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A professora se apaixona
XIII F3f
A professora se apaixona
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As mulheres de sua raça e da sua geração nasciam com um destino: formar um lar, casar e ter filhos. No final das contas, assim estava escrito desde sempre. Por muitos anos Rosa pensou que podia lutar contra esse mandato do destino. Mas no final descobriria que não existe força maior que a do coração.
Esse pressentimento coincidiu com a chegada de Pablo Acuña à Aracataca, um advogado de boa aparência e inteligente, que pouco tempo após chegar ao povoado começou a cortejar a jovem professora com a permissão de seus pais. Ele a tratava como uma rainha, era romântico e conversador − como ela −, fazia-lhe rir e quando dançavam parecia que seus corpos estavam sincronizados em cada movimento, da cintura até os pés. "É uma joia”, disse sua mãe alertando-a sobre a importância de ir pensando em seu futuro. Pablo, além de ser um homem de família, era um profissional de bom caráter e responsável, tal como sua família esperava.
Ela tinha feito até o impossível para fechar as portas ao amor em sua vida. Mas não podia esquecer que era uma
mulher jovem e, às vezes, quando fechava os olhos imaginava que no final das contas um dia teria que renunciar a todos os seus sonhos para se dedicar à criação de uma família. Quando conheceu o jovem advogado, deu-se conta de que era o homem de sua vida. Suas irmãs quase não conseguiam acreditar quando sua irmã disse que se sentia apaixonada assim tão rápido.
Vestida de branco, virgem e coroada com lírios, tornou-se a “senhora de Acuña”. O casamento foi realizado com a bênção de sua família e a admiração de seus parentes, amigos e vizinhos que, no princípio, haviam criticado seu empenho em estudar para professora, e agora ponderavam suas conquistas. É que olhando de qualquer ângulo, Rosa havia sido uma filha exemplar: foi uma boa estudante, ganhava seu próprio sustento com uma profissão respeitável e se casou com um profissional, tal como esperavam seus pais. No entanto, havia mais; havia casado apaixonada e esperava viver ao lado de seu marido até que a morte os separasse.
Várias vezes Rosa havia dito ao seu esposo que não entendia como outras mulheres aceitavam as “sem-vergonhices” de seus parceiros. Com um sorriso condescendente, Pablo replicava: “Os homens são diferentes das mulheres”. Mas ele sabia que sua mulher não estava disposta a permitir amores clandestinos, nem a compartilhá-lo com outra. De fato, antes de se casar já parecia existir um pacto subentendido entre ambos; seu marido não andaria com outras mulheres, como a maioria dos homens casados do povoado. No entanto, alguns meses depois de seu casamento, Rosa começou a notar que Pablo
saía às tardes, e demorava em voltar para casa mais do que o esperado. Pressentiu que havia um sinal de alerta e depois de pensar bastante, deu-se conta de que havia chegado o momento de colocar em andamento sua bem bolada estratégia contra a infidelidade.
A manhã havia começado com esse cintilante resplandecer dos amanheceres dos trópicos, cuja luz se assemelha a uma vela agitada pela brisa. Rosa se levantou como de costume, penteou o cabelo, pintou os lábios e foi à cozinha fazer café. Minutos depois seu marido saiu do quarto e se deteve um momento diante do quintal, como era seu costume, para admirar por alguns instantes a refrescante paisagem matutina do orvalho sobre as plantas e os sons das aves matinais. Depois se encontrava remexendo papéis no quarto que utilizava como escritório. Parecia absorto na leitura de um documento legal quando Rosa entrou na sala de jantar com uma bandeja com o café da manhã que consistia em café, pãezinhos e ovos. — Acordou bem? — perguntou Rosa, com voz ironicamente carinhosa. — Bem — disse ele, ocupado na leitura dos papéis. — E como vai o trabalho? — insistiu Rosa, colocando sobre a toalha branca as duas xícaras de café e um prato com ovos mexidos com tomate e cebola. — Está tudo indo bem — respondeu o advogado enquanto tomava um gole de café. — Em contrapartida, eu estou preocupada... Ai, Pablo, não sabe o susto que levei ontem! É que agora os homens não respeitam nem as mulheres casadas — disse, demonstrando
aborrecimento, enquanto se sentava para tomar café ao lado de seu esposo.
