VOL. 3 | JULHO, 2021
insubmissa Lugar de fala Carta aberta a Gis
ABC da Igualdade Ciganofobia
Ética e Jornalismo Quando uma pessoa masculina menstrua O Impacto da Pandemia e do Confinamento na População LGBTI+ O trabalho sexual e os vários argumentos As pessoas trans e a divisão de género no desporto Comportamentos de risco vs. Orientação sexual nas dádivas de sangue
Sabia que...? Foi criado o primeiro espaço no norte do país com acesso a consultas trans
Exposição Fotográfica Entrevista a João Paulo, ativista e co-criador do site PortugalGay
Espaço Cultural
PARA QUE UM DIA TODAS AS PESSOAS POSSAM SER LUA CHEIA Na sociedade de hoje e de sempre, olho para as pessoas como se fossem luas. E a cada dia que se me escorre entre os dedos, já cansados de tentar agarrar o tempo, sinto a efervescência da injustiça que é as pessoas serem reduzidas aos seus quartos. Quarto minguante. Quarto crescente. Nunca luas cheias. É uma boa metáfora esta dos quartos. Até porque
nos
remete
para
os
nossos
próprios
quartos.
Para
a
individualidade. Para a solidão. Para a intimidade. Para o segredo. Para quem somos na nossa verdade, na nossa crueza. E nunca sozinhas/os. Sempre connosco. E como viver com isso de ter que viver em nós na consciência de que nunca estamos sós? O nosso próprio olhar toldado pelas pessoas que nos envolvem. Somos sempre os outros e as outras também. E quando os outros e as outras desprezam o nosso brilho em plenitude, com desdém e ódio, não é coisa que se finde, deixa rastos e poeiras de violência que cobrem as nossas faces e nos deixam reduzidas e reduzidos àquela que todas as pessoas aceitam, ao consensual. Escondidas e escondidos no nosso quarto fechado. A ironia que é vivermos presas e presos no nosso próprio constructo. Mas o que é o consensual? É algo inventado, que não existe. Dogmas inquestionáveis.
O preconceito ocupa o mesmo espaço da ausência da reflexão e do questionamento. É ali que se encaixa, porque a desconstrução é óbvia e simples: Quem inventou isto de que têm direitos e poder sobre a nossa identidade, sobre a nossa sexualidade, sobre o nosso corpo, sobre a nossa individualidade? Sobre a nossa carne, sobre a nossa alma, sobre a nossa felicidade? Falam e agem como se houvesse uma forma certa de ser, um manual que ninguém sabe quem criou. A sociedade age em formatura como se as pessoas fossem objeto seu, propriedade sua, tendo estas que se enquadrar nos seus moldes e padrões. A ignorância legitimada enquanto poder. “Eu aceito”, “Eu tolero”, quem é este Eu? E quem lhe conferiu este poder abstrato de aceitar, tolerar, ou negar a existência da singularidade de alguém? E negar, grande parte das vezes, quase sempre, a sua própria singularidade. Todos os dias as palavras “aceito” e “tolero” são recebidas com aplausos e compromisso de mudança, não há mudança alguma, o preconceito é o mesmo apesar de mais colorido, por isso nunca nos esqueçamos: há tanta liberdade para conquistar quanto a que há para proteger, este é o único processo para nos construirmos, todas e todos, luas cheias.
Vânia Alves
Revista insubmissa
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EDITORIAL POR ARIANA CORREIA
O mês de junho pretende visibilizar, e
Simultaneamente,
trazer à reflexão, o caminho ainda por fazer
resistência em relação à prevenção e ao
no que diz respeito aos direitos das pessoas
combate da discriminação em função da
LGBTI, mas também celebrar as conquistas,
identidade de género, expressão de género
em
e
marcha
desde
muito
antes
da
das
é
muito
vívida
características
a
sexuais,
madrugada do dia 28 de junho de 1969 em
comprometendo também a intervenção
Nova Iorque.
em situações desta matriz; naturalizando,
Mais de 50 anos volvidos sobre Stonewall e
para
a primeira marcha LGBTI, o orgulho é
reproduzido em contexto escolar, que
selado pelo espírito de luta, pela resiliência
silencia
em prol dos direitos que são reconhecidos
comportamentos
a conta gotas e a diferentes velocidades, de
persecutórios contra pessoas LGBTI. Nas
acordo com o quadrante geográfico.
palavras de Junqueira (2009, p. 37), uma
Em Portugal, Lisboa saiu à rua pela
“força desumanizadora” dirigida aqueles/as
primeira vez em 1999. No Porto, foi em
cujas
2006,
normativas
alavancada
pelo
homicídio
o
discurso a
heteronormativo
diversidade
identidades são
e
favorece
discriminatórios
e
expressões
percebidas
e
não como
transfóbico de Gisberta Salce Júnior, que
transgressoras.
trouxe à discussão a forma como múltiplas
De acordo com o EU LGBT Survey (FRA,
vulnerabilidades
entrecruzam,
2014), 2/3 dos/as jovens participantes (N=93
remetem tantos e tantas à invisibilidade,
000) admitiu esconder a sua orientação
invisibilidade esta que os/as desprotege.
sexual
Desde
contexto escolar até aos 18 anos sob pena
então,
multiplicação
de
que
se
temos marchas
assistido LGBTI,
à que
de
ser
ou
identidade
discriminado/a.
de
género Num
em
estudo
pintam o arco íris de norte a sul do
nacional junto de estudantes do Ensino
continente e ilhas, com participantes cada
Superior (N=369), concluiu-se que quem
vez mais jovens, indicador de uma cada vez
pratica comportamentos violentos contra
maior consciência crítica em matéria de
colegas LGBTI, apresenta crenças mais
justiça social.
conservadoras sobre a orientação sexual e
4
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(CONTINUAÇÃO)
identidade de género, comparativamente com os/as que não praticam (Neves et al., 2019), somando-se que mais de metade das
pessoas
docentes
não
se
sente
preparada para abordar as temáticas (Rede Ex aequo, 2019). Não é necessário destrinçar estes dados para
perceber
que
a
legitimação
de
práticas discriminatórias e atentatórias dos direitos das pessoas LGBTI vêm de um espaço de desinformação que alimenta crenças, que apenas a educação para a diversidade
pode
desconstruir.
Uma
educação que promova a reflexão crítica, que refine a deteção da opressão e que fomente que a inação é, em si, uma ação. Até lá, manter-se-ão os junhos de orgulho e com orgulho.
5
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ÍND ICE Organograma Plano i
7
Os rostos por detrás da Plano i - Apresentação de Membro da Direção
8
Projetos Plano i
10
Oferta Formativa Plano i
19
Apresentação de Entidades Parceiras - APF
21
Lugar de Fala:
27
Carta aberta a Gis
28
Ética e Jornalismo
29
Quando uma pessoa masculina menstrua O Impacto da Pandemia e do Confinamento na População LGBTI+, em
31 36
particular na sua Saúde Física e Mental O trabalho sexual e os vários argumentos As pessoas trans e a divisão de género no desporto Comportamentos de risco vs. Orientação sexual nas dádivas de sangue ABC da Igualdade: Ciganofobia Sabia que...? Foi criado o primeiro espaço no norte do país com acesso a
38 43 46 48 49
consultas trans Espaço Cultural Exposição Fotográfica Entrevista a João Paulo, ativista e co-criador do site PortugalGay
51 60 66
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ORGANOGRAMA DA PLANO i DIREÇÃO
ANA SOFIA NEVES
PAULA ALLEN
DORA PINTO
ARIANA CORREIA
ANA TELES 7
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OS ROSTOS POR DETRÁS DA PLANO i APRESENTAÇÃO DE MEMBRO DA DIREÇÃO É
psicóloga
clínica
desenvolvendo Coordenação
e
da
atualmente Executiva
saúde,
funções
do
de
Programa
TikTalks – Promoção da Saúde Mental no Ensino
Superior,
Associação
Plano
executado i
e
pela
financiado
pela
Direção Geral de Saúde. Foi, entre 2018 e 2020 e em regime de exclusividade, bolseira de doutoramento da Fundação para Ciência e Tecnologia, com projeto Femicídio na Intimidade em Portugal:
práticas,
discursos
sociais
e
narrativas mediáticas, aguardando a sua defesa pública na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.P. Tem,
desde
2011,
investigadora,
integrado
como
colaboradora
ou
coordenadora, equipas de diversos projetos de
investigação
investigação-ação, ARIANA PINTO CORREIA
Ariana
Pinto
Correia
é
membro
académica com
e
de
ênfase
na
prevenção e intervenção na violência em relações de intimidade e promoção dos
da
Direitos
Comissão Fundadora da Associação Plano i
reconhecida
e membro da Direção.
Humanos. pela
Especialista
Comissão
para
Cidadania e Igualdade de Género em
8
a
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(CONTINUAÇÃO) Igualdade de Género e Violência Doméstica e violência contra as mulheres, foi ainda docente convidada no ISMAI.
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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO TIKTALKS
O levantamento destes dados confirmou que a literacia para a saúde mental no ensino
superior
residual,
mostra-se
sendo
desvalorização,
de
frequente
forma a
especialmente
sua
quando
Reconhecendo o papel fulcral da saúde
comparativamente com a saúde física. A
mental no funcionamento do indivíduo,
análise dos resultados dos inquéritos vai de
bem como os desafios desenvolvimentais
encontro com os resultados da literatura
associados
ensino
sobre a temática junto de estudantes do
universitário, o TikTalks tem como objetivo
ensino superior, nomeadamente no que diz
constituir-se
respeito
à
transição como
para
ferramenta
o
para
a
à
diversidade
de
promoção da saúde mental de estudantes
motivos/necessidades que levam à procura
do Ensino Superior através de dois eixos
de acompanhamento psicológico por este
primordiais de atuação:
público,
i) enfoque nos desafios desenvolvimentais
com questões como: ansiedade (84,5%);
em tempos de pandemia e
depressão (54,9%); problemas relacionais
ii) enfoque na literacia para a saúde mental.
(38,7%);
Neste sentido realizou-se primeiramente
académico
(29,6%);
um mapeamento das necessidades através
adaptação
(19,7%);
da realização de Focus Groups junto de
profissional (14,1%).
dirigentes de federações, associações e
De realçar que 26,2% dos/as respondentes
coletivos académicos, tendo sido também
já pensaram em acabar com a vida, 12,8%
construído um inquérito para resposta
no mês anterior à participação no inquérito.
online sobre o impacto da pandemia na
Este e outros dados supra vão de encontro
saúde mental dos/as estudantes.
com a procura, largamente além do
10
prendendo-se
dificuldades
maioritariamente
no
desempenho
dificuldades e
de
orientação
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(CONTINUAÇÃO) expectado,
do
serviço
de
alimentares e obsessivo-compulsivos.
consulta
psicológica, serviço este criado no âmbito do
projeto,
disponibilizado
gratuitamente.
Assim,
em
online
e
menos
de
metade do tempo de execução do projeto, este atingiu parte dos indicadores, com mais de 500 consultas e 120 utentes em acompanhamento. O TikTalks dinamizou ainda
workshops
e
webinars,
tendo
chegado a perto de 5500 pessoas em apenas seis meses. Como balanço deste primeiro semestre de execução do projeto, os dados e as pessoas que
nos
chegam,
confirmam-nos
a
importância da promoção da saúde mental, considerando ademais as especificidades da realidade pandémica que atravessamos, que desestruturou rotina; duplicou tarefas; hipotecou estágios e recolhas de dados para dissertações; incertezas
semeou
quanto
inseguranças
ao
curso
das
e
suas
aprendizagens formais e das projetadas saídas
profissionais,
forçando
ainda
estudantes deslocados/as a retornarem à residência
de
família
e,
por
vezes,
tiktalks@associacaoplanoi.org
a @tiktalks.ensinosuperior/
dinâmicas familiares conflituosas e até violentas, ansiosa;
amplificando depressiva;
desmotivação;
de
sintomatologia burnout;
desesperança;
/tiktalks.ensinosuperior
de até
www.associacaoplanoi.org/tiktalks/
comportamentos auto lesivos; distúrbios
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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO MaRvel O projeto terá a duração de 36 meses e visa a construção e implementação de um programa de intervenção estruturado, junto de rapazes, entre os 13 e os 18 anos, acolhidos no Centro Educativo de Santo António (Porto), o Centro Educativo de Santa Clara (Vila do Conde) e o Instituto Profissional do Terço (Porto). Será, em consequência, realizado um documentário sobre O
MaRvel:
Masculinidades
(Re)veladas,
a
storytelling,
temática
(numa
assente
numa
ótica
de
perspectiva
doravante MaRvel, é um projeto que se
desenvolvimental
enquadra
no
Programa
e
contando com a colaboração da cooperativa
Igualdade
de
Género,
pelo
de criação multimédia Bagabaga Studios,
Espaço
que não só servirá de base para a construção
Económico Europeu - EEA Grants, sendo a
do programa de intervenção, como será
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de
utilizado como ferramenta pedagógica a
Género (CIG) a entidade operadora do
usar na dinamização de debates sobre o
projeto e a Associação Plano i a promotora
tema nas 32 escolas parceiras.
do mesmo.
Com vista à sustentabilidade do projeto e
Considerando o impacto dos modelos de
numa ótica de capacitação de agentes
masculinidades
no
multiplicadores,
na
dinamizará ações de formação dirigidas a
construção das relações sociais, o MaRvel
docentes e ONG’s, com vista à replicação
tem como objetivo geral o desafio aos
futura do programa, a par da realização de
estereótipos
sessões de consultadoria a estes/as
Mecanismo
financiado
Financeiro
desenvolvimento
de
Conciliação do
hegemónicas de
rapazes
género
e
associados
às
masculinidades hegemónicas.
12
e
a
interseccional),
equipa
do
projeto
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(CONTINUAÇÃO) profissionais.
O
projeto
implementará
ainda ações de sensibilização dirigidas a públicos estratégicos.
