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Entre ciganos e xamãs

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Entre ciganos e xamãs

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Todos os anos os ciganos chegavam ao povoado com suas roupas coloridas e muita algazarra em meio à curiosidade das crianças e à desconfiança dos adultos. Os malabaristas atiravam seus pinos de boliche ao ar, os saltimbancos faziam piruetas que desafiavam a lei da gravidade, as mulheres dançavam com suas saias coloridas tocando uns pequenos tamborins ou sininhos metálicos entre o dedo polegar e o médio de cada mão enquanto outras tocavam castanholas espanholas com muita animação. Não podia faltar “o homem mais alto do mundo”, que do alto de suas pernas de pau se elevava a uma altura de dez metros. Ainda assim, com cada visita dos ciganos aumentava sua quantidade de animais exóticos que incluía um velho leão, um camelo, uma onça, vários macacos, um abutre e cinco cães adestrados para fazer piruetas. — Gabito, se você se comportar bem eu o levarei ao circo no sábado — disse Rosa, caminhando com seu aluno até a escola. — Professora, eu sempre me comporto bem, e como nunca vi um camelo antes, meu avô me disse que me levaria para vê-lo e tocá-lo — respondeu o menino entusiasmado.

Todos os anos os habitantes de Aracataca iam admirar os artefatos que esses magos possuíam e que incluíam espelhos que distorciam o reflexo, fazendo com que os que se pusessem em sua frente se vissem pateticamente ampliados, cabeçudos e magrelos ou rechonchudos e encolhidos, causando surpresa entre os curiosos. Os ciganos foram os primeiros a surpreender as crianças com uma enorme barra de cor preta que eles chamavam de imã, e que tinha o poder de atrair todos os objetos metálicos. Transportavam também uma grande lente e, por um centavo, podia-se observar à noite, por três minutos, a lua e as estrelas. Tudo isso sem contar o grande espetáculo que ofereciam com os animais treinados, malabaristas, palhaços e trapezistas dispostos a arriscar a vida sobre uma corda atravessada na parte mais alta da lona do circo. Uma lona velha que estava tão furada que dos pequenos orifícios era possível ver as estrelas.

A chegada dos ciganos às vezes coincidia com a de outros personagens não menos extraordinários, incluindo comerciantes turcos com bordados e sedas finíssimas, definhados profetas do fim do mundo, ermitãos sem rumo que convidavam para uma conversa e intercâmbio espiritual, forasteiros com passados misteriosos em busca de uma nova oportunidade e loucos que haviam perdido a razão há muito tempo e perambulavam famintos pelo povoado até que as autoridades os presenteassem com uma passagem de trem para que fossem embora para outras localidades.

Ainda assim, durante o seu apogeu econômico Cataca era frequentada por golpistas, que se diziam xamãs e costumavam

carregar cobras penduradas no pescoço para chamar atenção do público enquanto vendiam fórmulas mirabolantes que supostamente curavam todos os males humanos e divinos.

Gabito os observava fascinado e, embora não entendesse o significado das doenças que diziam curar, ficava encantado assistindo ao espetáculo.

“Fique um minuto, senhor, senhora ou senhorita, e escute o que tenho para dizer por que seguramente trago o remédio que você precisa. Sofre com suores, calores e temores? Não se preocupe, que o índio Damián sabe como curá-los e nesta pequena garrafa que tenho na minha mão, vai encontrar a solução para o seu problema. Tenho aqui também um incenso que trouxe da Índia que servirá de ajuda em qualquer tarefa que se proponha a fazer. Compre, você, cavalheiro, compre a senhora ou a senhorita, que já verá como serve para combater a enxaqueca, o escorbuto, as dores menstruais, a micose, a lepra, o vitiligo, a dor de dente, a acidez, a prisão de ventre, os sudoreses, a asma, a depressão, a anemia, os parasitas intestinais...”

