4 minute read

Numa tarde quente de domingo

Next Article
Esperança

Esperança

Numa tarde quente de domingo

Numa tarde quente de domingo, podemos encontrar uma senhorinha de cabelos brancos sentada no sofá. Ondina me esperava em sua casa com os cabelos ainda molhados do banho, fios brancos, longos e finos amarrados por duas presilhas. Ela me olhava entrar na casa, era uma casa vermelha, com a tinta desbotada já para um tom de rosa. Não tinha muro, somente uma grade também vermelha de mais ou menos 1,65m de altura. Do lado do número da casa tinha uma borboleta azul, borboleta essa que a “Tia Ondia” (apelido pelo qual ela gosta de ser chamada) fez questão que eu tirasse uma foto. Do outro lado havia uma placa com a imagem de um cachorro escrito: Cão Bravo. Mas o engraçado é que não havia nem sequer um sinal de animal por ali. Enfim, entrei. Ela me chamou para sentar. Era uma casa simples, dois sofás de couro antigo marrom avermelhados na sala. Ela estava no sofá de dois lugares e eu no de três lugares bem a sua frente. A direita havia uma estante, cheia de fotos antigas, presentes e lembrancinhas. Vamos começar a entrevista. Então me levanto e sento ao seu lado, ligo o gravador. É hora de saber mais! Afinal, quem é essa Ondina? Era o ano da Semana da Arte Moderna no Brasil, com ninguém mais ninguém menos que Anitta Malfatti, Oswald e Mário de Andrade, Heitor Villa-lobos, Victor Brechet e Tarsila do Amaral. A nível mundial, na Itália, Benito Mussolini era eleito 1° ministro, Niels Bohr ganhava o Nobel de física e voltando para a nossa pátria, no dia 15 de novembro de 1922, Artur Bernardes era eleito o 12° presidente do Brasil. E, dois dias depois deste acontecimento, nasce Ondina. Agora, em 2018 ela completa 96 anos de vida.

Advertisement

15

Ondina Cândida Meira nunca estudou, resultado disso: Não sabe ler nem escrever. — Não tive oportunidade porque não tinha professor, ‘nois’ morava na fazenda e não tinha professor nenhum, depois é que foi um professor pra lá, mas ficava longe e meu pai mais minha mãe não deixava a gente ir, porque de ‘primera’ era corrigir demais. Aí eu não aprendi. Uma senhorinha simpática e calma me falava isso, enquanto eu observava as suas marcas de expressão, que o tempo resolveu deixar de presente. As mãos, o rosto, os braços... tudo tão enrugadinho, um corpo cheio de histórias para contar. — Vontade eu tinha, mas eu não estudei. Nem aqui não tinha professor. Os ‘minino’ estudava lá no ‘Curralero’, mas era ‘pagado’ e caro. As ‘muié’ não estudou não. Só minha irmã que aprendeu depois de casada e eu aprendi só assinar o nome com o ‘cumpade’ Claudinho, mas hoje em dia eu não consigo mais, as vistas não deixam, fica tudo enfumaçado” Ondina se orgulha em dizer que com o pouquinho que aprendeu, ela pode dar seu voto em todas as eleições, só não participou das eleições deste ano de 2018 porque segundo ela, as pernas não deixaram. — De primeira era difícil, porque a gente tinha que escrever, agora a gente só bate ‘tic e tac’ e pronto. Ela acha graça em contar como eram as eleições daquela época, em meados do século 40 e 50. O mais incrível de toda a nossa conversa é ver como uma senhora de quase 100 anos que não teve a oportunidade de estudar, dá um valor tão grande ao estudo. — O estudo é muito importante, ‘pruque’ deixa a pessoa mais ativo, sabe as coisas. Todo mundo tinha que ter a oportunidade de estudar, porque assim não sofria tanto. Se fosse hoje e eu tivesse menos uns 15 anos eu estudava.

16

Além disso, ver a felicidade estampada em seu rosto ao saber que seus filhos, netos e sobrinhos estão estudando, não tem preço. Ela sorria e tocava minha perna dizendo: — Fico muito feliz de eles estudar e aprender e viver uma vida com mais maravilhas. Eu não tive isso, mas desejo muito pra eles.

Fim de conversa. Desligo o gravador com uma sensação boa no peito, com esperança na mente por causa dessa senhora que mais do que me dar uma entrevista, me deu uma lição para a vida. Sua sobrinha Edna que estava cuidando dela se levanta e pega algumas fotos da estante que Ondina pediu. Tem uma foto dela com um casaco bege em um casamento. Ondina estava abraçada com a noiva e por atrás, o noivo as abraçava, um momento tão especial para mim e para ela. Para mim, por poder estar ali e partilhar das histórias de sua vida, e para ela, por ser uma das poucas fotos em que ela aparece. Uma revelação que me deixou ainda mais orgulhosa por ela ter deixado eu tirar uma foto sua. Ao final do capítulo tem uma foto de uma senhorinha sentada no sofá numa tarde de domingo.

17

This article is from: