimizam cada vítima de violência

deveriam desenvolver uma variedade de

doméstica,

padrões éticos. Sei que há jornalistas que

criança

os desenvolveram e cultivam. Conheço

femicídio, cada família vítima de incêndio,

algumas jornalistas fantásticas, acima de

cada criança e jovem vítima de bullying.

tudo porque não vendem a alma, vendem

Tenho tanta vergonha.

as palavras. Procuram a objetividade e

Vocês nunca quiseram vender palavras.

ausentam-se de viés.

Não tiveram intenção de fazer jornalismo

Contudo, tem sido prática comum ler, na

sem viés sensionalista, sem viés machista,

montra de monstros e monstras das redes

sem viés capitalista, sem viés homofóbico,

sociais e nos jornais da imprensa escrita,

sem viés racista, transfóbico, sem viés

várias peças que me transportam para um

político – sim, o viés político escorre em

outro lado de mim. Um lado zangado,

cada

triste, revoltado e com raiva. Revivo os

Questiono-me se vocês se vendem à

meus

palavra.

lutos,

retiro

os/as

meus/minhas

venderem

as

vocês

órfão/ã

palavra

de

que

vossas

almas,

revitimizam mãe

vocês

a

cada

vítima

de

escrevem.

mortos/as da terra, remexo o meu passado, e reflito. Não sou eu. São vocês. São vocês,

E jornalismo informativo e de prevenção?

pseudo-jornalistas, vocês retiram os/as

Pouco ou quase nada se lê sobre a maior

meus mortos/as da terra e do meu

parte dos temas.

descanso, retiram-me o meu descanso, trazem-me as minhas lágrimas, vocês

Querem sempre entrevistar as vítimas.

obrigam as famílias que perderam pessoas

Querem histórias de dor e sofrimento.

29


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(CONTINUAÇÃO) Raras

vezes

querem

as

pessoas

especialistas. E mesmo, quando deixam esfriar o assunto durante meses, assim que surge nova situação polémica, (re)começa o ciclo de revitimação, ignorando que todas as peças que vão trazer à atualidade, vão revitimizar tantas

pessoas

e

levantar

tantos/as

mortos/as, fazer correr tantas lágrimas e tirar o sono a tantas pessoas. E quem regula? A mim desregulam-me!

Foto: Terje Sollie

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LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE AFONSO AROSO LOURO QUANDO UMA PESSOA MASCULINA MENSTRUA Crescemos a aprender que a menstruação

certos dias (que coincidem sempre com os

é uma coisa feminina, que os produtos

momentos

menstruais

também pelo incómodo que são a maioria

são

“produtos

de

higiene

menos

dos

nem todas as pessoas que menstruam são

Comecei, como a maioria das pessoas que

mulheres, assim como nem todas as

menstrua, por usar pensos (mais alguém

mulheres menstruam. Provavelmente já se

odeia sentir o corpo ressuado no verão?),

cruzaram com essa linha de pensamento

depois passei a usar também tampões

nos últimos tempos. Se calhar já pensaram

(liberdade! Não ia ser um sangramento

sobre isso, se calhar não. Deixo-vos aqui a

cíclico que me iria limitar a minha vida! Era

minha reflexão de como é menstruar sendo

o que mais faltava!). Já mais recentemente

lido pela

descobri as maravilhas do copo menstrual!

masculina,

identificando-me

eu

de

higiene

Mas

feminina”, mas não é bem verdade, pois

sociedade como uma pessoa

produtos

oportunos).

menstrual.

como

Só o facto de ser bom para o ambiente, de

trans masculino não binário e pessoa que

não ter de lidar com a visualização do

menstrua.

sangue a recordar-me “as maravilhas do

“Agora és uma mulherzinha!” disseram-me

que é menstruar” cada vez que ia à casa de

quando tive a menarca, “Menstruar é lindo,

banho, o poder continuar a usar os meus

é o que torna mulher!”, bem, a mim não só

boxers à vontade… Valeu a pena! Só me

não me tornou mulher, como também

arrependo não ter começado a usar antes!

nunca achei lindo. Não só pelas cólicas, o

Aproveito

acne, por todo carrossel emocional que

fabricantes de roupa interior e de produtos

acompanha a menstruação (que só piorou

de higiene menstrual, ponham-se em

quando iniciei a toma da testosterona.

contacto, colaborem. Ninguém consegue

Uma autêntica montanha russa, por vezes

usar um penso com uns boxers por

sem travões!), os seus ciclos, mais ou

exemplo.

menos longos, a falta de produtividade em

descartáveis, as leis da física, pura e

31

para

Nem

lançar

o

desafio

reutilizáveis,

aos

nem


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) simplesmente não o permitem. Também

assim, constato de seguida. Avinha-se um

me pergunto porque é que os produtos de

novo momento de pânico em 3, 2, 1… Não

higiene menstrual são todos de cor-de-

há caixote do lixo em lado nenhum! Com

rosa, cheios de flores, coloridos e com

sorte tens um para toda a casa de banho,

pessoas cheias de energia e vitalidade.

junto dos lavatórios ou à saída junto da

Não sei quem desenhará essas embalagens

porta.

assim, mas à parte de discriminar as

pensos/tampões? Não colocas em lado

pessoas masculinas que menstruam por

nenhum,

essa falta de visibilidade, a menstruação

menstruam!”

não tem nada de energético nem de

imediatamente! Isto contando que tens

florinhas cor-de-rosa! Por isso se pudessem

sorte,

arranjar maneira de dar um jeito nisso

masculinas não têm cabine onde possas

muitas pessoas agradeceriam.

sequer entrar, fazer o teu xixi em posição

Quando me descobri como pessoa trans,

de equilibrismo, porque toda a gente sabe

comecei

banho

que tocar na sanita de um lugar público é

masculinas. Problemas à primeira vista,

sinónimo de morte quase imediata, ou a

nenhuns. Entras, fazes o que tens de fazer e

vossa mãe não vos dizia isso? E quando têm

sais. Ninguém olha para ti, ninguém repara

cabine, não têm caixote do lixo nem sítio

em ti, ninguém quer saber. Mas, eis que

nenhum

chega a fase de descamação uterina do teu

menstrual! Para não falar do barulho que

ciclo e, num momento de pânico, percebes

fazem os pensos/tampões ao abrir! Não se

que não tens nada contigo! Normalmente,

disfarça

pedirias discretamente a uma amiga, que

repentino,

te

penso/tampão

Porque não voltas simplesmente a usar a

sorrateiramente. Mas e agora? A quem

casa de banho das mulheres? Perguntam-

pedes? Tens de te desenrascar conforme

me sem querer ofender e com demasiada

podes, e vasculhas à pressa na mochila,

ingenuidade. Quando eu, mesmo antes de

bolsos… e lá encontras um penso/tampão

me descobrir enquanto pessoa trans e de

perdido já com a embalagem de aspeto

começar o tratamento com testosterona,

duvidoso, mas agora vai ter de ser! Ufa!

quando não tinha barbicha e a minha voz

Desenrascado, penso eu, só que não é bem

não era grave, sempre que tentava entrar

a

usar

passaria

as

um

casas

de

32

Então

onde

porque,

pois

e

“homens

isso

algumas

onde

com

lamento

não

denunciar-te-ia casas

mudar

um

colocas

o

de

teu

ataque imenso.

banho

produto

de

tosse

Solução?


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) na casa de banho feminina tinha logo os

nunca ninguém me falou de que existiam

olhares de todas as pessoas que estavam

outras formas de amar que a heterossexual

na casa de banho cravados em mim à

e monogâmica, ou como me poderia

procura

de

proteger numa relação sexual. Perdão,

existir,

correção, nunca ninguém me explicou

de

feminidade perseguição

qualquer que com

resquício

pudesse

de

como me proteger fora de uma relação

escrutínio a todo e qualquer movimento

coital com penetração vaginal, porque

que fizesse, seguido de um sem fim de

como todas as pessoas sabemos, é a única

críticas: “Esta é a casa de banho das

maneira de haver relações sexuais. Só que

mulheres, se faz favor!” ou “Desculpe, mas

não! Porque não se fala à juventude nas

enganou se! A sua casa de banho é na

escolas

sobre

porta ao lado!”, ao que eu respondia

relações

homoafetivas?

entredentes,

trans?

olhos

o

olhar

atento

colados

ao

chão,

Sobre

masturbação? como

Sobre

Sobre corpos

homens

que

simplesmente tentado desaparecer, e com

menstruam? Sobre mulheres com pénis?

pouco à vontade dizia apenas “eu sei… eu

Sobre pessoas não binárias e Genderfluid?

nasci mulher tanto quanto dizem…”. E com

Sobre

grande embaraço lá ia fazer o que tinha a

pessoas intersexo? De que sexo atribuído

fazer. E isto por cada vez que tinha de ir à

à

casa de banho fora de casa. Por isso não é

Certamente teria facilitado muito a vida a

de estranhar que pessoas trans evitem ir à

todas as pessoas LGBTIQ mas também teria

casa de banho em espaços públicos, ou é?

demonstrado a enorme diversidade de

Não seria mais fácil fazer casas de banho

pessoas, corpos e formas de ser e de amar

sem género, com cabines fechadas, com

que

barras de apoio, amplas, colocar caixotes

também facilitado o caminho na perceção

do lixo, fraldário, lavatório e sabão? Assim

de direitos humanos fundamentais como o

qualquer pessoa independentemente do

direito a uma família.

seu grau de mobilidade, do seu género e

Pessoas LGBTIQ são amiúde privados de

sexo podiam utilizá-la. O que se vem

ter uma família. Seja porque enquanto

chamando de desenho universal.

crescem

Enquanto cresci, como jovem queer, bi,

reconhecimento da sua própria, sendo

depois lésbica, e por último como trans…

frequentemente vítimas de violência

33

a

enorme

nascença

existem.