@marvel.planoi/
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PROJETOS PLANO i TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PESSOAS LGBTI VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Administração Pública Central (Saúde, Justiça, Administração interna, Segurança social e Educação); Sociedade
Civil
(Organizações
Não
Governamentais de Direitos Humanos, coletivos e associações LGBTI); Prática Privada (Consulta psicológica e jurídica). A Associação Plano i está a conduzir uma investigação, (2019-2022),
cofinanciada com
o
pelo
objetivo
POISE
geral
de
caraterizar as trajetórias de vida de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo (LGBTI) vítimas de violência doméstica, com o intuito de descrever e compreender as especificidades dos seus percursos desenvolvimentais e de vitimação e os respetivos
impactos
a
nível
pessoal,
familiar e social, neste caso à luz das
Todos os quesitos éticos, nomeadamente os que dizem respeito à confidencialidade e ao anonimato, estão garantidos pela equipa de investigação. Muito agradecemos a vossa colaboração e a partilha
junto
de
outras/os
potenciais
participantes. A associação Plano i solicita também a participação no estudo divulgado na página seguinte.
perspetivas das pessoas que com elas intervêm. Assim, solicitamos o preenchimento de um inquérito a pessoas de todos os sexos que intervenham direta ou indiretamente com pessoas
LGBTI
vítimas
de
iris@associacaoplanoi.org
violência projeto-iris.wixsite.com/planoi
doméstica, num dos seguintes âmbitos:
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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO BAIRROS SEM BULLYING 2) Trabalhar com agrupamentos de escolas e
escolas
parceiras
e
com
as
associações/coletivos/ONG/IPSS do terreno, envolvendo toda a comunidade educativa nas várias etapas de desenvolvimento do projeto,
desde
necessidades
o à
mapeamento
de
implementação
do
programa; 3)
Trabalhar
não
só
na,
mas
com
a
comunidade, através da articulação com O Bairros Sem Bullying é um projeto
entidades
promovido e executado pela Associação
proximidade,
Plano i, financiado pelo Governo Português,
sensibilização coletiva e a ação conjunto
ao abrigo do Programa Bairros Saudáveis,
em prol do combate ao bullying;
que objetiva a promoção de contextos
4) Criar recursos pedagógicos dirigidos a
desenvolvimentais seguros e da saúde
profissionais,
mental, prevenindo o bullying e a violência
replicabilidade do Programa e garantindo a
interpessoal, através de uma ação integrada
sua sustentabilidade;
da comunidade.
5) Diminuir o número de crianças e jovens
São
objetivos
específicos
do
Programa
parceiras de
e
modo
estruturas a
de
promover
possibilitando
a
a
com perturbações de ansiedade, depressão,
Bairros Sem Bullying:
auto-mutilação, ideação suicida e suicídio.
1) Conhecer as idiossincrasias do contexto, através do mapeamento do fenómeno do bullying
na
comunidade,
a
fim
São atividades deste Projeto:
de
Criação de um guia de boas práticas
implementar medidas adequadas, dando
direcionado a profissionais;
resposta às necessidades;
Desenho de um Manual de Intervenção,
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(CONTINUAÇÃO) onde se poderá aceder a todas as atividades
ações de sensibilização e de formação, o
e a toda a informação científica utilizada no
projeto
desenho
vulnerabilidades, dotando a comunidade de
e
na
implementação
da
intervenção;
combater
as
estratégias para fazer face ao fenómeno da
Criação de materiais de sensibilização; Realização
pretende
de
entrevistas
da violência.
semi-
Serão
territórios
de
intervenção
os
estruturadas com docentes, assistentes
Conjuntos Habitacionais Seara, Bairro dos
operacionais
Pescadores, Carcavelos I e II, Cruz de Pau (25
e
profissionais
que
trabalham nos projetos de terreno; Realização
de
focus-groups
de abril), Cruz de Pau (Austrálias), Cruz de com
Pau (Bairro Antigo), Estádio do Mar (I, II e III),
membros da Comunidade;
Biquinha (1ª, 2ª, 3ª fase e Antiga), Refinaria
Observação Naturalista em Contexto;
Angola e Tarrafal.
Realização de ações de formação com
São parceiras do projeto as seguintes
pessoal técnico (docentes, assistentes
entidades:
operacionais
Matosinhos,
e
profissionais
das
ONG/Associações/Coletivos/IPSS) profissionais
da
comunidade
e
Freguesias
que
Câmara
Municipal
MatosinhosHabit, de
Matosinhos
e
de
União
de
Leça
da
Palmeira, União das Freguesias São Mamede
tenham contacto com crianças e jovens;
de Infesta e Senhora da Hora, Unidade Local
Implementação de um Programa de
de Saúde de Matosinhos (EPE), Associação
Intervenção com crianças e jovens que
para o Planeamento da Família (APF),
frequentam
Associação
o
2º
e
3º
ciclo
de
para
o
Desenvolvimento
escolaridade;
Integrado de Matosinhos (ADEIMA), Leixões
Articulação constante com Entidades
Sport Club, Associação Baptista Ágape,
Parceiras;
Agrupamento
Realização de ações de sensibilização
Matosinhos,Escola
junto das Famílias e da Comunidade;
Gomes e Escola Secundária João Gonçalves
Criação de um mural coletivo contra o
Zarco.
Bullying.
de
Escolas
Secundária
de Augusto
@bairrossaudaveis
Com a intervenção, construção de materiais psicopedagógicos, e desenvolvimento de
www.bairrossaudaveis.gov.pt/
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PROJETOS PLANO i ESPAÇO LIV(R)E Associação Plano i recebe 10 mil euros do IKEA para apoiar os direitos LGBTI+ Foto: IKEA
com
a
criação
do
primeiro
espaço
inclusivo e seguro para pessoas LGBTI+ no Norte
do
país.
O
mesmo
visa
ser
implementado até setembro. Acompanhe a insubmissa e descubra, na próxima edição, mais acerca deste novo projeto da Plano i. Até lá, pode acompanhar um projeto do IKEA
No passado dia 30 de junho, a Associação
Podcast
com o testemunho de colaboradores/as
Inclusão LGBTI+ da IKEA Portugal, com o
IKEA.
projeto “Espaço LIV(r)E”. visa
o
episódio cinco focado na temática LGBTI,
concurso para o progresso da Igualdade e
concurso,
recomendamos:
Igualmente. Sugerimos, em particular, o
Plano i venceu a primeira edição do
Este
que
desafiar
as
IPSS
(Instituições Particulares de Solidariedade Social) e ONGs a apresentarem projetos que possam promover e defender, não só a igualdade, como a inclusão de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo. O concurso obteve 7 candidaturas de todo o país, tendo estas sido avaliadas pelos júris
youtube.com/playlist? list=PLBScdoqlJH3ohsaLZAdNCq82R dCVXUMLw
do IKEA. Neste sentido, o projeto “Espaço LIV(r)E” da Associação Plano i conseguiu destacar-se devido ao facto de conseguir dar
www.ikea.com/pt/pt/this-isikea/work-with-us/podcastigualmente-pub059d3400
resposta a uma necessidade específica
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OFERTA FORMATIVA PLANO i FIQUE A PAR DE TODAS AS AÇÕES DE FORMAÇÃO QUE SERÃO DESENVOLVIDAS PELA ASSOCIAÇÃO PLANO i
Os/as formandos/as têm direito a: Frequência gratuita; Certificado emitido pela plataforma SIGO; Atribuição de subsídio de alimentação. Caso pretenda efetuar a sua inscrição em qualquer uma das formações acima mencionadas, consulte o site da Associação Plano i, nomeadamente o separador das formações.
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Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
OFERTA FORMATIVA PLANO i FIQUE A PAR DE TODAS AS AÇÕES DE FORMAÇÃO QUE SERÃO DESENVOLVIDAS PELA ASSOCIAÇÃO PLANO i
Os/as formandos/as têm direito a: Certificado emitido pela plataforma SIGO. Caso pretenda efetuar a sua inscrição em qualquer uma das formações acima mencionadas, consulte o site da Associação Plano i, nomeadamente o separador das formações.
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APRESENTAÇÃO DE ENTIDADES PARCEIRAS APF, QUEM SOMOS E O QUE FAZEMOS tais como a igualdade de género, o acesso universal à contraceção e à educação para a sexualidade levou a atribuição de vários prémios e distinções, nomeadamente a condecoração com a Ordem de Mérito em 1998, pelo Presidente da República. A APF é A
Associação
para
o
Planeamento
da
uma associação de pessoas que acreditam
Família (APF) foi constituída em 1967 com a
na prossecução dos Direitos Sexuais e
missão de ajudar as pessoas a fazer
Reprodutivos, logo os nossos principais
escolhas livres e conscientes relativamente
valores são:
às suas vidas sexuais e reprodutivas e
Ser desejada é o primeiro direito da
promover
criança;
a
parentalidade
positiva.
Intervém assim na área da Saúde Sexual e
A sexualidade é importante ao longo de
Reprodutiva (SSR) e dos Direitos Sexuais e
todo o ciclo de vida do ser humano,
Reprodutivos.
independentemente da sua condição
É
uma
Instituição
Particular
de
física, mental, económica ou social;
Solidariedade Social (IPSS) com Finalidades
A maternidade e a paternidade devem
de Saúde, reconhecida como Organização
ser livres e responsáveis;
Não-Governamental
para
o
A gravidez não desejada pode ser
e
como
prevenida e reduzida sem colocar em
Associação de Família. A APF é membro da
risco a saúde da mulher; O acesso a
International
cuidados
Desenvolvimento
Federation.
(ONGD) Planned
O
Parenthood
reconhecimento
de
saúde
reprodutiva,
da
nomeadamente à contraceção e à IVG
importância da APF para a sociedade civil
(interrupção voluntária da gravidez),
através da defesa de direitos fundamentais
deve ser um direito universal;
21
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VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) A educação sexual é estruturante do
relacionados
desenvolvimento humano saudável e da
Associação para o Planeamento da Família,
vivência plena da cidadania;
e
Todas as pessoas têm o direito de viver a
internacionais e similares;
sua
5.
sexualidade
de
uma
forma
com
com
os
objetivos
organizações
Contribuir
para
da
nacionais o
avanço
e do
responsável, saudável, livre de doenças,
conhecimento científico nas áreas acima
culpas, preconceitos e de todas as
referidas, através da promoção regular de
formas de violência ou discriminação;
atividades
As questões da sexualidade devem ser
científica nomeadamente nos domínios das
debatidas de forma aberta e abrangente
ciências da saúde, da reprodução e sociais.
no respeito pelos valores humanistas,
De modo a responder às necessidades de
verdade científica, diferenças de opinião
todos/as a nível de SSR, a APF tem um
e opções de cada pessoa.
funcionamento descentralizado. Existe uma
e
projetos
de
investigação
A intervenção APF é orientada em função de
Sede Nacional em Lisboa e 6 delegações
5 objetivos:
regionais. As delegações regionais estão
1.
Promover
a
aconselhamento
educação
sobre
e
sexualidade,
o
organizadas por regiões plano: APF Alentejo
o
com sede em Évora, APF Algarve com sede
acesso à contraceção e a orientação de
em
problemas de infertilidade, sempre na base
Cantanhede, APF Lisboa Tejo e Sado com
da aceitação voluntária e escolha informada
sede em Lisboa, APF Madeira com sede no
e sem qualquer coerção;
Funchal e APF Norte com sede no Porto.
2. Promover a formação e o treino de
A
profissionais
exclusivamente por pessoas voluntárias. A
de
saúde,
educação
e
Faro,
APF
Direção
da
APF
é
assegurada
protagonizadas por equipas profissionais e
Planeamento
da
em
das
ao
atividades
sede
vida
ligadas
as
com
intervenção comunitária para a abordagem questões
e
Centro
APF
são
Familiar e à Educação Sexual;
pelo voluntariado, destacando-se os grupos
3. Contribuir para a promoção de legislação
de jovens distribuídos por cada delegação.
e políticas que garantam o exercício dos
A APF estrutura a sua intervenção nas
direitos
seguintes áreas:
humanos
nos
campos
da
reprodução e sexualidade;
1)
4. Cooperar com os organismos oficiais
reprodutiva: promovendo a educação para
22
Educação
para
a
saúde
sexual
e
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) a saúde e direitos sexuais e reprodutivos,
promovendo o debate e colaborando com
através de programas de intervenção em
os decisores políticos e técnicos na área dos
proximidade nas escolas e nas comunidades
direitos sexuais e reprodutivos.
e junto de grupos vulneráveis, realizando
Atualmente,
campanhas, produzindo e disseminando
funcionamento as seguintes respostas e
materiais
projetos:
educativos
e
informativos,
a
APF
Norte,
tem
em
intervindo na comunicação social.
Equipa Multidisciplinar Especializada
2) Qualificação, formação e apoio técnico:
de
capacitando profissionais de áreas diversas –
Humanos – Norte (EME): tem como
saúde, educação, mediação comunitária e
principal objetivo garantir a qualidade
familiar, organismos de polícia criminal –
de vida, a segurança e aumentar a
para reforçar a intervenção nas temáticas já
autonomia de pessoas vítimas de tráfico
referidas, realizando ações e programas de
de
formação
discriminações associadas. Pretende-se
e
ações
de
aconselhamento
Combate
seres
ao
Tráfico
humanos,
de
Seres
reduzindo
técnico;
empoderar
3) Prestação de cuidados de saúde e de
vulnerabilidades sentidas, promovendo
apoio social: disponibilizando serviços de
igualdade de oportunidades e inclusão
apoio a jovens, às famílias e a grupos
social.
vulneráveis, através das nossas linhas de
atividades:
ajuda,
unidades
Regional de Apoio e Proteção a Vítimas
móveis, das nossas escolas de pais/mães e
de Tráfico de Seres Humanos do Norte
dos nossos espaços comunitários;
(TSH); assistência a presumíveis vítimas
4)
consultas,
das
as
dinamização
às
seguintes da
Rede
de TSH, incluindo linhas telefónicas de
conhecimento: produzindo conhecimento
apoio (24h); apoio técnico nos processos
nas nossas prioridades de ação, quer em
de sinalização, identificação e integração
termos de diagnóstico quer na invenção de
de vítimas de TSH, bem como a outros
novos
intervenção
níveis que se relacionem direta ou
disseminando-os através do nosso website e
indiretamente com o fenómeno; ações
de eventos técnicos e científicos.
de sensibilização adequadas a qualquer
instrumentos
Advocacy:
comunicação
Desenvolve
face
e
5)
Informação,
nossas
vítimas
as
de
intervindo
nas
políticas
tipo de população-alvo.
públicas em torno destas temáticas,
23
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Centro de Acolhimento e Proteção
Trata-se de um trabalho concertado com
(CAP):
populações
o
CAP
encontra-se
em
cujas
vulnerabilidades
são
funcionamento desde 2008 e tem como
múltiplas, assim como múltiplas e diversas são
principal
acolhimento
as necessidades, os termos e os modos como
seguro, a estabilização emocional e a
interpelam a Equipa Técnica Multidisciplinar,
futura reintegração social de mulheres
na qual está representada a Psicologia, a
e seus/suas filhos/as menores vítimas
Enfermagem, Serviço Social e Sociologia.
de Tráfico de Seres Humanos (TSH).
