11 minute read
As espumas do rio
VII F3f
As espumas do rio
Advertisement
Uma manhã em que caminhavam rumo à escola, pouco depois de terem parado para tomar leite morno na casa de dona Juana, a conversa entre Rosa e Gabito começou a tocar em temas mais sérios do que o gelo, a corcunda do camelo do circo ou os espíritos que rondavam pelos quartos na casa do garoto. — Gabi, o que quer ser quando crescer? — perguntou a professora. — Meu avô também me perguntou a mesma coisa — disse o menino. — Não se preocupe, é muito cedo para saber, mas a vida vai lhe indicando. Tem que fazer algo que goste. — Gosto muito de ler — disse o garoto. — Então pode ser jornalista, escritor, advogado. Quando se tornar famoso, não se esqueça de mim. — Não a esquecerei nunca — respondeu Gabito.
Anos mais tarde, Rosa se lembraria com saudades as vivências e anedotas do pequeno povoado da sua juventude, esse com telhados de zinco e palmeiras, paredes branqueadas e
rodapés e batentes de cores vivas que oscilavam entre o vermelho, o laranja e o verde. No entanto, não deixava de se admirar de que na sua juventude não costumava identificá-lo com o paraíso. Naqueles tempos, as imagens de uma jovem sonhadora não combinavam com as pinceladas do quadro perfeito executado por um pintor romântico. Com os pés na terra, Rosa se dava conta de que Aracataca, o povoado longínquo e empoeirado que seus pais tinham escolhido para morar, não oferecia oportunidades distintas que não fosse trabalhar na United Fruit Company. Por outro lado, talvez seus genes não fossem projetados para o calor tropical, e esse povoado que adorava com a alma, nas horas de mais calor se aproximava da sucursal do inferno. De fato, a temperatura subia quase que diariamente aos trinta e nove graus centígrados e caminhar pelas ruas ao meio-dia era uma tortura. Nem as amendoeiras pareciam dar sombra em meio desse torpor que grudava na pele sem dar trégua. Para aliviar um pouco esse excesso de calor, alguns recorriam a táticas lendárias nascidas do bom senso, como o costume de transitar sempre pelo lado sombreado da rua, proteger a cabeça com um chapéu de aba larga ou caminhar com uma sombrinha. Do mesmo modo, todos conheciam as refrescantes vantagens da roupa feita de algodão ou de linho, assim como a importância de usar a cor branca.
Rosa e as mulheres do povoado viviam em uma luta permanente contra o pó e o suor, que grudavam no cabelo tirando-lhe o brilho e o volume. Acostumaram a lavar o cabelo a cada três dias com sabonete e depois, para clareá-lo, passavam um pente molhado com chá de camomila ou um chá de linhaça
que alisava o cabelo ondulado e era o favorito das crianças e dos homens, que à moda da época usavam o cabelo duro e grudado como se tivessem colocado cola. — Olha que cabelo mais lindo que tem a senhorita Rosa — disse-lhe a mãe de uma de suas alunas.
Ter os cabelos brilhantes era a melhor carta de apresentação de uma mulher. Por esse motivo Rosa e suas irmãs costumavam escovar o cabelo por vários minutos antes de se deitarem para dormir. Nessa época havia uma escova muito cobiçada entre as mulheres da alta sociedade da Europa, elaborada com pelo de camelo. Foi trazida como uma novidade pelos comerciantes turcos que chegavam ao povoado com mercadorias e objetos exóticos da civilização, que incluíam louças de Limoges com bordas de ouro, talheres de prata, sedas da China, espartilhos finíssimos para delinear a figura feminina, unguentos que eliminavam as dores e excentricidades que pareciam alheias a um povoado tão distante, mas que de todas as maneiras encontravam uma fiel clientela. Não há dúvida que esses comerciantes sabiam como vender; não existe ninguém como eles capazes de falar sobre as vantagens e propriedades dos produtos que ofereciam. Esse era o caso da cobiçada escova de camelo, que garantiam ter propriedades especiais que proporcionavam fortaleza e brilho aos cabelos. Os eficazes comerciantes não deixavam de esclarecer que era importante escovar cem vezes todos os dias. Mas ninguém parecia duvidar da escova inovadora que tinha um preço escandaloso e que, no entanto, era vendida como pão quente na padaria.
Outro segredo era utilizar a água mais apropriada para lavar os cabelos. Aracataca não contava ainda com aqueduto e a água que se consumia nas casas vinha de três origens distintas: a que se extraía do poço, a que transportavam do rio e a que se recolhia quando chegavam as chuvas.