não

multiplicidade é

uma

Certamente

carecem

do

das

sentença?

teríamos

apoio

e


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(CONTINUAÇÃO) doméstica, expulsos de casa... Mas também

quer que isso seja, engravidarem se isso

porque, mais tarde, vêem privado o seu

será um problema para a pessoa e/ou para

direito ao acesso a tratamentos e técnicas

a criança. O mundo não tem maiores

de

problemas para resolver? Ninguém se

procriação

medicamente

assistida,

simplesmente por serem quem são.

preocupa quando um casal cis e hetero

A legislação portuguesa já reconhece o

engravida numa noite de copos, ninguém

direito a mulheres, independentemente do

se preocupa se têm ou não estrutura

seu estado civil e orientação sexual, de

emocional, psicológica, económica para

poderem aceder a métodos de procriação

suportar ou criar e educar uma criança, no

medicamente assistida. Mas as pessoas

entanto, tudo isso e muito mais, é posto

trans são relegadas a um segundo plano.

em causa quando uma pessoa trans gera

Podem recolher gâmetas, mas nem todos

ou pensa em gerar uma cria. Não haverá

os médicos perguntam se pretendem

um pouco de preconceito? De medo ao

fazer essa recolha antes de iniciar os

que é diferente?

processos

Uma

Sem dúvida que já avançamos muito, mas

perde

ainda falta muito por fazer para se

imediatamente o seu direito de o usar para

alcançar a tão almejada igualdade e

gerar uma cria. Os chamados “papás

equidade

cavalo-marinho” são puras miragens no

independentemente do seu género, sexo,

quadro português, e de certa forma, de um

orientação sexual, condição neurológica,

modo geral por esse mundo fora. Apesar de

de diversidade funcional…

pessoa

existir

de

transição

trans

com

essa

médica. útero

possibilidade,

apesar

entre

pessoas

da

vontade da pessoa de que assim seja, não

Continuaremos a lutar até a alcançar e para

podem decidir gerar uma criança. Talvez se

a manter.

tivéssemos

aprendido

na

escola,

em

crianças, que não só as mulheres podem engravidar e gerar crias, mas sim todas as pessoas com útero, neste momento não seria necessário debater sobre se um homem trans, ou uma pessoa não binária com um aspeto mais masculino, o que

34



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LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TIAGO CASTRO O IMPACTO DA PANDEMIA E DO CONFINAMENTO NA POPULAÇÃO LGBTI+, EM PARTICULAR NA SUA SAÚDE FÍSICA E MENTAL Contextos de quarentena têm efeitos

social de jovens LGBTI durante a pandemia.

inegáveis na saúde mental de todas as

Os resultados mostraram-nos um clima

pessoas. O cansaço, a incerteza ou os

familiar negativo, ou falta de redes de

hábitos diferentes

suporte, associados a níveis mais elevados

que

precisamos

de

adotar, trazem a todos e todas nós uma

de depressão e ansiedade.

dificuldade acrescida nos processos de

No caso do Centro Gis, foi evidente o

tomada de decisões. Quando estamos

aumento do número de pedidos que nos

mais cansados/as, tendemos a ter um

chegaram. Se em janeiro e fevereiro de

comportamento

ou

2020 a média de atendimentos efetuados

emocional, o que pode levar muitas vezes a

rondava os 60 atendimentos, em abril do

um enviesamento da realidade.

mesmo ano, esse número ultrapassou os

No caso das pessoas LGBTI, apesar de

200. Sendo o Centro Gis também uma

todos os avanços legais em Portugal,

estrutura de atendimento a vítimas de

sabemos que continuam a viver numa

violência doméstica e de género, este foi

situação

e

igualmente um fenómeno que colocou as

e

pessoas LGBTI numa situação de maior

heteronormativo em que vivemos, o que

fragilidade. A família, que é vista como um

pode ter impacto no quadro de saúde

porto seguro, e onde os afetos atingem a

mental

pode

sua expressividade máxima, é muitas vezes

de

um contexto de violência quando falamos

de

isolamento,

automático

insulto, fruto

que

experenciar

mais

invisibilidade

do

esta

clima

cis

população

durante

períodos

confinamento. Um

estudo

desta população. conduzido

por

A pandemia dificultou ainda o acesso a

investigadores/as da FPCEUP, e liderado

espaços de apoio, e o acesso a consultas

pelo Professor Doutor Jorge Gato, analisou

no âmbito da questões de género no

a saúde psicológica e as redes de apoio

sistema nacional de saúde foi também

36


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) uma

das

barreiras

mais

identificadas

pelos/as utentes trans que acompanhamos. Neste sentido, é importante continuar a garantir a disponibilidade de serviços psicológicos e psicossociais, presenciais e/ou online, que tenham em conta as especificidades

e

as

necessidades

das

pessoas LGBTI, também em situações de pandemia e confinamento.

Foto: Uriel Mont

37


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TEX SILVA O TRABALHO SEXUAL E OS VÁRIOS ARGUMENTOS Nos finais da década de 90, o pânico moral

pode levantar-se também o argumento da

em torno do trabalho sexual serviu como

criminalização

instrumento

comportamento,

para

colocar

em

foco

a

como que

dissuasora tem

falhado

do na

exploração, transformando o discurso em

capacidade de redução efetiva da prática.

torno do tráfico de pessoas numa luta pela

Adicionalmente, a criminalização falha por

abolição total do trabalho sexual. No

ver a prostituição como uma prática

terreno e na academia, são duas as

imoral,

possíveis posições: a posição abolicionista

patriarcado e na religião.

que

será

Em segundo lugar, o modelo nórdico

sempre uma atividade forçada, devido ao

defende a posição que o trabalho sexual é

patriarcado; ou a posição não-abolicionista

consequência

e pró-legalização que considera que não é

socioeconómicas e políticas, que tornam

o exercício do trabalho sexual em si que é

as mulheres mais vulneráveis e as forçam a

abusivo, mas sim as condições em que é,

prostituir-se para sobreviver. Este modelo

ou pode ser, praticado.

demarca-se por não separar os fenómenos

Em termos da sua (i)legalidade existem três

do trabalho sexual e do tráfico de pessoas.

possibilidades

O

acredita

trabalho

que

a

prostituição

quanto

sexual.

à

modelo

nórdico

origina

no

desigualdades

compreende

seis

objetivos: reduzir o número de mulheres

criminalização, é problemática por várias

na prostituição; reduzir o escopo do tráfico;

razões,

como

reduzir a demanda de trabalho sexual;

equipara aqueles/as que trabalham nesta

reduzir o número de terceiros beneficiários;

indústria e aqueles/as que beneficiam dela,

educar os restantes países acerca do

clientes e/ou terceiros, comparação que

modelo; e promover a igualdade e os

viola os direitos humanos de todos/as

direitos das mulheres. No entanto, como

aqueles/as que são forçados a participar

este modelo presume que o trabalho

nestes serviços. Contra a criminalização

sexual constitui violência de género na sua

pela

primeira,

do

das

que

a

começando

A

regulação

argumento

forma

38


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) génese,

não

reconhece

diferentes

que

a

legalização

iria

aumentar

perspetivas culturais, assume que todas as

exponencialmente

formas de prostituição são iguais, e não

aumentando consequentemente o tráfico

identifica os contextos que podem levar a

de pessoas para fins de exploração sexual.

que a prostituição vire exploração.

Para teorizar quanto à prostituição e as

A

terceira

e

última

legalização/

possibilidade,

a

demanda,

a

possíveis implicações para o mercado do

descriminalização/

tráfico, é necessário considerar todas as

despenalização, percebe a prostituição

variáveis, positivas e negativas.

como um emprego legítimo, escolhido

É importante considerar aquilo que a

livremente pela pessoa trabalhadora; um

legalização

contrato entre adultos, maiores de idade e

traficantes. Quando a prostituição é um

racionais,

Esta

ato considerado ilegal, os/as traficantes

posição implica que a prática seja regulada

correm dois riscos ao estar envolvidos no

segundo as leis do trabalho do país em que

seu fornecimento e facilitação (lenocínio),

se

seja

em primeiro, e no tráfico humano, em

legalizada. Como a criminalização, esta

segundo; quando a prostituição é legal, o

hipótese pode ser problemática, entre

risco passa a estar apenas diretamente

outras razões, pelo facto de a legislação

relacionado com o crime de tráfico. No

depender,

da

que toca aos custos, a legalização da

potenciais

prostituição não levaria necessariamente à

beneficiários/as e clientes, no sentido em

redução da exploração sexual, uma vez que

que assume que estes/as irão priorizar a

as

segurança dos/as trabalhadores/as e não o

menos custos e mais lucro.

lucro/satisfação sexual pessoal.