Projeto “Matosinhos”: a área de intervenção é a
Pauta-se
educação
finalidade
por
o
uma
intervenção
sexual
e
a
promoção
de
multidisciplinar centrada na vítima, nas
comportamentos saudáveis ligados à saúde
suas
sexual
especificidades,
necessidades
e
e
reprodutiva,
nomeadamente
a
urgências resultantes dos processos de
prevenção de gravidezes não desejadas e de
vitimização por TSH.
Infeções Sexualmente Transmissíveis. Neste
Estrutura
de
para
projeto são realizadas: consultas de promoção
Mulheres e seus/suas Filhos/as Menores
de SSR; ações sobre SSR, dirigidas a jovens;
Vítimas de Tráfico de Seres Humanos: É
ações de aconselhamento técnico na área da
uma estrutura pioneira que assegura um
educação
processo gradual entre o acolhimento e
ações de sensibilização sobre SSR, dirigidas a
proteção
profissionais;
do
Autonomização
CAP
e
a
autonomia
sexual,
dirigidas
distribuição
a
profissionais;
de
materiais
completa.
preventivos. No âmbito deste projeto a APF
Espaço Pessoa – Centro de Encontro e
desenvolve
Apoio a Prostitutas/os da Cidade do
proximidade com pessoas ciganas nas áreas
Porto: desde o seu início, em 1997, o
acima descritas. Este trabalho foi fundamental
Espaço Pessoa tem alocado diferentes
para a participação da APF na elaboração de
projetos e tem trabalhado de forma
um
articulada
Casamentos Forçados e/ou Precoces dirigido a
fenómenos
diversos
que
Roteiro
desde
da
União
trabalho
Europeia
proximidade
-
“EU
de
Sobre
apresentam grandes eixos de interseção,
profissionais
como é o caso do trabalho sexual (com
Roadmap”.
especial enfoque na prostituição), os
100 + Preconceito 5.0: tem como principal foco
consumos problemáticos de drogas e as
de atuação, o combate à discriminação de que
pessoas em situação de sem-abrigo.
são alvo as pessoas ciganas e a tentativa de
24
de
2004
FEM
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) de desmontar as representações sociais,
Tradicionais
mitos e preconceitos existentes através
Casamentos Precoces e/ou Forçados e a
da partilha de conhecimento e dando
Mutilação Genital Feminina. Realizamos
visibilidade
um
a
casos
de
sucesso
Nefastas,
acompanhamento
como
sistémico
os
e
académico e profissional de pessoas
personalizado às vítimas, em estreita
ciganas.
articulação
Projeto
PAsSO
-
os
outros
do
serviços/gabinetes de atendimento em
Aliciamento Sexual Online: Intervenção
funcionamento no CNAIM. O GAV Norte
com Jovens em Contexto Escolar: tem
é uma resposta específica com o objetivo
como principal objetivo colmatar a falta
de fornecer informação, orientação e
de informação acerca do grooming
apoio psicossocial e encaminhamento,
online,
comunidade
quando necessário, para uma resposta
juvenil e às suas famílias residentes em
mais adequada da Rede Nacional de
Matosinhos. É dinamizado pelo Grupo de
Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.
dirigindo-se
Prevenção
com
à
Jovens da APF Norte. Cartão Vermelho à Violência de Género: pretende-se promover a igualdade de género e aumentar a participação de jovens do género feminino no futebol e no futsal. O projeto desenvolve-se no território de Matosinhos. Visa contribuir para erradicar a violência de género no desporto. Diversity 1-0 Prejudice: atua no combate à homofobia promovendo a igualdade de direitos e a diversidade. Gabinete de Apoio à Vítima (GAV): funciona no CNAIM (Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrante) Norte e é dirigido a migrantes, vítimas de Violência Doméstica e Práticas
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VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA
Revista insubmissa
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA CARTA ABERTA DE TEX SILVA A GIS "Queremos lembrar Gisberta e todas as Gisbertas deste país, assim como todas as crianças maltratadas, assassinadas, atiradas ao rio, as que desaparecem e as mulheres violentadas pelos maridos.” João Paulo, Portugal Gay Gis. O teu nome, para quem te conheceu,
Em 2016, declarado o Ano da Gisberta,
significa amor. Alegravas todos os locais
celebramos o teu legado, dez anos depois,
em que entravas, é o que me dizem.
10 anos tarde demais; e em 2017, foi
Sorridente, a dançar e a cantar, viveste
inaugurado o Centro Gis, em teu nome,
sempre em performance. O que teria sido a
para
tua vida se o mundo fosse livre? Se a
tenham
ignorância não cobrisse as ruas, gritando
aceitação (para evitar que a história se
mais alto do que tu eras capaz de falar? Se
repita). Deste último, acho que terias mais
a compaixão reinasse na comunidade com
orgulho.
a mesma força que corria nas tuas veias?
Não sei onde estarias hoje, se tivesse sido
Não te conheci e era jovem quando nos
diferente. Gosto de pensar que terias
deixaste, mas se eu pudesse, eis o que te
encontrado a felicidade, estabilidade e
diria hoje: O teu legado é tão brilhante
saúde. Gosto de pensar que a tua voz e riso
como tu.
continuariam, até hoje, a encher as nossas
No ano em que, tão jovem, partiste, o Porto
vidas.
(que também era teu) organizou a primeira
Durante algum tempo, olharam para a tua
Marcha do Orgulho em tua honra. Desde aí,
história
o teu rosto tem corrido as ruas da tua
impossível de evitar, culparam-te, não
cidade e o teu nome é dito alto e com
reconheceram o teu nome nem a tua
orgulho. Arte, poesia, música e teatro têm
verdade. Hoje, és símbolo de orgulho e de
sido produzidos e lançados em teu nome, a
vida eterna, de evolução e pertença. Ainda
contar a tua história, para que nunca te
lutamos por ti e não nos deixaremos
esqueçamos
esquecer. E se a rua fosse tua...se a rua
(gostava
que
tivesses
testemunhado este amor em vida).
que
jovens
um
e
porto
como
uma
adultos/as de
abrigo,
tragédia,
LGBTI+ apoio,
quase
tivesse sido tua, teria sido menos cinzenta.
28
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE PAULA ALLEN ÉTICA E JORNALISMO Não
se
faz
jornalismo
preventivo
e
em tragédias, que vocês tornaram públicas
informativo. Faz-se uma espécie de rasgar
para
da alma de quem, já estando a sofrer, fica
reviverem tudo de novo, a cada incidente
ainda mais magoado/a.
idêntico, a cada data comemorativa, vocês
Queria eu acreditar que os/as jornalistas
revitimizam cada vítima de violência
deveriam desenvolver uma variedade de
doméstica,
padrões éticos. Sei que há jornalistas que
criança
os desenvolveram e cultivam. Conheço
femicídio, cada família vítima de incêndio,
algumas jornalistas fantásticas, acima de
cada criança e jovem vítima de bullying.
tudo porque não vendem a alma, vendem
Tenho tanta vergonha.
as palavras. Procuram a objetividade e
Vocês nunca quiseram vender palavras.
ausentam-se de viés.
Não tiveram intenção de fazer jornalismo
Contudo, tem sido prática comum ler, na
sem viés sensionalista, sem viés machista,
montra de monstros e monstras das redes
sem viés capitalista, sem viés homofóbico,
sociais e nos jornais da imprensa escrita,
sem viés racista, transfóbico, sem viés
várias peças que me transportam para um
político – sim, o viés político escorre em
outro lado de mim. Um lado zangado,
cada
triste, revoltado e com raiva. Revivo os
Questiono-me se vocês se vendem à
meus
palavra.
lutos,
retiro
os/as
meus/minhas
venderem
as
vocês
órfão/ã
palavra
de
que
vossas
almas,
revitimizam mãe
vocês
a
cada
vítima
de
escrevem.
mortos/as da terra, remexo o meu passado, e reflito. Não sou eu. São vocês. São vocês,
E jornalismo informativo e de prevenção?
pseudo-jornalistas, vocês retiram os/as
Pouco ou quase nada se lê sobre a maior
meus mortos/as da terra e do meu
parte dos temas.
descanso, retiram-me o meu descanso, trazem-me as minhas lágrimas, vocês
Querem sempre entrevistar as vítimas.
obrigam as famílias que perderam pessoas
Querem histórias de dor e sofrimento.
29
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Raras
vezes
querem
as
pessoas
especialistas. E mesmo, quando deixam esfriar o assunto durante meses, assim que surge nova situação polémica, (re)começa o ciclo de revitimação, ignorando que todas as peças que vão trazer à atualidade, vão revitimizar tantas
pessoas
e
levantar
tantos/as
mortos/as, fazer correr tantas lágrimas e tirar o sono a tantas pessoas. E quem regula? A mim desregulam-me!
Foto: Terje Sollie
30
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE AFONSO AROSO LOURO QUANDO UMA PESSOA MASCULINA MENSTRUA Crescemos a aprender que a menstruação
certos dias (que coincidem sempre com os
é uma coisa feminina, que os produtos
momentos
menstruais
também pelo incómodo que são a maioria
são
“produtos
de
higiene
menos
dos
nem todas as pessoas que menstruam são
Comecei, como a maioria das pessoas que
mulheres, assim como nem todas as
menstrua, por usar pensos (mais alguém
mulheres menstruam. Provavelmente já se
odeia sentir o corpo ressuado no verão?),
cruzaram com essa linha de pensamento
depois passei a usar também tampões
nos últimos tempos. Se calhar já pensaram
(liberdade! Não ia ser um sangramento
sobre isso, se calhar não. Deixo-vos aqui a
cíclico que me iria limitar a minha vida! Era
minha reflexão de como é menstruar sendo
o que mais faltava!). Já mais recentemente
lido pela
descobri as maravilhas do copo menstrual!
masculina,
identificando-me
eu
de
higiene
Mas
feminina”, mas não é bem verdade, pois
sociedade como uma pessoa
produtos
oportunos).
menstrual.
como
Só o facto de ser bom para o ambiente, de
trans masculino não binário e pessoa que
não ter de lidar com a visualização do
menstrua.
sangue a recordar-me “as maravilhas do
“Agora és uma mulherzinha!” disseram-me
que é menstruar” cada vez que ia à casa de
quando tive a menarca, “Menstruar é lindo,
banho, o poder continuar a usar os meus
é o que torna mulher!”, bem, a mim não só
boxers à vontade… Valeu a pena! Só me
não me tornou mulher, como também
arrependo não ter começado a usar antes!
nunca achei lindo. Não só pelas cólicas, o
Aproveito
acne, por todo carrossel emocional que
fabricantes de roupa interior e de produtos
acompanha a menstruação (que só piorou
de higiene menstrual, ponham-se em
quando iniciei a toma da testosterona.
contacto, colaborem. Ninguém consegue
Uma autêntica montanha russa, por vezes
usar um penso com uns boxers por
sem travões!), os seus ciclos, mais ou
exemplo.
menos longos, a falta de produtividade em
descartáveis, as leis da física, pura e
31
para
Nem
lançar
o
desafio
reutilizáveis,
aos
nem
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) simplesmente não o permitem. Também
assim, constato de seguida. Avinha-se um
me pergunto porque é que os produtos de
novo momento de pânico em 3, 2, 1… Não
higiene menstrual são todos de cor-de-
há caixote do lixo em lado nenhum! Com
rosa, cheios de flores, coloridos e com
sorte tens um para toda a casa de banho,
pessoas cheias de energia e vitalidade.
junto dos lavatórios ou à saída junto da
Não sei quem desenhará essas embalagens
porta.
assim, mas à parte de discriminar as
pensos/tampões? Não colocas em lado
pessoas masculinas que menstruam por
nenhum,
essa falta de visibilidade, a menstruação
menstruam!”
não tem nada de energético nem de
imediatamente! Isto contando que tens
florinhas cor-de-rosa! Por isso se pudessem
sorte,
arranjar maneira de dar um jeito nisso
masculinas não têm cabine onde possas
muitas pessoas agradeceriam.
sequer entrar, fazer o teu xixi em posição
Quando me descobri como pessoa trans,
de equilibrismo, porque toda a gente sabe
comecei
banho
que tocar na sanita de um lugar público é
masculinas. Problemas à primeira vista,
sinónimo de morte quase imediata, ou a
nenhuns. Entras, fazes o que tens de fazer e
vossa mãe não vos dizia isso? E quando têm
sais. Ninguém olha para ti, ninguém repara
cabine, não têm caixote do lixo nem sítio
em ti, ninguém quer saber. Mas, eis que
nenhum
chega a fase de descamação uterina do teu
menstrual! Para não falar do barulho que
ciclo e, num momento de pânico, percebes
fazem os pensos/tampões ao abrir! Não se
que não tens nada contigo! Normalmente,
disfarça
pedirias discretamente a uma amiga, que
repentino,
te
penso/tampão
Porque não voltas simplesmente a usar a
sorrateiramente. Mas e agora? A quem
casa de banho das mulheres? Perguntam-
pedes? Tens de te desenrascar conforme
me sem querer ofender e com demasiada
podes, e vasculhas à pressa na mochila,
ingenuidade. Quando eu, mesmo antes de
bolsos… e lá encontras um penso/tampão
me descobrir enquanto pessoa trans e de
perdido já com a embalagem de aspeto
começar o tratamento com testosterona,
duvidoso, mas agora vai ter de ser! Ufa!
quando não tinha barbicha e a minha voz
Desenrascado, penso eu, só que não é bem
não era grave, sempre que tentava entrar
a
usar
passaria
as
um
casas
de
32
Então
onde
porque,
pois
e
“homens
isso
algumas
onde
com
lamento
não
denunciar-te-ia casas
mudar
um
colocas
o
de
teu
ataque imenso.
banho
produto
de
tosse
Solução?