Surpreso, Pablo deixou o que estava lendo. — Como? — perguntou alarmado. — O que aconteceu? — Imagine só, tinha saído para comprar carne, quando um rapaz se aproximou de mim, e sem dizer nada veio e me deu um beijo — disse ela. — Quem foi esse atrevido? — expressou irritado. — Por acaso não lhe disse que era casada? — Nem me perguntou. Mas quando lhe disse que deveria respeitar as mulheres casadas, ele sorriu e continuou caminhando. Definitivamente, as pessoas hoje em dia não têm moral — enfatizou Rosa enquanto, com aparente calma, tomava um gole de café com leite. — Onde ocorreu isso? — insistiu o marido enfurecido. — Na rua principal — disse ela. — Mas me diga, você nunca tinha visto esse rapaz antes? — Não, jamais o vi, mas era um rapaz bem jovem... A verdade é que levei um grande susto — expressou Rosa com extrema preocupação. — De agora em diante terá que prestar atenção enquanto caminha pela rua, e se o encontrar me avise. Espere que eu vou acertar contas com esse descarado — ameaçou o jovem marido antes de sair para o trabalho.
Dois dias depois, Rosa se queixou de novo. — Ai, Pablo, agora não resta dúvida de que as pessoas daqui perderam os bons costumes...
— Mas o que está me dizendo? — perguntou alarmado o advogado. — Imagine que ontem, quando saí para comprar carne, um homem me perguntou se eu queria passar o próximo fim de semana com ele em viagem a Santa Marta. — Como? Tem que me dizer quem é esse descarado! — exclamou furioso de raiva. — Já queria saber quem é! Com a quantidade de gente que está chegando todos os dias neste povoado. Parece que é um forasteiro. Mas hoje quando sair para fazer minhas coisas, se eu o vir pela rua pergunto o nome dele — disse Rosa. — Não, não, não. Hoje eu lhe acompanho para fazer as compras para que ninguém lhe incomode. E se vir o homem me mostra para saber quem é e lhe dar uma lição. Esse descarado nem imagina o que lhe espera! — E já totalmente irritado: — Incrível. Não podem ver uma mulher bonita e sozinha pela rua que já querem faltar com o respeito e mexer com ela.
A partir desse dia o advogado a acompanhou para fazer compras no mercado. Além disso, não voltou mais a sair de casa sem avisar para sua mulher onde se encontrava, caso ela precisasse de sua ajuda contra os tipos estranhos que rondavam a região.
Para Rosa, a mudança foi imediata. Já seu marido não teve mais tempo para se entreter pela rua. Agora vivia preocupado com sua esposa, cuidando dela, temeroso de que alguém estivesse tentando seduzi-la, ou tentando lhe faltar ao respeito. Essa foi uma vitória da psicologia feminina sobre o que poderia resultar em fazer reclamações ao seu esposo.
— Meu marido não tinha mais tempo de se entreter pela rua, por estar cuidando de mim. Então, os papéis foram invertidos. Ele vivia pendente a mim, temendo que alguém se metesse comigo. Por isso digo que muitas vezes falta psicologia às mulheres. Brigar com um homem não se consegue nada — diria com orgulho anos mais tarde.
A vida matrimonial parecia uma bênção dos céus, mas os presságios pairavam como uma ave agourenta sobre Aracataca. Com a falta de trabalho, as pessoas começaram a emigrar. Rosa não foi uma exceção.
A saída da United Fruit Company fez com que uma grande parte da população tivesse que ir embora de Aracataca em busca de trabalho; acabou obrigando também o jovem casal a se mudar para a capital do país. “Quando uma porta se fecha, abre-se uma janela”, diz o ditado. Dessa forma o problema com a falta de trabalho em Cataca permitiu que Rosa viajasse em busca de uma nova vida e se radicasse em Bogotá, essa cidade grande no altiplano sobre a qual os norte-americanos costumavam dizer que tinha o clima parecido com a primavera nos Estados Unidos.
Deixando para trás sua profissão de professora e se despedindo de sua família com um adeus que não sabia que seria por muitos anos, Rosa deixou Aracataca. Desejava sair do povoado, mas alimentava a esperança de poder regressar no futuro.
Desde o primeiro momento a professora se sentiu cativada por essa grande urbe onde as rosas e gerânios adornavam os jardins, as pessoas falavam baixinho, não se escutavam
palavrões e a paisagem das montanhas azuis de Guadalupe e Monserrate dominava o panorama de um altiplano verde salpicado de fragrantes eucaliptos e verdes ciprestes. Além disso, com sua romaria de pessoas, automóveis, edifícios, ônibus e ruídos, Bogotá era uma cidade vibrante.
A mudança para a capital colombiana representava a realização de um sonho há muito tempo esperado. Rosa não ocultava seu entusiasmo. Podia caminhar pela rua todo o tempo que quisesse sem sentir sobre a pele os ferrões do sol e sem suar. Na realidade, o ambiente era tão distinto de Cataca, que parecia que havia se mudado para o estrangeiro. Além disso, deu-se conta de que era frequente que as mulheres trabalhassem, algo que chamava muita a sua atenção. No entanto, ela estava segura para quem queria trabalhar. “O melhor chefe que posso ter é o meu esposo”, disse. Mas Rosa não tocou no assunto com seu marido de maneira direta.
Recorrendo de novo à sua “psicologia”, em vez de dizer a seu esposo que queria trabalhar ao seu lado, pediu que a ajudasse a buscar um emprego entre seu grupo de amigos e advogados.
Ela sabia que o calcanhar de Aquiles de Pablo eram os ciúmes, motivados em grande parte pelos contos que ela havia inventado em Aracataca. Depois de pensar uma semana, o advogado lhe disse que preferia que ela fosse trabalhar no seu escritório. Rosa não era do tipo de recorrer a truques para conseguir o que buscava, mas essa era a maneira de cuidar de seu marido e do pão para seus filhos.
Para Rosa, existia sempre o perigo de que a secretária ou qualquer outra mulher decidisse ficar com seu marido, um homem de boa presença, inteligente, com um título de advogado e muito decente. Estava segura de que não queria deixá-lo sozinho em um escritório para que uma mulher sem escrúpulos se deixasse levar pela tentação, e logo acabasse com sua família.
Pablo Acuña abriu seu próprio escritório de advocacia colocando Rosa para cuidar do escritório, que se tornou seu braço direito e uma companheira indispensável. Havia sido sempre uma mulher organizada, esperta e detalhista, qualidades que foram suas aliadas para ajudar a impulsionar a carreira do jovem advogado. Além disso, à medida que os filhos foram chegando, a professora se propôs a dar a educação de qualidade que ela podia lhes oferecer. Nunca conheceu o cansaço quando se tratava de abrir-lhes um novo mundo com o ensino. Gostaria de ter seguido o exemplo de sua mãe, com quem aprendeu todas as matérias da escola fundamental. No entanto, aqueles eram outros tempos; Rosa se sentia satisfeita quando conseguia lhes ensinar as primeiras letras, e o método que deviam pôr em prática para chegar a ser bons estudantes. Era a mãe e a esposa perfeita. Estava decidida de que seu matrimônio durasse até a eternidade, mas o destino lhe impôs uma dura prova com a súbita morte de seu esposo como consequência de um infarto cardíaco.
Parecia que com a morte de seu marido lhe arrancaram a alma. De fato, teria dado o que fosse para tê-lo sempre ao seu lado. Em meio à dor, Rosa encontrou refúgio no trabalho.
