A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus 1 Evany Nascimento2
Introdução
A cidade de Manaus, capital do Amazonas surgiu a partir da construção de uma fortaleza na confluência dos rios Negro e Solimões, em 1669. Passou de aldeia à vila e de vila à cidade, em 1848; em 1850, com a elevação do Amazonas à categoria de Província, passa a ser a capital e a receber “melhoramentos” e intervenções urbanas. Com a riqueza proporcionada pela economia da borracha, a cidade foi remodelada especialmente no período de 1890 a 1910, quando foi dotada de arquitetura eclética, com prédios inspirados nos padrões estéticos europeus, jardins públicos e monumentos comemorativos. O espaço privilegiado por estas modificações compreende hoje o Centro Histórico da cidade, que passa por um processo para ser tombado como patrimônio nacional.
Dentro deste processo de intervenções urbanas do final do século XIX e início do século XX, foi aberta uma avenida no Centro, a partir do porto e que termina em uma grande praça e com um prédio onde funcionaria o Palacete Provincial. Esta Avenida tem hoje o nome de Avenida Eduardo Ribeiro, em homenagem ao governador responsável pelas transformações urbanas, pois sua administração aconteceu no período de maior arrecadação do Estado (1892 a 1896).
A Avenida Eduardo Ribeiro atravessa as principais ruas do centro histórico que também se tornou centro comercial com a implantação da Zona Franca em 1967. Praticamente toda a extensão da avenida, dos dois lados é ocupada por estabelecimentos comerciais. No entanto, observamos uma diferença dos tipos de estabelecimentos. No alto da Avenida, mais próximo ao Teatro Amazonas, situam-se os mais “nobres”, com produtos mais caros, e na parte baixa, mais próxima ao porto, os mais populares, incluindo aí a feira de camelôs. 1
Este texto faz parte de um artigo originalmente apresentado como paper final da disciplina de Antropologia do Espaço (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRJ), ministrada pelo professor José Reginaldo, em agosto de 2010. 2 Arte-educadora, pesquisadora sobre patrimônio e monumentos urbanos em Manaus. Atualmente doutoranda em Design-PUC-Rio. Bolsista da FAPEAM.
No alto da Avenida, temos o Largo São Sebastião e o Monumento à Abertura dos Portos3, o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça. Na parte baixa da mesma Avenida, o Porto, A Igreja, o Relógio, e o Obelisco em Homenagem à Cidade de Manaus.
Este trabalho visa tratar desse espaço da parte baixa. Para tanto foi feito, além de pesquisa bibliográfica, uma pesquisa de campo com entrevistas com os frequentadores da praça. Somando-se a isso, um referencial teórico especialmente Giulio Carlo Argan, Kevin Linch e Michel de Certeau.
Praça do Relógio A Praça da Matriz (antigo Largo da Matriz), com jardins distribuídos na frente, à esquerda e à direita da Catedral, apesar de ter perdido também parte de sua área frontal (para o terminal de coletivos em 1975, por exemplo), constitui-se ainda num dos lugares mais arborizados do Centro. Sofreu inúmeras intervenções, teve suas obras removidas de lugar, depredadas e descaracterizadas. Hoje, está tomada pelo comércio informal, o que torna o trânsito de pedestres tumultuado. No final de 2002 sofreu novas intervenções, toda a praça recebeu gradeamento. Esse gradeamento limitou o acesso maior à praça da Igreja, deixando mais popular a praça do Relógio.
A chamada Praça do Relógio, por ser o lugar onde está situado o Relógio Municipal que foi colocado em 1929, é uma das áreas laterais da praça da Matriz e tem um desenho retangular. Nesta calçada do Relógio, existem lanchonetes-restaurantes e o comércio ladeando toda a área: de um lado as lojas, do outro os camelôs. A lanchonete à noite torna-se um bar e o som que toca à noite é o mesmo do dia: atualmente o ritmo preferido é o forró e calypso. Ao final dessa calçada, de frente para a entrada do porto nos limites do terminal central de ônibus, situa-se o Obelisco que homenageia a cidade de Manaus.
33
O Monumento à Abertura dos Portos que fica no Centro da Praça São Sebastião, ainda que não esteja na linha reta da Avenida, foi tomado aqui como elemento de análise por fazer parte do projeto urbanístico de embelezamento da cidade, compondo com a Igreja, a Praça e o Teatro uma área nobre do alto da Avenida.
