VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
insubmissa ABC da Igualdade Emancipação
Sabia que... Portugal lançou uma campanha contra o casamento infantil, precoce e forçado
Espaço Cultural "The Mask You Live In"
Lugar de fala O Espaço Lara e o interesse superior das crianças e jovens vítimas de violência doméstica
Saúde Menstrual e Adolescência
A não-escolha em ser mãe
Comportamentos auto lesivos em idade escolar
Crianças soldado
"Volta p'ra tua terra!"
O grooming sexual de menores online
EU ERGO A MINHA VOZ - NÃO PARA QUE POSSA GRITAR, MAS PARA QUE AQUELES E AQUELAS SEM VOZ, POSSAM SER ESCUTADOS/AS...
MALALA YOUSAFZAI
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
EDITORIAL POR ANA TELES
Muito se tem falado sobre as Crianças e
vida da criança ou jovem, pois é com esta
dos seus Direitos, mas será que estes
que deve ficar.
direitos têm sido salvaguardados na nossa
Além disso, é muito importante ter em
Sociedade e nos nossos Tribunais?!?!
consideração se a criança é um alvo direto
Este é um assunto que me sensibiliza,
ou indireto de maus-tratos e violência
especialmente na forma como os direitos
doméstica, pois, se assim for, o exercício
das crianças são instrumentalizados em
em
determinadas situações, entre as quais, nos
parentais pode ser julgado contrário aos
processos de divórcio e nos processos de
interesses da criança ou jovem e, nesse
regulação
caso, deve o tribunal, através de decisão
das
responsabilidades
comum
das
responsabilidades
parentais.
fundamentada,
Isto porque, em caso de divórcio e/ou
responsabilidades
separação,
o
apenas por uma das pessoas progenitoras.
exercício das responsabilidades parentais
Este é um dos aspetos que gera mais
sobre as crianças menores, fixando a
controvérsia nos nossos Tribunais, apesar
residência, o regime de visitas, a obrigação
de estar previsto na lei!
de
responsabilidades
Na verdade, ainda se verifica que existe
progenitor/a
muita resistência nos Tribunais em limitar
deve
alimentos
parentais
de
e
ser
as
cada
determinado
em
concreto.
determinar sejam
que
essas
exercidas
visitas e contactos das crianças e jovens
Habitualmente,
dos
com a pessoa progenitora que é tida como
normativos legais, as responsabilidades
a pessoa agressora, mesmo que já haja um
parentais são exercidas em conjunto por
processo
ambas as pessoas que são as progenitoras.
decorrer. E as justificações que se escutam
Contudo, deve-se ter sempre em conta a
frequentemente são:
idade
da
em
criança,
cumprimento
o
seu
grau
de
de
violência
doméstica
a
“lá porque é um mau marido, não
desenvolvimento e compreensão, bem
significa que seja um mau pai”…
como, quem é a pessoa de referência na
“teve atos de violência física, verbal e
3
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) psicológica contra a mãe e contra a
A criança deve ser o centro de todos os
filha mais velha, mas nunca contra a
processos,
filha mais nova, por isso esta não está
regulação
em risco”…
responsabilidades parentais, devendo ser
“a violência ocorreu na casa de morada
sempre considerado o superior interesse
de família, mas a criança estava fechada
da criança no critério das decisões e na
no quarto, por isso não houve violência
apreciação dos acordos elaborados pelas
na sua presença”…
partes!
especialmente do
nos
exercício
de das
“o progenitor e a progenitora têm
Contudo, mesmo que o acordo salvaguarde
direito a estar com a criança e jovem,
integralmente os direitos da criança ou
por isso as visitas não podem ser
jovem, alguns progenitores e algumas
restringidas
progenitoras
processo
só
de
porque
violência
existe
um
doméstica
a
assumem
condutas
violadoras contra a própria criança ou
decorrer”…
jovem quando instigam ou dificultam os contactos desta com a outra pessoa
Mas afinal, o que é mais importante
progenitora. Por vezes, as crianças e jovens
assegurar? O superior interesse da criança e
chegam mesmo a ser usadas como se
os seus direitos ou os direitos do seu
fossem objetos ou armas para interferir e
progenitor e sua progenitora?
prejudicar
É certo que os direitos são iguais para
progenitora.
todas as pessoas, sejam pessoas adultas,
Lamentavelmente, os mecanismos que a
crianças ou jovens, mas têm de ser
nossa legislação tem são insuficientes
limitados na medida em que interferem
para dissuadir estas práticas de alienação
nos direitos das demais pessoas. Assim
parental! Neste aspeto, os direitos das
sendo, na minha opinião, os direitos das
crianças
pessoas progenitoras têm de ser limitados
prejudicados, devido, essencialmente, à
na exata medida em que colocam em
dificuldade
causa os direitos das crianças e jovens que
conduzem a este fenómeno, que surge
estão a seu cargo!
habitualmente bem disfarçado.
4
a
e
vida
jovens de
da
são
prova
outra
pessoa
muitas
dos
factos
vezes que
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
Muito mais há a dizer sobre esta temática e sobre o funcionamento das entidades que lidam com crianças e jovens, mas, o mais importante, é recordar sempre que cada criança e jovem é um caso único e deve ser tratado/a como tal!
5
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Revista insubmissa
ÍND ICE
Organograma Plano i
7
Os rostos por detrás da Plano i - Apresentação de Membro da Direção
8
Projetos Plano i
9
Grupo de Jovens Promotor da Igualdade e da Saúde: Um ano de trabalho Apresentação de Entidades Parceiras - CPCJ de Matosinhos Lugar de Fala: O Espaço Lara e o interesse superior das crianças e jovens vítimas de violência doméstica
15
17
24
Saúde Menstrual e Adolescência
27
A não-escolha em ser mãe
30
Comportamentos auto lesivos em idade escolar
35
Crianças soldado "Volta p'ra tua terra!" O grooming sexual de menores online - especificidades, perigos e incidência ABC da Igualdade: Emancipação Sabia que... Portugal lançou uma campanha contra o casamento infantil, precoce e forçado? Espaço Cultural Exposição Fotográfica - Carolina Tendinha Referências Bibliográficas
39 42 47
51 53
55 59 71
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ORGANOGRAMA DA PLANO i DIREÇÃO
ANA SOFIA NEVES
PAULA ALLEN
DORA PINTO
ARIANA CORREIA
ANA TELES 7
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OS ROSTOS POR DETRÁS DA PLANO i APRESENTAÇÃO DE MEMBRO DA DIREÇÃO
Faz parte dos órgãos sociais da Associação Plano i desde a sua constituição em 2015 e atualmente
integra
a
Direção
como
Tesoureira. É Coordenadora Executiva da Casa Arco-Íris – Casa de Acolhimento de Emergência para pessoas LGBTI Vítimas de Violência Doméstica e presta consulta jurídica
no
Respostas
às
Centro
Gis
Populações
–
Centro LGBTI
e
de no
Espaço Uni+ – Prevenção e Combate à Violência no Namoro no Ensino Superior.
ANA TELES
Ana Teles é licenciada em Direito pela Universidade Lusíada do Porto (2002) e advogada
inscrita
na
Ordem
dos
Advogados Portugueses desde 2005. Tem formação específica no âmbito da Proteção de Menores e Direito da Família, Igualdade de Género, Questões LGBTI, Apoio à Vítima e é formadora desde 2006.
8
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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO CENTRO GIS parceiras da Associação Plano i e do Centro Gis. Entre elas encontraram-se a Amplos; Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género;
Saber
Compreender;
uma
organização de ativistas sociais; e a Casa Arco
Iris
–
Casa
de
Acolhimento
de
emergência para Vítimas de Violência Doméstica LGBTI. O ativista e youtuber O Centro Gis volta a demonstrar uma
pelos direitos das pessoas LGBTI, Ary Zara,
grande procura com 80 atendimentos
juntou-se também à conversa.
durante o mês de setembro (8 apoio
Das
jurídico, 53 apoio psicológico, 11 apoio
realizado, o Centro Gis destaca as seguintes:
psicossocial,
apesar
3
psiquiatria
e
5
de
principais de
conclusões
Portugal
ter
do dado
debate passos
endocrinologia) e 93 atendimentos durante
determinantes no sentido da efetivação de
o mês de outubro (4 apoio jurídico, 76 apoio
liberdades e garantias para as pessoas
psicológico, 7 apoio psicossocial e 6 de
LGBTI, a discriminação e a violência contra
endocrinologia).
as pessoas LGBTI persistem na sociedade
O Centro Gis também participou na Semana
portuguesa; os armários que as pessoas
da Pobreza e da Exclusão Social, tendo
LGBTI ainda enfrentam, continuam, muitas
desenvolvido a webinar “A exclusão dentro
vezes, a empurrá-las para situações de
e fora do armário” que contou com a
exclusão e pobreza, resultando numa dupla
participação de 350 pessoas e o sentimento
exclusão; a família assume neste sentido
foi que as impactou de uma forma positiva.
um
As entidades que foram convidadas a
coming out de uma pessoa LGBTI, que
participar na sessão são atualmente
infelizmente é muitas vezes um contexto de
9
papel
essencial
no
momento
do
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(CONTINUAÇÃO) de violência para a mesma. Como conclusão final, destaca-se a necessidade da educação e da capacitação de públicos estratégicos como pilar essencial para a produção da mudança, para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
gis@associacaoplanoi.org
@centro_gis
/CentroGis
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PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO PROGRAMA DE PREVENÇÃO ENSINO SUPERIOR
DA
VIOLÊNCIA
violência
no
NO
namoro,
NAMORO
podes
NO
entrar
em
contacto connosco através do e-mail – unimais@associacaoplanoi.org,
telefone
–
(+351) 932 698 756 -, ou agendar a tua consulta diretamente no nosso site no separador de serviços. A prevenção e combate à violência no namoro, passa também pela promoção da O programa UNi+, tem como principal
igualdade. Neste sentido e no âmbito da
objetivo prevenir e combater a Violência no
Semana Municipal para a Igualdade de
Namoro no Ensino Superior. Para tal, tem 4
Braga, lançamos um desafio às mulheres
eixos principais de ação: (in)formação de
residentes e/ou naturais de Braga, abrindo
públicos
uma
estratégicos;
atendimento,
Chamada
aberta/Open
call
para
acompanhamento e apoio a vítimas de
trabalhos/obras na área do conto/texto,
violência no namoro; produção e divulgação
material gráfico, artes plásticas/visuais, ou
de
outras obras de expressão artística sob o
materiais
sobre
a
temática;
e
a
investigação científica.
tema “Viver em Igualdade”. Pretendemos
O atendimento, acompanhamento e apoio
que esta seja uma ferramenta de promoção
a
-
da igualdade no seio da comunidade e,
psicológico, jurídico, informativo e social -
também, uma forma de visibilizar o trabalho
acontece de forma presencial em Braga, na
criativo de mulheres. Podes consultar o
Rua de Santa Margarida, nº 2A, 3º Dto., Sala
regulamento através deste link e inscrever-te
3, ou em formato online - em português,
aqui, até dia 15 de janeiro.
inglês e espanhol -. Se tens dúvidas sobre a
Neste mês de novembro, assinala-se o Dia
tua relação de namoro, és, ou foste vítima de
Internacional para a Eliminação da
vítimas
de
violência
no
namoro
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(CONTINUAÇÃO)
Violência Contra as Mulheres. Mais uma vez,
formações sobre igualdade de género e
o UNi+, alia-se à UMAR de Braga numa ação
violência no namoro agendadas e vamos
simbólica e conjunta de repúdio, luto e
retomar os UNiTalks.
resistência
contra
os
femicídios,
ou
quaisquer outras manifestações de violência contra
as
mulheres.