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) na casa de banho feminina tinha logo os
nunca ninguém me falou de que existiam
olhares de todas as pessoas que estavam
outras formas de amar que a heterossexual
na casa de banho cravados em mim à
e monogâmica, ou como me poderia
procura
de
proteger numa relação sexual. Perdão,
existir,
correção, nunca ninguém me explicou
de
feminidade perseguição
qualquer que com
resquício
pudesse
de
como me proteger fora de uma relação
escrutínio a todo e qualquer movimento
coital com penetração vaginal, porque
que fizesse, seguido de um sem fim de
como todas as pessoas sabemos, é a única
críticas: “Esta é a casa de banho das
maneira de haver relações sexuais. Só que
mulheres, se faz favor!” ou “Desculpe, mas
não! Porque não se fala à juventude nas
enganou se! A sua casa de banho é na
escolas
sobre
porta ao lado!”, ao que eu respondia
relações
homoafetivas?
entredentes,
trans?
olhos
o
olhar
atento
colados
ao
chão,
Sobre
masturbação? como
Sobre
há
Sobre corpos
homens
que
simplesmente tentado desaparecer, e com
menstruam? Sobre mulheres com pénis?
pouco à vontade dizia apenas “eu sei… eu
Sobre pessoas não binárias e Genderfluid?
nasci mulher tanto quanto dizem…”. E com
Sobre
grande embaraço lá ia fazer o que tinha a
pessoas intersexo? De que sexo atribuído
fazer. E isto por cada vez que tinha de ir à
à
casa de banho fora de casa. Por isso não é
Certamente teria facilitado muito a vida a
de estranhar que pessoas trans evitem ir à
todas as pessoas LGBTIQ mas também teria
casa de banho em espaços públicos, ou é?
demonstrado a enorme diversidade de
Não seria mais fácil fazer casas de banho
pessoas, corpos e formas de ser e de amar
sem género, com cabines fechadas, com
que
barras de apoio, amplas, colocar caixotes
também facilitado o caminho na perceção
do lixo, fraldário, lavatório e sabão? Assim
de direitos humanos fundamentais como o
qualquer pessoa independentemente do
direito a uma família.
seu grau de mobilidade, do seu género e
Pessoas LGBTIQ são amiúde privados de
sexo podiam utilizá-la. O que se vem
ter uma família. Seja porque enquanto
chamando de desenho universal.
crescem
Enquanto cresci, como jovem queer, bi,
reconhecimento da sua própria, sendo
depois lésbica, e por último como trans…
frequentemente vítimas de violência
33
a
enorme
nascença
existem.
não
multiplicidade é
uma
Certamente
carecem
do
das
sentença?
teríamos
apoio
e
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) doméstica, expulsos de casa... Mas também
quer que isso seja, engravidarem se isso
porque, mais tarde, vêem privado o seu
será um problema para a pessoa e/ou para
direito ao acesso a tratamentos e técnicas
a criança. O mundo não tem maiores
de
problemas para resolver? Ninguém se
procriação
medicamente
assistida,
simplesmente por serem quem são.
preocupa quando um casal cis e hetero
A legislação portuguesa já reconhece o
engravida numa noite de copos, ninguém
direito a mulheres, independentemente do
se preocupa se têm ou não estrutura
seu estado civil e orientação sexual, de
emocional, psicológica, económica para
poderem aceder a métodos de procriação
suportar ou criar e educar uma criança, no
medicamente assistida. Mas as pessoas
entanto, tudo isso e muito mais, é posto
trans são relegadas a um segundo plano.
em causa quando uma pessoa trans gera
Podem recolher gâmetas, mas nem todos
ou pensa em gerar uma cria. Não haverá
os médicos perguntam se pretendem
um pouco de preconceito? De medo ao
fazer essa recolha antes de iniciar os
que é diferente?
processos
Uma
Sem dúvida que já avançamos muito, mas
perde
ainda falta muito por fazer para se
imediatamente o seu direito de o usar para
alcançar a tão almejada igualdade e
gerar uma cria. Os chamados “papás
equidade
cavalo-marinho” são puras miragens no
independentemente do seu género, sexo,
quadro português, e de certa forma, de um
orientação sexual, condição neurológica,
modo geral por esse mundo fora. Apesar de
de diversidade funcional…
pessoa
existir
de
transição
trans
com
essa
médica. útero
possibilidade,
apesar
entre
pessoas
da
vontade da pessoa de que assim seja, não
Continuaremos a lutar até a alcançar e para
podem decidir gerar uma criança. Talvez se
a manter.
tivéssemos
aprendido
na
escola,
em
crianças, que não só as mulheres podem engravidar e gerar crias, mas sim todas as pessoas com útero, neste momento não seria necessário debater sobre se um homem trans, ou uma pessoa não binária com um aspeto mais masculino, o que
34
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TIAGO CASTRO O IMPACTO DA PANDEMIA E DO CONFINAMENTO NA POPULAÇÃO LGBTI+, EM PARTICULAR NA SUA SAÚDE FÍSICA E MENTAL Contextos de quarentena têm efeitos
social de jovens LGBTI durante a pandemia.
inegáveis na saúde mental de todas as
Os resultados mostraram-nos um clima
pessoas. O cansaço, a incerteza ou os
familiar negativo, ou falta de redes de
hábitos diferentes
suporte, associados a níveis mais elevados
que
precisamos
de
adotar, trazem a todos e todas nós uma
de depressão e ansiedade.
dificuldade acrescida nos processos de
No caso do Centro Gis, foi evidente o
tomada de decisões. Quando estamos
aumento do número de pedidos que nos
mais cansados/as, tendemos a ter um
chegaram. Se em janeiro e fevereiro de
comportamento
ou
2020 a média de atendimentos efetuados
emocional, o que pode levar muitas vezes a
rondava os 60 atendimentos, em abril do
um enviesamento da realidade.
mesmo ano, esse número ultrapassou os
No caso das pessoas LGBTI, apesar de
200. Sendo o Centro Gis também uma
todos os avanços legais em Portugal,
estrutura de atendimento a vítimas de
sabemos que continuam a viver numa
violência doméstica e de género, este foi
situação
e
igualmente um fenómeno que colocou as
e
pessoas LGBTI numa situação de maior
heteronormativo em que vivemos, o que
fragilidade. A família, que é vista como um
pode ter impacto no quadro de saúde
porto seguro, e onde os afetos atingem a
mental
pode
sua expressividade máxima, é muitas vezes
de
um contexto de violência quando falamos
de
isolamento,
automático
insulto, fruto
que
experenciar
mais
invisibilidade
do
esta
clima
cis
população
durante
períodos
confinamento. Um
estudo
desta população. conduzido
por
A pandemia dificultou ainda o acesso a
investigadores/as da FPCEUP, e liderado
espaços de apoio, e o acesso a consultas
pelo Professor Doutor Jorge Gato, analisou
no âmbito da questões de género no
a saúde psicológica e as redes de apoio
sistema nacional de saúde foi também
36
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) uma
das
barreiras
mais
identificadas
pelos/as utentes trans que acompanhamos. Neste sentido, é importante continuar a garantir a disponibilidade de serviços psicológicos e psicossociais, presenciais e/ou online, que tenham em conta as especificidades
e
as
necessidades
das
pessoas LGBTI, também em situações de pandemia e confinamento.
Foto: Uriel Mont
37
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TEX SILVA O TRABALHO SEXUAL E OS VÁRIOS ARGUMENTOS Nos finais da década de 90, o pânico moral
pode levantar-se também o argumento da
em torno do trabalho sexual serviu como
criminalização
instrumento
comportamento,
para
colocar
em
foco
a
como que
dissuasora tem
falhado
do na
exploração, transformando o discurso em
capacidade de redução efetiva da prática.
torno do tráfico de pessoas numa luta pela
Adicionalmente, a criminalização falha por
abolição total do trabalho sexual. No
ver a prostituição como uma prática
terreno e na academia, são duas as
imoral,
possíveis posições: a posição abolicionista
patriarcado e na religião.
que
será
Em segundo lugar, o modelo nórdico
sempre uma atividade forçada, devido ao
defende a posição que o trabalho sexual é
patriarcado; ou a posição não-abolicionista
consequência
e pró-legalização que considera que não é
socioeconómicas e políticas, que tornam
o exercício do trabalho sexual em si que é
as mulheres mais vulneráveis e as forçam a
abusivo, mas sim as condições em que é,
prostituir-se para sobreviver. Este modelo
ou pode ser, praticado.
demarca-se por não separar os fenómenos
Em termos da sua (i)legalidade existem três
do trabalho sexual e do tráfico de pessoas.
possibilidades
O
acredita
trabalho
que
a
prostituição
quanto
sexual.
à
modelo
nórdico
origina
no
desigualdades
compreende
seis
objetivos: reduzir o número de mulheres
criminalização, é problemática por várias
na prostituição; reduzir o escopo do tráfico;
razões,
como
reduzir a demanda de trabalho sexual;
equipara aqueles/as que trabalham nesta
reduzir o número de terceiros beneficiários;
indústria e aqueles/as que beneficiam dela,
educar os restantes países acerca do
clientes e/ou terceiros, comparação que
modelo; e promover a igualdade e os
viola os direitos humanos de todos/as
direitos das mulheres. No entanto, como
aqueles/as que são forçados a participar
este modelo presume que o trabalho
nestes serviços. Contra a criminalização
sexual constitui violência de género na sua
pela
primeira,
do
das
que
a
começando
A
regulação
argumento
forma
38
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) génese,
não
reconhece
diferentes
que
a
legalização
iria
aumentar
perspetivas culturais, assume que todas as
exponencialmente
formas de prostituição são iguais, e não
aumentando consequentemente o tráfico
identifica os contextos que podem levar a
de pessoas para fins de exploração sexual.
que a prostituição vire exploração.
Para teorizar quanto à prostituição e as
A
terceira
e
última
legalização/
possibilidade,
a
demanda,
a
possíveis implicações para o mercado do
descriminalização/
tráfico, é necessário considerar todas as
despenalização, percebe a prostituição
variáveis, positivas e negativas.
como um emprego legítimo, escolhido
É importante considerar aquilo que a
livremente pela pessoa trabalhadora; um
legalização
contrato entre adultos, maiores de idade e
traficantes. Quando a prostituição é um
racionais,
Esta
ato considerado ilegal, os/as traficantes
posição implica que a prática seja regulada
correm dois riscos ao estar envolvidos no
segundo as leis do trabalho do país em que
seu fornecimento e facilitação (lenocínio),
se
seja
em primeiro, e no tráfico humano, em
legalizada. Como a criminalização, esta
segundo; quando a prostituição é legal, o
hipótese pode ser problemática, entre
risco passa a estar apenas diretamente
outras razões, pelo facto de a legislação
relacionado com o crime de tráfico. No
depender,
da
que toca aos custos, a legalização da
potenciais
prostituição não levaria necessariamente à
beneficiários/as e clientes, no sentido em
redução da exploração sexual, uma vez que
que assume que estes/as irão priorizar a
as
segurança dos/as trabalhadores/as e não o
menos custos e mais lucro.
lucro/satisfação sexual pessoal.
Para
insere,
capazes
ou
em
bondade
O
maior
de
que
consentir.
pelo
última
menos
instância,
dos/as
argumento
usado
contra
legalização/despenalização/regulação do
trabalho
sexual
centra-se
a
pessoas a
significaria
traficadas
Amnistia
criminalização
do
para
os/as
representariam
Internacional,
da
é
prostituição
a
que
dificulta a identificação de casos de
nas
tráfico/exploração
sexual
e
cria
as
preocupações quanto ao trabalho sexual
condições necessárias para a impunidade
livre e o seu impacto no tráfico de pessoas
e
e na exploração sexual, sendo que alguns
trabalhadores.
investigadores e investigadoras defendem
trabalho sexual, a legalização/
39
exacerba
as
vulnerabilidades
Para
os/as
ativistas
dos do
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) descriminalização da prostituição poderia
trabalhadores/as
ser uma solução para o tráfico de seres
dificuldade em procurar e conseguir os
humanos ou, pelo menos, poderia significar
cuidados
uma grande melhoria na qualidade de
combater a doença e prevenir a sua
vida dos/as trabalhadores/as do sexo.
propagação,
Os argumentos mais relevantes erguidos
daqueles/as que procuram estes serviços
em defesa da legalização/ despenalização/
não aceitem o uso de preservativo. Assim,
regulação prendem-se com a qualidade de
legalizar o trabalho sexual e regular o seu
vida dos/as trabalhadores/as do sexo,
exercício poderia contribuir positivamente
especificamente no campo dos direitos
para a saúde pública, criando o dever de
laborais e proteção contra violências e
todos/as os/as trabalhadores/as do sexo
abusos. No que diz respeito à violência e
serem testados com regularidade contra
abusos, os/as trabalhadores/as do sexo
as DSTs e a obrigação de se submeterem a
não reportam os ataques físicos e/ou
tratamento.
sexuais cometidos contra si; ou quando
Em geral, a qualidade de vida destes/as
reportam, são recebidos/as com desdém,
trabalhadores/as, a sua proteção, os seus
comentários de agentes da autoridade e
direitos fundamentais e a sua dignidade
desconfiança acerca da veracidade do seu
pessoal estariam melhor salvaguardados
relato.
se a sua profissão fosse regulamentada e
Dito
consequente
isto,
a
legalização
diminuição
do
e
estigma
do
sexo
médicos além
têm
mais
necessários de
que
para
muitos/as
considerada legitima.
poderia encorajar os/as trabalhadores/as a
A questão do trabalho sexual é que
reportar os abusos sofridos.
qualquer pessoa o pode fazer e criminalizar
O campo da saúde pública e pessoal
as pessoas que trabalham nesta indústria
beneficiaria também com a legalização. A
aumenta a possibilidade de estas serem
questão
Sexualmente
traficadas, ou de se envolverem com
Transmissíveis (DSTs) preocupa todas as
pessoas que pretendem abusar da sua
comunidades,
posição
das
Doenças
incluindo
os/as
de
fragilidade.