“Ah, e se tiver dúvidas, observe esse frasco cheio de vermes e lombrigas que nesta manhã uma senhora tirou de seu filho, um menino com um barrigão que depois de tomar duas colheres desse remédio ficou completamente curado. Nem precisa pensar mais, faça o teste se quiser que seu filho fique livre dos parasitas com este poderoso vermífugo. Tenho também esse frasquinho azul para curar anemia, o mal-estar e o cansaço, um remédio que faz com que em três dias um doente consiga levantar de sua cama. Sofre de amor não correspondido? Não se preocupe, tenho aqui a solução do seu problema. Tem que

comprar apenas esse frasquinho que trouxe dos montes do Himalaia, onde esta misteriosa erva milagrosa é feita. Não garante apenas que seu amor não seja infiel, como também ajudará a encontrar a felicidade que está buscando.”

“Se tem vômitos, tonturas, dor de cabeça, prisão de ventre, malária ou febres reumáticas, aproxime-se, senhor, senhorita ou garoto, que aqui tenho este pequeno frasco, que é o último que me sobrou para combater com eficácia todos esses males. Ah, além disso, incluo a oração correspondente para que o Altíssimo lhe dê proteção e não volte mais a sofrer dessas doenças.”

O audacioso homem começava então a circular um chapéu entre as pessoas que haviam se reunido ao seu redor, enquanto continuava dizendo:

“Cinco pesos, cinco pesos e além do elixir para a saúde integral, dou esta milagrosa pomada para você esfregar nos braços todas as noites e dormirá como um recém-nascido. Aproxime-se, chegue mais perto, não tenha medo que aqui está o índio que vai curá-lo de todos os males. Não vá embora que esta oferta é por tempo limitado, não vai perder, não vai perder. Lembre-se, são apenas cinco pesos e você poderá ter qualquer um desses remédios tão importantes para a sua família, e por oito pesos incluo ainda outra pomada e não terá mais que voltar ao médico. Pode comprar as quatro garrafinhas por quinze pesos, exatamente isso que estou dizendo, quinze pesos e poderá cuidar da saúde de uma velhinha, de sua mãe que talvez se sente impedida depois de ter tido uma vida ativa e agora sofre de artrite. Sim, senhor, você pode lhe dar esperança e uma nova vida levando este remédio. Não perde nada testando este novo produto que, ao mesmo tempo, senhorita,

você mesma, de blusa rosada, verá que é especial porque tenho uma grande surpresa, este produto suaviza a pele e faz crescer os cílios”, continuava dizendo o golpista enquanto as notas de dinheiro iam caindo em seu chapéu à medida que distribuía entre os presentes os frascos e pomadas com seus milagrosos elixires e ervas que curam tudo. — Professora, veja... Que quantidade de dinheiro! — disse Gabito surpreendido ao ver passar o chapéu transbordando de notas.

Rosa não ficava assombrada com a credulidade das pessoas, e da forma como esses audaciosos comerciantes montavam o seu teatro. As serpentes eram o anzol para fisgar as pessoas fazendo com que se detivessem ao seu redor observando os ofídios, ocasião que o hábil vendedor aproveitava para fazer a apresentação dos seus produtos. Um de seus assistentes se colocava no meio do grupo de espectadores e fingia ser um cliente, sendo o primeiro a sacar uma nota para a compra do produto. Esse interesse do suposto cliente gerava uma reação em cadeia entre essa aglomeração de pessoas curiosas e ingênuas, ansiosas por testar essas panaceias universais.

Seu encontro com esses homens chegados da Antióquia, uma região montanhosa a várias milhas de distância ao oeste do país, ocorria geralmente durante os finais de semana, que era quando todas essas pessoas saíam de suas casas para fazer o mercado e o vendedor de lábia fácil e divertida tinha maiores possibilidades de êxito. Terminada a venda, botavam o pé na estrada o mais rápido possível antes que os ingênuos compradores descobrissem que foram enganados.

Em mais de uma ocasião, do púlpito, o padre Angarita prevenia seus fiéis da fraude dos homens da cobra que extorquiam as pessoas e para que se cuidassem dos ciganos quando chegavam ao povoado com suas descobertas e suas habilidades de ler o futuro e uma bola de cristal, tarô ou a mão. Em seguida, muito sério, abria a Bíblia e os advertia que aqueles que os consultavam não poderiam entrar no reino dos céus, tal como podiam seguir à risca em um versículo. “Entristece o coração de Deus aqueles que consultam os magos e adivinhos”, ele leu. Depois acrescentou com tom de voz grave: “Eu não estou inventando. Está escrito na Bíblia”.