O obelisco, de aproximadamente 4m de altura, fica em frente à entrada do Porto de Manaus, no limite da Av. Eduardo Ribeiro. É, na verdade, um Monumento Comemorativo ao 1º Centenário da Elevação da Vila da Barra do Rio Negro à Categoria de Cidade (1848-1948), conforme informações obtidas na própria peça. Tais informações também esclarecem que sob projeto de Branco e Silva4, o monumento foi construído por Tupinambá Nogueira e as placas de mármore colocadas pela “A Reformadora Marmoraria”, pessoas e empresas residentes em Manaus.
Formalmente apresenta três faces lisas e na face frontal, parte superior, as datas referentes ao centenário (1848-1948). O pedestal de cimento pintado de vermelho possui arabescos na parte inferior e superior. Nas quatro faces do pedestal encontramse placas de mármore, onde estão discriminados os nomes que compunham, na época, o Governo do Estado, o Tribunal de Justiça, a Assembléia Legislativa, bem como a Representação Federal. É um monumento político.
9
Branco e Silva nasceu em Manaus em 1896 e foi registrado como Leovegildo Ferreira da Silva. Estudou no Liceu de Artes de Lisboa, Portugal. Na praça da Matriz, o busto de Floriano Peixoto também leva sua assinatura e data de 1966.
Na face frontal do pedestal, parte superior lê-se as datas de 1848 e 1948 e na parte inferior:
1o CENTENÁRIO ELEVAÇÃO DA VILA BRARRA DO RIO NEGRO
DA DA
À CATEGORIADE CIDADE
O obelisco é um pilar de pedra alto e agulhado com estrutura quadrangular e ápice piramidal. Por estar apontando para o alto, no Egito era símbolo de culto ao deus-sol; significa também a ligação entre a terra e o céu. Seu caráter de apontar para o alto, elevar, talvez justifique a escolha da peça para simbolizar este acontecimento de grande importância para o Estado, embora na execução não se tenha levado em conta a estética.Na face frontal do obelisco, parte superior vê-se as datas, emolduradas por ramos de louro e abaixo, os dizeres referente a elas. As placas de mármore encontramse sujas, pichadas e com algumas bordas rachadas.
Hoje, este talvez seja o monumento mais invisível no Centro Histórico de Manaus, no entanto, sua colocação a pouco mais de 50 anos, foi cercada de grandes festejos, de acordo com o Jornal do Comércio (número avulso, de 26 de outubro de 1948), na data de sua inauguração, toda a sociedade esteve presente, pois foi este o momento mais importante dos festejos dos 100 anos de elevação da vila de Manaus à categoria de cidade. Durante uma semana, do dia 17 (domingo) ao dia 24 (domingo), a sociedade amazonense viveu entusiasmada a programação dos festejos comemorativos do 1o centenário da fundação da cidade de Manaus. A programação contou com concursos de tiro ao alvo, matinal dançante, jogos de futebol, apresentações de bandas nos coretos das praças, cinema ao ar livre, bailes, palestras nas escolas, e outros eventos em locais públicos e clubes da cidade para toda a população.
No Jornal do Comércio, do dia 26 de outubro, saíram ainda algumas notas sobre a inauguração do monumento, programações especiais nas rádios e as mensagens
enviadas a este jornal por outros jornais nacionais. Seguem as palavras entusiasmadas do Jornal sobre os festejos e a inauguração do monumento.