Quando
é
trabalhadores/as do sexo, cujo risco de
considerado um ato criminal, estes/as
contágio é mais elevado. Adicionalmente,
trabalhadores/as
devido ao estigma social associado, os/as
clandestinidade e é aí que a
40
são
forçados/as
à
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) vulnerabilidade
se
transforma
em
advêm
da
necessidade
patriarcal
de
exploração. Um processo legal e aberto
proteger o ideal feminino, a pureza,
significaria um aumento dos riscos para
segundo a qual toda a mulher que foge
os/as traficantes, o que levaria à redução do
aos padrões morais precisa de ser salva e
seu interesse.
protegida (ideia que sobrevive apesar do
Conhecer o impacto real da legalização do
trabalho sexual ser praticado por outras
trabalho sexual no tráfico de pessoas não é
pessoas que não mulheres). Mas considerar
uma possibilidade alcançável nos dias de
a prostituição um ato lesivo da vida em
hoje e nos diferentes contextos sociais. É
sociedade pela sua “imoralidade” não é
compreensível
argumento que deva caber na esfera
a
preocupação
com
o
aumento do tráfico de pessoas, no entanto,
penal.
a ideia de que nenhum/a trabalhador/a do
A liberdade de pensamento permite que
sexo
profissão,
qualquer indivíduo possa condenar, a título
estando inevitavelmente condicionado/a
pessoal, a prática da prostituição, no
pelo seu contexto socioeconómico, é uma
entanto, a moralidade não pode nem deve
conceção
ter lugar nas discussões político-criminais.
escolhe
livremente
negada
pelos/as
a
próprios/as
trabalhadores/as do sexo.
Portugal
É necessário recordar que todo o ser
Democrático e, como tal, aquilo que faz
humano livre, consciente e maior de 18
parte do comportamento sexual deve ser
anos é capaz de escolher o seu meio de
da responsabilidade da pessoa e da sua
subsistência.
capacidade
É
verdade
que
muitos
é
um
de
Estado
de
Direito
autodeterminação,
indivíduos terão um leque de escolha mais
devendo constituir crime só quando a
reduzido do que outros, mas tal não
conduta implicar uma ofensa à liberdade
implica que a sua escolha de enveredar na
individual de, pelo menos, uma das partes.
indústria do sexo seja obrigatoriamente
Ainda que não haja certeza quanto ao
não voluntária. Não deve permitir-se que
impacto real da legalização no fenómeno
questões pessoais ou morais influenciem
do tráfico, existem fatores suficientes para
as decisões político-criminais no que diz
considerar a legalização, não uma solução
respeito ao exercício da prostituição.
ou uma forma de reprimir e prevenir o
As crenças associadas a estas questões
tráfico, mas uma mais-valia para a defesa
41
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) dos direitos daqueles/as que fazem da indústria
do
sexo
o
seu
modo
de
subsistência.
Foto: Anna Shvets
42
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE MARIANA REIS E TEX SILVA AS PESSOAS TRANS E A DIVISÃO DE GÉNERO NO DESPORTO O mês de junho foi marcado por um
trata de desportos femininos.
momento histórico quando saiu a notícia
Na realidade, isto não se trata de colocar
de que a neozelandesa Laurel Hubbard iria
mulheres
competir nos Jogos Olímpicos na categoria
mulheres atletas trans, mas sim mulheres
feminina, passando assim a ser a primeira
atletas cisgénero contra uma teoria da
atleta trans nesta competição. Como era
conspiração. O que tem acontecido nos
esperado,
diversas
EUA é um claro exemplo disto, com várias
discussões, não em relação ao desporto em
leis transfóbicas a serem passadas em
si, mas sim em torno das mulheres trans e
diversos estados que têm como objetivo
da validade da sua pertença à categoria
ferir, desproteger e desacreditar raparigas
feminina nos desportos. Basta ler os
trans que praticam desporto de escola.
comentários de quando a notícia saiu no
Mas esta situação não se circunscreve às
jornal Público, que consistem em homens
mulheres
a “defenderem” as mulheres da “injustiça”
designadas mulheres à nascença e que se
que
palavras
identificam com o género que lhes foi
transfóbicas que incitam ao discurso de
atribuído, como o é Caster Semenya, atleta
ódio e ao misgendering desta mulher
olímpica da corrida dos 800 metros e
trans.
vencedora da medalha de ouro, têm sido
Porém, e como escreve Zoe George, a
importunadas e obrigadas a “provar” o seu
maior
género, após testes genéticos e análises
estão
a
notícia
a
ameaça
sofrer
para
criou
e
de
as
mulheres
atletas
trans.
cisgénero
Pessoas
contra
intersexo
desportistas não se encontra na inclusão
revelarem
de mulheres trans, mas sim nas diferenças
condição
salariais; nos homens que continuam a
produção de testosterona a níveis três
abusar dessas mulheres porque nunca são
vezes superiores ao nível considerado
punidos pelos atos; nas oportunidades de
“normal” para as mulheres.
patrocínio que são menores quando se
Os media têm, desde esta revelação, usado
43
hiperandrogenismo, biológico-sexual
que
uma leva
à
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) a
imagem
de
ao
lado
de
as
que
ela
é”,
Unauthorized Biography, Rebecca Jordan-
submetendo-a a questões invasivas por
Young, cientista em Sócio-medicina, e
esta não existir nas condições aceites do
Katrina Karkazis, Antropóloga e Bioeticista.
que é ser mulher e do que é o “ideal
Segundo elas, assumir que as raparigas e
feminino”. Já no que toca à sua presença
mulheres trans têm níveis elevados de
em alta competição ao lado de mulheres
testosterona
cis e não-intersexo, o problema tem-se
factual, nem é correto assumir que a
disfarçado
testosterona, em qualquer quantidade, é
especulações
Semenya
sobre
“o
como
preocupação
com
representa
para
competidoras,
uma a
simples
injustiça as
cujos
autoras
de
não
Testosterone:
é
An
cientificamente
que
sinónima de melhor performance física. A
restantes
realidade é que, na sua maioria, jovens
níveis
de
trans recebem terapia hormonal e esta
testosterona são mais baixos e, portanto,
terapia
terão menor rendimento. No caso das
mulheres,
pessoas intersexo, é de relembrar que,
testosterona e injeções de estrogénio.
desde a sua conceção, os jogos olímpicos
Apesar de ser verdade que as mulheres cis
têm mantido uma divisão arbitrária de
têm, em média, níveis de testosterona mais
género nas suas competições, baseada
baixos do que os homens cis, um estudo
numa
marcadores
conduzido com 2000 mil atletas olímpicos
biológicos. Homens cis com níveis mais
permitiu perceber que aproximadamente
baixos
são
5% das mulheres cis participantes tinham
considerados em desvantagem para com
níveis de testosterona equivalentes aos
os
são
dos homens cis participantes, e que cerca
submetidos a testes “de comprovação de
de 17% dos homens cis participantes
género”.
tinham níveis inferiores aos considerados
A discussão em torno dos níveis de
normais. Ou seja, o nível de testosterona
testosterona é o argumento número um
não é um argumento suficientemente
daqueles e daquelas que querem barrar o
determinante
acesso das pessoas trans ao desporto de
performance.
competição. No entanto, este argumento é
A realidade por trás da discussão revela-se
facilmente contrariado, como o explicam
transfóbica muito rapidamente quando
constelação de
restantes
de
testosterona e
muito
não menos
44
implica,
para
as
raparigas
bloqueadores/inibidores
para
avaliar
força
e de
ou
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) os/as
seus/as
o
incluídas nos espaços que condizem com
em
a sua identidade de género, porque o
vantagem” para afirmações que rodeiam “a
contrário é um atentado à sua dignidade
ideologia de género quer roubar as nossas
humana e aos seus direitos. Tentar forçar
meninas”, como foi ouvido no Senado dos
mulheres trans em equipas e/ou ligas
EUA, numa audiência pública sobre o
masculinas ou vice-versa constitui um ato
projeto de lei que permitiria a jovens trans
de violência para com um grupo já
de idade escolar participar nas equipas
marginalizado e poderá ter consequências
que correspondiam à sua identidade de
a
género, independentemente do seu sexo
bullying,
biológico
especialmente quando em idade escolar e
discurso
de
defensores/as “atletas
ou
género
mudam
trans
estão
determinado
à
nascença. Nesta
nível
da
saúde
mental,
ansiedade
e
incluindo depressão,
formativa.
audiência,
mencionados
É de notar que este tipo de narrativa que
somente os direitos dos e das jovens cis em
tenta descredibilizar o sucesso de atletas
fazer parte de equipas onde não existam
pertencentes às minorias marginalizadas
pessoas trans, numa estranha equação de
com base em argumentos "científicos"
“ideologia de género” e de lobbying liberal
(com muitas aspas) não é nova. Atletas
para “eliminar as pessoas cis”. As jovens e
afrodescendentes têm sido historicamente
os
desvalorizados/as
jovens
trans
foram
não
viram
as
suas
nas
suas
conquistas
necessidades mencionadas, possivelmente
desportivas por existirem crenças quanto à
porque a raiz da questão é a exclusão de
sua “superioridade genética”. Trata-se de
atletas trans e a manutenção da pureza
querer tornar implícito que, quando uma
sexual desta divisão arbitrária baseada
pessoa caucasiana (e cis) vence, é por conta
nos órgãos sexuais. O objetivo desta
do seu trabalho árduo e dedicação, mas
campanha para a exclusão das pessoas
quando
trans do desporto não é tanto para
marginalizada vence, é à conta de algum
proteger atletas cis, como é para fazer as
tipo de vantagem genética e injusta para
pessoas trans desaparecer dos espaços
com a maioria, e não à conta de mérito
onde não são bem-vindas.
próprio.
Em resumo, as pessoas trans devem ser
45
uma
pessoa
de
minoria
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
LUGAR DE FALA TEXTO DE OPINIÃO DE TIAGO CASTRO COMPORTAMENTOS DE RISCO VS. ORIENTAÇÃO SEXUAL NAS DÁDIVAS DE SANGUE A mais recente norma publicada pela
Quando são abordadas as questões de
Direção-Geral da Saúde veio pôr fim a uma
sexualidade, por exemplo em contexto
discriminação existente nas dádivas de
escolar, continuamos a colocar o nosso
sangue, deixando de incluir nos grupos de
foco nos aspetos biológicos e esquecemo-
risco
com
nos de que a sexualidade é uma dimensão
homens. Embora a anterior norma, de 2016,
integrante de cada um e cada uma de nós
não
enquanto pessoas e que, desta forma,
homens impedisse
que que
fazem
sexo
homossexuais
ou
homens que têm sexo com outros homens
somos
doassem sangue, não era clara quanto ao
sentimentos.
facto de não poderem ser excluídos.
sexualidade deve ser, por isso e também,
A confusão começa quando um grupo é
educação
estigmatizado com base no preconceito
sexualidade
em vez de nos concentrarmos naquilo que
frequentemente associados, uma vez que é
é mais relevante ‒ os comportamentos de
comum
risco.
aconteça com alguém a quem estamos
A população LGBTI é constituída por um
afetivamente ligados. No entanto, mesmo
grupo
enorme
que estejamos com alguém unicamente
diversidade de práticas também a nível
pelo prazer sexual, há sempre uma emoção
sexual. Qualquer prática sexual, seja ela
inerente
sexo oral, vaginal ou anal, sem preservativo
comprometer qualquer ação de prevenção
constitui risco de transmissão de uma
que queiramos ter.
infeção sexualmente transmissÍvel. Ora, a
Neste sentido, a nova norma vem pôr fim a
adoção de práticas de risco não depende
uma generalização abusiva e colocar o
da orientação sexual das pessoas, mas de
foco
um outro conjunto complexo de fatores.
garantindo consequentemente a qualidade
de
pessoas
com
uma
46
seres
sexuais A
para e
que
nos
e
o
com
emoções
educação a os
para
afetividade. afetos
este
comportamentos
a A
estão
envolvimento
ignorar
e
sexual
facto
de
é
risco,
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) do sangue recolhido. Devemos educar as pessoas para a adoção de comportamentos sexuais positivos e não para a estigmatização sistemática de grupos da sociedade.
Foto: Anna Shvets
47
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VOL. 3 | JULHO, 2021
ABC DA IGUALDADE ABCDEFGHIJLMNOPQRSTUVXZ CIGANOFOBIA O mesmo que repulsa ou preconceito
preconceituosa
contra as pessoas ciganas. Inimizade,
referir aquele que tenta enganar nos
antipatia ou aversão aos/às Ciganos/as;
negócios;
preconceito ou atitude hostil contra o que
preconceituosa
é relativo às pessoas ciganas ou à sua
referir aquele que é avarento, sovina.”
etnia/cultura.
Identifica
Falar
em
ciganofobia
implica
palavra
e
discriminatória
trapaceiro; e
ainda, Cigano,
forma
discriminatória como
sinónimos
“batoteiro,
de da
boémio,
obrigatoriamente falar em incumprimento
borguista,
gravoso de todas as Cartas e Tratados de
embusteiro,
Direitos
e
trafulha, trapaceiro, vadio, vagabundo,
Internacionais, e no que diz respeito ao
vigarista, zíngaro” e antónimos, “honesto,
nosso
Humanos país
incumprimento
Nacionais
burlão,
de
estroina,
caramboleiro, estúrdio,
gitano,
em
particular,
ao
justo, verdadeiro”.
da
Constituição
da
Num país onde se celebra anualmente o
República Portuguesa.