Para

insere,

capazes

ou

em

bondade

O

maior

de

que

consentir.

pelo

última

menos

instância,

dos/as

argumento

usado

contra

legalização/despenalização/regulação do

trabalho

sexual

centra-se

a

pessoas a

significaria

traficadas

Amnistia

criminalização

do

para

os/as

representariam

Internacional,

da

é

prostituição

a

que

dificulta a identificação de casos de

nas

tráfico/exploração

sexual

e

cria

as

preocupações quanto ao trabalho sexual

condições necessárias para a impunidade

livre e o seu impacto no tráfico de pessoas

e

e na exploração sexual, sendo que alguns

trabalhadores.

investigadores e investigadoras defendem

trabalho sexual, a legalização/

39

exacerba

as

vulnerabilidades

Para

os/as

ativistas

dos do


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) descriminalização da prostituição poderia

trabalhadores/as

ser uma solução para o tráfico de seres

dificuldade em procurar e conseguir os

humanos ou, pelo menos, poderia significar

cuidados

uma grande melhoria na qualidade de

combater a doença e prevenir a sua

vida dos/as trabalhadores/as do sexo.

propagação,

Os argumentos mais relevantes erguidos

daqueles/as que procuram estes serviços

em defesa da legalização/ despenalização/

não aceitem o uso de preservativo. Assim,

regulação prendem-se com a qualidade de

legalizar o trabalho sexual e regular o seu

vida dos/as trabalhadores/as do sexo,

exercício poderia contribuir positivamente

especificamente no campo dos direitos

para a saúde pública, criando o dever de

laborais e proteção contra violências e

todos/as os/as trabalhadores/as do sexo

abusos. No que diz respeito à violência e

serem testados com regularidade contra

abusos, os/as trabalhadores/as do sexo

as DSTs e a obrigação de se submeterem a

não reportam os ataques físicos e/ou

tratamento.

sexuais cometidos contra si; ou quando

Em geral, a qualidade de vida destes/as

reportam, são recebidos/as com desdém,

trabalhadores/as, a sua proteção, os seus

comentários de agentes da autoridade e

direitos fundamentais e a sua dignidade

desconfiança acerca da veracidade do seu

pessoal estariam melhor salvaguardados

relato.

se a sua profissão fosse regulamentada e

Dito

consequente

isto,

a

legalização

diminuição

do

e

estigma

do

sexo

médicos além

têm

mais

necessários de

que

para

muitos/as

considerada legitima.

poderia encorajar os/as trabalhadores/as a

A questão do trabalho sexual é que

reportar os abusos sofridos.

qualquer pessoa o pode fazer e criminalizar

O campo da saúde pública e pessoal

as pessoas que trabalham nesta indústria

beneficiaria também com a legalização. A

aumenta a possibilidade de estas serem

questão

Sexualmente

traficadas, ou de se envolverem com

Transmissíveis (DSTs) preocupa todas as

pessoas que pretendem abusar da sua

comunidades,

posição

das

Doenças

incluindo

os/as

de

fragilidade.

Quando

é

trabalhadores/as do sexo, cujo risco de

considerado um ato criminal, estes/as

contágio é mais elevado. Adicionalmente,

trabalhadores/as

devido ao estigma social associado, os/as

clandestinidade e é aí que a

40

são

forçados/as

à


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) vulnerabilidade

se

transforma

em

advêm

da

necessidade

patriarcal

de

exploração. Um processo legal e aberto

proteger o ideal feminino, a pureza,

significaria um aumento dos riscos para

segundo a qual toda a mulher que foge

os/as traficantes, o que levaria à redução do

aos padrões morais precisa de ser salva e

seu interesse.

protegida (ideia que sobrevive apesar do

Conhecer o impacto real da legalização do

trabalho sexual ser praticado por outras

trabalho sexual no tráfico de pessoas não é

pessoas que não mulheres). Mas considerar

uma possibilidade alcançável nos dias de

a prostituição um ato lesivo da vida em

hoje e nos diferentes contextos sociais. É

sociedade pela sua “imoralidade” não é

compreensível

argumento que deva caber na esfera

a

preocupação

com

o

aumento do tráfico de pessoas, no entanto,

penal.

a ideia de que nenhum/a trabalhador/a do

A liberdade de pensamento permite que

sexo

profissão,

qualquer indivíduo possa condenar, a título

estando inevitavelmente condicionado/a

pessoal, a prática da prostituição, no

pelo seu contexto socioeconómico, é uma

entanto, a moralidade não pode nem deve

conceção

ter lugar nas discussões político-criminais.

escolhe

livremente

negada

pelos/as

a

próprios/as

trabalhadores/as do sexo.

Portugal

É necessário recordar que todo o ser

Democrático e, como tal, aquilo que faz

humano livre, consciente e maior de 18

parte do comportamento sexual deve ser

anos é capaz de escolher o seu meio de

da responsabilidade da pessoa e da sua

subsistência.

capacidade

É

verdade

que

muitos

é

um

de

Estado

de

Direito

autodeterminação,

indivíduos terão um leque de escolha mais

devendo constituir crime só quando a

reduzido do que outros, mas tal não

conduta implicar uma ofensa à liberdade

implica que a sua escolha de enveredar na

individual de, pelo menos, uma das partes.

indústria do sexo seja obrigatoriamente

Ainda que não haja certeza quanto ao

não voluntária. Não deve permitir-se que

impacto real da legalização no fenómeno

questões pessoais ou morais influenciem

do tráfico, existem fatores suficientes para

as decisões político-criminais no que diz

considerar a legalização, não uma solução

respeito ao exercício da prostituição.

ou uma forma de reprimir e prevenir o

As crenças associadas a estas questões

tráfico, mas uma mais-valia para a defesa

41


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) dos direitos daqueles/as que fazem da indústria

do

sexo

o

seu

modo

de

subsistência.

Foto: Anna Shvets

42


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VOL. 3 | JULHO, 2021

LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE MARIANA REIS E TEX SILVA AS PESSOAS TRANS E A DIVISÃO DE GÉNERO NO DESPORTO O mês de junho foi marcado por um

trata de desportos femininos.

momento histórico quando saiu a notícia

Na realidade, isto não se trata de colocar

de que a neozelandesa Laurel Hubbard iria

mulheres

competir nos Jogos Olímpicos na categoria

mulheres atletas trans, mas sim mulheres

feminina, passando assim a ser a primeira

atletas cisgénero contra uma teoria da

atleta trans nesta competição. Como era

conspiração. O que tem acontecido nos

esperado,

diversas

EUA é um claro exemplo disto, com várias

discussões, não em relação ao desporto em

leis transfóbicas a serem passadas em

si, mas sim em torno das mulheres trans e

diversos estados que têm como objetivo

da validade da sua pertença à categoria

ferir, desproteger e desacreditar raparigas

feminina nos desportos. Basta ler os

trans que praticam desporto de escola.

comentários de quando a notícia saiu no

Mas esta situação não se circunscreve às

jornal Público, que consistem em homens

mulheres

a “defenderem” as mulheres da “injustiça”

designadas mulheres à nascença e que se

que

palavras

identificam com o género que lhes foi

transfóbicas que incitam ao discurso de

atribuído, como o é Caster Semenya, atleta

ódio e ao misgendering desta mulher

olímpica da corrida dos 800 metros e

trans.

vencedora da medalha de ouro, têm sido

Porém, e como escreve Zoe George, a

importunadas e obrigadas a “provar” o seu

maior

género, após testes genéticos e análises

estão

a

notícia

a

ameaça

sofrer

para

criou

e

de

as

mulheres

atletas

trans.

cisgénero

Pessoas

contra

intersexo

desportistas não se encontra na inclusão

revelarem

de mulheres trans, mas sim nas diferenças

condição

salariais; nos homens que continuam a

produção de testosterona a níveis três

abusar dessas mulheres porque nunca são

vezes superiores ao nível considerado

punidos pelos atos; nas oportunidades de

“normal” para as mulheres.

patrocínio que são menores quando se

Os media têm, desde esta revelação, usado

43

hiperandrogenismo, biológico-sexual

que

uma leva

à


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) a

imagem

de

ao

lado

de

as

que

ela

é”,

Unauthorized Biography, Rebecca Jordan-

submetendo-a a questões invasivas por

Young, cientista em Sócio-medicina, e

esta não existir nas condições aceites do

Katrina Karkazis, Antropóloga e Bioeticista.

que é ser mulher e do que é o “ideal

Segundo elas, assumir que as raparigas e

feminino”. Já no que toca à sua presença

mulheres trans têm níveis elevados de

em alta competição ao lado de mulheres

testosterona

cis e não-intersexo, o problema tem-se

factual, nem é correto assumir que a

disfarçado

testosterona, em qualquer quantidade, é

especulações

Semenya

sobre

“o

como

preocupação

com

representa

para

competidoras,

uma a

simples

injustiça as

cujos

autoras

de

não

Testosterone:

é

An

cientificamente

que

sinónima de melhor performance física. A

restantes

realidade é que, na sua maioria, jovens

níveis

de

trans recebem terapia hormonal e esta

testosterona são mais baixos e, portanto,

terapia

terão menor rendimento. No caso das

mulheres,

pessoas intersexo, é de relembrar que,

testosterona e injeções de estrogénio.

desde a sua conceção, os jogos olímpicos

Apesar de ser verdade que as mulheres cis

têm mantido uma divisão arbitrária de

têm, em média, níveis de testosterona mais

género nas suas competições, baseada

baixos do que os homens cis, um estudo

numa

marcadores

conduzido com 2000 mil atletas olímpicos

biológicos. Homens cis com níveis mais

permitiu perceber que aproximadamente

baixos

são

5% das mulheres cis participantes tinham

considerados em desvantagem para com

níveis de testosterona equivalentes aos

os

são

dos homens cis participantes, e que cerca

submetidos a testes “de comprovação de

de 17% dos homens cis participantes

género”.

tinham níveis inferiores aos considerados

A discussão em torno dos níveis de

normais. Ou seja, o nível de testosterona

testosterona é o argumento número um

não é um argumento suficientemente

daqueles e daquelas que querem barrar o

determinante

acesso das pessoas trans ao desporto de

performance.

competição. No entanto, este argumento é

A realidade por trás da discussão revela-se

facilmente contrariado, como o explicam

transfóbica muito rapidamente quando

constelação de

restantes

de

testosterona e

muito

não menos

44

implica,

para

as

raparigas

bloqueadores/inibidores

para

avaliar

força

e de

ou


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) os/as

seus/as

o

incluídas nos espaços que condizem com

em

a sua identidade de género, porque o

vantagem” para afirmações que rodeiam “a

contrário é um atentado à sua dignidade

ideologia de género quer roubar as nossas

humana e aos seus direitos. Tentar forçar

meninas”, como foi ouvido no Senado dos

mulheres trans em equipas e/ou ligas

EUA, numa audiência pública sobre o

masculinas ou vice-versa constitui um ato

projeto de lei que permitiria a jovens trans

de violência para com um grupo já

de idade escolar participar nas equipas

marginalizado e poderá ter consequências

que correspondiam à sua identidade de

a

género, independentemente do seu sexo

bullying,

biológico

especialmente quando em idade escolar e

discurso

de

defensores/as “atletas

ou

género

mudam

trans

estão

determinado

à

nascença. Nesta

nível

da

saúde

mental,

ansiedade

e

incluindo depressão,

formativa.