Dia solar de exaltação cívica e de entusiasmo patriótico, o de ante-ontem, marcado eternamente pelas comemoraçõesdo primeiro centenário da cidade de Manaus. Estão de parabéns o dr.Menandro Tapajós, governador do Estado, e o dr. Chaves Ribeiro, prefeito da Capital, a quem coube a honrosa missão de presidir tão gratas celebrações, e que a elas souberam imprimir o cunho de uma festa nitidamente popular, com decidida participação de todas as classes de nossa sociedade. Não apenas as elites se regozijaram, nos salões elegantes, mas principalmente o povo vibrou de júbilo nas ruas, assistindo seus espetáculos prediletos e alegremente aplaudindo-os. E não resta dúvida que o ponto mais alto das comemorações foi o ato inaugural do belo obelisco erguido à entrada da cidade, assinalando a primeira centúria de Manáus. Ali, a população confraternizou, rendendo tributo de homenagem a seus dirigentes, que tão fielmente interpretaram seus sentimentos, demorando-se todos na admiração do monumento magnífico, que guardará para as gerações vindouras a lembrança dêste instante glorioso da nossa História. Estão de parabéns o governador e o prefeito, pela inteligência e pelo critério com que se conduziram, e está de parabéns o povo, pela sabedoria com que escolheu seus condutores. Em nenhuma outra oportunidade, como nessa, os corações amazonenses bateram assim unissonamente... A festa histórica teve o condão de unir a todos fraternalmente, para honrar a gente e homenagear a terra bem amada. E quando a noite caiu, que a chuva fez descer as suas tristonhas cortinas líquidas sobre a cidade, era a tradução fiel da própria melancolia coletiva, por ver que se iam, fechados nas paginas da História, os momentos maravilhosos vividos no domingo de maior gloria e maior beleza deste primeiro século de vida de nossa Manáos. Agora, de retorno à vida laboriosa de todos os dias, trabalharemos ainda com maior resolução, com maior espírito de sacrifício, com maior dedicação, para tornar cada vez mais rica a terra e opulenta, mais farto e mais feliz o povo. Trabalharemos pelo desenvolvimento de Manáos, pelo progresso do Amazonas, pela grandeza do Brasil.5 Idealizado para marcar um acontecimento de grande importância para a cidade e o Estado e comemorado com todas as honrarias merecidas, foi colocado na entrada da cidade (à época). Hoje, com todas as modificações sofridas nesse espaço do Centro, é pouco observado, chegando a ficar invisível. Quem lembrará deste dia de glória em 11
Jornal do Comércio. Manaus, 24 de outubro de 1948.
que o monumento foi inaugurado, das festas que o precederam, dos sentimentos de patriotismo e amor à cidade que fervilhavam por todos os cantos da cidade? Hoje, o monumento é uma peça de cimento suja e sem significado para quem passa por ele. Por outro lado, não foi modificado e nem tão pouco alterado, a não ser pelas pinturas superficiais, sua invisibilidade acontece pelo trânsito e pela poluição visual ao seu redor.
Os monumentos à Abertura dos Portos e à elevação de Manaus à categoria de cidade, são obras idealizadas e construídas pelo poder público, mas em momentos econômicos diferentes. E além dessa memória oficial, guardam a memória construída pela população que transita por essas obras. Mesmo porque a arte não pertence unicamente a uma camada social, principalmente a que se aloja em espaços públicos. Argan faz uma análise sobre isso: Se disséssemos que a arte é um componente essencial do sistema cultural burguês estaríamos reduzindo-a a um âmbito étnico e cronológico certamente por demais restrito e não estaríamos levando em consideração o fato de que a burguesia, apesar de desde o início não ter vocação para tanto, assumiu o poder e ainda o detém agora com modos que nada têm a invejar aos das mais turvas monarquias absolutas. Diremos apenas que a arte se manifesta nas culturas ou nas camadas culturais que, em qualquer tempo e lugar, fundamentam a realidade social, sempre e tão só no contexto de uma ética dos valores, isto é, de uma concepção da vida como trabalho produtivo, das relações humanas como intercâmbio de experiências, da política como dialética de autoridade e liberdade. Em toda a sua história, a arte sempre se encontra no pólo oposto do poder carismático e do dogmatismo político. Mesmo quando se apresenta formalmente sujeita a um poder despótico, faraônico, resgata e realiza em si, em seu fazerse, a liberdade negada pelo sistema. Se toda a história fosse uma história do poder (Estado e exército), não haveria uma história da arte.6 Esse conjunto de relações que cerca a arte, especialmente os monumentos, reafirma a capacidade deste de ser ponto de confluência para onde convergem memórias individuais, coletivas, oficiais, históricas. Confere ao monumento um significado que transcende seu valor material, pois que se aloja no imaginário das pessoas e da cidade. E por mais que a sociedade hoje não lembre dos acontecimentos que estes monumentos 08
ARGAN, op. Cit., p. 42.
inscreveram na história da cidade (porque o momento é outro) e não se permitam observa-los pacientemente (porque o ritmo também é outro), a memória que eles guardam encontra-se num plano subterrâneo, inscritas nas suas placas de mármore ou bronze, guardadas em jornais, livros antigos, pessoas mais velhas que, interrogadas, podem deixar fluir lembranças de um tempo passado e que pode se fazer presente ao se deter diante do monumento e do tempo para recordar.
