14 minute read

A professora é tudo

II F3f

A professora é tudo

Advertisement

Rosa despertou com o primeiro canto dos galos. Havia desfrutado duas horas a mais de sono, mas antecipava uma dura jornada de trabalho. As penumbras da noite começaram a ceder, empurradas por uma fraca luz cintilante quando avançou pelo corredor da sua casa até o pátio ao fundo. Entrou brevemente em uma pequena construção de madeira onde se encontrava o sanitário e depois passou a tomar banho no pequeno espaço contíguo. Ao entrar, tirou a bata de seda que vestia e a pendurou em um enorme gancho na parte de dentro da estreita porta.

Quase como seguindo um ritual, aproximou-se da bacia de água, despejando-a lentamente sobre sua pele. Como sempre, sentia-se fria e muito refrescante, e a esta hora da manhã até perdia por um instante a respiração. Depois pegou uma esponja e a esfregou pelo corpo. A branca espuma do sabonete começou a deslizar suavemente. Nada parecia interromper a intimidade desse refrescante momento, mas como ocorria com frequência, um pequeno zumbido fez com que voltasse à realidade. Pááá! Ressoou o tabefe com que

pretendia matar um mosquito. Contrariada com o minúsculo visitante que interrompeu sua rotina diária, secou o corpo apressadamente com uma toalha branquíssima que ficou impregnada com seu suave aroma de lavanda e sabonete de camomila.

Minutos depois, a jovem professora saiu vestida com uma saia comprida azul e uma blusa branca. Da cozinha escapava um suave aroma de café, preparado por Domitila, uma mulher risonha e diligente que há vários anos trabalhava como cozinheira e era considerada parte da família. — Menina, não vai sair sem antes tomar o seu café.

Rosa aceitou uma xícara pequena e depois de um par de goles saiu levando debaixo do braço uma cesta na qual havia colocado vários panos para limpar o pó e um guardanapo com quatro pãezinhos recém-saídos do forno. — Avise à mamãe que voltarei tarde, tenho muito que fazer — disse, antes de cruzar a soleira da porta.

Meia hora mais tarde Rosa havia chegado à escola municipal. Com um lenço amarrado na cabeça e munida de uma escova feita de folhas de caruru que agitava vigorosamente, começou a eliminar as teias de aranha que cobriam o teto baixo e as paredes da sala de aula. Depois se ocupou de varrer o piso. Por último, umedeceu os panos que havia trazido da sua casa e se pôs a limpar cada canto, além das carteiras escolares e das cadeiras.

Empenhada na sua tarefa, nem se deu conta quando a mãe de um dos alunos entrou na sala, chamando-a.

— Boa tarde, professora. Sou Alicia, a mãe de um dos seus novos alunos.

Rosa interrompeu seu trabalho estendendo a mão para a recém-chegada. — É um prazer conhecê-la, bem-vinda. Como se chama o seu filho? — perguntou, enxugando com um lenço o suor da testa e limpando o rosto cheio de pó. — Manolito. O mesmo nome do meu avô. É um rapazinho muito travesso, mas com muita vontade de aprender — disse a recém-chegada. — Vou trazê-lo às aulas assim que conseguir um par de sapatos. — Quanto ele calça? — perguntou. — Eu anotei neste papel — respondeu Alicia tirando da sua bolsa um desenho com a medida do pé, que entregou à professora. — Não se preocupe, amanhã levo os sapatos até a sua casa. — Você é uma mulher muito generosa. Obrigada — salientou, dando uma volta pela sala. Logo se deteve para observar cuidadosamente uns quebra-cabeças de madeira que estavam sobre uma carteira escolar. — E isso, o que é? — perguntou com estranheza. — São umas tabuletas muito especiais, de muita utilidade para despertar os sentidos nas crianças. Por exemplo, olhe esta figura incrustada neste painel. Tem a suavidade do veludo. Agora a compare com a figura que tem ao seu lado, que é áspera porque é feita com papel de lixa.

A professora ficou tão fascinada descrevendo as tabuletas que tinha preparado que não conseguia parar.

— Aqui tem mais — disse, mostrando o painel de madeira com alguns saquinhos pequenos. Aquele à esquerda tem café, aquele outro enchi com cascas de limão e tem outro com canela. Assim eles vão desenvolvendo o sentido do olfato — explicou.