audiência,

mencionados

É de notar que este tipo de narrativa que

somente os direitos dos e das jovens cis em

tenta descredibilizar o sucesso de atletas

fazer parte de equipas onde não existam

pertencentes às minorias marginalizadas

pessoas trans, numa estranha equação de

com base em argumentos "científicos"

“ideologia de género” e de lobbying liberal

(com muitas aspas) não é nova. Atletas

para “eliminar as pessoas cis”. As jovens e

afrodescendentes têm sido historicamente

os

desvalorizados/as

jovens

trans

foram

não

viram

as

suas

nas

suas

conquistas

necessidades mencionadas, possivelmente

desportivas por existirem crenças quanto à

porque a raiz da questão é a exclusão de

sua “superioridade genética”. Trata-se de

atletas trans e a manutenção da pureza

querer tornar implícito que, quando uma

sexual desta divisão arbitrária baseada

pessoa caucasiana (e cis) vence, é por conta

nos órgãos sexuais. O objetivo desta

do seu trabalho árduo e dedicação, mas

campanha para a exclusão das pessoas

quando

trans do desporto não é tanto para

marginalizada vence, é à conta de algum

proteger atletas cis, como é para fazer as

tipo de vantagem genética e injusta para

pessoas trans desaparecer dos espaços

com a maioria, e não à conta de mérito

onde não são bem-vindas.

próprio.

Em resumo, as pessoas trans devem ser

45

uma

pessoa

de

minoria


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LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TIAGO CASTRO COMPORTAMENTOS DE RISCO VS. ORIENTAÇÃO SEXUAL NAS DÁDIVAS DE SANGUE A mais recente norma publicada pela

Quando são abordadas as questões de

Direção-Geral da Saúde veio pôr fim a uma

sexualidade, por exemplo em contexto

discriminação existente nas dádivas de

escolar, continuamos a colocar o nosso

sangue, deixando de incluir nos grupos de

foco nos aspetos biológicos e esquecemo-

risco

com

nos de que a sexualidade é uma dimensão

homens. Embora a anterior norma, de 2016,

integrante de cada um e cada uma de nós

não

enquanto pessoas e que, desta forma,

homens impedisse

que que

fazem

sexo

homossexuais

ou

homens que têm sexo com outros homens

somos

doassem sangue, não era clara quanto ao

sentimentos.

facto de não poderem ser excluídos.

sexualidade deve ser, por isso e também,

A confusão começa quando um grupo é

educação

estigmatizado com base no preconceito

sexualidade

em vez de nos concentrarmos naquilo que

frequentemente associados, uma vez que é

é mais relevante ‒ os comportamentos de

comum

risco.

aconteça com alguém a quem estamos

A população LGBTI é constituída por um

afetivamente ligados. No entanto, mesmo

grupo

enorme

que estejamos com alguém unicamente

diversidade de práticas também a nível

pelo prazer sexual, há sempre uma emoção

sexual. Qualquer prática sexual, seja ela

inerente

sexo oral, vaginal ou anal, sem preservativo

comprometer qualquer ação de prevenção

constitui risco de transmissão de uma

que queiramos ter.

infeção sexualmente transmissÍvel. Ora, a

Neste sentido, a nova norma vem pôr fim a

adoção de práticas de risco não depende

uma generalização abusiva e colocar o

da orientação sexual das pessoas, mas de

foco

um outro conjunto complexo de fatores.

garantindo consequentemente a qualidade

de

pessoas

com

uma

46

seres

sexuais A

para e

que

nos

e

o

com

emoções

educação a os

para

afetividade. afetos

este

comportamentos

a A

estão

envolvimento

ignorar

e

sexual

facto

de

é

risco,


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) do sangue recolhido. Devemos educar as pessoas para a adoção de comportamentos sexuais positivos e não para a estigmatização sistemática de grupos da sociedade.

Foto: Anna Shvets

47


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ABC DA IGUALDADE ABCDEFGHIJLMNOPQRSTUVXZ CIGANOFOBIA O mesmo que repulsa ou preconceito

preconceituosa

contra as pessoas ciganas. Inimizade,

referir aquele que tenta enganar nos

antipatia ou aversão aos/às Ciganos/as;

negócios;

preconceito ou atitude hostil contra o que

preconceituosa

é relativo às pessoas ciganas ou à sua

referir aquele que é avarento, sovina.”

etnia/cultura.

Identifica

Falar

em

ciganofobia

implica

palavra

e

discriminatória

trapaceiro; e

ainda, Cigano,

forma

discriminatória como

sinónimos

“batoteiro,

de da

boémio,

obrigatoriamente falar em incumprimento

borguista,

gravoso de todas as Cartas e Tratados de

embusteiro,

Direitos

e

trafulha, trapaceiro, vadio, vagabundo,

Internacionais, e no que diz respeito ao

vigarista, zíngaro” e antónimos, “honesto,

nosso

Humanos país

incumprimento

Nacionais

burlão,

de

estroina,

caramboleiro, estúrdio,

gitano,

em

particular,

ao

justo, verdadeiro”.

da

Constituição

da

Num país onde se celebra anualmente o

República Portuguesa.

Dia Nacional da Pessoa Cigana, mas que na

Uma das maiores formas de ciganofobia do

prática nada faz para a integração desta

nosso país, tantas vezes apontada como

população, lamentamos profundamente

errada, vil e mesmo criminosa, e nunca

todos

corrigida, é a forma como a palavra

preconceito que estas pessoas sentem por

“Cigano/a” continua a ser descrita nos

carregarem em si caraterísticas étnicas que

Dicionários

lhes acrescentam valor, cultura, tradição,

da

Língua

Portuguesa

e,

naturalmente ensinada, a quem deles fizer O Dicionário da Porto Editora identifica embora

com

caracter

atos

de

discriminação

para além da cidadania Portuguesa.

uso. que,

os

pejorativo,

cigano/a pode ser uma “forma

48

e


Revista insubmissa

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SABIA QUE...? FOI CRIADO O PRIMEIRO ESPAÇO NO NORTE DO PAÍS COM ACESSO A CONSULTAS TRANS

O acompanhamento multidisciplinar de

profissionais dentro do SNS, ao invés de

pessoas trans através do Serviço Nacional

terem

de Saúde (SNS) sempre foi um processo

profissionais ao longo do processo.

demorado e, até agora, um serviço que

A partir do agendamento realizado no

apenas existia em Coimbra. Depois de

próprio hospital, a pessoa é reencaminhada

muita

de

para a triagem. Posteriormente a esta

pela

avaliação inicial, segue-se uma avaliação

reivindicação,

associações

e

por

pessoas

parte trans,

que

recorrer

múltiplos/as

descentralização dos serviços de saúde,

psiquiátrica,

tendo em conta que existia apenas, no país,

processo. Por fim, a pessoa é encaminhada

esta unidade especializada em casos de

para

disforia de género, 2021 foi tempo de

sentido

finalmente vermos avanços.

transformação genital.

O Hospital de Santo António, no Porto,

No passado dia 28 de maio, esta secção foi

começou, recentemente, a disponibilizar

visitada pelo Secretário de Estado Adjunto

consultas destinadas a pessoas trans,

e da Saúde e pela Secretária de Estado

tendo sido criada uma equipa médica

para a Cidadania e a Igualdade, tendo sido

multidisciplinar especializada em 10 áreas:

recebida de braços abertos, pelo que

psicologia,

enalteceram mais um passo do SNS para a

psiquiatria,

pedopsiquiatria,

requisito

a

consulta para

obrigatório

endócrina a

mesma,

para

faça uma

“inclusão

cirurgia plástica, urologia, ginecologia,

ressaltando ainda o facto de se inserir na

pediatria

endocrinologia.

estratégia de “não deixar ninguém para

Estas mudanças permitem simplificar um

trás”, valorizando a forma “integrada e

processo que, por si só, já é complexo.

complementar”

Esta é, assim, única no Norte de Portugal,

desenvolver

permitindo

secretário de Estado Adjunto e da Saúde

que

as

e

pessoas

sejam

acompanhadas pela mesma equipa de

este

dignidade

caso

endocrinologia pediátrica, anestesiologia, endócrina

e

e,

no

como

se

serviço.

humana”

passou

a

Ademais,

o

enalteceu o esforço dos profissionais

49


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) envolvidos nesta valência por o terem conseguido

neste

ano

de

pandemia

COVID-19. Já Avelino Fraga, médico responsável pelo serviço de Urologia do Hospital Santo António, relembra que este serviço está agora a começar e que faltam desenvolver e

melhorar

alguns

aspetos

técnicos,

pedindo assim cautela de forma a não “criar falsas expectativas aos/às utentes que estão à espera”.