Neste
âmbito,
colocaremos, a par de outras entidades da cidade de Braga, uma faixa negra como forma de sinalizar o nosso luto e a nossa luta “De Luto e em Luta”. Aliem-se a esta causa, até que todas as pessoas sejam livres de opressões! No mês de Novembro o UNi+, continuou a realizar atendimentos a vítimas de violência no namoro, de forma presencial e on-line. Os grupos
de
promoção
da
consciência
feminista tem reunido uma vez por mês em formato on-line, a nossa próxima reunião será no dia 13 de dezembro às 21h00. Se te identificas como uma mulher, se te revês no
programaunimais.pt/
princípio da igualdade de género, se queres exercer a tua cidadania de forma plena e/ou
unimais@associacaoplanoi.org
queres pensar e refletir em conjunto com outras pessoas sobre o teu lugar no mundo, inscreve-te
aqui.
Este
mês,
@programaunimais
também,
realizamos uma ação de formação sobre /unimaisprograma
Igualdade de Género para estudantes de educação da Universidade do Minho. Para o mês de Dezembro já temos algumas
/associaçãoplanoi
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
PROJETOS PLANO i FIQUE A PAR DO QUE FOI E VAI SER FEITO ESPAÇO LIV(R)E
Providenciar
informação
sobre
os
mecanismos de prevenção e combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais e partilhar boas práticas em matéria de prevenção e O Espaço LIV(R)E – Centro de Recursos
combate à discriminação em razão da
LGBTI, co-financiado pela linha de Apoio
orientação sexual, identidade e expressão
Técnico e Financeiro a organizações da
de género e características sexuais;
sociedade civil LGBTI, da Comissão para a
Promover a Saúde Sexual das Pessoas
Cidadania e a para a Igualdade de Género,
LGBTI e diminuir os números de pessoas
tem como principais objetivos:
infetadas com diferentes IST's.
Prestação
de
apoio
psicossocial
Com
a
aprovação
(individual e em grupo) e social, a
pretendemos
pessoas
atividades:
LGBTI
e
seus/suas
deste
executar
as
projeto, seguintes
significativos/as; 1. Criação e manutenção do Centro de
Articulação com instituições e serviços com
vista
ao
encaminhamento
Recursos LGBTI;
de
2. Atendimento e acolhimento de pessoas
situações de violência doméstica e outras vulnerabilidades sociais;
LGBTI,
seus/suas
(In)Formar sobre o fenómeno, divulgar
profissionais;
significativos/as
e
3. Dinamização de Grupos de Apoio: Grupo
dados e evidências, partilhar recursos e
T e Grupo LGB;
disseminar conhecimento científico e de
4. Formação e consultoria a profissionais.
boas práticas;
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) PROJETO LIV(R)E
desmontar estereótipos e garantir a
O Projeto LIV(r)E é co-financiado pela linha
inclusão social e laboral de pessoas
de financiamento IKEA Idahot 2021, e irá
LGBTI no mercado de trabalho.
garantir a concretização de 4 eixos de
Eixo
trabalho:
promoção de competências pessoais e
3:
Criação
de
um
grupo
de
Eixo 1: Criação de um espaço seguro
sociais. As pessoas LGBTI participantes
para pessoas LGBTI. Na cidade do Porto
deste
não existe nenhuma ONG com um
construção do CV, e treinar as suas
Centro
competências
de
Respostas
ou
espaço
grupo
poderão
ter
apoio
permitindo-se
na uma
específico destinado à população LGBTI.
melhor inclusão social e laboral, assim
No Espaço LIV(r)E a vida e a liberdade
como uma melhor preparação para a
existirão lado a lado. Neste espaço
entrevista de emprego.
pretendemos que as pessoas LGBTI e
Eixo 4: Criação de um gabinete de apoio
seus/suas significativos/as possam passar
jurídico para pessoas LGBTI vítimas de
parte
procurar
discriminação laboral. Neste gabinete,
serviços
as pessoas LGBTI poderão ter acesso a
LGBTI,
uma advogada com formação especifica
levantar, de forma gratuita, material
em matéria LGBTI e direito laboral que
contracetivo
poderá
do
seu
informação
tempo,
sobre
especializados
diferentes
para de
pessoas barreira
e
gel
atentos/as
e
2:
matéria
Formação de
a
Rua de Baixo, 6, 4050-086 Porto
empresas
orientação
existam
bem
formados/as nestas matérias. Eixo
quando
situações de discriminação laboral.
lubrificante e encontrar uma equipa de profissionais
aconselhar
em LIVrE
sexual,
identidade e expressão de género e características
sexuais.
@espacolivre.planoi
Formação
especializada a empresas com o objetivo 222 085 052 / 968 612 615
de dotar os altos cargos das mesmas, sobre informação que lhes permita
livre@associaoplanoi.org
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Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
GRUPO DE JOVENS PROMOTOR DA IGUALDADE E DA SAÚDE UM ANO DE TRABALHO O Grupo de Jovens Promotor da Igualdade e
Grupo de Jovens. Queremos que a nossa voz
da Saúde formou-se em janeiro de 2021,
seja ouvida e fazer ouvir a voz daqueles e
durante o período atípico de confinamento.
daquelas que não podem gritar. Lutaremos
Apesar de todas as restrições, iniciámos a
por nós, bem como por todas as pessoas que
nossa jornada na Associação Plano i com
necessitam.
uma
Direitos
A nossa missão é contribuir não só para um
Humanos, que nos dotou de conhecimentos
mundo melhor, mas também empoderar as
básicos
pessoas que se cruzam com o nosso projeto.
formação
na
para
consciente
dos
auxiliarmos profissional
de
Acreditamos que a mudança se faz através
Atualmente, dispomos da ajuda de 25
da educação e consciencialização. Deste
jovens voluntários/as das mais diversas
modo,
áreas
procuramos
formação,
a
forma i.
de
e
área
como
Plano
Psicologia,
operando
várias
transmitir
ferramentas,
conhecimento
e
Criminologia e Direito, possibilitando uma
cooperar para um mundo mais livre do
atuação e perspetiva multidisciplinar.
preconceito.
Assistimos
diariamente
às
ações
de
Inicialmente, a nossa atuação focou-se na
movimentos que lutam por diversos direitos.
partilha de conteúdo através do instagram,
Sejam o direito à igualdade, direito ao
uma rede social utilizada por um grande
trabalho, direito à liberdade. Cada vez mais
número de jovens. Neste sentido, a nossa
as pessoas saem à rua e fazem-se ouvir. E
estratégia de atuação envolve, sobretudo, a
cada vez mais as nossas vozes são ouvidas.
divulgação
Precisamos de usar a nossa voz como arma,
consciencialização de datas importantes e a
fazer-nos ouvir e lutar pelos direitos em
recomendação de séries, filmes, livros e
que acreditamos.
podcasts que abordem temas importantes.
É este o ponto comum que une e molda o
Simultaneamente, utilizamos o Twitter da
15
de
conteúdo
educativo,
a
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Plano i para criar um espaço de debate saudável e respeitoso sobre os temas da atualidade. Criámos ainda dois projetos fantásticos: a Revista Insubmissa (que claramente já conhecem) e o No Label, um projeto ainda por divulgar (fiquem atentos e atentas!). Recentemente, para aumentarmos o nosso impacto
e
alcance,
departamentos atividades
criámos
que
em
desenvolvem
áreas
departamento
novos
específicas:
de
o
comunicação,
encarregue de criar conteúdo para as redes sociais; o departamento de eventos, que criará seminários e workshops temáticos; o departamento
de
campanhas
de
sensibilização, que estará presente em festivais
e
nas
ruas
do
Porto;
e
o
departamento de formação, encarregue de dar
formação
às
novas
pessoas
que
integram o Grupo de Jovens.
@jovens.planoi
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Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
APRESENTAÇÃO DE ENTIDADES PARCEIRAS CPCJ MATOSINHOS - COMISSÃO DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS DE MATOSINHOS
aprovado na Assembleia Geral das Nações a 20 de novembro de 1989, é ratificado por Portugal em 1990 e constitui-se como um grande
impulsionador
na
proteção
do
desenvolvimento da criança. Em Portugal, a 27 de maio de 1911 é
É,
aprovada a Lei de Proteção à Infância,
enunciados pela convenção, que se verifica
consequência da necessidade de garantir
a
uma maior proteção às crianças, como a
representando uma revolução na forma de
concretização da recente preocupação ao
olharmos a criança, reconhecendo-lhe um
nível do Direito de Menores, até então
estatuto próprio de sujeito de direitos,
inexistente. Esta Lei vigorou até 1962, altura
liberdades e garantias.
em que é publicada a Organização Tutelar
Acompanhando
de Menores, que se manteve até 2001, com
científicos e culturais, em 1991, são criadas
a entrada em vigor da Lei 147/99 de 1 de
as Comissões de Proteção de Menores.
setembro – Lei de Proteção de Crianças e
Atendendo às virtualidades reconhecidas da
Jovens em Perigo (LPCJP).
intervenção ao nível da comunidade e da
A Convenção sobre os Direitos da Criança é
ideia europeia da desjudicialização, a LPCJP
o
visa
substitui as Comissões de Proteção de
garantir os direitos da criança em todo o
Menores pelas Comissões de Proteção de
mundo,
sua
Crianças e Jovens (CPCJ), verificando-se uma
vulnerabilidade, necessitam de proteção e
reorganização, especialmente ao nível do
atenção especial. Este documento,
seu funcionamento e a lógica de
documento
internacional
assumindo
que,
que
devido
à
17
pois,
interiorizando
alteração
os
legislativa
os
princípios de
1999,
desenvolvimentos
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO)
intervenção deixa de ser apenas de proteção
vertente protetiva, de acompanhamento e
passando, também, pela promoção dos
avaliação
direitos.
Alargada, numa vertente mais preventiva,
A promoção dos direitos e proteção das
desenvolvendo ações que promovam os
crianças e jovens compete às entidades
direitos das crianças e jovens.
com competência em matéria de infância e
A LPCJP define criança ou jovem como
juventude, às CPCJ e aos tribunais. A
“pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa
intervenção
subsidiária,
com menos de 21 que solicite a continuação
devendo o tribunal ser o último a intervir.
da intervenção iniciada antes de atingir os
Assim,
tenha
18 anos e ainda a pessoa até aos 25 anos
conhecimento de uma criança ou jovem
sempre que existam, e apenas enquanto
numa situação de perigo deve comunicá-la
durem,
à CPCJ. As entidades com competência em
formação profissional”.
é
sucessiva
qualquer
e
pessoa
que
das
situações
processos
sinalizadas,
educativos
ou
e
de
matéria de infância e juventude também têm o dever desta comunicação, sempre e
A Comissão de Proteção de Menores de
quando não lhes seja possível atuar de
Matosinhos foi instalada pela portaria n.º
forma adequada e suficiente para remover o
150/93 de 17 de maio sendo, entretanto,
perigo em que se encontram.
substituída pela CPCJ de Matosinhos.