A mulher não parecia se sentir impressionada. — Com que propósito? — perguntou. — Para colocar as crianças em contato com o mundo que as rodeia e que às vezes nem percebem porque não aprenderam a fazê-lo. Desenvolvem também os sentidos do ouvido e do gosto. Mas, o mais importante de tudo, elas devem aprender a soltar a imaginação. — A imaginação? Que coisa mais boba! Desculpe, mas é mais importante que se deem conta da realidade que os rodeia. Veja, professora, a realidade é que estas crianças precisam somente aprender a ler e escrever. Nada mais. Que outra coisa poderão fazer neste lugar além de trabalhar com peões para uma grande empresa bananeira?

Rosa ficou indignada. Mas fez um esforço para não demonstrar. Por acaso uma criança de origem humilde estava destinada a viver sempre na pobreza? Como foi possível então que alguns que cresceram em situações extremas chegassem aon-de nunca ninguém havia sonhado? Rosa estava segura de que conhecia a resposta. Ela atribuía essa mudança em grande parte à fortuna de uma boa educação. — O gênio norte-americano Thomas Edison era uma criança que tinha dificuldade para ouvir, mas a sua mãe, que era também sua professora, acreditava nele. E o pioneiro das leis da física quântica, Albert Einstein, demorou muito

para conseguir falar, e seus pais, preocupados, consultaram um médico; um de seus professores disse que nunca chegaria longe na vida, mas conseguiu porque ousou contrariar, já que era rebelde e tinha muito confiança em si mesmo. As crianças podem chegar até aonde quiserem se não lhes cortamos as asas — explicou com entusiasmo. Os argumentos da professora não pareciam convencer à visitante que, de saída, com um sorriso estampado, ironizou: — Claro... e eu também posso chegar a ser a rainha da Inglaterra!

No entanto, nada desanimava Rosa. Estava disposta a lutar contra a falta de fé daqueles que não conheciam o tema. Entretida nesses pensamentos, continuou limpando até que a sala de aula ficou impecável. Organizou as carteiras com seus assentos correspondentes e escreveu com sua caligrafia perfeita nos cadernos de cada um seus respectivos nomes. Finalmente, em um canto, colocou sua mesa de trabalho com um pequeno vaso de flores como único adorno. Pensou que se aproximava o melhor dia da sua vida: o povoado teria uma escola Montessori e ela seria sua primeira professora.

Cansada da longa jornada, mas satisfeita pela tarefa realizada, Rosa caminhou até sua casa. Ao dobrar a esquina, viu que Alicia atravessava a rua. Seguia em passos rápidos, e com a cabeça coberta com um xale preto. Parecia que tentava evitar ser reconhecida. Uma hora antes havia dito à Rosa que iria para casa, mas a viu surgir de um setor não muito frequentado pelas famílias honradas da cidade. Rosa se perguntou o que ela fazia por aquelas ruas proibidas.

Finalmente chegou o tão aguardado primeiro dia de aula. Rosa se levantou mais cedo que de costume e, ao chegar à escola, esperou sorridente a chegada de seus alunos. Alguns vinham acompanhados de seus pais e irmãos, outros chegavam com seus avôs. Quase todas as crianças se mostravam tímidas e com certo receio diante do fato de se sentirem longe do seu entorno familiar; outros não conseguiam evitar o choro ao ver seus pais partirem. Atenta aos sentimentos de cada aluno, Rosa se aproximava e lhes inspirava a confiança e a segurança que necessitavam nesse momento tão transcendental − inclusive traumático em algumas ocasiões − no qual a criança se vê obrigada a se desprender do lar para passar o dia entre estranhos.

Gabito havia crescido em um mundo de adultos, mais velhos, dado que poucos meses depois do seu nascimento seus pais foram para Sucre, deixando a criança aos cuidados de seus avós. No entanto, as tias e parentes que moravam na casa se esmeravam em dar à criança toda atenção necessária. Além disso, devido ao seu caráter reservado e sua formalidade, era o centro da atenção familiar e todos se esforçavam para contribuir com sua criação.

No primeiro dia de aula, Gabito chegou acompanhado por sua madrinha, Francisca Mejía. Seu cabelo havia sido penteado com linhaça, estava asseado e estreava sapatos novos. Vestia um conjuntinho verde que o fazia parecer muito formal, vestido como para uma grande ocasião. Rosa não deixou escapar uma observação, contando em segredo para sua amiga, para que o menino não se sentisse envergonhado.

— Por favor, não coloque de novo essa calça no Gabito porque fica muito apertada e causa um mau hábito — disse ao notar que a calça agarrava no meio das pernas do menino. E acrescentou: — Ele já não cabe nessa roupa, isso é do tamanho do seu irmão caçula!