50


VOL. 3 | JULHO, 2021

ESPAÇO CULTURAL

Revista insubmissa


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PENSAMENTOS SOLTOS SOBRE MARSHA PAY IT NO MIND JOHNSON, UM SORRISO EM FORMA DE MANIFESTO ESCRITO POR VÂNIA ALVES Marsha P. Johson, Mulher trans, racializada,

cria com quem deixou de ser apenas sua

foi durante parte da sua vida sem-abrigo e

para ser do mundo, numa letra que da

trabalhadora do sexo. À época, em que o

expressão fez nome), porque P. não se

seu sorriso ocupava as ruas de Nova Iorque,

construiu ativista, era algo de inato nela.

identificava-se enquanto Drag Queen e

Era qualquer coisa na sua presença, na sua

homossexual. Era apenas assim, de forma

vontade, um manifesto livre, em que ser

sumária e redutora, que a sociedade a via e,

quem

por tudo isso, quando a viam, logo a

revolucionário consumado. Na sua forma

deixavam de ver. Afinal todas e todos nós

de ser e estar no mundo, Marsha fala-nos

protagonizamos o nosso próprio Ensaio

da coragem que é preciso para sermos nós

Sobre a Cegueira. Que se prossiga para que

próprias/os de forma livre. Na vida, e na

na ignorância não se estagne. Marsha,

norma,

apesar de e devido a todos os processos

condições, às suas próprias condições, às

interseccionais de vitimação, apesar de e

condições impostas pelas suas pares, às

devido a todos os rótulos que lhe pregavam

condições

até que não se visse mais sorriso nem pele,

inserem, e ultrapassar esse limite é ter a

apesar de tudo isso, construiu-se ativista

vida como poema, é relembrar isto que é

revolucionária,

e

ser carne, que é ser gente, que é ser

vanguardista espontânea na luta pelo

entranhas de dentro para fora. Quase

reconhecimento dos direitos LGBTIQ+. E

conseguimos sentir-nos sinfonia.

talvez este seja dos raros casos em que o

Há uma beleza indizível nisto que é estar

verbo

no mundo em carne viva, e custe o que

força

construir

está

insubmissa,

erradamente

empregue: porque P. (na intimidade que se

era,

era

as

pessoas

da

por

si

um

ato

resumem-se

sociedade

em

que

a

se

custar, doa o que doer, não nos deixarmos

52


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) corromper, e não deixar que as normas já

de grupo, nega o direito à existência,

em processos de putrefação e já amorfas

identidade, expressão e liberdade de

que nos prendem e pesam, rasgam e

outras pessoas, por isto que de mais

matam em prol do capital, nos iludam ao

perigoso existe: ser-se quem se é! E

ponto de pensarmos que vamos ser felizes

inventarão mil desculpas que justifiquem

por deixarmos de ser quem somos. Marsha

os seus discursos ridículos e poeirentos

Johnson, Silvia Rivera, e tantas outras, e

contra isto que é a humanidade, e a beleza

tantos

da sua singularidade, mas será tudo capa

outros,

pioneiras/os

nesta

luta,

vieram libertar-nos nesse sentido, e este

transparente para o seu ódio e ignorância.

sentimento

Poderão interrogar-se onde está a Marsha

de

empoderamento

e

liberdade é seu legado.

neste texto, e estará em todo ele. Poderia

Mas a sociedade continua a tentar, o

escrever livros inteiros sobre a sua vida, a

patriarcado, o capital, as convenções, a

sua história, de como, sem nada, deu tudo

tradição, a norma, que sejamos produto e

a quem a rodeava, das suas lutas tão

conceito em vez de carne e coração. Que é

interseccionais quanto as suas próprias

isto que ser-se de bem é ser-se má/mau e

vitimações, de como se tornou uma lenda,

vil, é ser ignorante e criminosa/o? Que é isto

e de como ser uma lenda não a tirou das

que ser-se de bem é ser-se rebanho? Que é

ruas, mas depois de tanto ler, tanto

isto que ser-se de bem é ser-se miserável?

escrever, apagar e rasurar, preferi, aqui e

Existe uma necessidade incontrolável das

hoje refletir sobre quem ela foi, e acima de

pessoas

tudo sobre o que ela representou.

colocarem

tudo

em

caixas,

padronizar, definir, resumir, reduzir, para

Acho que a sociedade, a ciência, se

que o mundo se torne menos complexo de

esquecem disso mesmo, refletir! Mais do

se viver, para que se torne mais inteligível.

que produzir conhecimento, é urgente

Então quando as pessoas não conseguem

pensar-se! Pois não há grande ciência, nem

colocar as outras em caixas, com rótulos

grandes fórmulas para se ensinar acerca de

definíveis, deixam-nas de fora, à margem,

humanidade.

sozinhas

ou

Todos os dias, com as lentes que este curto

combatem aquilo que se assemelha, para

mas intenso percurso na Plano i me

elas, a um corpo estranho. Esta maioria,

conferiu, tenho visto, ouvido e sentido, o

rebanho, ganha pelo pensamento acrítico

quanto precisamos de lutar. Ecoam em nós

e

invisíveis.

Ignoram

53


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) gritos

de

perguntas vezes

urgência

e

fervilhar.

preconceituosas

ainda

sem

fico

resposta,

Nas

Bilhete a Marsha P. Johnson

muitas

porque

Marsha, passei os dias a ler sobre ti, e a

a

pensar na tua história por contar, mas no

explicação e a desconstrução me parecem

fim só me lembrei de amor, e de como as

tão óbvias, e quem me conhece sabe, o

Pessoas

quão sempre me foi difícil explicar o óbvio.

Obrigada P. por nos libertares das jaulas

Explicar que as caixas em que tentamos

em que nos enclausuramos como quem

inserir tudo e todas/os são jaulas. Parte das

engole as chaves e tem que arrancar as

pessoas estão presas a chave e cadeado,

entranhas para se libertar. Mas eu sei que

sem saída, com as mãos e o coração em

elas estão lá, na profundidade que somos,

sangue de tanto tentar fazer com que as

não importa as construções que tenhamos

grades cedam. Outra parte das pessoas

que rasgar.

estão em jaulas de portas entreabertas, e

Farás, para sempre, parte desta revolução

nos seus bolsos gastos já tentam escapar as

por consumar, em todo o lado que se

chaves das jaulas de cadeado. Mas as

houve o teu nome, ecoa liberdade.

Poesia

serão

sempre

pessoas de jaulas abertas não querem nem pretendem sair da sua jaula confortável

Com amor,

para libertar ninguém. Isto é o privilégio por usufruir. A liberdade não é algo com

Do legado que construíste.

que a maioria saiba viver. Por isso se fecham, e se trancam, e fecham e trancam quem as envolve. Pela Marsha, por quem morre de tantas formas, em tantas mãos, tantas vezes pelas suas próprias mãos (que são sempre as nossas, em cumplicidade), aprendamos a ser

nós,

aprendamos

a

ser

felizes,

aprendamos a ser livres. Só desta forma o preconceito acerca da liberdade das outras pessoas poderá deixar de existir.

54

eternas.


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VOL. 3 | JULHO, 2021

SUGESTÕES CULTURAIS produções fictícias, em que as mulheres

Série: The Bold Type

são

tantas

vezes

apresentadas

como

Ano: 2017

incapazes de construir amizades genuínas

Criador: Sarah Watson

com

Duração: 5 temporadas | 52 episódios | 45

representação

minutos

apresenta tantas vezes uma competição

Plataforma: Netflix

ridícula por um parceiro, alicerçada na

outras

mulheres,

em

que

essa

heterocisnormativa

desconfiança e nas representações sociais, a série consegue substituir tudo isso por um companheirismo sincero, uma amizade incondicional e uma sororidade a ser conquistada. A série faz-me neste sentido refletir o quanto fomos e somos educadas, nós mulheres, para construirmos a nossa própria divisão e desconfiança umas nas outras, numa intriga impingida, ficando Sipnose:

desta forma cada vez mais sozinhas e

Inspirada na vida e carreira de Joanna

enfraquecidas. Incutem estas mensagens

Coles, outrora editora chefe da revista

socialmente

americana Cosmopolitan, The Bold Type,

inconsciente desde sempre até que ela se

acompanha a vida de três amigas de Nova

materialize na forma como estamos na

York, que trabalham em áreas distintas na

vida. Desta forma é urgente a proliferação e

revista Scarlet, representando também elas

disseminação deste tipo de conteúdos que

formas muito distintas de estar na vida.

transmitem esta sororidade.

Longe de ser uma série padrão, apesar da

O que se adivinharia, num estereótipo fácil,

premissa

uma

genérica,

The

Bold

Type

série

construídas

banal

e/ou

no

nosso

superficial,

conseguiu a proeza de num argumento

apresentou-se como uma série disruptiva,

leve e de fácil consumo, substituir as

que rompe de forma primária com este

intrigas que se tornaram uma constante

nosso próprio preconceito, com o padrão e

nas amizades femininas representadas nas

o estigma da superficialidade,

55


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO)

construindo-se como uma série densa que, quase de forma implícita, trata de questões sociais

fundamentais

num

enredo

descontraído mas subtilmente educativo. No decorrer das cinco temporadas estão presentes temas tão importantes como: igualdade de género, orientação sexual, masculinidade

tóxica,

sexualidade

feminina, sororidade, racismo e xenofobia.

56


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VOL. 3 | JULHO, 2021

SUGESTÕES CULTURAIS Fado Bicha: A arte de intervenção

de uma beleza sem nome isto de se contar histórias de gente, de carne, de alma, de FOTO: HERMES DE PAULA

através do fado, e nas palavras de Lila Fadista, fazer com que todas as pessoas, mesmo as heterossexuais, se emocionem com histórias de amor homossexuais. No fundo

conferir

representatividade

às

pessoas LGBTIQ+ no fado, na música, e da música para a vida, concedendo às pessoas que se situam à margem das histórias contadas na vida de todos os dias o papel de protagonistas. Este projeto tem como lutas principais a desconstrução de género, o combate à

Fado Bicha é um projeto musical de

opressão e a luta pela liberdade de se ser

intervenção ativista integre por Lila Fadista

quem se é, mas constituem parte deste

na voz, e composição das letras, e João Caçador

nos

instrumentos

e

percurso de intervenção musical ativista

arranjos

também temas como o anti-colonialismo,

musicais.

anti-racismo, bem como a luta feminista.