As
CPCJ
são
entidades
oficiais
não
judiciárias, com autonomia funcional, que visam promover os direitos das crianças e Foto: Pexels/Sharon McCutcheon
jovens e prevenir ou pôr termo a situações suscetíveis de afetar a sua segurança, saúde,
formação,
educação
ou
desenvolvimento integral. As situações de perigo,
atual
ou
eminente,
devem
ser
sinalizadas à CPCJ competente da área de residência da criança ou jovem. Funcionam nas modalidades Restrita, numa
18
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) A sua equipa, ao nível da Comissão restrita é
1387 processos de Promoção e Proteção,
constituída por técnicos/as com formação
sendo que 685 transitaram do ano anterior,
em psicologia, serviço social, educação
544 foram instaurados e 158 reabertos.
social, direito, ciências forenses, educação
Foram
e saúde. Inicia a sua atividade protetiva com
perigo, 41,6% pelas Forças de Segurança,
a receção de uma sinalização de uma
20,6% pelos estabelecimentos de ensino e
eventual situação de perigo relativa a uma
em terceiro lugar as sinalizações anónimas.
criança
Poder-se-á
ou
jovem
com
residência
no
comunicadas
associar
694
o
situações
aumento
de
das
município de Matosinhos, dando início a um
sinalizações de caráter anónimo ao olhar
processo de promoção e proteção. A
mais atento da comunidade, eventualmente
intervenção depende do consentimento
potenciado pela situação de confinamento
expresso dos pais, representante legal ou
e ações de sensibilização que existiram
pessoa que tenha a guarda de facto e,
neste
também, da não oposição da criança ou do
comunidade
jovem com idade igual ou superior a 12
agente de proteção.
anos. Dispõe, de acordo com a lei, de um
Relativamente
conjunto
sinalizadas, 41% dizem respeito a exposição
de
medidas
de
promoção
e
período,
proteção que visam afastar as crianças e
a
jovens
comprometer
de
perigo,
condições
para
proporcionar-lhe
às
se
configurar
categorias
comportamentos o
toda
como
de
que
a
perigo possam
bem-estar
e
desenvolvimento da criança, com 16,7%
desenvolvimento biopsicossocial e garantir
situações em que esteja em causa o direito à
a sua recuperação física e/ou psicológica de
educação e 16,2% situações de negligência.
qualquer situação de exploração ou abuso.
Salienta-se que a exposição a episódios de
A CPCJ elabora um Relatório Anual de
violência doméstica corresponde a 82,5%
Avaliação da sua Atividade apresentando e
das situações integradas na categoria mais
refletindo
sinalizada.
resultado
seu
para
a
bom
o
o
apelando
das
ações
desenvolvidas, tanto ao nível da promoção,
Depois
como ao nível da prevenção. No ano de
verificando-se
2020, a CPCJ de Matosinhos acompanhou
acompanhamento da situação, podem ser
19
da
avaliação
diagnóstica,
necessidade
de
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) aplicadas medidas de promoção e proteção.
Todos os anos, a CPCJ de Matosinhos
Das
promove iniciativas com o objetivo de
medidas
Matosinhos,
aplicadas
no
ano
de
pela
CPCJ
2020,
de
93,3%
alertar
a
comunidade
conhecimento
de vida, sendo que 83.2% dizem respeito à
crianças. São exemplo disso a campanha de
medida de Apoio Junto dos Pais. Assim, a
Abril - Mês da Prevenção dos Maus Tratos na
família
Infância,
primordial
de
como
intervenção,
o
meio
sendo
o
que
tem
dos
promover
correspondem a medidas em meio natural
constitui-se
acerca
e
direitos
apresentado
das
grande
adesão por parte da comunidade educativa.
afastamento da criança a última medida a ser tomada em consideração e sempre respeitando o seu superior interesse. Ao nível da promoção dos direitos e da prevenção das situações de perigo, a CPCJ de Matosinhos é entidade parceira de diversos projetos destinados a combater problemáticas que afetam as crianças e jovens, alguns dos quais, também, com a Associação Plano i , como a RIV – Rede de Intervenção na Violência Doméstica e em Contexto Familiar de Matosinhos e Espaço Lara - Apoio Psicológico Especializado para Crianças e Jovens Vítimas de Violência Doméstica.
A
20
de
novembro
comemora-se
o
aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, servindo de mote a, durante este mês, serem também promovidas iniciativas
20
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) para a sua divulgação e incentivo ao
Promoção e Proteção dos Direitos das
cumprimento dos seus princípios.
Crianças e Jovens de Matosinhos. Este Plano pretende garantir estratégias de apoio a uma parentalidade positiva e responsável; qualificar a intervenção das comissões de proteção
e
das
entidades
com
competência em matéria de infância e No ano de 2019, a CPCJ de Matosinhos
juventude e capacitar as famílias para o
aderiu ao Projeto Adélia, promovido pela
exercício de uma parentalidade positiva
Comissão
nas diferentes dimensões da vida familiar,
Nacional
de
Promoção
dos
baseada
Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.
na
eliminação
dos
castigos
corporais e numa educação não violenta, respeitadora dos Direitos das Crianças. Importa, ainda, destacar que tendo em vista dar cumprimento às recomendações do Comité
dos
Direitos
da
Criança,
designadamente, a adoção pelo Estado Português
de
uma
Estratégia
Nacional
abrangente para a aplicação da Convenção, foi aprovada através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2020, de 27.11.2020 a Estratégia Nacional para os Trata-se
de
Parentalidade
um
projeto
Positiva
de e
apoio
Direitos
à
da
Criança
(ENDC
2021-2024).
Pretende definir objetivos e implementar
capacitação
um
parental, que procura ser uma estratégia
conjunto
coordenado
de
atuações
intersetoriais que, partindo da situação atual
preventiva para a promoção e proteção dos
das crianças e jovens face aos direitos
direitos da criança e do jovem. Atualmente,
estipulados
encontra-se a ser realizado o diagnóstico
na
Convenção,
permitam
garantir um progresso significativo na
para a construção do Plano Local de
21
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) aplicação
dos
seus
diretos,
na
sua
participação e exercício de cidadania, num horizonte de quatro anos. Assenta em cinco grandes pilares: promover o
bem-estar
e
a
igualdade
de
oportunidades a todas as crianças e jovens, apoiar
as
promover
famílias o
e
acesso
a à
parentalidade, informação
e
participação das crianças e jovens; prevenir e combater a violência contra crianças e jovens
e
promover
a
produção
de
instrumentos e de conhecimento científico potenciadores de uma visão global dos direitos das crianças e jovens. A CPCJ de Matosinhos irá continuar a desenvolver a sua intervenção no sentido de dar seguimento ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, concretizando o que está previsto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e dando cada vez mais ênfase à questão da prevenção e à efetiva concretização dos Direitos das Crianças e
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Jovens do concelho de Matosinhos.
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22
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA
Revista insubmissa
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA O ESPAÇO LARA E O INTERESSE SUPERIOR DAS CRIANÇAS E JOVENS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA TEXTO DE OPINIÃO DE SOFIA NEVES, PRESIDENTE DA PLANO i Chamava-se Lara Henriques. Tinha 2 anos
incontornáveis no que respeita à sua
e, em 2019, foi asfixiada. Encontrada sem
amplitude e gravidade. Entre 2015 e 2019,
vida na mala do carro do pai, a menina
7414 crianças e jovens foram acolhidas em
padeceu às mãos do mesmo homem que
casas de abrigo e em estruturas de
havia esfaqueado até à morte a sua avó
acolhimento
Helena, após um histórico de violência
Nacional de Apoio a Vítimas de Violência
doméstica sobre o qual a mãe de Lara já
Doméstica. Em 2020, estiveram em curso
havia apresentado queixa às autoridades
69622 processos de promoção e proteção
policiais.
que
em Portugal. Destes, 13363 (32.3%) foram
o
processos relacionados com situações de
arquivamento de um processo que, aos
violência doméstica (CNPDPCJ, 2021). No
olhos do sistema, que somos todas e todos
mesmo
nós,
autoridades policiais 27367 participações
Às
precederam
não
ameaças os
crimes,
terá
suficientemente
de
sido grave
morte soma-se
considerado
foram
da
efetuadas
Rede
às
de violência doméstica, sendo que destas
denúncia tivesse seguido o seu curso até
cerca de 16% se referem a situações em
ao fim. No rescaldo desta tragédia, dois
que as vítimas eram filhas ou enteadas
homicídios
pessoas
das pessoas agressoras. Menos de 1% dos
especialmente vulneráveis, uma delas uma
casos são de vítimas com menos de 16 anos
criança, e um suicídio de um homicida que,
(SSI, 2021).
de um trago só, roubou para sempre à sua
Os efeitos a curto, médio e longo prazos
ex-companheira a filha e a mãe.
desta violência têm sido sobejamente
De todas as faces da violência doméstica, a
documentados na Literatura (e.g., Harrison,
que é perpetrada contra as crianças e
2021), sendo evidente o comprometimento
jovens é uma das menos visíveis. Contudo,
do desenvolvimento global das crianças e
os dados disponíveis sobre o fenómeno são
jovens vítimas, bem como do seu
duas
que
emergência
a
contra
para
ano
de
24
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) bem-estar e da sua saúde. Tal é ainda mais
efeitos de aplicação da Lei vigente, o
notório quando, em fases precoces do ciclo
conceito de “vítima” passa a incluir “(...) as
vital, não lhes é permitido criar vínculos
crianças ou os jovens até aos 18 anos que
com figuras de referência compensatórias
sofreram maus-tratos relacionados com
ou receber o apoio especializado que lhes
exposição
é devido. De facto, as crianças e jovens que
doméstica”.
estão ou estiveram expostas/os a situações
Refira-se, igualmente, a recente criação das
de
a
RAP - Respostas de Apoio Psicológico para
desenvolver mais e mais graves problemas
crianças e jovens vítimas de violência
de
doméstica.
violência
doméstica
internalização
ansiedade)
e
de
tendem
(e.g.,
depressão,
contextos
Distribuídas
de
pelo
violência
território
(e.g.,
nacional, estão atualmente ativas cerca de
de
30 equipas constituídas por psicólogas e
substâncias), a enfrentar mais dificuldades
psicólogos especialistas em abordagens
ao nível da aprendizagem e da aquisição
psicoterapêuticas
de competências interpessoais e sociais e
Estas têm subjacente o pressuposto de que
a experimentar uma menor aceitação de si
a exposição a eventos potencialmente
mesmas/os,
traumáticos pode desencadear nas pessoas
comportamentos
externalização
a
disruptivos,
revelando
abuso
frequentemente
focadas
no
trauma.
uma baixa autoestima (Arai et al., 2021).
sinais e sintomas que, não sendo objeto de
Nos últimos anos, o Estado português tem
uma intervenção especializada, provocam
vindo a dar passos muito significativos no
sofrimento,
que respeita à prevenção e ao combate à
disfuncionalidade. Do ponto de vista das
violência doméstica, criando mecanismos
abordagens psicoterapêuticas focadas no
legais e de proteção com vista a assegurar,
trauma, este não é somente uma condição
entre
das
clínica, mas antes um processo que resulta
crianças e jovens. A título de exemplo,
do contacto com situações perturbadoras,
refira-se a Lei n.º 57/2021 de 16 de agosto, a
stressantes e percebidas como perigosas e
qual veio alterar a Lei n.º 112/2009 de 16 de
que, nesse sentido, fomentam reações de
setembro, o Código Penal e o Código de
medo e/ou insegurança expectáveis. Assim,
Processo Penal, alargando a proteção das
o objetivo destas abordagens é mitigar as
vítimas de violência doméstica. Para
consequências danosas do trauma,
outros
aspetos,
os
direitos
25
instabilidade
e
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) aliviando a sintomatologia existente e capacitando
as
vítimas
para
a
reorganização (Bunting et al., 2019). A Associação Plano i é uma das entidades responsáveis por uma RAP, o Espaço Lara, assim apelidado em memória da Lara Henriques. Desde a sua abertura, em outubro deste ano, foram já solicitados acompanhamentos para 19 crianças e
Foto: Pexels/Skitterphoto
jovens. Em Matosinhos e no Porto, com o apoio das respetivas autarquias, e numa lógica de intervenção em rede, uma equipa de
profissionais,
ciente
da
imensa
responsabilidade que tem em mãos, presta apoio especializado e gratuito a crianças e jovens oriundas/os destes concelhos, assim como de Vila Nova de Gaia, Maia e Gondomar. Se todas e todos, como agentes de proteção que somos, fizermos a nossa parte, na deteção precoce, na sinalização, no encaminhamento, na denúncia e na proteção, mas também naquilo que é o nosso dever humano de nos mantermos vigilantes face à injustiça e à violência, as nossas crianças e jovens estarão mais seguras/os
e
poderão,
assim,
ser
verdadeiramente livres.