Dia Nacional da Pessoa Cigana, mas que na
Uma das maiores formas de ciganofobia do
prática nada faz para a integração desta
nosso país, tantas vezes apontada como
população, lamentamos profundamente
errada, vil e mesmo criminosa, e nunca
todos
corrigida, é a forma como a palavra
preconceito que estas pessoas sentem por
“Cigano/a” continua a ser descrita nos
carregarem em si caraterísticas étnicas que
Dicionários
lhes acrescentam valor, cultura, tradição,
da
Língua
Portuguesa
e,
naturalmente ensinada, a quem deles fizer O Dicionário da Porto Editora identifica embora
com
caracter
atos
de
discriminação
para além da cidadania Portuguesa.
uso. que,
os
pejorativo,
cigano/a pode ser uma “forma
48
e
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
SABIA QUE...? FOI CRIADO O PRIMEIRO ESPAÇO NO NORTE DO PAÍS COM ACESSO A CONSULTAS TRANS
O acompanhamento multidisciplinar de
profissionais dentro do SNS, ao invés de
pessoas trans através do Serviço Nacional
terem
de Saúde (SNS) sempre foi um processo
profissionais ao longo do processo.
demorado e, até agora, um serviço que
A partir do agendamento realizado no
apenas existia em Coimbra. Depois de
próprio hospital, a pessoa é reencaminhada
muita
de
para a triagem. Posteriormente a esta
pela
avaliação inicial, segue-se uma avaliação
reivindicação,
associações
e
por
pessoas
parte trans,
que
recorrer
múltiplos/as
descentralização dos serviços de saúde,
psiquiátrica,
tendo em conta que existia apenas, no país,
processo. Por fim, a pessoa é encaminhada
esta unidade especializada em casos de
para
disforia de género, 2021 foi tempo de
sentido
finalmente vermos avanços.
transformação genital.
O Hospital de Santo António, no Porto,
No passado dia 28 de maio, esta secção foi
começou, recentemente, a disponibilizar
visitada pelo Secretário de Estado Adjunto
consultas destinadas a pessoas trans,
e da Saúde e pela Secretária de Estado
tendo sido criada uma equipa médica
para a Cidadania e a Igualdade, tendo sido
multidisciplinar especializada em 10 áreas:
recebida de braços abertos, pelo que
psicologia,
enalteceram mais um passo do SNS para a
psiquiatria,
pedopsiquiatria,
requisito
a
consulta para
obrigatório
endócrina a
mesma,
para
faça uma
“inclusão
cirurgia plástica, urologia, ginecologia,
ressaltando ainda o facto de se inserir na
pediatria
endocrinologia.
estratégia de “não deixar ninguém para
Estas mudanças permitem simplificar um
trás”, valorizando a forma “integrada e
processo que, por si só, já é complexo.
complementar”
Esta é, assim, única no Norte de Portugal,
desenvolver
permitindo
secretário de Estado Adjunto e da Saúde
que
as
e
pessoas
sejam
acompanhadas pela mesma equipa de
este
dignidade
caso
endocrinologia pediátrica, anestesiologia, endócrina
e
e,
no
como
se
serviço.
humana”
passou
a
Ademais,
o
enalteceu o esforço dos profissionais
49
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) envolvidos nesta valência por o terem conseguido
neste
ano
de
pandemia
COVID-19. Já Avelino Fraga, médico responsável pelo serviço de Urologia do Hospital Santo António, relembra que este serviço está agora a começar e que faltam desenvolver e
melhorar
alguns
aspetos
técnicos,
pedindo assim cautela de forma a não “criar falsas expectativas aos/às utentes que estão à espera”.
50
VOL. 3 | JULHO, 2021
ESPAÇO CULTURAL
Revista insubmissa
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
PENSAMENTOS SOLTOS SOBRE MARSHA PAY IT NO MIND JOHNSON, UM SORRISO EM FORMA DE MANIFESTO ESCRITO POR VÂNIA ALVES Marsha P. Johson, Mulher trans, racializada,
cria com quem deixou de ser apenas sua
foi durante parte da sua vida sem-abrigo e
para ser do mundo, numa letra que da
trabalhadora do sexo. À época, em que o
expressão fez nome), porque P. não se
seu sorriso ocupava as ruas de Nova Iorque,
construiu ativista, era algo de inato nela.
identificava-se enquanto Drag Queen e
Era qualquer coisa na sua presença, na sua
homossexual. Era apenas assim, de forma
vontade, um manifesto livre, em que ser
sumária e redutora, que a sociedade a via e,
quem
por tudo isso, quando a viam, logo a
revolucionário consumado. Na sua forma
deixavam de ver. Afinal todas e todos nós
de ser e estar no mundo, Marsha fala-nos
protagonizamos o nosso próprio Ensaio
da coragem que é preciso para sermos nós
Sobre a Cegueira. Que se prossiga para que
próprias/os de forma livre. Na vida, e na
na ignorância não se estagne. Marsha,
norma,
apesar de e devido a todos os processos
condições, às suas próprias condições, às
interseccionais de vitimação, apesar de e
condições impostas pelas suas pares, às
devido a todos os rótulos que lhe pregavam
condições
até que não se visse mais sorriso nem pele,
inserem, e ultrapassar esse limite é ter a
apesar de tudo isso, construiu-se ativista
vida como poema, é relembrar isto que é
revolucionária,
e
ser carne, que é ser gente, que é ser
vanguardista espontânea na luta pelo
entranhas de dentro para fora. Quase
reconhecimento dos direitos LGBTIQ+. E
conseguimos sentir-nos sinfonia.
talvez este seja dos raros casos em que o
Há uma beleza indizível nisto que é estar
verbo
no mundo em carne viva, e custe o que
força
construir
está
insubmissa,
erradamente
empregue: porque P. (na intimidade que se
era,
era
as
já
pessoas
da
por
si
um
ato
resumem-se
sociedade
em
que
a
se
custar, doa o que doer, não nos deixarmos
52
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) corromper, e não deixar que as normas já
de grupo, nega o direito à existência,
em processos de putrefação e já amorfas
identidade, expressão e liberdade de
que nos prendem e pesam, rasgam e
outras pessoas, por isto que de mais
matam em prol do capital, nos iludam ao
perigoso existe: ser-se quem se é! E
ponto de pensarmos que vamos ser felizes
inventarão mil desculpas que justifiquem
por deixarmos de ser quem somos. Marsha
os seus discursos ridículos e poeirentos
Johnson, Silvia Rivera, e tantas outras, e
contra isto que é a humanidade, e a beleza
tantos
da sua singularidade, mas será tudo capa
outros,
pioneiras/os
nesta
luta,
vieram libertar-nos nesse sentido, e este
transparente para o seu ódio e ignorância.
sentimento
Poderão interrogar-se onde está a Marsha
de
empoderamento
e
liberdade é seu legado.
neste texto, e estará em todo ele. Poderia
Mas a sociedade continua a tentar, o
escrever livros inteiros sobre a sua vida, a
patriarcado, o capital, as convenções, a
sua história, de como, sem nada, deu tudo
tradição, a norma, que sejamos produto e
a quem a rodeava, das suas lutas tão
conceito em vez de carne e coração. Que é
interseccionais quanto as suas próprias
isto que ser-se de bem é ser-se má/mau e
vitimações, de como se tornou uma lenda,
vil, é ser ignorante e criminosa/o? Que é isto
e de como ser uma lenda não a tirou das
que ser-se de bem é ser-se rebanho? Que é
ruas, mas depois de tanto ler, tanto
isto que ser-se de bem é ser-se miserável?
escrever, apagar e rasurar, preferi, aqui e
Existe uma necessidade incontrolável das
hoje refletir sobre quem ela foi, e acima de
pessoas
tudo sobre o que ela representou.
colocarem
tudo
em
caixas,
padronizar, definir, resumir, reduzir, para
Acho que a sociedade, a ciência, se
que o mundo se torne menos complexo de
esquecem disso mesmo, refletir! Mais do
se viver, para que se torne mais inteligível.
que produzir conhecimento, é urgente
Então quando as pessoas não conseguem
pensar-se! Pois não há grande ciência, nem
colocar as outras em caixas, com rótulos
grandes fórmulas para se ensinar acerca de
definíveis, deixam-nas de fora, à margem,
humanidade.
sozinhas
ou
Todos os dias, com as lentes que este curto
combatem aquilo que se assemelha, para
mas intenso percurso na Plano i me
elas, a um corpo estranho. Esta maioria,
conferiu, tenho visto, ouvido e sentido, o
rebanho, ganha pelo pensamento acrítico
quanto precisamos de lutar. Ecoam em nós
e
invisíveis.
Ignoram
53
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) gritos
de
perguntas vezes
urgência
e
fervilhar.
preconceituosas
ainda
sem
fico
resposta,
Nas
Bilhete a Marsha P. Johnson
muitas
porque
Marsha, passei os dias a ler sobre ti, e a
a
pensar na tua história por contar, mas no
explicação e a desconstrução me parecem
fim só me lembrei de amor, e de como as
tão óbvias, e quem me conhece sabe, o
Pessoas
quão sempre me foi difícil explicar o óbvio.
Obrigada P. por nos libertares das jaulas
Explicar que as caixas em que tentamos
em que nos enclausuramos como quem
inserir tudo e todas/os são jaulas. Parte das
engole as chaves e tem que arrancar as
pessoas estão presas a chave e cadeado,
entranhas para se libertar. Mas eu sei que
sem saída, com as mãos e o coração em
elas estão lá, na profundidade que somos,
sangue de tanto tentar fazer com que as
não importa as construções que tenhamos
grades cedam. Outra parte das pessoas
que rasgar.
estão em jaulas de portas entreabertas, e
Farás, para sempre, parte desta revolução
nos seus bolsos gastos já tentam escapar as
por consumar, em todo o lado que se
chaves das jaulas de cadeado. Mas as
houve o teu nome, ecoa liberdade.
Poesia
serão
sempre
pessoas de jaulas abertas não querem nem pretendem sair da sua jaula confortável
Com amor,
para libertar ninguém. Isto é o privilégio por usufruir. A liberdade não é algo com
Do legado que construíste.
que a maioria saiba viver. Por isso se fecham, e se trancam, e fecham e trancam quem as envolve. Pela Marsha, por quem morre de tantas formas, em tantas mãos, tantas vezes pelas suas próprias mãos (que são sempre as nossas, em cumplicidade), aprendamos a ser
nós,
aprendamos
a
ser
felizes,
aprendamos a ser livres. Só desta forma o preconceito acerca da liberdade das outras pessoas poderá deixar de existir.
54
eternas.
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS produções fictícias, em que as mulheres
Série: The Bold Type
são
tantas
vezes
apresentadas
como
Ano: 2017
incapazes de construir amizades genuínas
Criador: Sarah Watson
com
Duração: 5 temporadas | 52 episódios | 45
representação
minutos
apresenta tantas vezes uma competição
Plataforma: Netflix
ridícula por um parceiro, alicerçada na
outras
mulheres,
em
que
essa
heterocisnormativa
desconfiança e nas representações sociais, a série consegue substituir tudo isso por um companheirismo sincero, uma amizade incondicional e uma sororidade a ser conquistada. A série faz-me neste sentido refletir o quanto fomos e somos educadas, nós mulheres, para construirmos a nossa própria divisão e desconfiança umas nas outras, numa intriga impingida, ficando Sipnose:
desta forma cada vez mais sozinhas e
Inspirada na vida e carreira de Joanna
enfraquecidas. Incutem estas mensagens
Coles, outrora editora chefe da revista
socialmente
americana Cosmopolitan, The Bold Type,
inconsciente desde sempre até que ela se
acompanha a vida de três amigas de Nova
materialize na forma como estamos na
York, que trabalham em áreas distintas na
vida. Desta forma é urgente a proliferação e
revista Scarlet, representando também elas
disseminação deste tipo de conteúdos que
formas muito distintas de estar na vida.
transmitem esta sororidade.
Longe de ser uma série padrão, apesar da
O que se adivinharia, num estereótipo fácil,
premissa
uma
genérica,
The
Bold
Type
série
construídas
banal
e/ou
no
nosso
superficial,
conseguiu a proeza de num argumento
apresentou-se como uma série disruptiva,
leve e de fácil consumo, substituir as
que rompe de forma primária com este
intrigas que se tornaram uma constante
nosso próprio preconceito, com o padrão e
nas amizades femininas representadas nas
o estigma da superficialidade,
55
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
construindo-se como uma série densa que, quase de forma implícita, trata de questões sociais
fundamentais
num
enredo
descontraído mas subtilmente educativo. No decorrer das cinco temporadas estão presentes temas tão importantes como: igualdade de género, orientação sexual, masculinidade
tóxica,
sexualidade
feminina, sororidade, racismo e xenofobia.
56
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Fado Bicha: A arte de intervenção
de uma beleza sem nome isto de se contar histórias de gente, de carne, de alma, de FOTO: HERMES DE PAULA
através do fado, e nas palavras de Lila Fadista, fazer com que todas as pessoas, mesmo as heterossexuais, se emocionem com histórias de amor homossexuais. No fundo
conferir
representatividade
às
pessoas LGBTIQ+ no fado, na música, e da música para a vida, concedendo às pessoas que se situam à margem das histórias contadas na vida de todos os dias o papel de protagonistas. Este projeto tem como lutas principais a desconstrução de género, o combate à
Fado Bicha é um projeto musical de
opressão e a luta pela liberdade de se ser
intervenção ativista integre por Lila Fadista
quem se é, mas constituem parte deste
na voz, e composição das letras, e João Caçador
nos
instrumentos
e
percurso de intervenção musical ativista
arranjos
também temas como o anti-colonialismo,
musicais.
anti-racismo, bem como a luta feminista.