A casa do coronel, igual à de Rosa, tinha seu próprio poço com uma bomba manual. Uma tubulação transportava o cobiçado líquido até o corredor dos quartos, muito perto da sala de jantar, onde havia uma bacia e um jarro para lavar as mãos. Além disso, a uma distância moderada para que o sabão não contaminasse o poço, encontrava-se uma pia para lavar os pratos e as panelas.
No entanto, a água do poço não servia para beber nem para lavar os cabelos porque, por algum erro de cálculo, ao escavá-lo, a água ficou salobra pelas infiltrações marinhas do subsolo. Esse era o motivo pelo qual a água do rio era imprescindível em todos os lares. — Ali vêm os burros! Vamos, corram que já estão chegando — ouvia-se as crianças gritando com alegria seguindo os mansos quadrúpedes em seu percurso pelas ruas levando sobre seus lombos umas pesadas vasilhas metálicas carregadas com água do rio.
Mais de uma vez Rosa viu uma lágrima furtiva escorrer pela pelúcia cinza dos nobres pôneis cujos lombos pareciam se envergar com o peso que carregavam. As crianças saíam para lhes dar as boas-vindas com gritos e risadas, causando um grande alvoroço ao mesmo tempo em que lhes ofereciam pedacinhos de rapadura, que os pequenos animais recebiam felizes.
Alguns empreendedores donos dos burros haviam colocado em prática seu espírito comercial ao criar miniempresas de distribuição de água do rio, quase sempre turva, mas que as ágeis donas de casa se ocupavam de clarear adicionando nos potes umas duas colheres de cristais de alumbre. Ao misturar o líquido com um pedaço de pau grande, como por um passe de mágica se tornava transparente diante do olhar surpreso das crianças.
Em um lugar tão quente, era natural que todos tomassem banho duas vezes ao dia: de manhã pela higiene e a segunda vez, à tarde, para se refrescar. Era então quando se sentiam todos renovados que desfrutavam a melhor parte do dia: os homens se reuniam no café, as mulheres — liberando uma forte fragrância de colônia e pó de jasmim — se sentavam diante dos portões com seus leques e as crianças saíam para brincar na rua, limpas e penteadas, enquanto tomavam o lanche da tarde, que consistia em um copo de aveia com leite e baunilha e uma fatia de pão com manteiga.
Costumavam ferver a água do rio para eliminar as amebas e os parasitas tropicais. Depois, deixavam para descansar em temperatura ambiente e a despejavam em filtros de pedra ou em potes de barro para eliminar o desagradável sabor que tem a água fervida.
Mas a água que se recebia como uma bênção dos céus e celebrada com alegria era a que as chuvas traziam. — Vai chover! Corram, preparem as canecas! — já se ouvia alguém gritando antes que todos na casa começassem a se movimentar. A ocasião era como uma festa que começava
com a brisa agitando as árvores, espalhando sobre os tetos e corredores folhas verdes e amarelas. Em um instante, a chuva chegava salpicando todos enquanto os pássaros faziam um grande alvoroço com seus cantos e bater de asas.
Cada um se ocupava de ajudar na tarefa de aproveitar a água clara e cristalina que escorria pelos telhados de zinco até as canaletas que a transportavam para enormes canecas metálicas. Quando enchiam, eram cobertas com uma tampa com o duplo propósito de que as aves e os roedores não as utilizassem, e para que não caíssem impurezas dentro. A água de chuva era a favorita para beber e preparar os alimentos na cozinha. Isso consistia em parte da rotina de todas as casas que incluía se ocupar em certificar que as canaletas estavam sempre limpas e bem posicionadas para quando as chuvas chegassem. Na casa de Rosa essa tarefa cabia ao seu irmão Manuel.
Em um dia normal, Rosa se levantava às seis da manhã e, depois de cruzar o quintal, passava pelo quartinho sanitário antes de continuar até outra construção parecida que servia para tomar banho, cada uma de pouco menos de três metros quadrados. Por serem tão pequenos, eram muito quentes e a umidade atraía os mosquitos, assim o prazer de tomar banho incluía a tarefa de dar tapas a torto e a direito para repelir seus incômodos ferrões. Uma vez Rosa encontrou uma cobra atrás da bacia de água, daí a preocupação de revistar todos os cantos para evitar um encontro com os perigosos répteis ou com um escorpião.