26
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA SAÚDE MENSTRUAL E ADOLESCÊNCIA ANA CATARINA M. SOUSA Entendendo a literacia em saúde como a
menstruação
capacidade crítica e autónoma de tomar
transição da infância para a vida adulta
decisões
e
que, por sua vez, se reflete no início de dias
responsáveis relativas à sua vida e à sua
férteis. Como dito por Simone de Beauvoir
própria saúde e daqueles que o(s) rodeiam
“Não se nasce mulher, torna-se mulher” e,
- saúde individual e coletiva - torna-se fácil
por isso, o ato de sangrar significa uma
compreender a necessidade da educação
nova leitura dos corpos e da construção do
para
”eu”
a
informadas,
saúde
conscientes
num
processo
de
-
existindo
é
a
conotada
como
necessidade
de
a
um
empoderamento, naturalmente realizado
cuidado acrescido pelo corpo. Esta é uma
logo
fase critica no desenvolvimento de imagem
precocemente
no
início
da
adolescência e ao longo da vida.
corporal
A adolescência é uma etapa evolutiva
compreender o impacto direto que estas
caracterizada pelo seu desenvolvimento
representações
bio fisiológico, psicológico e social. Esta é
nomeadamente numa autoconsciência do
uma fase de aprendizagem social intensa
conceito de “corpo” e de “ser mulher” na
marcada por alterações físicas, cognitivas e
sociedade em que se inserem e de que
psicossociais que marcam a transição da
forma esta contribui para a criação de uma
infância para a idade adulta que se
identidade que pode - ou não - condicionar
protagoniza através da maturidade sexual
uma
e capacidade reprodutiva; Estes começam
reprodutiva.
a definir as suas identidades e inicia-se a
A
construção de relações interpessoais e/ou
tridimensional do nosso próprio corpo e
intrapessoais.
que é criada na nossa mente (Schilder P,
O aparecimento da menarca - primeira
1950), sendo assim atribuída uma
27
sendo,
vivência
imagem
então,
importante
podem
da
corporal
saúde é
ter
sexual
uma
e
imagem
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) conotação subjetiva e passível de ser
Um dos exemplos presente na nossa
transformada. O conceito de “corpo” é
sociedade era outrora defendida pelos
construído por discursos que produzem e
antigos que encaravam este processo
reproduzem significados e a natureza do
menstrual como algo associado à sujidade
corpo feminino impôs-se desde cedo
e impureza;
como um desafio no que concerne a
idealização de um ser perfeito que não
compreensão
funcionamento
sangra e tudo que esteja vinculado a
fisiológico, nomeadamente, a menstruação
processos do aparelho reprodutor feminino
que sempre levantou questões que se
seja escondido, por exemplo, através do
conotavam como difíceis de responder.
cumprimento de recomendações no que
O
concerne a cuidados de higiene, passando
sangue
do
seu
menstrual,
em
diferentes
Este
tendo em conta, por exemplo, fatores
utilização
culturais e/ou religiosos. No século XIX
denominações conferidos à menstruação.
foram desmistificadas algumas ideias e
Ao falar sobre estas temáticas parece-nos
preconceitos sobre a menstruação e a sua
imprescindível
origem, contudo, algumas superstições e
propagação
mitos conseguiram subsistir no tempo
comunicação social e os media e de que
apesar de todos os avanços na área do
forma, estas questões podem ser induzidas
conhecimento,
de forma errada através do marketing.
da
grande
abordar de
íntimos
a
pelo
da
produtos
com
épocas, foi encarado de forma diversa
nomeadamente,
vestuário,
relaciona-se
diversidade
as
formas
informação
e
a de
de pela
ginecologia e obstetrícia e que acabaram
A comunicação social e os media têm um
por se refletir no comportamento dos
papel fulcral no que concerne a reflexão
indivíduos
de valores que assentam na garantia dos
independentemente
da
sua
faixa etária, a sua raça, etnia ou grupo
direitos
social.
nomeadamente
latente
Existe na
ainda
um
discussão
desconforto de
questões
população
sexuais mais
de
reprodutivos, uma
jovem,
camada por
meio
da de
relacionadas à menstruação e que são
produção e transmissão de informações de
compactadas
carácter fundamentado e de qualidade
por
vezes,
de
forma
involuntária.
sem discriminações ou violência, contudo,
28
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) silenciamento da menstruação e acabam
Foto: Pexels/Sora Shimazaki
por
perpetuar
os
preconceitos
relacionados com sangue menstrual.
esses tabus são muitas vezes reproduzidos pela publicidade, uma vez que, estes meios
Foto: Pexels/cottonbro
não têm apenas o poder de refletir valores, mas de os criar e reforçá-los. No
que
diz
respeito
aos
anúncios
“(...)
na
nossa
sociedade
efetua-se
a
publicitários que visam as pessoas com
higienização
útero
publicitárias, principalmente através da
como
público-alvo,
estes
das
próprias
mensagens
demonstram o seu caráter prescritivo no
abstração
que
e
resultante do tabu social relacionado aos
comportamentos que devem ser adotados
fluidos que emanam do corpo.” (Miguel,
diz
respeito
a
valores
por essa população durante a menstruação
das
R.B., Rosa et al., 2017)
e em relação aos seus corpos sendo visível a associação entre higiene e beleza como abordados anteriormente e que visam o
29
funções
corporais,
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA MARIANA REIS A NÃO-ESCOLHA EM SER MÃE "Mulheres não “escolhem” ser mãe. Isto é imposto como o único destino digno possível para a vida delas. E um dia elas simplesmente atendem a essa profecia auto-realizável. Seja conscientemente ou não. Isso é maternidade compulsória. O que é facultativo, na nossa sociedade, é a paternidade." Cila Santos Muitas mulheres passarão pelo processo de
e,
reflexão que implica decidirem se querem
utilizado para manter a mulher sob o
ou não ser mães. Questionam, ponderam e,
poder do sexo masculino, delineando
quando acontece que não o querem,
muito bem o seu lugar na sociedade: em
justificam a si mesmas as razões, preparam
casa a cuidar das crianças e das “lidas
o discurso para apresentar a todas as
domésticas”.
pessoas que lhe irão perguntar o porquê ao
politizar a maternidade e a trazer para a
longo do curso da sua vida, ou então são
esfera
eventualmente convencidas/se convencem
ocorresse uma mudança na forma como as
de que afinal sim, querem ser mães. A todo
pessoas percecionavam o ato, conseguindo
este processo chamamos de maternidade
agora vê-lo como uma ferramenta de
compulsória, ou seja, a constante pressão
dominação e limitação do poder das
e
mulheres
condicionamento
que
as
mulheres
sentem para serem mães. Foi
com
Simone
de
inevitavelmente,
um
Simone
social,
abriu
em
de
instrumento
Beauvoir,
espaço
participarem
para
na
ao que
esfera
pública. Mais tarde, com os movimentos Beauvoir
que
feministas
franceses,
houve
uma
começamos a questionar a maternidade
reivindicação pelo direito à livre escolha da
como o destino biológico das mulheres. A
maternidade, apelando ao direito à pílula
autora
contracetiva e ao aborto. Este era o início
apresenta,
nas
suas
obras,
a
maternidade como uma construção social
da luta pela ocupação do espaço público
30
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) por parte da mulher e, neste sentido, pela
se este era o curso certo para mim e para o
igualdade social.
meu futuro. Ou pelo menos na altura não
Mas embora a luta tenha começado, não
interessou, nem tão pouco pesou na minha
quer dizer que esta tenha terminado. Na
decisão. Naturalmente que não vos espanta
realidade, está muito longe disso. É uma
saber que, nem um ano depois, estava a
luta
preencher uma folha que me iria permitir
constante
e
interminável
pelos
direitos básicos de pessoas que querem
mudar
simplesmente serem donas das suas
Humanidades. Portanto, voltando ao tópico
decisões e dos seus pensamentos. Que
original: é difícil de afirmar que todas as
não
pessoas
desejam
questionar
se
as
suas
para
o
que
curso
podem
de
Línguas
e
engravidar/com
decisões aconteceram como resultado de
filhos/as realmente fizeram essa escolha
coerção, de pressões sociais e mensagens
informada ou se foram condicionadas
diretas “do que é correto fazer”. Do único
para tal.
caminho acertado a seguir. Porque o que é
Isto
isto do acertado? De certo que, na sua base,
constantemente comunicada como uma
tem que estar a vontade da pessoa e não
obrigação, existindo a expetativa, não
uma compulsão com base na pressão
questionada, de que irá acontecer no
social.
futuro
Não podemos afirmar, de ânimo leve, que
obrigação é recebida de todos os cantos, de
engravidar e ter filhas/os é uma escolha.
profissionais de saúde, da esfera pessoal
Ser
“tomar
(pessoas amigas, familiares), de pessoas
várias
conhecidas e não conhecidas (e.g., igreja).
uma
escolha
determinada
pressupõe
decisão
(entre
porque,
de
a
todas
as
sequer
mulheres.
Esta
Nunca
seguir o curso de Ciências e Tecnologia, fi-
introspeção
lo sabendo que havia outras opções… mas
podem
quais eram essas? Não interessava. Porque
relacionados
durante anos ouvi que o sucesso só iria ser
possivelmente passaram por abortos ou
alcançado através da opção que eu agora
pela confrontação com a impossibilidade
tinha escolhido. Não interessava se eu tinha
de engravidar.
interesse nas matérias que ia aprender ou
Também existe a perceção de que, uma
de
ter
a
é
possíveis)”. Quando escolhi, no 9º ano,
31
há
maternidade
que
algumas
passado com
perceção
este
por
ou
pessoas traumas
assunto,
que
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) vez que a mulher é mãe, esta torna-se uma
a maternidade é romantizada, gerando
“super mulher”, capaz de fazer tudo e de
desconforto e insegurança quando as
nunca se cansar ou chegar ao limite.
mulheres se veem no papel de mães e
Quanto mais complicada a situação (como
sentem dificuldades, não gostam do
é o exemplo de mães solteiras), mais
processo ou mesmo se sentem infelizes.
idolatrada
Pensam
é
a
mulher
quando,
na
que
não
aceitável
sentirem
ou
realidade, o que estas pessoas querem e
apropriado
precisam é ajuda, apoio e compreensão,
Consequentemente, isto origina uma
tanto do lado social como do lado político.
teia
Algumas consequências da maternidade
esconder
compulsória:
infelicidades e desgostos. Sentem-se
de
se
é
fingimentos, de
todas
um as
assim. frenético
dificuldades,
a mulher é cuidadora, não apenas das
sozinhas, isoladas e “más mães”, como
possíveis crianças que possam vir a
se fossem as únicas a se sentirem assim;
existir/existam,
as
a naturalização do cansaço constante,
pessoas, principalmente dos homens.
sendo que os momentos de pausa e
Para além de colocar uma pressão
descanso geram sentimentos de culpa
enorme na mulher, também infantiliza
na mulher.
mas
de
todas
os homens; a mulher é “pacificadora” e “gentil” e, por
Todas estas crenças colocam pressão na
isso, é-lhe colocada a responsabilidade
mulher para permanecer em situações e
de mediar relações e conflitos;
relações desconfortáveis pois este é o seu
a mulher está sempre pronta para
papel e o que esperam dela.
dizer
Outro
“sim”
a
qualquer
pedido,
fenómeno
percetível
-
a
sentindo-se culpada quando estabelece
desresponsabilização masculina. Através
limites.
da socialização, as pessoas são ensinadas
Consequentemente,
quando
um limite é estabelecido, surge o
que
impulso
responsabilidade da mulher. Isto leva a que
de
compensar
o
'inconveniente" de alguma forma;
impedir
uma
gravidez
é
da
os homens se excluam completamente da narrativa.