Disruptivo do nome ao conceito, o dueto assemelha-se a uma peça sem encaixe,
Fado Bicha relembra-nos a importância da
singular e desigual, tal como as pessoas e a
arte de intervenção, e de como a arte e a
vida devem ser, se houvesse de facto
cultura têm um papel primordial na
alguma obrigação lógica em dever ser
educação, na sociedade, em quem somos
alguma coisa.
e
Fado Bicha rompe com os cânones mais
na
forma
como
nos
sozinhas/os e em grupo.
tradicionais, convencionais e normativos portugueses: o fado, pois há coisas que só conseguimos desconstruir por dentro. E é
57
construímos,
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
SUGESTÕES CULTURAIS Série: It’s Sin
os cinco episódios decorrem 10 anos. Corridos 40, desde a data representada no
Ano: 2021
primeiro episódio, 1981, até aos dias de hoje,
Criador: Russell T Davies
será
Duração: 1 temporada | 5 episódios | 45
fundamental
continuamos
minutos Plataforma: HBO
a
ainda,
distinta,
a
mesmos
problemas:
reflexão apesar
combater
de
de
que forma
exatamente o
os
preconceito,
a
desinformação, e os entraves ao direito à educação sexual. Nesta mini série, Russell T Davies partilha também um pouco da sua história, abaixo alguns excertos de relevância de uma entrevista sua ao The Guardian, traduzidos na revista MAGG , que nos ajudam a percepcionar
Sipnose:
primeiro homem com quem tive sexo. O
encontram no seu processo de descoberta, e
resistência
da
cujos nomes não me atrevo a revelar. O
olhar de um grupo de jovens que se liberdade
dimensão
"Há coisas que não posso dizer aqui. Homens
início dos anos 80 em Londres através do
pela
a
história retratada em It’s a Sin:
It’s a Sin retrata a epidemia da SIDA no
luta
melhor
homem que amei durante três meses em
ao
1988. O amigo hilariante com quem passei
preconceito. A esta já tão dolorosa luta contra as convenções e condições da
uma semana louca em Glasgow. Agora estão
sociedade
família,
todos mortos. E todos eles morreram vítimas
estes/estas jovens representativos/as de
da Sida. Mas não posso dizer os nomes deles
tantas pessoas, utilizados/as quase como
porque as famílias disseram que eles tinham
voz e símbolo de tudo o que era silêncio,
morrido de cancro ou de pneumonia e ainda
vivem o eclodir de uma doença, na altura
hoje mantêm essa história. O estigma e o
misteriosa, que vitimizou e estigmatizou
medo sobre o HIV era tão grande que uma
sobretudo homens homossexuais. Durante
família muitas vezes sujeitava-se a décadas
e
da
sua
própria
58
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
de luto sem nunca revelar o que realmente tinha acontecido" "Apesar disso, e comparativamente a outros casos, essa família teve a sorte de ter tido um funeral.
Nessa
altura,
havia
agentes
funerários que se recusavam a aceitar e a trabalhar
os
corpos.
Assim
como
os
crematórios que os rejeitavam por não querer
arriscar-se
a
infetar
os
seus
trabalhadores. Alguns dos funerais mais solitários aconteceram à noite, para que ninguém os conseguisse ver." It’s Sin - é quase como um segredo por contar, decorridos 40 anos, uma série que continua tão atual só representa o quanto temos ainda que evoluir.
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VOL. 3 | JULHO, 2021
Revista insubmissa
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
ENTREVISTA A JOÃO PAULO EDITOR PORTUGALGAY.PT / MAIS DE 20 ANOS A FALAR DA TEMÁTICA LGBT+ / ATIVISTA DOS DIREITOS HUMANOS / PALESTRANTE conhecidos como casernas, onde vieram viver centenas de homens negros que, se não estou em
erro,
eram
de
duas
nacionalidades
africanas, Angolanos e Moçambicanos. Durante a sua estadia, recordo que alguns de quem me fiz amigo, não iam às suas terras celebrar o Natal, para um puto daquela idade, sem conhecimento de que haveria mais religiões e de que nem todas celebram o Natal, eles não estarem com as suas famílias recordo que me
Existe por norma uma espécie de botão
deixou triste, e eu perante isso, pedi ao meu pai
que se liga, uma vez que ninguém nasce
e à minha mãe para deixarem três deles virem
ativista, não é algo inato, constrói-se. Esse
fazer a ceia de Natal connosco, e os meus pais
botão pode ser o contexto, as pessoas
embora pessoas pobres, (mesmo pobres, viviam
que nos envolvem, as nossas experiências
do trabalho, habitavam uma casa com três
pessoais
acontecimento
divisões, eu dormia na sala, e não tínhamos
específico. O ativismo aparece em que
água quente canalizada), cederam ao meu
fase da sua vida e de que forma?
pedido, e foi dos dois Natais que mais
Esta é complicada de responder, porque de
marcaram a minha vida. Por isso penso que
certa forma esse sentido de estar ao lado dos
esse click que referem na vossa questão deu-se
que precisam ou poderão precisar, vem de
aí, e/ou a partir daí. Contudo teve o seu
longe, devia eu ter entre seis e oito anos
momento “Uau!” quando conheci o marido, em
quando, atrás de onde vivia em Leça da
1995. Com o nosso namoro fiquei a conhecer
Palmeira, construíram uns barracões,
um mundo que ia além das coisas da pobreza,
ou
um
66
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) e que havia coisas que nós comuns cidadãos
tão
podíamos fazer para mudar as coisas. Com ele
assoberbados
construí o primeiro portal de internet que tinha
exemplo, não acredito que alguém nasça
acabado de chegar ao nosso país, chamado
assassino, acredito mais numa predisposição,
PortugalGay.pt, usando o que havia nos EUA e
que
em
circunstâncias da vida. Ou então, mesmo sem
UK,
traduzindo
alguns
conteúdos
e
adaptando à nossa realidade. Ao mesmo tempo, tornei-me (tornamo-nos) sócios da IlgaPortugal, fui durante anos o sócio nº 45 com cotas sempre em dia, porque pagávamos ao ano, e daí em diante é história.
Direitos Humanos confere às pessoas uma espécie de lentes que não conseguimos tirar,
começando
nós
a
ver
os
problemas em todo o lado e a toda a hora, com
uma
outra
profundidade
e
intensidade. Confirma isto com a sua experiência?
É
uma
luta
poderá
que com
ou
predisposição,
ficamos quantas
não
ser
por
vezes
direções.
ativada
circunstâncias
Por
por
várias,
cumulativas, tomam forma numa ação de assassínio num determinado momento, sendo que esse momento é apenas a gota que faltava num copo demasiado cheio, por exemplo essa é a minha perspetiva sobre o assassinato de
Na Plano i aprendemos que a luta pelos
mais
essa
diversas
avassaladora
emocionalmente? Assim é, uma vez ativista, sempre ativista! Podemos até não exercer, no sentido de estar ligados a alguma estrutura, mas enquanto pessoas estamos sempre alerta, sempre em cima, sempre com uma resposta mais incisiva por vezes, mais abrangentes de que as “gafes” da sociedade não tem, a meu ver nunca, uma única razão de ser, elas têm por vezes variantes
Gisberta Salce Júnior.
Sabemos que fez parte da organização da primeira marcha LGBTIQ+ do Porto e das seguintes. Como se sentiu a marchar em 2006 e como se sente hoje, em 2021? Primeiro da mesma forma que me senti só ao ler a vossa questão, comovido, porque acredito, talvez porque sou louco, que juntos poderemos moldar este mundo para melhor. Depois, se em 2006 sentia o luto e o peso dos primeiros passos dados no Porto, no que tem a ver com a manifestação manifestação
que
é
política,
pura hoje,
enquanto
passadas
16
edições, sinto-me orgulhoso pelo caminho conquistado,
enquanto
estrutura
que
complementada com outras, (Marcha de Braga; Viseu; Vila Real; Bragança; Viseu; Lisboa,
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Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Algarve, Ilhas...) criamos discussão política na
sendo
também
Assembleia da República (AR), nos diferentes
também aconteceu, no onde andava na mesma
partidos, obrigamos a tomadas de posição,
proporção
reforçamos uma luta iniciado em Lisboa anos
homossexuais, ia ganhando novos amigos
antes.
heterossexuais.
que
homossexual. ia
O
perdendo
contrário “amigos”
O segundo momento foi sem dúvida a primeira
Que momento destacaria do seu percurso
Marcha do Orgulho LGBT no Porto (era assim
enquanto ativista?
que se escrevia na altura). Assassinaram
Meus pessoais, dois. O primeiro foi com o
alguém que conhecia, e a organização do
evento que fui responsável durante 12 anos, o
evento
Porto Pride, porque eu ainda não era um rosto,
sempre gravados na minha pessoa, como a
até ao momento era apenas uma voz, uma vez
“sondagem” que fiz como a minha colega
que já tinha feito uma participação num
Mónica do Poly-Amor no mercado do Bolhão.
programa de televisão mas pelo telefone. Mas
Fomos saber qual era a opinião das pessoas
com a oposição da SONAE em realizarmos o
(vendedoras e clientes) que frequentavam o
evento
estava
Bolhão sobre haver uma Marcha pelos Direitos
concessionado a este grupo empresarial, onde
Homossexuais, e o que vivemos NINGUÉM nos
hoje é o Shopping Clérigos, tive de dar a cara
tira, podem tirar-nos tudo, mas esse sentir do
pelo evento, e não é deste momento que falo,
povo que falou connosco, e que foi muito, a sua
mas do que veio por consequência disso
garra, a sua genuinidade foi tão avassaladora
mesmo. O facto de me ver forçado a fazer o
para os dois que quando saímos no portão da
meu outing para os meus pais, e pelos
Rua Fernandes Tomás, só olhamos um para o
“amigos” que perdi por ter dado o meu rosto à
outro com os olhos rasos de água e dissemos
luta,
amigos
quase ao mesmo tempo: - Logo a gente fala! E
amigos
depois o dia propriamente dito!
onde
e
não
heterossexuais,
queríamos
estou mas
a
falar sim
que
de de
proporcionou-me
momentos
para
homossexuais de daí em diante me viraram a cara, porque eu agora era um gay conhecido do
Enquanto
restante público e por isso quem estaria
desempenha, tem alguma ambição? Algum
comigo seria, ou poderia ser identificado como
objetivo por cumprir?
68
ativista,
no
trabalho
que
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Tenho, claro que sim, não acredito que por
e diria até mundial, constrói-se em grande
mais
que
medida de cima para baixo. Temos políticos
desenvolvem ativismo, seja em que área for
que com base em estudos, que têm validade
não tenham ambições, objetivos. Não os vou
claro que têm, definem leis sem consultar quem
divulgar publicamente, mas posso adiantar que
está no terreno, e quando digo consultar quem
são muitos e nenhum no meu proveito pessoal,
está no terreno, falo consultar o maior número
porque sobre mim apenas quero que as pessoas
de entidades formais e informais, coletivas e
me recordem como alguém que fez e quis fazer
pessoais, que desenvolvem trabalho, por vezes
ainda mais, no sentido de termos um mundo
há anos, em diferentes áreas e que melhor que
verdadeiramente colorido, onde TODAS as
ninguém, arrisco mesmo a dizer, melhor que os
cores possam coexistir acima de tudo sem
estudos académicos, sabem como ninguém das
MEDOS, porque viver com medo é sobreviver
necessidades com que se debatem diariamente,
sem liberdade. Alguns já realizei parcialmente,
conhecem os seus utentes como ninguém. Ou
e outros ainda estão longe de ver a luz do dia!
seja os políticos deviam descer do seu pedestal
singelo
que
seja,
as
pessoas
e vir à rua falar com estes e até com os utentes,
Do ponto de vista legal, Portugal tem
porque também aqui há discrepâncias, uma
lutado
sendo
coisa é o que eu sinto como instituição de
considerado o destino, ou um dos destinos,
apoio, outra é o que sente o utente que eu
mais gay friendly do mundo. Mas isso não é
atendo, porque ele sente as suas carências na
100% refletido na nossa sociedade. Dá a
pele e eu apenas as interpreto, não as sinto
sensação que Portugal construiu toda uma
como ele as sente. Ao escrever estas últimas
estrutura bem arquitetada mas sem bases.
linhas estava a pensar, por exemplo, nos sem-
pelos
direitos
LGBTIQ+,
Que bases seriam estas? O que poderá no
abrigo, que eu tinha um entendimento antes de
futuro colmatar esta disparidade entre o
fazer trabalho com esta população, mas um
que se projetou e a realidade?
ano depois de estar na rua com eles/elas o meu
Nenhuma casa se constrói pelo telhado, porque
sentimento é outro, eu não sabia (não sei) nada
este precisa de uma estrutura capaz de o
do que é ser sem-abrigo.
sustentar, não se constroem prédios de cima
Aplicando
para baixo, mas a nossa sociedade, portuguesa
isso
ás
questões
LGBT+,
conseguimos de fato um dos planos jurados
69
nós
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) mais favoráveis do mundo, mas isso é o topo
em tempos exibe resultados menos favoráveis
da árvore, as raízes dessa árvore continuam a
a uma sociedade democrática e livre. Por
ser as mesmas, um défice educacional enorme,
exemplo, os bairros sociais deixaram de ter
e é aqui que tudo tem de e/ou deve começar. Os
espaços de convívio comunitário, que no
manuais na sua maioria continuam, por
passado era no R/C de um dos blocos do
exemplo, a falar de relações heteronormativas,
complexo, onde tinham um café, sala de
cis, brancas, classe média alta, mas a maioria
reuniões, por vezes infantário/creche apoiados
da população é de classe média baixa e baixa,
por assistentes sociais, isso deixou de fazer
onde fica logo aqui a representação da maioria
parte das construções sociais, colocou-se um
dos nossos jovens que entram no ensino, e se
campo de futebol e ou multi-funções e pronto
deparam com representações que não os
está cultivado o sentido de comunidade.
representa.
uma
Outro exemplo, o programa escolar “Área
sociedade, dando-lhes raízes de diversidade, se
projeto” que incentivava os jovens a elaborar
as sementes que lançamos à terra são as
trabalhos em volta de temas nem sempre
mesmas do tempo dos nossos (meus) avós, são
consensuais, e que os colocava numa posição
sementes cinzentas, pretas e brancas, que no
de reflexão e de entender a sociedade de outra
final queremos que dê uma copa colorida, em
forma que não aquela que lhes era apresentada
linguagem popular, há uma disparidade entre
pelas diversas plataformas, desde a televisão
o “cu e as calças”. Temos que fazer muito
aos manuais da escola. Mas este programa
trabalho de base, e esse trabalho a meu ver
estava a fazer surgir jovens com sentido crítico,
começa na escola, e será a partir da escola que
e não jovens submissos, e isso não favorece um
os jovens vão “instruir” os pais em casa, para
sistema que precisa de “animais” domésticos,
depois estes últimos entenderem e colocarem
mais
em prática esse entendimento perante leis que
humanos que sabem pensar não servem
falam de uma sociedade em transformação,
políticos e políticas de um sistema viciado, e o
que hoje alberga mais cores que no passado.
resultado está à porta, com partidos um pouco
Esta estruturação entre sociedade e leis, vem de
por todo o mundo que querem pôr termo a esta
longe e é um processo perverso que de tempos
paleta de cores sociais, de forma a poderem
Como
podemos
cultivar
que
de
“animais
selvagens”,
seres
pintar telas antigas com tons monocromáticos!