A necessidade fez com que essa paixão que sentira em sua juventude pelo ensino entrasse de novo no corpo como uma ferramenta que a impulsionava a seguir adiante com seus sete filhos e, sem saber de onde tirar recursos, coroar seu propósito de custear a carreira de todos.
Essa foi uma etapa muito difícil de sua vida, sentindo-se muitas vezes incapaz de enfrentar sozinha o desafio de sustentar sua família. Não demorou muito tempo para se dar conta de que o produto de uma Montessori que abriu em sua casa não era suficiente para cobrir os gastos familiares, assim inventou uma forma de captar novas entradas. Nessa época não existiam fotocópias, então Rosa decidiu oferecer seus serviços de datilógrafa para advogados que necessitavam ter seus processos judiciais impecáveis e a estudantes que esperavam apresentar suas teses de graduação. Além disso, começou a fazer costuras por encomenda, serviço que desempenhava até altas horas da noite, sacrificando inclusive seu descanso dos finais de semana.
Da máquina de escrever à máquina de costura, Rosa trabalhava dia e noite para pagar as contas. Não havia tempo para se sentir cansada em meio a essa responsabilidade de conseguir o dinheiro para colocar na mesa o pão familiar, além de se ocupar dos problemas e necessidades de seus sete filhos. As tarefas eram intermináveis: compras no mercado e roupas, pagar os serviços de água, luz e telefone no balcão do banco, vigiar os estudos e a disciplina de cada um de seus filhos, remendar a roupa, pregar botões e organizar a casa e a cozinha. Em meio a tanta necessidade, sentia que faltavam
mãos e energia para completar suas múltiplas tarefas. Qualquer momento de lazer, se é que havia, era para compartilhar com seus filhos que tanto necessitavam dela.
No entanto, à medida que seus filhos iam crescendo, começavam a buscar seu espaço. Sempre foram dependentes dela, mas era natural que com o passar dos anos focassem mais em seus estudos e em suas novas amizades. Foi então quando Rosa teve o seu primeiro encontro com a solidão e começou a se refugiar na leitura, um passatempo que a distanciava de seus problemas e angústias cotidianas, além de fazer com que se sentisse acompanhada. Foi assim no mundo dos livros que reencontrou seu aluno que, sem sequer ter se dado conta, no outono de sua vida, passou a se tornar seu grande companheiro e consolo na solidão.
De uma maneira simbólica, por meio da leitura das obras de Gabito, ela se remetia ao passado, um processo mental que desfrutava, especialmente quando se tratava de identificar os personagens dos contos e dos romances do escritor para conciliar com aqueles que ela havia conhecido na vida real; ficou sabendo dos sonhos dos avós do escritor, o coronal Nicolás Márquez e dona Tranquilina Iguarán; recordou o dia em que dona Tranquilina contou sua preocupação com Margot, irmã do laureado romancista, e seu vício de comer terra, e até identificou suas próprias irmãs que pareciam ter dado um salto à imortalidade dentro da trama A revoada: o enterro do diabo.
Rosa se mantinha informada sobre os principais acontecimentos por intermédio de suas irmãs, Altagracia e Isabel, que resistiram a sair do povoado, enraizadas em suas lembranças.
“Altagracia ficou viúva e Isabel nunca se casou. Dizia que tomara essa decisão devido a uma desilusão amorosa que sofreu com um noivo de quem ela gostava muito, mas que a deixou para se casar com outra. Sinto muita compaixão pela minha irmã, que se entregou à tristeza e vivia chorando. Houve outros pretendentes, mas ela não amou ninguém mais. No final, nem se casou e nem teve um filho. Apenas rezava. Todos os dias ia à missa e não perdia o rosário.”
Rosa estava convencida de que sua irmã chegou a ser uma santa, porque, além de rezar, era boa e não tinha pecados em sua vida.
Enquanto lia, seu mundo interno foi se expandindo até se tornar uma mistura do real, que era o presente, e a magia que rodeava o povoado onde ela aprendeu a abrir as asas.