32
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Acontece que, embora a culpabilização
Ela
seja toda voltada para a mulher, os
símbolo
métodos
feminina,
contracetivos
que
estas
têm
pôde
ser
de
abordada
um
como
ideal
tanto de
também,
como
realização símbolo
da
disponíveis não são suficientes, por si só,
opressão das mulheres, ou símbolo de
para evitarem uma gravidez. Nenhum
poder das mulheres, e assim por diante,
mostra eficácia garantida quando utilizado
evidenciando as inúmeras possibilidades
isoladamente. Adicionalmente, apenas as
de interpretação de um mesmo símbolo.
mulheres são empurradas para o uso de
Além disso, ela pôde ser compreendida
métodos contracetivos sobre os quais
como
desconhecem os efeitos e riscos, sem
maternidade
é
um
que
fenómeno
tipo
de
mais ainda, foi possível compreendê-la
toda a vida). concluir
um
núcleo central articulador é a família. E,
vão reagir à sua toma (diária) (durante assim
de
organização institucional familiar, cujo
saberem quais as suas opções ou como
Podemos
constituinte
como um símbolo construído histórico,
a
cultural e politicamente resultado das
com
relações de poder e dominação de um
múltiplas facetas, como afirma Lucila
sexo sobre o outro.”
Scavone:
* Na sociedade contemporânea, recusar a maternidade ainda é recebido como uma anormalidade, assumido como “vais ver que daqui a uns anos mudas de ideias”. A escolha da mulher em não ser mãe é percecionada como um comportamento imaturo,
egoísta,
pouco
refletido
ou
mesmo contra-natura. Toda a minha vida (mesmo em criança) recebi mensagens de todas
as
pessoas
com
quem
relacionava, mensagens que indicavam Foto: Pexels/Viktoria Slowikows
33
me
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) que um dia eu ia ter um feto a nascer
Na
dentro de mim e, mais tarde, uma criança
processo é exaustivo, na medida em que
para cuidar. Foram-me dados nenucos e eu,
cansa ter que justificar, múltiplas vezes, as
teimosa, apenas brincava com as barbies,
minhas decisões a pessoas que não estão
fazendo-as
envolvidas
ter
trabalhos
e
uma
vida
minha
experiência
nestas
pessoal,
mesmas
este
decisões.
própria, solteira, sem filhos/as à vista. Mais
Portanto, a quem se revê na situação de
tarde,
pessoa-que-se-intromete-nas-decisões-
quando
tinha
palavras
para
o
expressar, parecia um papagaio a repetir a
pessoais-das-outras-pessoas”: chega.
frase “não quero ser mãe”. Eventualmente, a ideia foi aceite pelas pessoas
à
minha
volta,
embora
não
dispensei de ouvir "quem vai tomar conta de ti quando fores velha?”, “quem vai continuar o teu legado?", "quem te vai fazer companhia na vida?”, “odeias crianças não é?”, “o que vai acontecer quando namorares alguém que quer ter filhos/as?”. Eventualmente, criei respostas perfeitas para todas estas (absurdas) (intrometidas) questões. Porém, todos estes anos de preparação (das pessoas) não impediu que, quando comecei a namorar, uma das primeiras perguntas que ouvi foi “então, vão querer bebés certo?”. O facto de ser uma relação lésbica originou outro tipo de perguntas engraçadas (não) como “quem vai ser o pai?” ou “vão adotar?”.
34
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA SOFIA MOREIRA COMPORTAMENTOS AUTO LESIVOS EM IDADE ESCOLAR
O futuro são os/as mais novos/as, dizem
que emergem (Centers for Disease Control
constantemente as pessoas adultas. De
and Prevention [CDC], 2021). Crianças e
facto, são eles/as que um dia ocuparão os
jovens psicologicamente saudáveis detêm
nossos lugares, que irão cuidar do país e
uma qualidade de vida positiva, que lhes
de todas as entidades que o movem.
permite um funcionamento íntegro no
Convido-vos a refletir sobre o facto de que
contexto familiar, escolar e comunitário
outrora em cada um/a de nós viveu uma
(CDC, 2021). As perturbações mentais na
criança, e questiono: A criança que fomos
idade escolar referem-se a alterações
está feliz com o mundo que a rodeia? A
significativas no modo como as crianças e
verdade é que algumas pessoas à medida
jovens aprendem, se comportam ou lidam
que
com as suas próprias emoções, podendo
vão
crescendo
acabam
por
se
conformar com o meio à sua volta e
exibir
deixam de lutar pelo seu eu criança. Mas a
alguns medos e preocupações (CDC, 2021).
luta pelos direitos das crianças e dos/as
No que diz respeito aos comportamentos
jovens é um assunto de todos/as e que não
perturbadores,
pode ser negligenciado.
comportamentos
A infância e a adolescência são fases em
parecem aumentar de forma notória entre
que
em
os/as adolescentes nas escolas (Almeida et
e
al., 2018). Segundo Carvalho et al. (2013), os
desenvolvimento. Muitas vezes enfrentam
comportamentos autolesivos referem-se a
situações
comportamentos sem intencionalidade
as
constante
crianças
e
jovens
estão
aprendizagem difíceis
que
lhes
causam
comportamentos
perturbadores,
surgem
que
envolvem
que
demasiado sofrimento psicológico. Neste
suicida,
sentido, a saúde mental reflete um papel
autolesivos
primordial no que diz respeito à forma
exemplo: cortar a pele, saltar de um local
como estes/as lidam com os problemas
relativamente elevado, ingerir fármacos em
35
mas
autolesivos
os
intencionais
como
atos por
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) doses superiores ao recomendado, ingerir
Tiwari, 2017) e é um produto final da
uma
interação
entre
psicoativa ou objetos não ingeríveis (e.g.
biológicos,
psiquiátricos,
lixívia, detergente, lâminas ou pregos). É de
sociais e culturais (Hawton et al., 2012).
notar que embora a automutilação e o
Alguns estudos sugerem que esta conduta
suicídio estejam frequentemente a ser
é mais provável no sexo feminino e está
associados, diferenciam-se um do outro
associada a sintomatologia depressiva e
(Almeida et al., 2018). Carvalho et al. (2013)
ansiógena, consumo de álcool, cannabis,
distingue os atos suicidas de duas formas:
tabagismo e comportamento antissocial
droga
ilícita,
uma
substância
psicológicos,
(e.g.
a morte por parte do/a indivíduo/a, mas
comportamento
este/a por razões diversas não atinge esse
adotado pelos/as adolescentes como meio
fim;
morte
para lidarem com as próprias emoções,
provocada pela ação intencional de uma
visto que é uma fase em que estes/as
pessoa pôr termo à vida, na qual podem
tendem a vivenciá-las com uma maior
estar
intensidade (Almeida et al., 2018).
suicídio
envolvidos
consumado
fatores
de
-
natureza
&
genéticos,
tentativas de suicídio - práticas que visam
e
Agarwal
fatores
Tiwari,
autolesivo
2017). tem
O sido
psicopatológica. Assim sendo, a criança ou
Uma vez que hoje em dia as crianças e
adolescente que tenta o suicídio tem como
jovens passam a maior parte do seu tempo
finalidade a morte (Almeida et al., 2018).
em contexto escolar, a escola tem um
Em
papel
contrapartida,
praticam
o
aqueles/as
ato
fundamental
na
prevenção
e
automutilação,
intervenção nestas problemáticas. Como
procuram aliviar o seu sofrimento através
referido anteriormente, uma das causas
de resultados imediatos e tendem a
que pode despoletar estes atos autolesivos
repeti-lo até que a sensação de alívio seja
são as dificuldades sociais. Sendo a escola
atingida, podendo perdurar ao longo do
um
tempo
relacionamentos
(Almeida
automutilação
de
que
et
al.,
A
onde
se
constroem
interpessoais,
estas
principalmente
questões devem ser alvo de uma maior
lesões cutâneas, como por exemplo, o ato
análise. Segundo a Organização Mundial de
de
Saúde [OMS] (2006), a ideação suicida e a
cortar,
envolve
2018).
meio
arranhar,
morder,
queimar,
congelar e arrancar o pêlo (Agarwal &
tentativa de suicídio surgem mais
36
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) frequentemente entre as crianças e jovens
Foto: Pexels/Eleonor Jane
que foram vítimas de abuso por parte de colegas. A verdade é que alguns/mas autores/as
confirmam
associação
entre
o
que
há
bullying
uma e
os
comportamentos autolesivos (e.g. Hay & Meldrum, 2010). Entende-se por bullying um tipo de agressão que envolve um desequilíbrio de poder entre os/as bullies
forma adequada a estas necessidades.
e
abusos
Acredito que investir na formação de
intencionais e repetitivos contra os pares,
todos/as os/as profissionais, poderá ter
com
danos
resultados significativos na promoção ao
significativos à vítima (Esposito et al.,
nível do próprio bem-estar e no das
2019). O facto das crianças e jovens
crianças e jovens, famílias e comunidade
experienciarem sentimentos de rejeição
educativa em geral.
por parte dos/as colegas, poderá resultar
Em suma, um olhar mais atento para estas
em sofrimento psicológico uma vez que
questões
podem acreditar que o seu valor relacional
população em geral em reconhecer os
é baixo (Cheek et al., 2020). A rejeição pelo
direitos das crianças, fará toda a diferença.
grupo de pares, é considerada apenas um
Como é referido na Convenção sobre os
indicador
baixa
Direitos das Crianças: “Quando os adultos
avaliação relacional, no entanto outros
tomam decisões, devem pensar em como
fatores como o stress também pode ser um
as suas decisões irão afetar as crianças.
fator de risco para os comportamentos
Todos os adultos devem fazer o que é
autolesivos (Cheek et al., 2020). Ora, visto
melhor para as crianças. Os governos
que estas problemáticas emergem no
devem certificar-se de que as crianças são
contexto escolar, é necessário que todos os
protegidas e cuidadas pelos seus pais, ou
agentes
por
as
vítimas, a
onde
finalidade
possível
da
existem
de
causar
para
comunidade
uma
educativa
tenham capacidades para responder de
outras
e
uma
pessoas
sensibilidade
quando
tal
da
for
necessário. Os governos devem certificar-se
37
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) de que as pessoas e os locais responsáveis por cuidar das crianças estão a fazer um bom trabalho.” e “Toda a criança tem o direito de estar viva. Os governos devem certificar-se
de
que
as
crianças
sobrevivem e se desenvolvem da melhor forma possível.” (Unicef, s.d.). Posto isto, qual é a resposta à pergunta que eu fiz inicialmente? Caso a resposta seja negativa, faça a diferença, lute pelos direitos das crianças e pela criança que em tempos foi.
Foto: Pexels/ Mikhail Nilov
38
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LUGAR DE FALA SOFIA FIGUEIREDO CRIANÇAS SOLDADO “Para estas crianças, a vida nunca mais será a mesma. As consequências psicológicas e físicas são avassaladoras e não afetam apenas a criança, como também a sua família e a sua comunidade.” Unicef.