Rosa não precisava consultar um mago para saber que sua vida seria uma aventura maravilhosa na qual seria protagonista de seu próprio destino. No final das contas, o privilégio de ter sido eleita Rainha do Carnaval lhe conferia um acesso fácil com as pessoas permitindo-a estar a par de quase tudo o que ocorria no povoado. Desde um velório até um festejo, nada lhe escapava; com a mesma destreza que dançava, tinha uma grande, uma enorme capacidade de se lembrar dos rostos e nomes das pessoas. Esperta e atenta, sua conversa divertida captava a atenção dos homens, mulheres e crianças. Da mesma forma, era muito organizada e se caracterizava por sua impecável apresentação pessoal; desde os cabelos até sua roupa, Rosa estava sempre limpa e perfumada e era um exemplo para as jovens do local. Além disso, diziam que todos os homens jovens da região sonhavam em tê-la como sua esposa.

Apesar de sua dedicação ao magistério, Rosa esperava algum dia encontrar seu Príncipe Encantado. Daí a sua vontade de ficar aos sábados e domingos em casa com o propósito de ver os rapazes passar na frente da sua porta.

Os pretendentes de Rosa passavam impacientes esperando vê-la diante de sua casa, mas ela se encontrava longe da vista de todos, jogando loteria. Nessas ocasiões quem aproveitava era Gabito, que frequentemente se sentava muito próximo de Rosa que lhe pedia que pintasse algum desenho em seu caderno ou que corrigisse as tarefas da semana.

“Parece uma ironia da vida; nós éramos jovens cheias de ilusões e ansiosas para encontrar o amor, e perdemos essa etapa linda e importante da vida porque de uma forma egoísta os adultos nos mandavam jogar loteria com Wenefrida Márquez, irmã do coronel, e seu marido Rafael Quintero, um senhor educado no interior do país. O programa de jogar loteria tinha um pretexto muito bem dissimulado. De certa forma, nós nos dávamos conta de que faziam isso para evitar que tivéssemos pretendentes. Só nos resta dizer que enquanto nós, entusiasmadas, sonhávamos com o amor, nossas famílias nos negavam a possibilidade.”

Às vezes internamente Rosa sofria com sua educação, que a fazia se sentir envergonhada de dizer não ao irrecusável convite para ir à casa de seus vizinhos.

Em vez de permitir que suas filhas tivessem a oportunidade de conhecer o galã de seus sonhos, compensavam esse vazio com uma vida familiar muito ativa. Todas as novidades que ocorriam nas casas dos parentes e amigos eram recebidas como

próprias. De fato, desde enterros e primeiras comunhões até aniversários, batizados, casamentos e nascimentos, cada evento se convertia em um acontecimento social em que se reuniam mais de cinquenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças.

A casa do coronel Márquez era uma das mais frequentadas pelos visitantes de Aracataca. Os Márquez conheciam a arte da hospitalidade como ninguém. Ali todo mundo era bem recebido, de maneira que o fato de que jogassem diariamente em sua casa não era um inconveniente para a intimidade familiar, e sim algo muito natural. Em vez disso se mostravam encantados de ter a casa cheia de gente e faziam de tudo para que a legião de jogadores desfrutasse da reunião de amigos. A melhor parte, dizia Rosa, era no final da tarde quando dona Tranquilina surpreendia seus convidados com figurinhas de caramelo e pãezinhos recém-saídos do forno.

Para Rosa, não era segredo que esses convites faziam parte de um pacto secreto entre as comadres e amigas da vizinhança, empenhadas para que suas filhas não perdessem tempo com rapazes que, ainda muito jovens, não haviam sido coroados com uma carreira universitária e, portanto, não podiam lhes oferecer um nível melhor de vida. A pedra no sapato do coronel Márquez era o pretendente de sua filha, que não parava de se lamentar por ter aberto a porta da sua casa para o tal telegrafista do povoado, um homem que ganhava pouco, carecia de uma formação universitária e, acima de tudo, havia pertencido, no passado, ao partido político contra o qual o coronel havia lutado e colocado sua vida em jogo. Jamais se perdoaria por não ter estado alerta o suficiente

para evitar que o forasteiro lhe arrancasse as esperanças de um bom futuro à menina dos seus olhos, Luisa, o único tesouro que lhe havia restado depois da morte de sua filha Margarita.

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