Pouco a pouco a dor da morte de seu esposo ia cedendo graças a essas leituras, que começaram a encher os espaços de sua solidão, fazendo que suas dificuldades se tornassem mais suportáveis. Rosa não se deixou vencer facilmente pelos problemas; não apenas levou sua família adiante, como conseguiu que seus filhos obtivessem excelentes notas e se tornassem bolsistas em seus estudos, todos com uma profissão.
Assim estavam as coisas em sua vida quando voltou a ver o seu querido Gabito nessa inesquecível tarde no teatro Colón. A partir desse reencontro, Rosa começou a desfrutar com maior alegria o retorno cotidiano da leitura dessas páginas que a transportavam ao passado, a se deliciar com os triunfos de seu aluno, a se sentir mais unida espiritualmente ao escritor e a reviver a felicidade indescritível de tê-lo visto de novo.
Até que um dia, depois de vários anos lendo e relendo seus livros, decidiu lhe escrever uma carta. Dizia que havia desfrutado muito desse reencontro que tiveram no teatro, e que gostaria de vê-lo de novo para falar das memórias que ainda conservava de Aracataca. Primeiro viu passar os dias e as semanas, e depois foi acumulando meses checando o correio com a esperança de encontrar uma carta de seu lembrado pupilo. Mas o tempo foi passando sem a sonhada resposta. Ela tinha certeza de que se sua carta tivesse chegado às mãos de seu aluno, ele teria respondido com algumas linhas. Ou talvez, começou a pensar, a carta que escreveu nunca chegou ao seu destino. Havia sido extraviada no correio? Havia anotado o endereço de forma incorreta? Ou quem sabe a pessoa encarregada de ler a correspondência do escritor não havia dado importância e a jogado no lixo?
Todas essas interrogações desfilavam em sua memória, até que depois de muitos meses, que jamais conseguiu calcular porque pareciam infinitos, deu-se conta de que a espera era infrutífera e decidiu lhe escrever de novo.
Saiu para comprar um papel de boa qualidade, de acordo com a importância que para ela tinha o destinatário de sua mensagem. “Melhor comprar dois, caso eu cometa algum erro ou tenha a necessidade de repetir alguma palavra”, disse.
Quando chegou em casa, treinou vários traços sobre um papel de carta comum e, em seguida, cuidadosamente escreveu sobre o fino papel dizendo que ficaria encantada se pudessem se reunir de novo. Contou também que havia decidido se mudar aos Estados Unidos com o propósito de realizar seu
sonho de aprender inglês. Claro que lhe custou muito revelar sua idade. Iria completar setenta e dois anos.
Desta vez, a resposta não demorou em chegar. O correio levou ao seu endereço no bairro Paulo VI de Bogotá poucos dias depois de ter partido para os Estados Unidos. Rosa já estava inscrita em uma escola de inglês e hospedada no apartamento de suas amigas Carola Aycardi e sua filha Rosie, naturais de Barranquilla e residentes há muitos anos em Miami Beach.
Uma tarde, ao retornar da aula, Carola lhe entregou um envelope. Com o coração batendo forte, e quase tremendo, Rosa o abriu com muito cuidado para evitar que rasgasse. No seu interior havia uma pequena folha de papel escrita com tinta preta, em letra manuscrita, muito alinhada e organizada. Estava endereçada “A minha querida professora” e nela o escritor a convidava para passar uns dias com ele e sua esposa Mercedes em sua casa no México, em Pedregal de San Ángel. A data estava agendada para “setembro”, palavra que estava escrita ao estilo do castelhano antigo.
O escritor indicava que em retorno esperava encontrar em sua caixa postal “um papelzinho seu com o número do telefone, para lhe chamar e combinar a sua viagem ao México. Abraços, Gabriel”. Ela acariciou o envelope com data de 20 de julho de 1982.
