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Prólogo de Bernardo Toro: Aprender a cuidar em tempos de crise climática e da pandemia da COVID 19

O paradigma do cuidado como desafio educativo

Aprender a cuidar em tempos de crise climática e da pandemia do COVID 19

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Cada sociedade decide o tipo e a qualidade da educação que quer para a próxima geração. A educação formal de um país não é decidida ou concebida pelas crianças ou jovens; é um acordo implícito ou explícito de grupos ou organizações de adultos. Cada país tem a educação que quer ter.

A quarentena imposta pela pandemia deste março de 2020 trouxe para dentro da vida familiar toda a experiência escolar, levantando uma série de questões fundamentais entre pais e adultos: para que serve aquilo que o meu filho ou filha está a aprender? O que devem aprender agora, tendo em consideração o futuro que os espera nestes tempos de Crise Climática (CC) e pandemia?

A CC e a pandemia são choques físicos, provêm da realidade do planeta. Não é um fenómeno que dependa da vontade humana como uma crise económica, uma guerra ou uma mudança política. Para agir sobre um choque físico, é necessário conhecer as suas causas e comportamentos, quer para o controlar, quer para tirar partido deste a favor da vida.

Nos dias que correm, estamos a aprender o mesmo em todas as sociedades: a ciência e o conhecimento científico devem preceder as decisões políticas e económicas. Trocar conhecimentos e aprender uns com os outros já é um comportamento planetário face à pandemia. É necessário que este comportamento persista e se desenvolva de modo que seja possível enfrentar um choque. mais poderoso como o é a CC. Somos geneticamente dotados para sobreviver à pandemia, mas se não mudarmos o nosso comportamento em relação ao planeta e entre nós, não sobreviveremos à CC.

No entanto, a ciência não é solução para a ética. “O drama que hoje vivemos é um drama de escolha, e a escolha é a essência da ética. [...] Ficar sem dinheiro ou arriscar a saúde; sair ou não sair para a rua; entrar ou não num autocarro;

pagar ou não as dívidas que tínhamos, proteger o avô ou expô-lo ao contágio”I. A pandemia pôs a descoberto todas as desigualdades das sociedades, obrigando-nos a agir de forma solidária e a formular estratégias e políticas a fim de enfrentar a doença, a fome, a pobreza e a exclusão. A superação das desigualdades exige sempre que a ética preceda a ciência e que a ciência preceda a política.

O que é a ética? É a capacidade de uma pessoa ou de um grupo agir a favor da dignidade humana e do cuidado com os bens do ecossistema do planeta. Não importa o que uma pessoa faz, quer seja poeta ou engenheiro, artista ou executivo, agricultor ou dançarino... se o que faz contribui para os direitos humanos (a dignidade humana) e para o cuidado do planeta, é uma ação ética, é uma ação de cuidado.

Como diz Leonardo Boff, várias vezes citado neste livro, “o cuidado não é uma opção - aprendemos a cuidar ou morremos”, e acrescenta uma proposta cheia de esperança criadora:II

Quando amamos cuidamos e quando cuidamos, amamos [...], o cuidado constitui a categoria central do novo paradigma da civilização que está a tentar emergir em todo o mundo [...] O cuidado assume uma dupla função de prevenção de danos futuros e regeneração de danos passados.

A realidade constrói-se, preserva-se e transforma-se através de transações quotidianas. Como nos mostra a quarentena a nível global, a vida real acontece e é sustentada através das transações que fazemos entre nós e entre as instituições. Não são os teatros, nem os estádios, nem os edifícios, nem as avenidas que fazem a cidade. São as transações económicas, políticas, sociais, emocionais, culturais e espirituais que preenchem estes espaços com sentido e significado.

I Hernando Gómez Buendia (2020) La pandemia como drama de la ética. Razón Publica. https://razonpublica.com/la-pandemia-drama-la-etica/ II Boff, El cuidado esencial. (2002). Trotta, Madrid

O paradigma do cuidado como desafio educativo

Construímos a realidade com as nossas transações: › Económicas: trocamos bens e serviços. › Políticas: negociamos, articulamos e fazemos convergir os interesses públicos e privados. › Sociais: trocamos e reconhecemos papéis, estatutos, cargos e prestígios. › Emocionais: trocamos sentimentos, significados e emoções. › Culturais: trocamos formas de ver e construir o mundo, bem como formas de ser. › Espirituais: trocamos formas e meios de evitar ou diminuir a dor nos outros.

Estas trocas ou transações podem resultar em ganho-perda ou ganho-ganho. Os intercâmbios ganho-perda acumulam riqueza em poucos e iniquidade em muitos. Os intercâmbios ganho-ganho acumulam riqueza e equidade para todos, em todo o momento. Aprender a cuidar é aprender a fazer transações ganho-ganho a todos os níveis e em todo o momento. Esse é o desafio ético para a educação em tempos de pandemia e CC.

A educação continuará a ser o meio mais privilegiado para que a nossa humanidade seja capaz de enfrentar esta mudança de paradigma, através da revisão e renovação dos seus processos, dos seus modelos de avaliação, dos processos de capacitação de professoras e professores, dos seus hábitos escolares, do que se ensina. Em suma, os intercâmbios, vínculos e relações na educação para que levem a um ganho-ganho.

Gostaria de agradecer à Fundação SM e ao Luís a audácia de publicar este livro, neste momento da nossa história. É o momento da educação enfrentar este desafio. É, realmente, o nosso tempo, e Luís Aranguren ajuda-nos a responder ao desafio com este livro, que é ao mesmo tempo reflexão, contemplação, pedagogia, narração e alguma poesia.

Bernardo Toro A

Bogotá, Junho de 2020

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