Disruptivo do nome ao conceito, o dueto assemelha-se a uma peça sem encaixe,

Fado Bicha relembra-nos a importância da

singular e desigual, tal como as pessoas e a

arte de intervenção, e de como a arte e a

vida devem ser, se houvesse de facto

cultura têm um papel primordial na

alguma obrigação lógica em dever ser

educação, na sociedade, em quem somos

alguma coisa.

e

Fado Bicha rompe com os cânones mais

na

forma

como

nos

sozinhas/os e em grupo.

tradicionais, convencionais e normativos portugueses: o fado, pois há coisas que só conseguimos desconstruir por dentro. E é

57

construímos,


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

SUGESTÕES CULTURAIS Série: It’s Sin

os cinco episódios decorrem 10 anos. Corridos 40, desde a data representada no

Ano: 2021

primeiro episódio, 1981, até aos dias de hoje,

Criador: Russell T Davies

será

Duração: 1 temporada | 5 episódios | 45

fundamental

continuamos

minutos Plataforma: HBO

a

ainda,

distinta,

a

mesmos

problemas:

reflexão apesar

combater

de

de

que forma

exatamente o

os

preconceito,

a

desinformação, e os entraves ao direito à educação sexual. Nesta mini série, Russell T Davies partilha também um pouco da sua história, abaixo alguns excertos de relevância de uma entrevista sua ao The Guardian, traduzidos na revista MAGG , que nos ajudam a percepcionar

Sipnose:

primeiro homem com quem tive sexo. O

encontram no seu processo de descoberta, e

resistência

da

cujos nomes não me atrevo a revelar. O

olhar de um grupo de jovens que se liberdade

dimensão

"Há coisas que não posso dizer aqui. Homens

início dos anos 80 em Londres através do

pela

a

história retratada em It’s a Sin:

It’s a Sin retrata a epidemia da SIDA no

luta

melhor

homem que amei durante três meses em

ao

1988. O amigo hilariante com quem passei

preconceito. A esta já tão dolorosa luta contra as convenções e condições da

uma semana louca em Glasgow. Agora estão

sociedade

família,

todos mortos. E todos eles morreram vítimas

estes/estas jovens representativos/as de

da Sida. Mas não posso dizer os nomes deles

tantas pessoas, utilizados/as quase como

porque as famílias disseram que eles tinham

voz e símbolo de tudo o que era silêncio,

morrido de cancro ou de pneumonia e ainda

vivem o eclodir de uma doença, na altura

hoje mantêm essa história. O estigma e o

misteriosa, que vitimizou e estigmatizou

medo sobre o HIV era tão grande que uma

sobretudo homens homossexuais. Durante

família muitas vezes sujeitava-se a décadas

e

da

sua

própria

58


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO)

de luto sem nunca revelar o que realmente tinha acontecido" "Apesar disso, e comparativamente a outros casos, essa família teve a sorte de ter tido um funeral.

Nessa

altura,

havia

agentes

funerários que se recusavam a aceitar e a trabalhar

os

corpos.

Assim

como

os

crematórios que os rejeitavam por não querer

arriscar-se

a

infetar

os

seus

trabalhadores. Alguns dos funerais mais solitários aconteceram à noite, para que ninguém os conseguisse ver." It’s Sin - é quase como um segredo por contar, decorridos 40 anos, uma série que continua tão atual só representa o quanto temos ainda que evoluir.

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Revista insubmissa

EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


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VOL. 3 | JULHO, 2021

ENTREVISTA A JOÃO PAULO EDITOR PORTUGALGAY.PT / MAIS DE 20 ANOS A FALAR DA TEMÁTICA LGBT+ / ATIVISTA DOS DIREITOS HUMANOS / PALESTRANTE conhecidos como casernas, onde vieram viver centenas de homens negros que, se não estou em

erro,

eram

de

duas

nacionalidades

africanas, Angolanos e Moçambicanos. Durante a sua estadia, recordo que alguns de quem me fiz amigo, não iam às suas terras celebrar o Natal, para um puto daquela idade, sem conhecimento de que haveria mais religiões e de que nem todas celebram o Natal, eles não estarem com as suas famílias recordo que me

Existe por norma uma espécie de botão

deixou triste, e eu perante isso, pedi ao meu pai

que se liga, uma vez que ninguém nasce

e à minha mãe para deixarem três deles virem

ativista, não é algo inato, constrói-se. Esse

fazer a ceia de Natal connosco, e os meus pais

botão pode ser o contexto, as pessoas

embora pessoas pobres, (mesmo pobres, viviam

que nos envolvem, as nossas experiências

do trabalho, habitavam uma casa com três

pessoais

acontecimento

divisões, eu dormia na sala, e não tínhamos

específico. O ativismo aparece em que

água quente canalizada), cederam ao meu

fase da sua vida e de que forma?

pedido, e foi dos dois Natais que mais

Esta é complicada de responder, porque de

marcaram a minha vida. Por isso penso que

certa forma esse sentido de estar ao lado dos

esse click que referem na vossa questão deu-se

que precisam ou poderão precisar, vem de

aí, e/ou a partir daí. Contudo teve o seu

longe, devia eu ter entre seis e oito anos

momento “Uau!” quando conheci o marido, em

quando, atrás de onde vivia em Leça da

1995. Com o nosso namoro fiquei a conhecer

Palmeira, construíram uns barracões,

um mundo que ia além das coisas da pobreza,

ou

um

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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) e que havia coisas que nós comuns cidadãos

tão

podíamos fazer para mudar as coisas. Com ele

assoberbados

construí o primeiro portal de internet que tinha

exemplo, não acredito que alguém nasça

acabado de chegar ao nosso país, chamado

assassino, acredito mais numa predisposição,

PortugalGay.pt, usando o que havia nos EUA e

que

em

circunstâncias da vida. Ou então, mesmo sem

UK,

traduzindo

alguns

conteúdos

e

adaptando à nossa realidade. Ao mesmo tempo, tornei-me (tornamo-nos) sócios da IlgaPortugal, fui durante anos o sócio nº 45 com cotas sempre em dia, porque pagávamos ao ano, e daí em diante é história.

Direitos Humanos confere às pessoas uma espécie de lentes que não conseguimos tirar,

começando

nós

a

ver

os

problemas em todo o lado e a toda a hora, com

uma

outra

profundidade

e

intensidade. Confirma isto com a sua experiência?

É

uma

luta

poderá

que com

ou

predisposição,

ficamos quantas

não

ser

por

vezes

direções.

ativada

circunstâncias

Por

por

várias,

cumulativas, tomam forma numa ação de assassínio num determinado momento, sendo que esse momento é apenas a gota que faltava num copo demasiado cheio, por exemplo essa é a minha perspetiva sobre o assassinato de

Na Plano i aprendemos que a luta pelos

mais

essa

diversas

avassaladora

emocionalmente? Assim é, uma vez ativista, sempre ativista! Podemos até não exercer, no sentido de estar ligados a alguma estrutura, mas enquanto pessoas estamos sempre alerta, sempre em cima, sempre com uma resposta mais incisiva por vezes, mais abrangentes de que as “gafes” da sociedade não tem, a meu ver nunca, uma única razão de ser, elas têm por vezes variantes

Gisberta Salce Júnior.

Sabemos que fez parte da organização da primeira marcha LGBTIQ+ do Porto e das seguintes. Como se sentiu a marchar em 2006 e como se sente hoje, em 2021? Primeiro da mesma forma que me senti só ao ler a vossa questão, comovido, porque acredito, talvez porque sou louco, que juntos poderemos moldar este mundo para melhor. Depois, se em 2006 sentia o luto e o peso dos primeiros passos dados no Porto, no que tem a ver com a manifestação manifestação

que

é

política,

pura hoje,

enquanto

passadas

16

edições, sinto-me orgulhoso pelo caminho conquistado,

enquanto

estrutura

que

complementada com outras, (Marcha de Braga; Viseu; Vila Real; Bragança; Viseu; Lisboa,

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Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) Algarve, Ilhas...) criamos discussão política na

sendo

também

Assembleia da República (AR), nos diferentes

também aconteceu, no onde andava na mesma

partidos, obrigamos a tomadas de posição,

proporção

reforçamos uma luta iniciado em Lisboa anos

homossexuais, ia ganhando novos amigos

antes.

heterossexuais.

que

homossexual. ia

O

perdendo

contrário “amigos”

O segundo momento foi sem dúvida a primeira

Que momento destacaria do seu percurso

Marcha do Orgulho LGBT no Porto (era assim

enquanto ativista?

que se escrevia na altura). Assassinaram

Meus pessoais, dois. O primeiro foi com o

alguém que conhecia, e a organização do

evento que fui responsável durante 12 anos, o

evento

Porto Pride, porque eu ainda não era um rosto,

sempre gravados na minha pessoa, como a

até ao momento era apenas uma voz, uma vez

“sondagem” que fiz como a minha colega

que já tinha feito uma participação num

Mónica do Poly-Amor no mercado do Bolhão.

programa de televisão mas pelo telefone. Mas

Fomos saber qual era a opinião das pessoas

com a oposição da SONAE em realizarmos o

(vendedoras e clientes) que frequentavam o

evento

estava

Bolhão sobre haver uma Marcha pelos Direitos

concessionado a este grupo empresarial, onde

Homossexuais, e o que vivemos NINGUÉM nos

hoje é o Shopping Clérigos, tive de dar a cara

tira, podem tirar-nos tudo, mas esse sentir do

pelo evento, e não é deste momento que falo,

povo que falou connosco, e que foi muito, a sua

mas do que veio por consequência disso

garra, a sua genuinidade foi tão avassaladora

mesmo. O facto de me ver forçado a fazer o

para os dois que quando saímos no portão da

meu outing para os meus pais, e pelos

Rua Fernandes Tomás, só olhamos um para o

“amigos” que perdi por ter dado o meu rosto à

outro com os olhos rasos de água e dissemos

luta,

amigos

quase ao mesmo tempo: - Logo a gente fala! E

amigos

depois o dia propriamente dito!

onde

e

não

heterossexuais,

queríamos

estou mas

a

falar sim

que

de de

proporcionou-me

momentos

para

homossexuais de daí em diante me viraram a cara, porque eu agora era um gay conhecido do

Enquanto

restante público e por isso quem estaria

desempenha, tem alguma ambição? Algum

comigo seria, ou poderia ser identificado como

objetivo por cumprir?