“Embora os dados exatos sobre o número
A Convenção sobre os Direitos da Criança
de crianças utilizadas e recrutadas em
(1989) mudou a forma como as crianças são
conflitos
de
vistas e tratadas, ou seja, estas passaram a
confirmar devido à natureza ilegal do
ser tratadas como seres humanos com um
recrutamento
conjunto distinto de direitos, e não como
estima
armados
que
de
sejam
difíceis
crianças,
dezenas
de
a
UNICEF
milhares
objetos passivos de cuidado e de caridade.
de
Segundo a Convenção, todas as crianças
meninos e meninas menores de 18 anos
têm direito à saúde, educação e proteção,
sejam usados/as em conflitos em todo o
porém, milhões de crianças veem o seu
mundo. Muitos foram levados/as à força,
acesso negado a uma oportunidade justa
enquanto outros/as se juntaram devido à
por nenhuma outra razão que não seja o
pressão económica ou social. As crianças
país
deslocadas ou que vivem na pobreza são
portadores
e/ou
as
mundo, o número de crianças que não
combatentes, de
sexo
nas matrículas escolares ao redor do
várias funções por forças armadas e cozinheiros,
o
Apesar de ter existido um grande progresso
As crianças são recrutadas ou usadas para incluindo
vivem,
circunstâncias em que nasceram.
ainda mais vulneráveis ao recrutamento.
grupos,
onde
frequentam a escola aumentou desde 2011.
armas,
Cerca
mensageiros e espiões, ou são sujeitos a
de
124
milhões
de
crianças/
adolescentes não frequentam a escola
exploração sexual.
duas em cada cinco das mesmas, ao sair
39
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) segurança. Mas o que significa o termo “Trabalho infantil”? Define-se por um trabalho forçado e/ou obrigatório, como a utilização, o recrutamento, ou a oferta da criança para fins de exploração sexual e trabalhos que possam prejudicar a saúde, a segurança ou moralidade da criança. Este inclui ainda as piores formas de trabalho infantil, como a escravidão ou Foto: Pixabay/Mojpe
práticas similares à escravidão ou até mesmo
o
uso
de
uma
criança
para
prostituição por atividades ilícitas, sendo, desta forma, uma grave violação dos direitos humanos. Desta forma, o mundo decidiu juntar-se para condenar o envolvimento de crianças
da escola primária não sabem ler e/ou
nestes
escrever.
imensos os desafios que permanecem após
Sendo
defendem
que
que, esta
vários
autores
problemática
conflitos.
Porém,
parecem
ser
tanto esforço.
é
Cerca de 250 milhões de crianças vivem
agravada pelos conflitos armados. da
em países e áreas afetadas por conflitos.
Organização Mundial do Trabalho, existem
Na Síria, a guerra causou a morte de mais
152 milhões de menores que são vítimas
de 250 mil pessoas, estando, neste número,
de trabalho infantil e cerca de 10 milhões
incluídas
de crianças (num total de 40 milhões) são
Afeganistão, em 2015, foi registado o maior
vítimas de escravidão moderna, no mundo
número de vítimas infantis desde 2009.
inteiro. Nestas estatísticas estão incluídas
Na Somália, existe um aumento de 50% no
crianças entre os 5 e os 17 anos, onde
número de violações registadas contra
sensivelmente
tarefas
crianças face a 2014, com centenas de
perigosas que põem em risco a sua saúde e
crianças recrutadas, mortas e mutiladas. No
De
acordo
com
as
metade
estatísticas
realiza
40
milhares
de
crianças.
No
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) Sudão do Sul, as crianças foram vítimas de
Estas desigualdades e perigos violam os
todas as seis violações graves.
direitos das crianças e colocam em risco o
Por fim, como supramencionado, o direito
futuro de cada uma delas assim como
das crianças à proteção contra a violência
perpetuam
está consagrado na Convenção sobre os
desvantagem
Direitos
mil
acabam por comprometer a estabilidade
experimentam
das sociedades e até mesmo a segurança
milhões
da de
Criança,
no
crianças
entanto,
alguma forma de violência emocional,
ciclos
intergeracionais
de
e
desigualdade
que
de
das nações.
física ou sexual todos os anos. A cada cinco minutos, morre uma criança vítima de violência. Com a adoção dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em setembro de 2015, os líderes mundiais comprometeram-se
a
acabar
com
a
pobreza até 2030. Porém, se não se intensificarem os esforços até à data, segundo
as
estatísticas,
cerca
de
70
Foto: UN Photo/Isaac Billy
milhões de crianças podem vir a morrer antes
de
completarem
o
quinto
aniversário, nove em cada dez crianças que vivem em pobreza extrema estarão a vivem na África Subsaariana, mais de 60 milhões de crianças em idade escolar estarão fora da escola, sendo que, mais de metade estará a viver na África Subsaariana e, por fim, cerca de 750 milhões mulheres terão casado enquanto ainda eram crianças. Foto: Pixabay/ElenaOlesik
41
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA MEL TAVARES "VOLTA P'RA TUA TERRA!" "Volta pra tua terra!" - Como uma litania, a
Então vim para esta terra lusa, de coração
frase, - muitas vezes esbravejada em tom
aberto e braços abertos.
de ataque para que assim ocorra uma
Contudo,
fuga - adentra nossos ouvidos, faz tremer
somente a revelar seus pontos fracos, e
os cristais que ali temos, passa por nosso
logo que comecei a escola, o meu primeiro
bulbo raquidiano, que em seguida leva ao
"Volta pra tua terra", me esbofeteou e
tálamo,
mandou-me ao chão. É fácil imaginar, que
que
será
responsável
por
quem
abre
os
braços
está
alguém originalmente vindo de um país
processar uma resposta motora. Seja essa
pobre, cheio de violência e fome, achou
resposta som ou movimento. Mas, apesar
Portugal um paraíso. Um verdadeiro conto
da resposta neurofisiológica usual, esta
de fadas. Mas aí está a questão, contos de
frase fica a saltar em nossas cabeças,
fadas não existem. Aos 13 anos, ao refazer o
entre sinapses e centros cerebrais, levando
7º ano, era uma pessoa "bem-vinda" à
a falta de ação, a uma caixa de voz que
escola com empurrões, puxões de cabelo,
parece não funcionar. Atada por nós que
e palavras de baixo calão. Por parte dos/as
fariam navegantes orgulhosos/as.
alunos/as e professores/as. Mal sabia eu,
Quando em criança imigrei para Portugal e
que o "Volta pra tua terra!" seria de todos,
soube que esta seria minha nova casa,
o insulto mais leve.
pensei: "Existe casa longe de casa?". Tendo
Seria
sido sempre uma nómada em meu próprio
eu,
assim
tão
diferente
do/a
próximo/a, só por ter uma nacionalidade
país, a cada um ano em uma nova morada,
diferente? Como não queria ser diferente,
Portugal me pareceu só mais uma morada.
não queria sofrer. Logo então, me moldei,
Nunca consegui criar raízes antes, não
tentei
havia tradições, amigos/as de infância, ou
me
"brasileiro".
aquele sítio que sempre visitava porque, de
integrar. Nas
aulas
Adeus de
sotaque Português,
apenas notas negativas, por não saber a
alguma forma, me marcou.
42
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) ortografia.
Sentia-me
pessoa
m*rd@", a cabeça de meu irmão abrindo
analfabeta funcional. Vestia-me igual a
depois de ser mandado aos matraquilhos.
eles e elas, alisava o cabelo igual a eles e
"Sai de cima dele, seu imigrante preto!"
elas, berrava asneiras igual a eles e elas.
quando meu irmão tentou se defender
Dentro da escola, nunca mais proferiria
quando um miúdo da escola tentou lhe
sequer uma palavra "brasileira". A não ser
bater na rua.
que fosse cunho de entretenimento aos/as
As marcas que isso deixa são várias.
meus/
Fomos embora de Portugal, crescemos,
minhas
amostra
pares,
quando
uma
uma
pequena
requisitavam
-
"Fala
amadurecemos,
fizemos
faculdade,
brasileiro! Fala!".
trabalhamos, viramos pessoas adultas. Dez
Com o passar do tempo as falas não eram
anos depois, voltamos. Até hoje quando
mais direcionadas a mim, de modo geral, e
converso
sim somente às pessoas brasileiras. Como
desconhecidas, utilizo sotaque "português",
no dia em que a professora de Língua
quando vou ao banco, quando vou ao
Portuguesa atestou ao fato de que todas
talho. Antes, na escola, a minha melhor
as brasileiras eram p*tas, pois havia ela
amiga da altura, me ouviu falar português
encontrado cuecas em baixo da cama, e ela
brasileiro, uma vez, quando fui falar com
tinha certeza que seu marido a havia traído
minha mãe às escondidas à casa de banho.
com uma "brasileira de m*rda!". Claro que
Até hoje, meu irmão não consegue se
esta professora esperou para partilhar este
conectar com pessoas portuguesas, que
conto no dia em que não fui à escola. “Sorte
apesar de existirem um mar de pessoas
a
boas
minha”,
que
havia
lá
uma
colega
e
ao
não
telefone
com
xenofóbicas,
o
pessoas
trauma
brasileira, que já estava em Portugal há
continua. É difícil confiar.
tanto tempo “que era mais portuguesa do
Que outros déficits pode essa xenofobia,
que
este
brasileira”,
e
que
providenciou
a
preconceito
deixar
em
crianças
informação. Tal violência não ficou só
migrantes? Quando finalmente fui para o
comigo, tendo chegado a este país com
secundário - em Portugal, onde ninguém
mais
supostamente
dois
irmãos,
os
dois
sofreram
violências mais visíveis. "Ó brasileiro de
saberia
meu
sotaque
minha nacionalidade, onde parecia com
43
e
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) os/as portugueses/as no modo de vestir,
errado, como alguém na academia não
falar
sabe escrever?”.
e
agir,
isolamento
pensei
estavam
que para
os
dias
trás.
de
Apesar
desse assunto não se transparecer em minhas/ meus colegas de turma e escola, vinha com toda força, como um tsunami, através de professoras. Em disciplinas que sempre tirava notas ruins, era uma pessoa burra, deveria ser assim devido a minha nacionalidade, “não conseguia aprender nada de jeito”. “Olha como vem para a escola, a utilizar saias, coisa mesmo de brasileira”.
Isto
minou
a
minha
Foto: Pexels/Monstera
confidência académica, agora, era eu alguém inútil, sem intelecto, que nunca chegaria a lugar algum. Mas na altura, não
Apesar de todo o trauma, Portugal deu a
percebia o quanto estas violências me
mim um sentimento que o Brasil nunca
afetavam. Só quando cheguei ao Brasil e
conseguiu dar: de lar, de casa. Quando
destacava-me como um des melhores
retornei, finalmente senti que as coisas se
alunes da escola, verifiquei que nunca fui
alinhavam, quando ando pelas ruas, tenho
ruim, apenas arruinade.
um sentimento de nostalgia, de estar em
Ser alguém esticade até que fosse dividide
meu elemento. "Existe casa longe de
em dois acordos ortográficos também teve
casa?" Existe sim. Mas nem toda casa é
suas consequências, as idas e vindas,
perfeita.
rendeu-me uma pessoa inábil para a escrita,
motivo
de
risada,
Em contacto com diversas/os imigrantes
quando
que têm filhas/os em Portugal e no sistema
finalmente leram minha tese de mestrado
público de educação, questiono: "Sofrem
no Brasil e verificaram: “Trabalho muito
muito preconceito? É difícil a integração?
bom, mas o seu português está todo
Eles/Elas estão a usar sotaque?".
44
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) E os pais e as mães sempre respondem em
Várias contas do instagram e twitter, tais
tom de confusão, que não. Que suas
como a Plataforma Geni, repudiaram esse
crianças hoje sentem-se bem integradas e
fato. A @plataformageni, um espaço de
têm muitas amizades.
igualdade e justiça social das mulheres
Entretanto, isto só quer dizer que as coisas
brasileiras migrantes foi além e prestou
são mais sutis. Como na matéria escrita
queixa à Entidade Reguladora para a
pela jornalista Paula Sofia Luz do jornal
Comunicação Social (ERC), para que este
português Diário de Notícias, em que
ato de xenofobia não passe impune.
compara no texto de título, "Há crianças
Fico feliz, por um lado, que menos crianças
portuguesas que só falam 'brasileiro'", o
se
fato de crianças portuguesas assistirem
experiência
vídeos de youtubers brasileiros e falar
isolamento, angústia, dor.