Talvez porque a água era tão importante na vida diária do local e por evocar uma sensação refrescante, que Rosa sempre
conservaria de uma maneira muito especial em sua memória as imagens relacionadas com o tão apreciado líquido vital. Também desfrutava recordando a entusiasmada lavadeira que em ocasiões esfregava a roupa no tanque de sua casa, muito próximo de um pé de goiaba. Essa fragrância se transformava com os anos em uma lembrança refrescante, unida ao suave aroma do sabão com água sanitária de que tanto gostava.
No entanto, nada se comparava à brancura radiante da roupa que era lavada no rio. Algumas lavadeiras atribuíam os resultados a uma técnica nascida ao longo dos anos de muita prática, começando na adolescência, quando, acompanhadas de outras mulheres, iam juntas lavar a roupa. Cada mulher escolhia sua pedra e as demais a respeitavam. Algumas passavam vários anos lavando sobre a mesma rocha e muitas viviam do que os norte-americanos pagavam na região. Chegavam cedo, acompanhadas de suas filhas adolescentes e dos filhos menores, e retornavam à tarde com sua límpida carga, com a brancura característica de roupa quando é lavada à mão e colocada para secar ao sol.
O processo para se chegar a essa condição de roupa branca como a neve e livre de branqueadores químicos parecia um ritual. Primeiro lavavam vigorosamente a roupa, depois a espremiam levemente e a colocavam sobre as pedras para pegar sol durante vários minutos. Tinham que ficar continuamente pulverizando as peças recém-lavadas porque se deixassem que o sabão secasse sobre o tecido, apareceriam umas manchas amareladas difíceis de eliminar.
As lavadeiras eram imprescindíveis em todos os lares. Contavam a roupa por peças. Quatro lenços equivaliam a uma peça. E como passavam bem o linho. Haviam aprendido essa profissão de suas mães e avós, e a ensinavam às suas filhas. Tratava-se de um ofício muito humilde, mas respeitável.
Algumas tardes, e sempre acompanhada de uma das criadas que trabalhavam na sua casa porque seus pais não lhe permitiam fazer isso sozinha, Rosa saía para caminhar até a região onde moravam os norte-americanos e os altos executivos da United Fruit Company. Era um setor de casas bonitas, a uma curta distância do povoado, rodeado por uma cerca de arame e com empregados cuidando da segurança. Mais adiante, seguindo uma rota com imensas pedras brancas, ficava sua parte favorita: o rio.
Nessa altura as lavadeiras já tinham voltado para suas casas. Costumavam chegar muito cedo carregando sobre as cabeças bacias e bateias carregadas de roupa suja, que esfregavam cuidadosamente com sabão sobre as pedras do rio. Suas vozes alegres e seus cânticos podiam ser ouvidos por cima de uma algazarra de pássaros e maritacas e as gargalhadas das crianças, que se entretinham fazendo pedrinhas achatadas saltarem sobre o rio.
Quando algum rapaz se aproximava do grupo sua mãe lhe advertia: — Cuidado que por lá anda o homem jacaré.
Essa ameaça era suficiente para que voltasse para casa com toda a pressa. E as crianças e adultos costumavam vislumbrar o horizonte com medo de encontrar o suposto personagem
que rondava os rios; segundo a lenda, é um personagem muito apaixonado que está sempre próximo de onde as mulheres lavam a roupa ou vão se banhar.
Às vezes Rosa via, dobrada sobre a pedra, alguma roupa que a lavadeira estava demorando em terminar de lavar. Tratando de se antecipar da escuridão da noite, corria para esfregar a roupa com força contra a pedra enquanto de longe dava para se ouvir os golpes com que castigava a roupa molhada sobre a superfície rochosa, deixando um rastro de espuma sobre a corrente do rio. Sua mãe sempre pedia às lavadeiras que não esfregassem a roupa contra as pedras, porque isso desgastava o tecido, mas elas sempre a ignoravam, convencidas de que esse método que tanto conheciam era o que deixava as prendas mais brancas. — Branca, mas cheia de furos — costumava responder sabiamente a mãe de Rosa àquelas que defendiam o método da pedra.
Extasiada, a jovem professora ficava por um bom tempo olhando o trajeto das espumas deslizando sobre o rio. “Chegariam a povos remotos, ou talvez ao mar?”, perguntava-se. Com inveja, pretendia imitar a dança livre que as frágeis bolhas pareciam executar, em sua cadenciosa viagem para terras longínquas. Assim permanecia um bom tempo, sentada sobre uma pedra à margem do rio, até que as últimas horas do dia a surpreendiam com o olhar perdido na distância, perguntando-se até onde chegariam.