Mas não só para recordar serve o monumento, também para informar os contextos políticos que determinaram sua criação. Observando o monumento e as informações contidas em suas placas de mármore, é possível perceber a vida política de Manaus inscrita nos nomes. Quem fazia parte do cenário político de Manaus em 1948, continuou a fazer parte nas décadas seguintes incluindo suas novas gerações.
As entrevistas na Praça do Relógio foram feitas entre 14h e 16hs, com as pessoas que estavam sentadas nos bancos de concreto, entre a lanchonete e o obelisco. Todas estavam esperando por alguém e citaram a praça como um lugar que visitam com freqüência.
O calor, o movimento e a poluição sonora (buzinas, música, pessoas), estavam muito mais intensos neste lugar. As pessoas entrevistadas demonstraram não estarem muito incomodadas com todo esse contexto. Mas, se pronunciaram contrárias aos vendedores ambulantes que abordam constantemente as pessoas que estão paradas ali. O que causa medo de assalto. Outro fator de incômodo apontado por alguns foi o som alto da lanchonete.
Ao serem questionados sobre o Obelisco, disseram que não sabiam porque estava ali e que não servia para nada. A localização e o aspecto formal do Obelisco, principalmente o seu tamanho, torna-o sem destaque no movimentado Centro de Manaus.
As pessoas que circulam pela Praça do Relógio, estão indo ou vindo do terminal de ônibus da Matriz, em direção ao trabalho ou às suas casas. Muitos também passam pela Praça em direção às compras, vindos dos barcos que aportam nas proximidades. As lojas com preços populares e a variedade de artigos atrai quem deseja fazer compras em Manaus.
A Praça do Relógio para essas pessoas, não constitui um lugar para passeio e sim um lugar de passagem. Mas, os bancos e a sombra em alguns momentos do dia, oferecem um convite para ficar um pouco mais, funcionam como ponto de encontro. Alguns dos entrevistados apontaram como necessidade para o Centro, a limpeza dessa Praça.
Quanto ao Obelisco, como as pessoas não conhecem o valor histórico da obra, as intenções de sua colocação e o que representava no período, ele não faz sentido para essas pessoas. Desprovido de atrativos estéticos, não é considerado como arte, diferente do Monumento à Abertura dos Portos que, mesmo sem conhecerem os aspectos simbólicos e históricos de sua implementação, o consideram importante pelo lugar que ocupa, pela sua imponência e pelos detalhes apreciáveis. O Obelisco é desprovido desses detalhes. Ele apenas está ali e as pessoas se acostumaram com ele.
Ao serem questionadas sobre o termo patrimônio, as pessoas entrevistadas deram as seguintes respostas:
No 01
Largo de São Sebastião7
Praça do Relógio8
Algo muito importante, que não pode Patrimônio da cidade: Teatro Amazonas. se desfazer.
02
Patrimônio histórico vem ser isso aqui. Patrimônio é o que eu construí. (referindo-se ao Largo)
03
É o bem que alguém construiu num É uma coisa histórica, faz muito tempo determinado
tempo.
Patrimônio que tem.
histórico é isso aí. (Teatro Amazonas) 04
Tudo isso: o Teatro, a praça, escolas... É uma coisa que não pode ser expandida, patrimônio público.
por exemplo a cultura indígena não pode ser muito revelada.
05
Penso em algo que tem que ser É aquilo que a gente consegue. conservado... é do povo.
06
7 8
Tudo é patrimônio, nada deixa de ser, É como um prédio desses, como o
Coluna de respostas das pessoas que foram entrevistadas no Largo de São Sebastião. Coluna de respostas das pessoas que foram entrevistadas na Praça do Relógio.
porque
vem
dos
antigos
e
dos mercado que estão reformando e vai
portugueses e assim se torna uma ficar, é relíquia. história.
Pelas conversas com os entrevistados, percebi um aspecto muito prático no discurso mas, ficou clara a noção de patrimônio como um bem coletivo. E ainda que os prédios restaurados do período da borracha tenham sido apontados como exemplo de patrimônio, ficou evidente também a questão dos serviços. Interessante a noção global de patrimônio, principalmente associada ao bem comum.