A rotina diária de aulas começava minutos depois que a professora os ordenava a colocar as cabecinhas sobre os braços cruzados que repousavam sobre as mesas. Depois, com os olhos fechados, deviam prestar atenção em todos os ruídos que escutavam ao seu redor. Ao abrir os olhos, cada um ia descrevendo o que havia escutado: uma galinha, um pássaro, o choro de uma criança... Em outras ocasiões, o tema não era os ruídos, e a professora concentrava seus esforços em ajudar a descobrir o mundo através do olfato, reconhecendo os odores. — Agora vamos aprender algo novo. Mas antes, vamos respirar bem fundo: um, dois, três... Agora, fechem os olhos e tentem “ver” através do nariz. Sim, não é para rir... Respirem de novo e tentem reconhecer os odores que há ao redor.

Ao perguntar ao Gabito que odor percebia, sua resposta foi imediata: — Cheiro de goiabas! — respondeu timidamente demonstrando que com seu aguçado olfato infantil havia detectado as pequenas frutas amarelas de incitante aroma que a professora havia colocado em um canto da sua mesa para compartilhar com os alunos na hora da merenda. — Eu sinto cheiro de flores — respondeu uma menina com olhar de travessa se referindo a uns jasmins que a professora tinha colocado em um pequeno vaso.

— Muito bem — respondeu Rosa. — Mas vou lhe ensinar uma palavra muito linda para quando se referir ao cheiro das flores. Em vez de “o cheiro das flores” vamos dizer “o aroma das flores”, que é uma forma mais bonita e elegante. Agora repitam todos: “o aroma das flores”.

Cada um dos pequenos alunos descrevia as fragrâncias circundantes enquanto a professora desfrutava de cada descobrimento e progresso de seus discípulos.

Os exercícios eram uma adaptação do método da educadora italiana María Montessori, que Rosa estudou ao saber que, desenvolvendo primeiro os sentidos das crianças, podia-se conseguir que alunos incapacitados alcançassem melhores notas que as obtidas por crianças normais. Por último, viria a aula de caligrafia. — Notem bem, prestem muita atenção. Têm que segurar olápis corretamente. Isso é muito importante porque se não aprenderem a fazer isso bem agora, vão fazer errado pelo resto da vida — dizia Rosa enquanto caminhava pela sala vigiando a posição dos dedos de cada um de seus alunos ao escrever. — É isso mesmo, continue assim, Gabito — expressou ao passar ao lado de seu pequeno vizinho, sentado bem no meio da sala da aula.

O menino hesitou quando a mão da jovem professora lhe roçou levemente ao se inclinar sobre as suas costas. Depois Rosa pegou a pequena mão de seu aluno, colocando corretamente o lápis entre os dedos pequeninos, ao mesmo tempo em que, com a voz firme e muito doce, o guiava sobre a página em branco. — Gabito, está se saindo tão bem! Hoje vamos fazer palitinhos, amanhã, umas bolinhas e mais tarde unir uma bolinha

com um palitinho e teremos o A. Vai ver como é fácil. Vamos com cuidado e bem devagar para que o palito fique retinho, começando sempre de cima para baixo. Preste atenção para que fique dentro da linha. Assim, muito bem, para que o traço fique lindo e sem borrões. Lembre-se que uma boa caligrafia e um papel limpo sempre dão uma boa apresentação da sua pessoa — dizia a jovem professora à medida que ajudava o seu aluno a desenhar as primeiras letras.

Sem responder, Gabito se deixava guiar, sentindo-se feliz com a atenção que Rosa lhe dava. Em seus cinco anos não podia entender essa sensação estranha que percorria seu corpo diante da presença de sua professora. Rosa havia se tornado sua grande motivação para ir à escola e um estímulo para que, nas tardes, se esforçasse ao chegar em casa e fazer suas tarefas, sempre impecáveis, tal como ela o havia ensinado. Ao se levantar para sair caminhando até a escola, se sentia feliz, antecipando que sua professora o aguardaria na entrada da sala de aula com seu sorriso caloroso e suas acolhedoras palavras de boas-vindas. — Vamos lá, crianças, hoje vamos imaginar que somos aves, sim, somos pássaros e vamos voar. Todos em fila, vamos dar voltas ao redor da sala. Abram os bracinhos como se fossem asas, assim, balance-as suavemente. Imaginem que viajam para bem longe, por cima das árvores e dos rios. Veem como tudo é bonito lá embaixo? Acima estão as nuvens, parecem tufos de algodão sobre o céu azul — observava em meio ao alvoroço das crianças.