'brasileiro', a um vício, como drogas e
E por muito tempo pensei que não poderia
alerta as/aos responsáveis de educação,
retornar a Portugal, não sabia que esta
com aval dos/as professores/as, que isto "é
terra
preocupante" ou que "não passa de uma
Sentimentos estes que tornavam difícil
fase,
enxergar, que nacionalidade não define
assim
como
aconteceu
com
as
novelas".
sentem
isoladas, era
era
pois
composta
minha
a
minha
de
solidão,
verdadeira
casa.
casa. Que o amor à terra, parte do ser e estar. Por outro lado, ainda assim é importante lutar, lutar para que haja
Foto: Pexels/Alana Sousa
igualdade
e
dignidade.
Para
que
as
oportunidades sejam as mesmas, para que uma criança possa crescer, estudar e brincar normalmente, independente da sua nacionalidade. O movimento Brasileiras Não Se Calam, em seu
(@brasileirasnaosecalam)
publicam relatos dos diversos tipos de xenofobia sofridos por mulheres brasileiras pelo fato de serem mulheres brasileiras,
45
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) em que estas são sexualizadas, violadas, humilhadas e inferiorizadas, através de um estereótipo, e não só em Portugal, mas pelo mundo afora. O mesmo acontece com suas/seus filhas/os na escola. O movimento disponibiliza grupos de apoio,
facilita
procura de emprego, apoio social com consultoria jurídica e psicoterapia para mulheres e mães migrantes em situação de violência doméstica e abre espaço para voluntariado. Hoje sinto que voltei para a minha terra. E estou aqui para ficar.
46
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
LUGAR DE FALA TEX SILVA O GROOMING SEXUAL DE MENORES ONLINE - ESPECIFICIDADES, PERIGOS E INCIDÊNCIA
O grooming sexual online compreende no
Em 2019, Kloess, Hamilton-Giachritsis e
seu processo especificidades em relação ao
Beech concluíram no seu estudo que, na
chamado
tradicional.
sua maioria, os/as ofensores/as tendem a
Tradicionalmente, o grooming tem sido
procurar e servir-se de plataformas de
estudado como um meio para atingir um
comunicação
fim, que é o eventual abuso/agressão
serem populares entre menores, o que
sexual. Mas este tipo de vitimação ganha
sugere um certo nível de pesquisa e clara
diferentes contornos quando se manifesta
preferência por crianças. No entanto, o
maioritariamente online, sem prova de que
mesmo estudo não permitiu perceber se as
a pessoa ofensora pretende o contacto
vítimas foram selecionadas de acordo com
físico com a vítima em algum momento.
características específicas, físicas ou outras,
A Internet veio favorecer e simplificar o
preferidas pelos/as ofensores/as. De facto, a
desenrolar do processo de grooming
escolha da vítima parece ser aleatória no
sexual,
de
caso do grooming online, podendo resultar
ofensor/a sexual e tornar possível que a
do processo que a literatura define como
pessoa ofensora estabeleça contacto com
“scanning”.
um número elevado de potenciais vítimas
Para selecionar uma potencial vítima, a
de forma rápida e sem limitações físicas (a
pessoa ofensora pode basear-se nas suas
proximidade
um
características físicas, na facilidade do
requisito e deixa de existir uma barreira
acesso à mesma e/ou na perceção das suas
geográfica),
por
vulnerabilidades específicas. Os estudos
completo a fase de grooming do ambiente/
relevantes à temática têm apontado para
meio, uma vez que as barreiras externas
as
ao abuso deixam de existir.
familiares problemáticos, com
criar
grooming
uma
física
nova
deixa
eliminando
tipologia
de
ser
quase
47
crianças
online
e
conhecidas
jovens
de
por
contextos
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) perturbações emocional
do e
foro
vítimas
psicológicode
permitiram
concluir
que
21%
dos/as
violência
ofensores/as na amostra não chegaram a
doméstica e/ou de negligência, estarem
conhecer pessoalmente as vitimas. Este
em risco elevado de violência sexual.
dado é corroborado em Briggs et al., com
Quando nos direcionamos para o grooming
41% dos/as participantes a revelar que
em contexto online, os/as menores com
foram motivados/as pela relação sexual
estilos de vida isolados e com falta de
online per si, sendo que o contacto físico
suporte
maior
não estava incluído na sua fantasia e não
probabilidade de procurar as interações
era o seu objetivo. Estes dados vieram
online, com pessoas estranhas que lhes
contrariar as suposições feitas na literatura
oferecem uma sensação de pertença e
até aí que entendiam o grooming como
aceitação.
um meio para atingir um fim.
social/informal
têm
Para além das especificidades já referidas, o grooming sexual online veio apresentar os
grupos
de
predadores/as
apoio
sexuais,
online nos
para
quais
se
apoiam mutuamente, legitimam os seus atos e trocam dicas e métodos para melhor terem acesso a potenciais vítimas e atingir o seu objetivo. A Internet é também
sinónimo
de
anonimato,
permitindo às pessoas ofensoras criar uma fantasia, de forma a ludibriar a criança e levá-la a pensar estar a falar com um par. Este anonimato cria ainda barreiras à deteção policial e encoraja a passagem à ação.
As
entrevistas
conduzidas
pelo
Projeto Europeu sobre Grooming Online com groomers (online) condenados/as
Foto: Akancha Srivastava
48
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) E, paralelamente a isto, à medida que a
sexual sob ameaça de os conteúdos serem
comunicação via internet se tornou mais
publicados online (e, aqui, o grooming
fácil,
manifesta-se como mais uma tática para a
acessível
e
rápida,
também
a
definição de sexting teve de se tornar
perpetuação de exploração).
mais
Geralmente falando, o ênfase na abstenção
abrangente,
de
maneira
a
acompanhar a nova realidade. Hoje, o
como
sexting
uma
sexuais de risco tem-se provado ineficaz. A
comunicação de cariz maioritariamente
verdade é que os/as jovens irão, na sua
visual, à base do envio e receção de
grande
imagens e/ou vídeos de conteúdo íntimo e
sexualidade,
explícito.
devido a pressão de pares, e isso inclui a
Aproximadamente 15% dos/as jovens da
prática de sexting. Reconhecendo esta
faixa etária dos 13 aos 18 anos enviam
realidade, torna-se necessário munir os/as
estes conteúdos, comparativamente aos
jovens do conhecimento necessário para a
cerca de 30% que declaram já ter recebido
tomada consciente de decisão no que diz
este tipo de material, sendo que não têm
respeito à sua intimidade e sexualidade e
sido encontradas diferenças significativas
às possíveis consequências e riscos.
entre rapazes e raparigas na probabilidade
Os estudos sugerem que a participação na
de receber ou enviar mensagens deste tipo.
troca de imagens e/ou vídeos íntimos está
Um dos riscos do sexting mais citados
associada
pelos/as jovens é a partilha não consentida
exploração
do seu conteúdo, sendo fator de ansiedade
adultos/as, exacerbado pela facilidade de
e preocupação entre os/as jovens. Há
acesso às plataformas e à possibilidade de
também noção da probabilidade de, sendo
anonimato, podendo a pessoa ofensora agir
as
partilhadas,
à distância, atravessando várias jurisdições
sofrerem bullying e cyberbullying por
sem ser identificada. De facto, no seu mais
parte de colegas, além de serem vítimas de
recente estudo, Tamarit et al. concluíram
suborno, abuso e/ou coerção
que o sexting e a troca de imagens/vídeos
suas
é
entendido
imagens
íntimas
como
com
o
objetivo de continuar o contacto de cariz
solução
para
maioria,
a
seja
experienciar com
um
risco
sexual
por
de conteúdo explícito
49
comportamentos
a
curiosidade
acrescido
sua ou
de
predadores/as
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) online,
não
publicações
só
entre
nas
suas
si
como
redes
em
sociais,
constituem fatores de risco significativos para a vitimação sexual online, incluindo o grooming. Estando
este
novo
fenómeno
em
crescimento entre esta população, torna-se essencial educar para os riscos e cuidados a ter, como forma de prevenir a futura exploração de menores e a possível venda e proliferação dos conteúdos partilhados em falsa sensação de segurança.
50
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
ABC DA IGUALDADE ABCDEFGHIJLMNOPQRSTUVXZ EMANCIPAÇÃO O conceito de emancipação tem a si
portugueses/as são dos/as que mais tarde
associado ideias e conteúdos diversos.
abandonam o ninho, em média aos 29
Comecemos por olhar para a definição
anos, ocupando o sétimo lugar entre os 28
deste
membros
conceito:
(1)
ato
ou
efeito
de
da
União
Europeia,
como
emancipar; (2) estado daquele/a que, livre
consequência de fatores relacionados com
de
pode
o contexto laboral, o mercado imobiliário,
administrar os seus bens livremente; (3)
a maior duração da etapa formativa e
libertação do poder parental.
hábitos culturais relacionados com os
toda
Quando
e
qualquer
falamos
de
tutela,
emancipação
na
fortes
vínculos
caracterizam
últimos anos, especificamente após a crise
mediterrânica
financeira de 2010, não podemos ignorar a
europeus”. Mesmo as pessoas jovens que se
situação muito específica das pessoas
consideram emancipadas continuam a
jovens portuguesas. Estas queixam-se de
viver dependentes economicamente da
uma emancipação tardia, que “demoram a
sua família ou de um/a parceiro/a, sendo
sair
sentem
que sabemos que “o acesso dos/as jovens à
dependentes das suas famílias, sonhando
habitação está intrinsecamente ligado à
por uma independência que consideram
sua situação de emancipação em relação
inalcançável. A Century 21 realizou em 2019
ao contexto familiar e à capacidade de
um estudo neste sentido: “A juventude
alcançar a independência económica”.
ninho”
portuguesa
é
e
das
que
mais
se
lentas
países
face
a
de
que
realidade portuguesa, tendo em conta os
do
os
familiares, outros
cultura países
a
emancipar-se, a desenvolver uma vida
Noutro caso de emancipação, em Portugal,
independente do lar familiar e aceder à
a emancipação de menores só é possível
sua própria habitação. De acordo com
com o casamento da pessoa menor, com
números do Eurostat, os/as jovens
mais de 16 anos, permitindo assim, o livre
51
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) acesso a todos os seus direitos e à gestão
"berço de ouro"), que não dá espaço à
dos seus bens. Porém, isto não constitui
maturação, e acrescida de um percurso
uma garantia pois é necessário uma
escolar
autorização parental, de tutor/a ou judicial
adulto/a para a vida real que o/a aguarda
para que se forme uma união civil.
no futuro.
Neste mesmo contexto, e sendo Portugal um país enraizado na cultura e no respeito e vínculo familiar, o casamento prematuro é visto com "maus olhos", e também assim é vista a emancipação de menores - como uma falha parental - ao permitir, mais especificamente no caso de filhas, a saída antecipada do lar e a "cedência" da liberdade. Nas questões judiciais vemos também a séria realidade do que é ser jovem em Portugal, quando, sempre que se verifica um ato violento ou acidente envolvendo jovens abaixo dos 21 anos, se questiona "Onde estava o/a pai/mãe?". Deste ponto de vista que aqui se coloca, é importante questionar se a emancipação tardia
de
portugueses/as
jovens é
apenas
adultos/as produto
do
estado económico do nosso país, ou se terá
uma
forte
multiplicada
por
componente uma
familiar
infância
e
adolescência demasiado protegida (o
52
que
não
prepara
o/a
jovem
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
SABIA QUE...? PORTUGAL LANÇOU UMA CAMPANHA CONTRA O CASAMENTO INFANTIL, PRECOCE E FORÇADO No dia 11 de Outubro, Dia Internacional das
terreno tendo em vista a desconstrução de
Raparigas, a Senhora Secretária de Estado
mitos associados a estas práticas, bem
para a Cidadania e para a Igualdade, Rosa
como alguns dos principais sinais de alerta
Monteiro,
e
a ter em conta. O referido Grupo de
empenho do Governo na prevenção e
Trabalho foi criado em fevereiro deste ano
combate às práticas tradicionais nefastas,
e reúne um conjunto de especialistas e
como os casamentos infantis, precoces e
serviços relevantes nesta matéria - como
forçados, que constituem uma violação dos
são
direitos humanos das mulheres e das
República, o Instituto Nacional de Medicina
raparigas. As raparigas são mais afetadas
Legal
por este fenómeno do que os rapazes por
Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e
se
particularmente
Fronteiras (SEF), a UNICEF Portugal bem
vulneráveis e expostas à violência na
como organizações da sociedade civil com
intimidade, ao tráfico para exploração
serviços na área da violência e do tráfico de
sexual, à gravidez indesejada, com riscos
seres humanos (Alto Comissariado para as
de morte materna e infantil e com maior
Migrações, 2021).
reforçou
o
compromisso
encontrarem
probabilidade
de
abandono
exemplo e
a
Ciências
Procuradoria-Geral Forenses,
escolar
(Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2021). Para assinalar este dia, o Grupo de Trabalho para
a
prevenção
e
combate
aos
casamentos infantis, precoces e forçados criou um folheto informativo - disponível aqui
-
que
almeja
promover
a
sensibilização de profissionais dos serviços públicos e técnicos/as com intervenção no
Foto: UN Photo/Fred Noy
53
a
da
Polícia
Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) O
casamento
contraído
forçado
sem
o
e/ou
livre
Migrações,
precoce, e
2021).
multissectorial
válido
Uma ao
resposta casamento
consentimento de, pelo menos, uma das
forçado/precoce e à violência com base no
duas pessoas ou antes dos 18 anos de
género conduz, de um modo geral, a um
idade, é internacionalmente reconhecido
aumento do nível de segurança e apoio às
como uma violação dos Direitos Humanos
pessoas vítimas e sobreviventes, através
e uma forma de violência com base no
de uma rede de serviços eficaz, imediata e
género. Trata-se de uma prática danosa
consistente.
socioculturalmente e multifacetada, com
Posto isto, aconselhamos a leitura atenta
consequências
deste
nefastas
no
documento,
que
apresenta
um
desenvolvimento pessoal, oportunidades
“Roteiro da UE para referenciação sobre o
futuras, saúde e bem-estar das crianças,
casamento
mulheres, homens, famílias, comunidades
profissionais de 1ª linha” (Associação para o
e nações (Associação para o Planeamento
Planeamento da Família, 2021).
forçado/precoce
para
da Família, 2021). Em Portugal, o casamento forçado está previsto nos artigos 154º-B e 154º-C do Código Penal, sendo punível com pena de prisão até 5 anos. É um crime público (Lei nº 83/2015), no entanto torna-se imperativo adotar uma política de tolerância zero e medidas concretas que sejam capazes de desafiar e desconstruir as assimetrias de poder que estão na base da perpetuação
Que esta campanha seja o primeiro passo
destes
os/as
de um desígnio coletivo pelos direitos das
ferramentas
raparigas e mulheres. Pela escolha livre e
fenómenos,
profissionais
com
capacitando as
necessárias para identificar, sinalizar e
esclarecida. Pelos Direitos Humanos.
denunciar, intervindo para capacitar as populações nos seus territórios e apoiar as pessoas vítimas (Alto Comissariado para as
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ESPAÇO CULTURAL
Revista insubmissa
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THE MASK YOU LIVE IN: REFLEXÃO SOBRE O ESTADO DA ARTE ESCRITO POR VÂNIA ALVES Aqui, uma vez mais, neste ponto de reflexão que entre a vida que acontece me faz lembrar o mundo lá fora. E é por isso que a cultura é tão importante, porque nos faz lembrar, de uma forma mais próxima, o que é isto do mundo e da vida. Às tantas já não sou só eu e o meu egoísmo, e a minha vida, e os sonhos, e o tempo. Sou eu e todas aquelas histórias, sou eu e toda aquela vontade de mudar isto que está tudo errado, esta insanidade sem causa mas com efeito. Eu e aquela vontade que às vezes se embala, que às vezes adormece, mas que nunca morre. Saibam que nunca morre, saibam que há sempre forma de acordar. Depois de ter absorvido o documentário e das histórias daquelas crianças, daqueles
Tema: Masculinidade Tóxica;
jovens,
Processos de aprendizagem na infância
daqueles
homens
me
terem
despedaçado, reflito sobre este mundo,
Base científica interdisciplinar: Psicologia;
que já conheço toldado, pela reprodução
Sociologia; Educação; Neurociência;
de valores que adoecem a sociedade, que
Psiquiatria
adoecem as pessoas, que rasgam aquilo
Data de Lançamento: janeiro, 2015
que temos de mais profundo, que matam.
Duração: 1h37
Ainda reproduzimos uma cultura que se
Diretora: Jeniffer Siebel Newsom
encontra em processos vários de
Plataforma: Youtube, original e legendado
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Revista insubmissa
VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
(CONTINUAÇÃO) putrefação,
formas
de
desfasadas
daquilo
a
ver que
o
mundo
interrogarem acerca de conceitos que
chamamos
julgam que se inventam a par e passo disto
evolução. Já enviamos o capitalismo para
que
o espaço mas ainda não fomos capazes de
diferente, porque “antigamente não era
cuidar da nossa saúde mental, da nossa
nada disto” e “as coisas eram de outra
Educação, das nossas vidas, da nossa
forma”.
sociedade,
As
queremos chegar viveram vidas difíceis de
prioridades dizem muito sobre a forma
trabalho intenso e de uma gestão da vida
como a sociedade se organizou e a
familiar difícil, falam da vida dura quase
importância que isto que é a humanidade
como com orgulho que foi o que lhes
tem. E para que a ruptura seja feita neste
restou do trabalho de todos os dias, e
ciclo vicioso urge cada vez mais uma
falam de uma vida dura como dever para o
revolução no sistema de ensino, para que
qual as pessoas de agora não estão
não se reproduza o mesmo paradigma
preparadas, porque isto da vida e do que
com as mesmas conceções e os mesmos
somos, do que somos e do que sentimos
constructos, para que não se reproduzam
são
as mesmas estruturas, o mesmo sistema
conhecimento e as práticas do “agora”,
perpetuador de preconceito, desigualdade
julgando-nos incapazes de lidar com as
e ignorância, sistema esse destruidor do
anteriores.
pensamento crítico e livre.
frenesim da existência sem consistência,
É também necessário saber como chegar a
sem nada daquilo que é palpável. Sempre
estas pessoas já aculturadas por este
sem tempo, sem vontade, sempre com
pensamento normativo do que é o género,
reticências e preconceitos adotados como
identidade,
dogmas.
dos
nossos
orientação
Direitos.
sexual.
Porque
é
ser
modernidade,
Muitas
coisas
das
pequenas.
Outras
que
pessoas
é
a
ser
que
Desvalorizam
tantas
imersas
o
no
parece que vivemos dentro de conceitos,
Outro dia um amigo meu, integrante de
as
termos
uma faixa etária que julgamos informada, e
difíceis, a linguagem científica, tudo isso é
fácil de desconstruir, sentiu-se ofendido
importante, mas tudo isso também afasta
com isto que seria “a masculinidade
quem queremos que nos ouça. As pessoas
tóxica”, com o termo, mas ele não sabia
estão demasiado ocupadas para se
bem o que significava o termo, julgou
palavras
complicadas,
os
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Revista insubmissa
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(CONTINUAÇÃO) imediatamente que era um ataque aos
de a traduzir e da implementar, de a trazer
homens, que provavelmente terá muito a
para a praça pública, para a realidade das
ver com os discursos de hoje, e da forma
pessoas, para a prática, para a vida de
como
todos
comunicamos,
neste
mundo
os
dias,
para
onde
elas
se
construído assente numa ideologia binária,
encontram, se reconhecem, se constroem
na construção cada vez mais profunda dos
e se moldam, só assim o processo de
géneros, assente no seu contraste e na sua
transformação
oposição. Masculinidade tóxica, isso que
significativo na alteração do paradigma.
vos mata, isso que vos prende, isso que vos
As forças da resistência a estas novas
restringe os sentimentos, isso que vos
formas de pensar o mundo crescem, e por
engole, isso que em vocês não reconheces.
isso temos também nós que continuar,
É por isso necessário informar de forma
mesmo
quando
eficaz
quando
tudo
em
plataformas
de
massas.
terá
um
tudo
parece
impacto
parece imóvel,
inerte, mesmo
Desconstruir tem que ser a palavra do dia,
quando a nossa individualidade parece
aqui é que deve estar a tónica. Só na
ganhar
desconstrução
esqueçam: Revolução é coisa de todos os
será
possível
construir
novas formas de pensar o mundo. Só no
dias!
reconhecimento do problema podemos trabalhar a solução. É preciso sim avançar no sentido que a produção científica avança, mas é preciso também que existam plataformas que introduzam esses novos conceitos, essas novas inscrições, nas vidas quotidianas das pessoas de forma interdisciplinar e não de forma isolada como se tenta impor. Isso
poderá
passar
pela
aplicação
e
naturalização dos temas na comunicação social e nas escolas. Há uma necessidade de saber comunicar a produção científica,
58
ao
coletivo,
porque
nunca
se
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Revista insubmissa
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA
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VOL. 5 | NOVEMBRO, 2021
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA CAROLINA TENDINHA
Mantém-se também ligada às crianças em contexto de voluntariado, intervindo com crianças imigrantes e refugiadas de países em
crise
e
vulnerabilidade.
Carolina Tendinha nasceu em Portugal mas cresceu em Angola onde viveu até aos 18 anos com a família. Durante esses anos passou por países como Namíbia, África do Sul, Botswana, Zâmbia e Moçambique. Depois de ter deixado Angola em 2014, mudou-se para Portugal para estudar Psicologia,
que
principalmente
atualmente com
exerce,
crianças
e
adolescentes.
60
em
situações
de
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EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA Veem-se as costelas do corpo franzino Como ramos de árvores despidas. Vestido com a pele que com vincos fala, Que nem pedaços ressequidos e esbranquiçados De quem caminha por caminhos empoeirados. E diz a criança com olhar doente e amarelado, (Tristes aqueles olhos esfomeados…) - A fome consome-me o corpo que nada come. E ele some e some. Criança coberta de tecidos, Os farrapos raramente cosidos Frequentemente esburacados, Sempre tesos e encardidos. São panos manchados todos os dias Do ranho seco, das lágrimas e do suor das corridas. Carregam na mala invisível, Uma bagagem experientemente castigada Uma curta vida instável Uma vida curta fatigada. Criança companheira da noite soturna, ouvinte da orquestra de cigarras, que por entre matebeiras despenteadas cantam em uníssono desenfreadas. São pequenas as mãos que batem palmas, enquanto escutam atentas o concerto. A guerra rebenta lá onde estão as almas, ora chapando a mosquitada na noite calma, ora disparando o gatilho ao incerto. CAROLINA TENDINHA
61
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
FOTO: CAROLINA TENDINHA
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Revista insubmissa
FICHA TÉCNICA REVISÃO DE CONTÉUDOS: PAULA ALLEN SOFIA NEVES
EDIÇÃO E REDAÇÃO: ANA SOFIA FIGUEIREDO MARIANA REIS SHEILA GÓIS HABIB TERESA RAMOS DE SÁ TEX SILVA VÂNIA ALVES
NESTA EDIÇÃO, UM AGRADIMENTO ESPECIAL À JÚLIA FERREIRA E À SOFIA COSTA
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