Outros pontos do centro foram citados como a Manaus Moderna (rua que circunda a orla de Manaus e que serve ao comércio informal e ao trânsito de quem viaja de barco), como espaços bonitos mas que precisavam de cuidados. Apenas um dos entrevistados citou a Praça do Relógio como um dos seus lugares preferidos no Centro, enquanto que todos os entrevistados do Largo o incluíram como lugar que mais gostam de freqüentar. O que configura a Praça do Relógio como um lugar de passagem.
Considerações finais
Observando o tema aqui apresentado e uma vez que não foi possível identificar de forma mais substancial, categorias nativas relacionadas ao uso dos espaços e ao patrimônio em Manaus, a partir das entrevistas realizadas, pretendo abordar, a título de conclusões, as categorias indicadas por Kevin Lynch9: vias, limites, bairro, pontos nodais e marcos.
O Centro Histórico de Manaus, como fora abordado no início deste texto, constitui o centro histórico da cidade e o centro comercial. A Avenida Eduardo Ribeiro apresenta em sua extensão, alguns limites demarcados pelos produtos dispostos nas lojas, pelos espaços da parte baixa e da parte alta, pelas praças e monumentos. Esses limites são percebidos pelo aspecto formal, o cuidado com as restaurações e pelo público que freqüenta. A Avenida Eduardo Ribeiro é uma das principais vias do Centro histórico. Por ela perpassam outras tantas ruas mais estreitas e com intenso comércio.
9
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
A Praça do Relógio, pela proximidade com o terminal de ônibus já se constitui um ponto de passagem. Dos dois lugares aqui abordados, o Teatro é o grande marco referencial do Centro, pelo seu valor histórico e artístico, suas dimensões e localização. No entanto o Relógio e outras construções mais antigas também funcionam como ponto de referência para quem deseja se localizar no Centro.
A partir das conversas e entrevistas realizadas no Centro, foi importante perceber como as pessoas e o poder público atribuem valor diferenciado aos objetos. Para o poder público, a concluir pelos projetos de revitalização e patrimonialização da arquitetura do período da borracha, essa necessidade de continuidade é importante. É o que atribui valor à cidade, como uma prova de que sua história não é recente. E com isso, alguns prédios são restaurados e espaços revitalizados sem um diálogo com seus usuários10.
Para as pessoas, o que vale é o bem-estar coletivo, as soluções práticas e os espaços mais arborizados. O Teatro Amazonas é o bem mais amplamente reconhecido como patrimônio, ainda que muitas pessoas não tenham acesso a ele. Já está consolidado como bem da cidade. Quanto aos outros, o valor que o Estado imprime a eles, ainda não foi assimilado pelas pessoas, ou estas, lhes atribuem outros valores.
Esta abordagem, me alertou para os significados em relação aos discursos do patrimônio. A noção dos monumentos como patrimônio é presente no poder público e intelectuais da cidade. Enquanto a maioria das ações se limita às obras, as pessoas querem perceber modificações no entorno. Dessa forma fica a impressão (uma vez que são considerações ainda não estudadas adequadamente), de que os discursos políticos em relação ao patrimônio constroem uma cidade para o olhar do outro (de um externo, de um turista) e não para a vida de quem está ali. Ou ainda, que os espaços são remodelados para atender a um pequeno grupo, e tornam-se, pela sua configuração, limites velados de distinção social. 10
Como no caso da revitalização da Praça da Saudade, inaugurada em 2010, e sem uma consulta prévia com as pessoas que freqüentavam o local. A praça teve o retorno do seu desenho circular de 1960 e com apenas o monumento de Tenreiro Aranha ao centro, assemelhando-se ao Largo de São Sebastião. Antes a praça era dotada de muitas barracas de lanche, um mini-anfiteatro, um mini-parque de diversões com alguns brinquedos, lanchonetes e sorveteria ao redor e até um prédio de três andares. Agora ficou o monumento e as áreas de circulação com poucos bancos que aguardam que as plantas trepadeiras cresçam para oferecer sombra.
Referências Bibliográficas ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte Como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano.Petrópolis,RJ: Vozes, 2009. LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.