Depois de alguns minutos, Rosa anunciava que o voo já havia terminado, e voltavam a ser “crianças bem comportadas” na classe. — Agora são de novo meus alunos. Sorriam, sim, sorriam muito, ah, ah, ah. Agora marchem como soldadinhos, vejam bem como eu faço. Muito bem, vamos marchar todos se movendo ao mesmo tempo — dizia a professora, animando a tropa alegre de crianças sorridentes.

Instantes mais tarde, freava bruscamente como se tivesse sido atingida por um raio: — Todos quietos, vamos mudar a brincadeira. Vamos caminhar sem fazer barulho, bem quietinhos. Muito suavemente peguem seus assentos e se sentem, sem que se escute nada. E quando estiverem sentados, coloquem de novo suas cabecinhas sobre os braços cruzados. Agora fechem os olhinhos; vamos descansar por cinco minutos.

Gabito era um participante feliz dessas aventuras da professora através dos sentidos. Como não desfrutar as aulas? Era como se despertassem para apreciar o canto das aves, as serenatas das cigarras, o coaxar dos sapos, a brisa contagiante que precedia a chegada de um temporal. A sinfonia da natureza se complementava com a sua fragrância das frutas tropicais, o cheiro da terra ao cair da chuva. Não podia faltar o tato, esse mundo que aprendiam a conhecer com os dedos enquanto — com os olhos fechados — comparavam a diferença entre frutas de textura suave, como a manga e a goiaba, com a contrastante aspereza das cascas de coco ou de abacaxi.

Em algumas ocasiões, a professora caminhava à escola com Gabito ao seu lado. Quase sempre Rosa falava e Gabito a escutava ou fazia perguntas. Outras vezes, a professora aconselhava: “Tem que ter uma boa caligrafia e esmerar-se na escrita, Gabi. Veja, se você escreve uma carta a alguém que não lhe conhece, pela sua letra pode formar uma boa ou má opinião sobre que tipo de educação tem a pessoa que escreveu e até calcular a sua idade”.

Às vezes, em seu percurso, a professora parava na casa de alguma vizinha que lhes oferecia leite morno ou encontrava com o carpinteiro a que ela havia encarregado umas tábuas de madeira sobre as quais havia desenhado figuras de animais, colocando-lhes penas, veludo e papéis muito variados, desde seda até lixa, para que seus alunos pudessem fazer comparações com o tato. Como não tinha fundos nesse momento, Rosa pagava a conta com seu salário.

As crianças tinham também um exercício favorito. Era aquele que permitia explorar o universo do sabor, com sua extraordinária variedade de guloseimas de diferentes cores e sabores, além de recorrer às tonalidades disponíveis para o paladar, dos sabores salgados aos ácidos e os amargos. Não podia faltar o sem sabor característico de água fresca da chuva, tão distinta da água filtrada em um jarro de barro ou da que havia sido fervida sobre o fogão. Para a professora, cada pequeno detalhe significava uma vitória da inteligência através da imaginação e do conhecimento.

Em ocasiões, quando Rosa trabalhava até tarde preparando o material didático, indispensavelmente encontrava o apoio solidário de alguma mulher na vizinhança que batia na porta da sala de aula com um copo de limonada ou uma xícara de café.

Mais de uma vez, no entanto, era surpreendida ao escutar de novo alguém que dizia: — Professora, não trabalhe tanto; você se esforça demais. Aqui as crianças quase nem precisam de estudo. Não há muita coisa que este lugar lhes pode oferecer. Lembre-se que essas crianças nunca serão doutores.

Esses comentários soavam como uma chibatada para a professora. Como era possível que as próprias mães de seus alunos não depositassem fé no futuro de seus filhos? Indispensavelmente, essas palavras se convertiam em um desafio.

Toda vez, a resposta de Rosa era sempre a mesma. — Meus alunos podem conseguir na vida o que eles pretenderem ser. Da minha sala de aula poderão sair não somente doutores, senão o melhor, até um prêmio Nobel.

Já de noite, antes de pegar no sono, Rosa acreditava ter o antídoto contra a pobreza e o subdesenvolvimento. “Como professora, posso significar uma diferença na vida dessas crianças. É uma realidade que este povo humilde esteja longe da civilização, e que os pais dos meus alunos não tenham educação universitária, mas eu me comprometo a trabalhar para que tenham uma educação igual à das crianças das melhores escolas dos países mais adiantados”, pensava, imaginando seus alunos como titãs do saber.

“Eu sou como o vento e minhas crianças, uma pipa. Se o vento soprar com força, a pipa voará mais alto.”

This article is from: