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Um amor impossível

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O prêmio Nobel

O prêmio Nobel

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Um amor impossível

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Primeiro era o menino apaixonado por sua professora. Ao passar dos anos, os papéis se inverteram, e era a professora que ficava com as bochechas coradas quando pensava em seu aluno. Ver uma notícia de Gabito na imprensa iluminava o seu dia; ele era o seu grande orgulho. Mas a professora sabia que a fama traz junto a perda da privacidade, que ela valorizava como um grande tesouro. Poder passear, ir às compras, entrar em um ônibus ou ir jantar em um restaurante sem que haja o assédio das pessoas, são privilégios reservados unicamente àqueles que não saborearam o mel da fama. E ela estava decidida a desfrutar dessa privacidade que, por contraste, seu aluno havia perdido, mesmo antes de ganhar o prêmio Nobel de literatura.

Essa Aracataca distante na memória que o escritor mostrou ao mundo como Macondo, no que dali para frente se chamaria “realismo mágico”, era sua também. Mas isso não era algo que revelava aos quatro ventos; mas se tratava de um tesouro muito valioso, que ela guardava em seu coração com essa

discrição que marcaria sua vida e suas extraordinárias realizações ao longo de sua vida, como estudante, mãe e professora.

Com frequência Rosa se sentava para ler alguma obra de Gabo, rindo muito. Parecia envolvida por uma luz mágica que a fazia regressar a essa juventude distante que encontrava recriada nas páginas de um livro.

Conhecedora de todos os livros de seu aluno, que leu em várias oportunidades, era sua admiradora incondicional. Quando alguém lhe perguntava qual dos seus livros era o favorito, sua resposta era sempre: “Todos”. Mas no seu círculo mais íntimo daqueles que a rodeavam, não restava dúvida de que Cem anos de solidão foi o que mais desfrutou, e possivelmente o que mais vezes releu.

Sobre seus sentimentos, o importante era que Gabo havia sido feliz com Mercedes, e ela com seu esposo Pablo Acuña, que além de ter sido sua melhor amiga, foi sua companheira, sua mão direita, e até sua conselheira legal em muitas ocasiões. Com ele teve sete filhos: Rocío, Feliz, Maritza, Pablo, Alida, Claudia Marcela e Edith, todos com diploma universitário, com exceção de uma filha com limitações físicas.

Seguia o ano de 1982; até esse momento, Rosa sentia que havia alcançado tudo em sua vida. Conseguira sair de Aracataca, residia em um bom bairro de Bogotá, uma cidade onde se consegue vencer, especialmente se vem do interior, é como triunfar em Nova Iorque. Seus pais lhe haviam dito que ao se casar com um profissional havia garantido o seu futuro e de seus filhos. A morte de seu esposo mudou tudo.

Ao ficar viúva, a professora sentiu uma dor tão grande que pensou que o mundo ia acabar. Além disso, ficou sozinha e com sete filhos! Teve que juntar todas as forças para trabalhar muito duro. Largava da máquina de costura e pegava na de escrever. Graças a esse esforço todos seus filhos conseguiram uma profissão. No entanto, o dia da morte de seu esposo não foi o dia mais doloroso de sua vida. Sua maior tristeza ocorreu quando sua filha Rocío, que era médica, morreu de leucemia aos trinta e seis anos deixando duas filhas pequenas.

Uma de suas filhas tinha síndrome de Down e requeria atenção especial. Parecia uma missão impossível seguir adiante com seus filhos, mas o esforço de Rosa surtiu em recompensa. Seis de seus sete filhos estudaram uma profissão e ela se orgulhava de ter na família dois advogados e dois médicos.

Quando lhe perguntavam por que preferia ser chamada de Rosa Fergusson e não Rosa Fergusson de Acuña, como a maioria das mulheres casadas de sua geração, ela tinha uma resposta de acordo com suas ideias progressistas:

“Porque sou e sempre fui Rosa Fergusson. Este é o meu nome desde que nasci. Nenhum ser humano deve pertencer a ninguém, porque isso vai contra a liberdade da pessoa, contra o indivíduo. Uma mulher ou um homem nasce com um nome e em uma família e, ao se casar, tudo isso que tinha atrás não desaparece para mudar o seu sobrenome por outro. Os homens, por exemplo, não o fazem. Além disso, ao ser ‘de’ e, se pensa como eu, quando perdi meu esposo, isso significaria que ao perder o seu parceiro já não pertence a ninguém”, dizia.

Rosa havia esquecido da grande fascinação que exercia em seu aluno apesar de em uma ocasião dona Tranquilina ter comentado que Gabito lhe havia dito que quando se aproximava de sua professora, sentia desejos de beijá-la. Mas um dia a revelação surgiu de forma surpreendente quando seu genro Eduardo Castro leu umas linhas de O cheiro da goiaba, o livro de conversas de García Márquez com o escritor Plinio Apuleyo Mendoza.

Logo no início, suspendendo a leitura, lhe disse: — Rosa, veja este livro sobre Gabo e o que diz de você.

Em seguida, seu genro continuou lendo em voz alta o que o escritor havia expressado sobre sua professora.

Quem me ensinou a ler era uma professora muito bela, muito graciosa, muito inteligente, que me convenceu do prazer de ir à escola somente para vê-la.

E mais adiante, quando Plinio Apuleyo Mendoza perguntou a Gabo sobre a primeira vez que se sentiu perplexo por uma mulher, a resposta foi imediata: — A primeira que me fascinou, como já lhe disse, foi a professora que me ensinou a escrever aos cinco anos.

Ao ler essa ingênua declaração de amor, a professora ficou envergonhada, como se o próprio autor estivesse ao seu lado. Emocionada, somente disse: — Ai, isso é muito, é muito, Gabito.

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