Com uma alegria indescritível, Rosa começou a sonhar com esse convite tão especial do romancista. Começou até a organizar mentalmente sua mala com os vestidos que levaria e consultou sua amiga Beatriz, uma jornalista que conhecia Gabo, se a roupa que tinha em Miami era apropriada para o México. Emocionada,
dizia que finalmente teria a oportunidade de compartilhar com seu querido aluno suas experiências e sua própria visão desse povoado diminuto e longínquo que foi tão definitivo na vida de ambos. Rosa sentiu que por fim havia chegado o momento de lhe contar sobre suas vivências. Ela as tinha tão frescas em sua memória como quando percorria as ruas de Aracataca a caminho da escola; algumas vezes sozinha e outras ao lado de seu aluno, levando-o ou retornando para sua casa.
O que ia passando por essa cabecinha para chegar um dia e transformar a vida cotidiana de um povoado em uma grande epopeia? E quem melhor para lhe refrescar as imagens que ele viu com olhos de menino e ela conheceu em três etapas, como criança, adolescente e mulher?
Havia tantas coisas que queria contar ao laureado escritor... Mas agora que recebera o tão desejado convite não podia fazer as malas e sair para o México no primeiro avião. Antes teria que esperar que as aulas nas quais havia se inscrito em Miami terminassem.
“Primeiro tenho que aprender inglês. Desde que vivia em Aracataca sonhava entender o que os americanos falavam. Além disso, se não o faço, o que o Gabito vai pensar?”, perguntou-se, confusa, lutando internamente com o desejo de deixar tudo e sair correndo para se reunir com seu aluno. Então, um dia, no ponto de ônibus que a levava à escola, viu em uma caixa de venda de jornais o rosto do seu aluno na manchete do jornal.
“Pro Castro novelista wins Nobel” (Romancista pró-Castro ganha o Nobel), dizia a manchete em inglês, que por um
lado a enchia de orgulho pelo prêmio e, por outro, de indignação pela forma depreciativa como estava escrito. Era na época em que a palavra “colombian” (colombiano), em inglês, estava sempre relacionada nas páginas dos jornais ao escândalo de notícias sobre o narcotráfico. Mas em um acontecimento tão importante como um prêmio Nobel, o país de origem do escritor não aparecia indicado na primeira página do jornal The Miami Herald. Simplesmente destacava que um romancista pró-Castro havia ganhado o prêmio Nobel, sem sequer indicar a Colômbia como sua nacionalidade. Rosa ficou indignada, como muitos de seus compatriotas.
“Todos os meus triunfos são seus”, seu aluno lhe havia dito. Assim se sentia Rosa. E da mesma forma, gostava de estar a par de qualquer notícia favorável ou adversa. No final das contas, tinham vivido em comum um tempo único na vida de ambos, além desse povoado longínquo e repleto de boas lembranças, algo que estava acima de tudo, apesar das diferenças políticas.
Seu aluno, um prêmio Nobel! Parecia uma colegial que se prepara para uma grande festa e ela sabia que esse momento era histórico. Não havia na terra uma professora mais orgulhosa. De Miami, a notícia se espalhou pelas manchetes dos jornais do mundo todo, que eram vendidos em um mercado local, e pelos recortes de jornais que seus companheiros de aula de inglês a levavam carinhosamente. Como em um sonho, lia as crônicas da imprensa colombiana sobre a forma como a Academia Sueca escolhia os ganhadores, e depois seguiria cada movimento de seu aluno em Estocolmo. Ficou sabendo
que o escritor havia chegado ao aeroporto vestido com um liquiliqui (traje típico) branco e segurando uma flor amarela na mão e conservava como uma grande relíquia um anúncio de página inteira que a imprensa colombiana publicou todo colorido, com o rosto de seu aluno exibindo um sorriso caribenho, seu abundante cabelo e uma camisa vermelha. Sobre sua cabeça esvoaçavam borboletas formando uma coroa de louros. “Esta noite, a partir das oito, Inravisión e RTI transmitirão para todo o país a entrega do prêmio Nobel de literatura de 1982 ao colombiano Gabriel García Márquez”, dizia a manchete do anúncio publicitário que terminava convidando os telespectadores a acompanhar “o momento mais importante da história cultural colombiana”.