68

ativista,

no

trabalho

que


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) Tenho, claro que sim, não acredito que por

e diria até mundial, constrói-se em grande

mais

que

medida de cima para baixo. Temos políticos

desenvolvem ativismo, seja em que área for

que com base em estudos, que têm validade

não tenham ambições, objetivos. Não os vou

claro que têm, definem leis sem consultar quem

divulgar publicamente, mas posso adiantar que

está no terreno, e quando digo consultar quem

são muitos e nenhum no meu proveito pessoal,

está no terreno, falo consultar o maior número

porque sobre mim apenas quero que as pessoas

de entidades formais e informais, coletivas e

me recordem como alguém que fez e quis fazer

pessoais, que desenvolvem trabalho, por vezes

ainda mais, no sentido de termos um mundo

há anos, em diferentes áreas e que melhor que

verdadeiramente colorido, onde TODAS as

ninguém, arrisco mesmo a dizer, melhor que os

cores possam coexistir acima de tudo sem

estudos académicos, sabem como ninguém das

MEDOS, porque viver com medo é sobreviver

necessidades com que se debatem diariamente,

sem liberdade. Alguns já realizei parcialmente,

conhecem os seus utentes como ninguém. Ou

e outros ainda estão longe de ver a luz do dia!

seja os políticos deviam descer do seu pedestal

singelo

que

seja,

as

pessoas

e vir à rua falar com estes e até com os utentes,

Do ponto de vista legal, Portugal tem

porque também aqui há discrepâncias, uma

lutado

sendo

coisa é o que eu sinto como instituição de

considerado o destino, ou um dos destinos,

apoio, outra é o que sente o utente que eu

mais gay friendly do mundo. Mas isso não é

atendo, porque ele sente as suas carências na

100% refletido na nossa sociedade. Dá a

pele e eu apenas as interpreto, não as sinto

sensação que Portugal construiu toda uma

como ele as sente. Ao escrever estas últimas

estrutura bem arquitetada mas sem bases.

linhas estava a pensar, por exemplo, nos sem-

pelos

direitos

LGBTIQ+,

Que bases seriam estas? O que poderá no

abrigo, que eu tinha um entendimento antes de

futuro colmatar esta disparidade entre o

fazer trabalho com esta população, mas um

que se projetou e a realidade?

ano depois de estar na rua com eles/elas o meu

Nenhuma casa se constrói pelo telhado, porque

sentimento é outro, eu não sabia (não sei) nada

este precisa de uma estrutura capaz de o

do que é ser sem-abrigo.

sustentar, não se constroem prédios de cima

Aplicando

para baixo, mas a nossa sociedade, portuguesa

isso

ás

questões

LGBT+,

conseguimos de fato um dos planos jurados

69

nós


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) mais favoráveis do mundo, mas isso é o topo

em tempos exibe resultados menos favoráveis

da árvore, as raízes dessa árvore continuam a

a uma sociedade democrática e livre. Por

ser as mesmas, um défice educacional enorme,

exemplo, os bairros sociais deixaram de ter

e é aqui que tudo tem de e/ou deve começar. Os

espaços de convívio comunitário, que no

manuais na sua maioria continuam, por

passado era no R/C de um dos blocos do

exemplo, a falar de relações heteronormativas,

complexo, onde tinham um café, sala de

cis, brancas, classe média alta, mas a maioria

reuniões, por vezes infantário/creche apoiados

da população é de classe média baixa e baixa,

por assistentes sociais, isso deixou de fazer

onde fica logo aqui a representação da maioria

parte das construções sociais, colocou-se um

dos nossos jovens que entram no ensino, e se

campo de futebol e ou multi-funções e pronto

deparam com representações que não os

está cultivado o sentido de comunidade.

representa.

uma

Outro exemplo, o programa escolar “Área

sociedade, dando-lhes raízes de diversidade, se

projeto” que incentivava os jovens a elaborar

as sementes que lançamos à terra são as

trabalhos em volta de temas nem sempre

mesmas do tempo dos nossos (meus) avós, são

consensuais, e que os colocava numa posição

sementes cinzentas, pretas e brancas, que no

de reflexão e de entender a sociedade de outra

final queremos que dê uma copa colorida, em

forma que não aquela que lhes era apresentada

linguagem popular, há uma disparidade entre

pelas diversas plataformas, desde a televisão

o “cu e as calças”. Temos que fazer muito

aos manuais da escola. Mas este programa

trabalho de base, e esse trabalho a meu ver

estava a fazer surgir jovens com sentido crítico,

começa na escola, e será a partir da escola que

e não jovens submissos, e isso não favorece um

os jovens vão “instruir” os pais em casa, para

sistema que precisa de “animais” domésticos,

depois estes últimos entenderem e colocarem

mais

em prática esse entendimento perante leis que

humanos que sabem pensar não servem

falam de uma sociedade em transformação,

políticos e políticas de um sistema viciado, e o

que hoje alberga mais cores que no passado.

resultado está à porta, com partidos um pouco

Esta estruturação entre sociedade e leis, vem de

por todo o mundo que querem pôr termo a esta

longe e é um processo perverso que de tempos

paleta de cores sociais, de forma a poderem

Como

podemos

cultivar

que

de

“animais

selvagens”,

seres

pintar telas antigas com tons monocromáticos!

70


Revista insubmissa

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(CONTINUAÇÃO) E julga haver de facto interesse político em

representar. Porque hoje as sociedades do

colmatar esta disparidade?

mundo não são mais uniformes, hoje nascemos

Não! É a resposta simples, da esquerda à

no Brasil, estudamos nos EUA, vivemos um

direita não existe essa vontade, qualquer uma

pouco por todo lado, e morremos no topo do

das fações servem-se de poderes instalados e,

Evereste ou no fundo da Amazónia. Hoje os

por isso, haver posições críticas que inquiram o

seres humanos são seres do mundo não desta

porquê destas posições e porque não outras,

ou daquela pátria.

não serve esses poderes.

A luta diária para conquistar direitos que já Na sua opinião, a nível legal, mesmo que

são inerentemente de todas as pessoas,

Portugal seja dos países mais avançados

embora não reconhecidos na névoa da

nas questões LGBTIQ+, o que ainda falta

ignorância,

alcançar?

extenuante. Alguma vez pensou desistir

Falta alcançar a utopia para muitos, para mim

desta luta?

não, falta alcançar que quando se legisle,

Podemos até desistir de sermos a “carne” na

quando se escreva um manual escolar, quando

frente do canhão da ignorância, mas como

se pense em políticas públicas, se comece por

disse antes, uma vez ativista, sempre ativista.

pensar em pessoas, e não em pessoas brancas,

Eu, por exemplo, não sei se vou desistir e/ou se

cristãs, com poder de compra, letradas. Que se

estou a dar um tempo, ocupando-me de mim,

pense

correndo atrás do tempo. Aos 53 anos, na

em

pessoas,

depois

nas

múltiplas

deve

bem

arrebatadora

porque

decidi

e

especificidades que cada uma delas pode

faculdade,

carregar consigo, se têm ou não mobilidade

algures no tempo, mas porque dediquei a

plena, qual a sua religião, que poder de compra

minha vida, grande parte dela, ao ativismo e

têm, quão letradas são, entre tantas outras

não consegui ao mesmo tempo fazer algo por

variantes; que quando se lance uma lei, se

mim. Como um dos co-fundadores da Marcha

construa um edifico, se implemente um modelo

do Orgulho LGBT+ do Porto, tinha decidido em

educacional ele seja capaz de servir a todes,

2016 ir saindo, ficando menos disponível,

onde todes se sintam representados e/ou onde

porque, por um lado, queria que os novos

haja de facto espaço para se fazerem

rostos fossem mais ativos e não se

71

não

ser

assim


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VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) sustentassem

nos

têm

seu nome Júlio Silveira, membro de uma

experiência eheheheh. Assim, fui apontando

associação de seu nome Alternativa Positiva, e

com o dedo onde estavam os caminhos, para

que

que esses novos rostos percorressem, e, em

Inspirado por ele, fiz manualmente um cartão

2018, dei o meu tempo de “formação” como

daqueles de lapela a dizer apoio e com o

terminado, tínhamos um grupo de jovens

lacinho da ABRAÇO e invadi o hospital de S.

ativistas

João, na zona de internamento para conviver,

com

cotas

energia

porque

e

eles

conhecedores

do

me

educou

anunciei

da

internados que estavam ali por sua conta e

Marcha desse ano que aquele seria o meu

risco, uma vez que amigos e família os tinham

ultimo ano como parte da organização. Assim

abandonado. VIH/Sida nos anos 80 não é o que

foi, e se não tivesse sido por minha decisão

é hoje, para além de não haver muita

teria sido depois pelos acontecimentos vividos

informação, o que se sabia era que as pessoas

em agosto desse ano, com o suicídio de um

morriam, foram momentos da história da

amigo e co-fundador da Marcha. mas agrada-

sociedade

me a ideia de ser frequentemente solicitado

dentro da minha geração). Na época, eu tinha

para dar opinião, e recentemente até fazer

um trabalho que pegava ainda de madrugada,

parte de uma discussão. Por isso, concluindo,

saía pouco depois da hora do almoço, e ia

desistir não, mas talvez dar um tempo!

direto para o hospital, saía mais ou menos ás

ultimas

reuniões

mundial

muito

(a

VIH/Sida.

abraçar,

das

alguns

sobre

caminho, mesmo que parcialmente, e por isso numa

escutar

muito

maioria)

obscuros,

dos

(claro

16hrs e trazia comigo a carga do mundo, mas

Se ainda nos dias de hoje a sociedade está

no dia seguinte estava lá de novo, deixei de

mergulhada

e

fazer esse apoio no dia em que um dos jovens

preconceito, há anos atrás terá enfrentado

me pediu um beijo, eu dei, e no dia seguinte ele

lutas muito mais difíceis. Como foi lidar

tinha falecido, eu sabia que ele estava mal,

com o estigma que sempre foi associado

mas não soube gerir as emoções, e como fazia

aos homens gay - o estigma do VIH/SIDA?

aquilo sozinho não tinha retaguarda.