70
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) E julga haver de facto interesse político em
representar. Porque hoje as sociedades do
colmatar esta disparidade?
mundo não são mais uniformes, hoje nascemos
Não! É a resposta simples, da esquerda à
no Brasil, estudamos nos EUA, vivemos um
direita não existe essa vontade, qualquer uma
pouco por todo lado, e morremos no topo do
das fações servem-se de poderes instalados e,
Evereste ou no fundo da Amazónia. Hoje os
por isso, haver posições críticas que inquiram o
seres humanos são seres do mundo não desta
porquê destas posições e porque não outras,
ou daquela pátria.
não serve esses poderes.
A luta diária para conquistar direitos que já Na sua opinião, a nível legal, mesmo que
são inerentemente de todas as pessoas,
Portugal seja dos países mais avançados
embora não reconhecidos na névoa da
nas questões LGBTIQ+, o que ainda falta
ignorância,
alcançar?
extenuante. Alguma vez pensou desistir
Falta alcançar a utopia para muitos, para mim
desta luta?
não, falta alcançar que quando se legisle,
Podemos até desistir de sermos a “carne” na
quando se escreva um manual escolar, quando
frente do canhão da ignorância, mas como
se pense em políticas públicas, se comece por
disse antes, uma vez ativista, sempre ativista.
pensar em pessoas, e não em pessoas brancas,
Eu, por exemplo, não sei se vou desistir e/ou se
cristãs, com poder de compra, letradas. Que se
estou a dar um tempo, ocupando-me de mim,
pense
correndo atrás do tempo. Aos 53 anos, na
em
pessoas,
depois
nas
múltiplas
deve
bem
arrebatadora
porque
decidi
e
especificidades que cada uma delas pode
faculdade,
carregar consigo, se têm ou não mobilidade
algures no tempo, mas porque dediquei a
plena, qual a sua religião, que poder de compra
minha vida, grande parte dela, ao ativismo e
têm, quão letradas são, entre tantas outras
não consegui ao mesmo tempo fazer algo por
variantes; que quando se lance uma lei, se
mim. Como um dos co-fundadores da Marcha
construa um edifico, se implemente um modelo
do Orgulho LGBT+ do Porto, tinha decidido em
educacional ele seja capaz de servir a todes,
2016 ir saindo, ficando menos disponível,
onde todes se sintam representados e/ou onde
porque, por um lado, queria que os novos
haja de facto espaço para se fazerem
rostos fossem mais ativos e não se
71
não
ser
assim
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) sustentassem
nos
têm
seu nome Júlio Silveira, membro de uma
experiência eheheheh. Assim, fui apontando
associação de seu nome Alternativa Positiva, e
com o dedo onde estavam os caminhos, para
que
que esses novos rostos percorressem, e, em
Inspirado por ele, fiz manualmente um cartão
2018, dei o meu tempo de “formação” como
daqueles de lapela a dizer apoio e com o
terminado, tínhamos um grupo de jovens
lacinho da ABRAÇO e invadi o hospital de S.
ativistas
João, na zona de internamento para conviver,
com
cotas
energia
porque
e
eles
conhecedores
do
me
educou
anunciei
da
internados que estavam ali por sua conta e
Marcha desse ano que aquele seria o meu
risco, uma vez que amigos e família os tinham
ultimo ano como parte da organização. Assim
abandonado. VIH/Sida nos anos 80 não é o que
foi, e se não tivesse sido por minha decisão
é hoje, para além de não haver muita
teria sido depois pelos acontecimentos vividos
informação, o que se sabia era que as pessoas
em agosto desse ano, com o suicídio de um
morriam, foram momentos da história da
amigo e co-fundador da Marcha. mas agrada-
sociedade
me a ideia de ser frequentemente solicitado
dentro da minha geração). Na época, eu tinha
para dar opinião, e recentemente até fazer
um trabalho que pegava ainda de madrugada,
parte de uma discussão. Por isso, concluindo,
saía pouco depois da hora do almoço, e ia
desistir não, mas talvez dar um tempo!
direto para o hospital, saía mais ou menos ás
ultimas
reuniões
mundial
muito
(a
VIH/Sida.
abraçar,
das
alguns
sobre
caminho, mesmo que parcialmente, e por isso numa
escutar
muito
maioria)
obscuros,
dos
(claro
16hrs e trazia comigo a carga do mundo, mas
Se ainda nos dias de hoje a sociedade está
no dia seguinte estava lá de novo, deixei de
mergulhada
e
fazer esse apoio no dia em que um dos jovens
preconceito, há anos atrás terá enfrentado
me pediu um beijo, eu dei, e no dia seguinte ele
lutas muito mais difíceis. Como foi lidar
tinha falecido, eu sabia que ele estava mal,
com o estigma que sempre foi associado
mas não soube gerir as emoções, e como fazia
aos homens gay - o estigma do VIH/SIDA?
aquilo sozinho não tinha retaguarda.
Está aí uma coisa que vivi com alguma
Perdi alguns amigos para essa enfermidade,
intensidade nos anos 80.
acompanhei demasiados nas suas primeiras
Conheci um jovem que já não está entre nós, de
consultas, para não estarem sozinhos, fico feliz
em
desconhecimento
72
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) por muitos, mesmo muitos, terem sobrevivido e
temos a desculpa de um governo que impõe
hoje serem pessoas que gozam de uma saúde
pela força determinadas diretivas, aqui em
extraordinária.
Portugal temos uma outra forma de impor essas mesmas diretivas, exercendo um poder
Acha que este estigma foi atenuando ao
que lhe foi legitimado por eleição, e que impede
longo dos anos, com o maior acesso à
que exista uma massa critica em crescimento
informação ou está apenas camuflado?
definindo a estrutura educacional, e isso leva a
Sim, acredito que sim, basta que hoje em dia os
que
fármacos permitem uma qualidade de vida que
verdadeiras as conhecidas “fake news”, e que
antes não era sequer pensada, é mais provável
perante a ausência dessa capacidade critica se
que um infetado com VIH morra atropelado
atue contra si mesmos elegendo “carrascos”
que de Sida. Desenvolver o estado de Sida
novos alicerçados em pensamentos antigos,
numa
o
pensamentos que ceifaram a vida de milhões.
tratamento e tenha um estilo de vida saudável,
Mas também temos de olhar para essas
é quase impossível! Contudo também não
realidades, não como retrocessos, mas como
menos verdade que existem ainda locais,
continuidades. Se calhar a única diferença
pequenos núcleos, onde as pessoas recusam
existente hoje é que os meios de comunicação, e
aprender e continuam a negar afeto a pessoas
nomeadamente as redes sociais, para o bem e
portadoras de VIH.
para o mal, fazem-nos chegar o que se passa
pessoa
que
siga
corretamente
haja
espaço
para
assumir
como
em outras geografias com mais rapidez e
Como vê os retrocessos em países como a
intensidade, se não fossem as redes sociais de
Polónia e a Hungria?
certo não sabíamos dos ataques ás pessoas
Da mesma forma que vejo no nosso país. OK
LGBT+ na Rússia sem consequências para os
estamos a falar de estados conservadores,
agressores, ou dos campos de concentração na
ditatoriais, totalitários, onde Direitos Humanos
Chechênia para pessoas LGBT+.
são um sentimento restrito aos papeis formais, para “inglês ver”. Mas o que está na base,
Teme que estes retrocessos acabem por ser
mantenho, é a falta de uma educação que abra
algo inevitável também no nosso país,
espaço ao criticismo, ao pensamento livre. Se lá
especialmente com a extrema direita a
73
Revista insubmissa
VOL. 3 | JULHO, 2021
(CONTINUAÇÃO) como os sindicatos, e, quando demos conta, o
ganhar cada vez mais força? Sim,
se
as
forças
identificadas
como
nosso jardim trabalhista estava fatalmente
democráticas continuarem a sustentar políticas
contaminado, e agora quantas mais vidas
de embaçamento da sociedade, retirando-lhes
serão
formação devida, formação no sentido de criar
contaminação?
precisas
para
corrigir
esta
seres pensantes, críticos, se continuarem com discursos demagógicos de que somos um povo
Qual a sua maior inquietação na sociedade
de brandos costumes e que as extremas nunca
de hoje?
passarão, vão dando lugar a que nos estejam a
Viver ainda demasiado tempo para ver o
vender mais uma mentira. Até porque uma das
colapso desta sociedade livre! Tenho dito
extremas já passou, o Chega já está sentado na
ultimamente que não me importava de partir
AR, hoje com um deputado, amanhã com
já nessa viagem sem volta, porque olhando em
quantos mais?
volta vejo pouca vigilância, pouco empenho em
Depois sempre que tenho oportunidade, e esta é
salvar este edifício social chamado LIBERDADE
mais uma, eu relembro a quem se preocupa
que me preso de ter feito um pouquinho para
que os Direitos Humanos são como um jardim,
colorir um pouco, e que na ausência dessa
que
constantemente
vigilância pode ruir a todo o momento, e
atentos e ir capinando as ervas daninhas, não
construir do zero será demasiado doloroso,
dando espaço a mais às roseiras que embora
custará demasiadas vidas, trará ao mundo
lindas têm espinhos, e limitando as plantas
grande e/ou ainda maior sofrimento, porque
venenosas. Quando me contestam que não é
na verdade o mundo enquanto um todo já está
bem assim, eu dou o exemplo da lei do
nesse processo aqui e ali.
trabalho que levou anos, vidas inteiras na
Levando este pensamento para as questões
conquista
os
ambientais, a dor de alguns seres humanos já é
trabalhadores, hoje muitas dessas leis caíram
visivelmente fatal (recordo que houve um
por terra, foram anuladas e/ou sobrepostas por
tempo que imagens da Etiópia entupiam as
outras que defendem o empregador, como é
nossas vias respiratórias). Uma dessas imagens
que isso aconteceu, porque esquecemos de
nunca saiu da minha tola até hoje, uma mãe a
vigiar inclusive quem diz que as defendia,
rasgar as veias com os dentes para dar de
precisamos
de
de
leis
estar
que
defendessem
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(CONTINUAÇÃO) beber ao seu filho. Aprendemos alguma coisa?
inestimáveis que se juntam aos que já tinham
Não! Hoje tem quem reclame porque as
partido antes de 2006, altura em que convivi
televisões, verdade na ânsia das audiências,
com mais intensidade com duas pessoas do
exibem a nossa ignorância, a nossa verdade, o
Porto e da organização da Marcha, falo da
nosso ato negligente que afoga bebés no
Lurdinhas da UMAR, que estávamos mais ou
mediterrâneo. Eles não morrem porque o bote
menos à espera porque estava doente, e depois
furou, ou porque não sabem nadar, eles
o António que na sua loucura, a mesma com
morrem porque nós, enquanto sociedade, não
que sempre viveu, decide pôr termo à vida
aprendemos NADA com o passado a todos os
daquela
níveis. Somos por isso nós enquanto sociedade
dolorosa. Se tudo isto não bastasse, Lara
mundial que os afogamos, temos por isso
Crespo, pessoa trans, ativista e minha amiga,
TODES o registo criminal nojentamente sujo.
decide igualmente pôr termo à vida. Dias,
forma
tão
extraordinariamente
talvez um mês, depois de ter apoiado com um
A última pergunta é feita por uma pessoa
largo cabaz de compras o meu querido Isidro
que tem um carinho e uma admiração por
Sousa, quando me preparo para saber da
si imensa, a nossa Vice-Presidente - a
despensa dele, tenho a notícia de que também
Doutora Paula Allen: Como se consegue ter
ele havia partido, e estes são rostos que mais
a força de construir, sempre da forma que
que amigos, fazem parte da história do
só você sabe construir, depois de ano após
ativismo local e nacional, e agora, mais
ano ver partir tantos amigos de formas tão
recentemente,
duras?
o
Vitor,
AKA
Natasha
Semmynova; perdas que não se recuperam de
Aí Paula, ai, ai, …sabes por vezes nem eu sei
forma alguma.
muito bem como se faz, ou como faço, porque
Devo referir que achei chique tratar-me por
nenhum de nós é apenas uma coisa, quero
você, eheheheh, …como se tem força para
dizer, não sou apenas o ativista João Paulo,
continuar a construir, talvez no fato de ter o
também sou marido, amigo de muitas pessoas,
melhor companheiro do mundo que sabemos
irmão, tio e filho, mas também, e por tabela,
respeitar os silêncios de um e do outro, na
cunhado, genro, e tudo isto se junta ao que
minha restante família, pais, irmã e sobrinho,
referes na tua questão, a perdas para mim
em alguns poucos amigos, nos meus filhotes de
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(CONTINUAÇÃO) quatro patas, e com toda a certeza na natureza. As minhas caminhadas pelo espaço natural, mesmo aquele construído pelo ser humano, como o Parque da Cidade, servem o propósito de carregar baterias e avançar, se calhar mais devagar, mas caminhando, certo de que talvez um dia nos encontremos todes algures num plano qualquer. Agora tenho a ajuda da faculdade, onde tenho a oportunidade de conviver com miúdos e miúdas,
gente
jovem
que
me
ensina
a
caminhar no meio de um dor oculta com um sorriso nos lábios. Não quero ver o fim, mas até partir espero ter sempre energia para caminhar em frente!
Obrigado, de coração, pela vossa entrevista! João Paulo
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FOTO: PORTUGALGAY
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FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
FOTO: PORTUGALGAY
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FICHA TÉCNICA REVISÃO DE CONTÉUDOS: PAULA ALLEN SOFIA NEVES
EDIÇÃO E REDAÇÃO: ANA SOFIA FIGUEIREDO MARIANA REIS SHEILA GÓIS HABIB TERESA RAMOS DE SÁ TEX SILVA VÂNIA ALVES
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