Está aí uma coisa que vivi com alguma

Perdi alguns amigos para essa enfermidade,

intensidade nos anos 80.

acompanhei demasiados nas suas primeiras

Conheci um jovem que já não está entre nós, de

consultas, para não estarem sozinhos, fico feliz

em

desconhecimento

72


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) por muitos, mesmo muitos, terem sobrevivido e

temos a desculpa de um governo que impõe

hoje serem pessoas que gozam de uma saúde

pela força determinadas diretivas, aqui em

extraordinária.

Portugal temos uma outra forma de impor essas mesmas diretivas, exercendo um poder

Acha que este estigma foi atenuando ao

que lhe foi legitimado por eleição, e que impede

longo dos anos, com o maior acesso à

que exista uma massa critica em crescimento

informação ou está apenas camuflado?

definindo a estrutura educacional, e isso leva a

Sim, acredito que sim, basta que hoje em dia os

que

fármacos permitem uma qualidade de vida que

verdadeiras as conhecidas “fake news”, e que

antes não era sequer pensada, é mais provável

perante a ausência dessa capacidade critica se

que um infetado com VIH morra atropelado

atue contra si mesmos elegendo “carrascos”

que de Sida. Desenvolver o estado de Sida

novos alicerçados em pensamentos antigos,

numa

o

pensamentos que ceifaram a vida de milhões.

tratamento e tenha um estilo de vida saudável,

Mas também temos de olhar para essas

é quase impossível! Contudo também não

realidades, não como retrocessos, mas como

menos verdade que existem ainda locais,

continuidades. Se calhar a única diferença

pequenos núcleos, onde as pessoas recusam

existente hoje é que os meios de comunicação, e

aprender e continuam a negar afeto a pessoas

nomeadamente as redes sociais, para o bem e

portadoras de VIH.

para o mal, fazem-nos chegar o que se passa

pessoa

que

siga

corretamente

haja

espaço

para

assumir

como

em outras geografias com mais rapidez e

Como vê os retrocessos em países como a

intensidade, se não fossem as redes sociais de

Polónia e a Hungria?

certo não sabíamos dos ataques ás pessoas

Da mesma forma que vejo no nosso país. OK

LGBT+ na Rússia sem consequências para os

estamos a falar de estados conservadores,

agressores, ou dos campos de concentração na

ditatoriais, totalitários, onde Direitos Humanos

Chechênia para pessoas LGBT+.

são um sentimento restrito aos papeis formais, para “inglês ver”. Mas o que está na base,

Teme que estes retrocessos acabem por ser

mantenho, é a falta de uma educação que abra

algo inevitável também no nosso país,

espaço ao criticismo, ao pensamento livre. Se lá

especialmente com a extrema direita a

73


Revista insubmissa

VOL. 3 | JULHO, 2021

(CONTINUAÇÃO) como os sindicatos, e, quando demos conta, o

ganhar cada vez mais força? Sim,

se

as

forças

identificadas

como

nosso jardim trabalhista estava fatalmente

democráticas continuarem a sustentar políticas

contaminado, e agora quantas mais vidas

de embaçamento da sociedade, retirando-lhes

serão

formação devida, formação no sentido de criar

contaminação?

precisas

para

corrigir

esta

seres pensantes, críticos, se continuarem com discursos demagógicos de que somos um povo

Qual a sua maior inquietação na sociedade

de brandos costumes e que as extremas nunca

de hoje?

passarão, vão dando lugar a que nos estejam a

Viver ainda demasiado tempo para ver o

vender mais uma mentira. Até porque uma das

colapso desta sociedade livre! Tenho dito

extremas já passou, o Chega já está sentado na

ultimamente que não me importava de partir

AR, hoje com um deputado, amanhã com

já nessa viagem sem volta, porque olhando em

quantos mais?

volta vejo pouca vigilância, pouco empenho em

Depois sempre que tenho oportunidade, e esta é

salvar este edifício social chamado LIBERDADE

mais uma, eu relembro a quem se preocupa

que me preso de ter feito um pouquinho para

que os Direitos Humanos são como um jardim,

colorir um pouco, e que na ausência dessa

que

constantemente

vigilância pode ruir a todo o momento, e

atentos e ir capinando as ervas daninhas, não

construir do zero será demasiado doloroso,

dando espaço a mais às roseiras que embora

custará demasiadas vidas, trará ao mundo

lindas têm espinhos, e limitando as plantas

grande e/ou ainda maior sofrimento, porque

venenosas. Quando me contestam que não é

na verdade o mundo enquanto um todo já está

bem assim, eu dou o exemplo da lei do

nesse processo aqui e ali.

trabalho que levou anos, vidas inteiras na

Levando este pensamento para as questões

conquista

os

ambientais, a dor de alguns seres humanos já é

trabalhadores, hoje muitas dessas leis caíram

visivelmente fatal (recordo que houve um

por terra, foram anuladas e/ou sobrepostas por

tempo que imagens da Etiópia entupiam as

outras que defendem o empregador, como é

nossas vias respiratórias). Uma dessas imagens

que isso aconteceu, porque esquecemos de

nunca saiu da minha tola até hoje, uma mãe a

vigiar inclusive quem diz que as defendia,

rasgar as veias com os dentes para dar de

precisamos

de

de

leis

estar

que

defendessem

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(CONTINUAÇÃO) beber ao seu filho. Aprendemos alguma coisa?

inestimáveis que se juntam aos que já tinham

Não! Hoje tem quem reclame porque as

partido antes de 2006, altura em que convivi

televisões, verdade na ânsia das audiências,

com mais intensidade com duas pessoas do

exibem a nossa ignorância, a nossa verdade, o

Porto e da organização da Marcha, falo da

nosso ato negligente que afoga bebés no

Lurdinhas da UMAR, que estávamos mais ou

mediterrâneo. Eles não morrem porque o bote

menos à espera porque estava doente, e depois

furou, ou porque não sabem nadar, eles

o António que na sua loucura, a mesma com

morrem porque nós, enquanto sociedade, não

que sempre viveu, decide pôr termo à vida

aprendemos NADA com o passado a todos os

daquela

níveis. Somos por isso nós enquanto sociedade

dolorosa. Se tudo isto não bastasse, Lara

mundial que os afogamos, temos por isso

Crespo, pessoa trans, ativista e minha amiga,

TODES o registo criminal nojentamente sujo.

decide igualmente pôr termo à vida. Dias,

forma

tão

extraordinariamente

talvez um mês, depois de ter apoiado com um

A última pergunta é feita por uma pessoa

largo cabaz de compras o meu querido Isidro

que tem um carinho e uma admiração por

Sousa, quando me preparo para saber da

si imensa, a nossa Vice-Presidente - a

despensa dele, tenho a notícia de que também

Doutora Paula Allen: Como se consegue ter

ele havia partido, e estes são rostos que mais

a força de construir, sempre da forma que

que amigos, fazem parte da história do

só você sabe construir, depois de ano após

ativismo local e nacional, e agora, mais

ano ver partir tantos amigos de formas tão

recentemente,

duras?

o

Vitor,

AKA

Natasha

Semmynova; perdas que não se recuperam de

Aí Paula, ai, ai, …sabes por vezes nem eu sei

forma alguma.

muito bem como se faz, ou como faço, porque

Devo referir que achei chique tratar-me por

nenhum de nós é apenas uma coisa, quero

você, eheheheh, …como se tem força para

dizer, não sou apenas o ativista João Paulo,

continuar a construir, talvez no fato de ter o

também sou marido, amigo de muitas pessoas,

melhor companheiro do mundo que sabemos

irmão, tio e filho, mas também, e por tabela,

respeitar os silêncios de um e do outro, na

cunhado, genro, e tudo isto se junta ao que

minha restante família, pais, irmã e sobrinho,

referes na tua questão, a perdas para mim

em alguns poucos amigos, nos meus filhotes de

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(CONTINUAÇÃO) quatro patas, e com toda a certeza na natureza. As minhas caminhadas pelo espaço natural, mesmo aquele construído pelo ser humano, como o Parque da Cidade, servem o propósito de carregar baterias e avançar, se calhar mais devagar, mas caminhando, certo de que talvez um dia nos encontremos todes algures num plano qualquer. Agora tenho a ajuda da faculdade, onde tenho a oportunidade de conviver com miúdos e miúdas,

gente

jovem

que

me

ensina

a

caminhar no meio de um dor oculta com um sorriso nos lábios. Não quero ver o fim, mas até partir espero ter sempre energia para caminhar em frente!

Obrigado, de coração, pela vossa entrevista! João Paulo

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FOTO: PORTUGALGAY


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FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


FOTO: PORTUGALGAY


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FICHA TÉCNICA REVISÃO DE CONTÉUDOS: PAULA ALLEN SOFIA NEVES

EDIÇÃO E REDAÇÃO: ANA SOFIA FIGUEIREDO MARIANA REIS SHEILA GÓIS HABIB TERESA RAMOS DE SÁ TEX SILVA VÂNIA ALVES

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ATÉ LÁ!


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