A chita ed definitiva ebook

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A CHITA Herança de Família Ivenio Hermes

2013 Edição Definitiva

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A CHITA Herança de Família Ivenio Hermes

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Copyright © 1989/1990/2013 by Ivenio Hermes Todos os direitos desta edição reservados ao autor Capa Aramis Fraino Imagem de Capa Aramis Fraino Revisão Sáskia Sandrinelli Editoração Sáskia Sandrinelli Ivenio Hermes Prêmios: Governo do Estado do Pará SECULT - Secretaria de Estado da Cultura Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hermes, Ivenio A chita : herança de família / Ivenio Hermes. – 2. ed. – Natal, RN : Ed. do Autor, 2013. Hermes, 1. Ficção policial e de mistério 2. Romance CDD-363.10981 brasileiro I. Título.

13-04920

CDD - 869.93

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção policial e de mistério : Literatura brasileira 869.93

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SUMÁRIO COMENTÁRIOS SOBRE A 2ª EDIÇÃO ............................ 8 PREFÁCIO ........................................................................... 11 INTERLÚDIO ...................................................................... 83 POSFÁCIO .......................................................................... 119 APÊNDICE ......................................................................... 208 LIVROS PUBLICADOS.................................................... 215 BIOGRAFIA ....................................................................... 216

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Meu agradecimento sempre especial ao meu Grande Deus, criador e mantenedor de tudo que existe. É Ele que me sustém todos os dias de minha vida, e que está comigo em situações boas e não me deixa nas ruins. Ao meu pai Ivenio, o maior de todos, do qual herdei o nome e muitas outras coisas. (In memoriam) A minha primeira segunda mãe, Marisete Lacerda Valentim, a primeira sogra, em cujos cuidados maternos fui sempre mantido enquanto ela viveu. (In memoriam) A minha mãe, Joana, que me ensinou, do jeito dela, a arte da obediência. A minha amiga Patricia Vanicky, que datilografou a edição original e sempre me incentivou a escrever, lendo e participando de tudo, e que, além disso, me presenteou com dois filhos maravilhosos. A Sáskia Sandrinelli, a revisora dessa edição, cujo apoio e carinho têm sido fundamentais. Aos queridos filhos: Samihr, Efraim e Pedro, cuja existência será a evidência mais bela de minha passagem por essa Terra.


A Chita, por Ivenio Hermes

COMENTÁRIOS SOBRE A 2ª EDIÇÃO A CHITA é um livro que possui um valor especial para mim, pois ele marca o início da minha relação com o texto literário. O livro foi vencedor do Edital de Arte de 1989, da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Pará em conjunto com a Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”. Ele foi selecionado por uma comissão julgadora constituída por pessoas ligadas à área literária do Estado e todos com reconhecida atuação. Na época, os editores de texto ainda não haviam avançado e Patrícia Vanicky (Patty) precisou datilografar cada página do meu manuscrito para poder apresentar em três cópias para a banca examinadora do concurso literário. A revisão ortográfica foi minha com a ajuda de Patty que fazia a final durante o processo de releitura. Eram tempos difíceis e sem recursos financeiros, portanto, copiar o volume original três vezes demandou uma soma de dinheiro que não tínhamos. Porém, com a ajuda de Deus, conseguimos. De fato, foi Marisete Lacerda Valentim, a avó dos meus filhos, minha primeira sogra, quem me proporcionou o dinheiro para as cópias, dinheiro esse que ela nunca aceitou pagamento, pois me considerava um filho e dava provas disso, até o dia em que ela partiu dessa vida.

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E assim, numa determinada manhã de 1989 eu fui de ônibus até a Fundação Tancredo Neves para entregar o trabalho. A suntuosidade do prédio me deixou pequeno e fiquei ainda menor quando vi os nobres literatas que estava recebendo as obras e os ilustres concorrentes da categoria “romance”. Todos ali pareciam se conhecer, e eu, um franzino escritor estava tão mínimo que nem conseguia me ver naquela sala. Entreguei os originais, recebi meu documento de entrega e saí daquele anfiteatro sem ser notado. Meses se passaram, afinal eram muitas obras para serem avaliadas apenas na categoria na qual eu estava concorrendo, isso sem falar nas outras, que eram: poesia, contos e crônicas, infanto-juvenil, humor e história em quadrinhos. Fiquei até sem esperanças no decorrer do tempo, mas ainda assim buscava noticias e apenas me informavam que o número de obras era grande e que todos os concorrentes precisavam esperar. Somente em 1990 chegou um telegrama me convidando a comparecer na Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves” e quando cheguei descobri que havia sido o primeiro colocado na categoria “romance”. Seguiram-se muitas entrevistas, reportagens e eventos para a divulgação e estes foram momentos ímpares de minha vida, impulsionadores de minha carreira como

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escritor e que compartilho com você, caro leitor e cara leitora. Hoje você tem em mãos uma edição que considero a definitiva, com personagens atualizados, nova redação, subtítulo definido, com a gramática totalmente revisada por minha querida Sáskia, e também com nova capa, uma contribuição do amigo e artista digital Aramis. Enfim, está com a qualidade que sempre sonhei em dar a esse meu trabalho inicial no mundo da literatura. Uma boa viagem nos caminhos da história e da vida dos personagens de A CHITA: Herança de Família.

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PREFÁCIO

1 - É aqui! - disse o rapaz em tom de receio, e ao mesmo tempo um certo alívio. Durante a viagem, em meio àquela tempestade de neve, que caía grossa e incessante, ele passou em revista toda a sua vida e quão fugaz fora ela! Nesse instante, ainda sentindo a ponta daquela adaga em sua nuca, a sua mente retornou horas no passado, revendo aqueles fatos estranhos. Havia apanhado um passageiro de aparência asiática, bem vestido e com uma valise preta tipo presidente, dessas de executivos. O homem, no final da corrida, lhe pagou em dólares, o que o fez prestar um pouco mais de atenção a ele e ao casarão antigo, mas bem cuidado, ao qual o levara. Ao cair da noite daquele mesmo dia, apanhou outro passageiro, que apesar de estranho, muito tinha a ver com o outro daquela manhã. - Leve-me ao lugar que você levou aquele Japa pela manhã e não banque o esperto, pois há muito em jogo e eu levei o dia todo para

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encontrar o seu táxi – disse aquele homem que vestia preto, e parece que querendo dar mais autoridade a sua voz, colocou-lhe uma adaga no pescoço. Não era um homem comum e ao que tudo indicava, não britânico. Vestia uma roupa negra à semelhança de quimono e a única parte visível de seu corpo eram os olhos. A realidade voltou-lhe à mente ao sentir aquela mão enluvada em seu ombro. - Escute rapaz, agora vá e não olhe para trás, pois o que vai acontecer aqui não é muito indicado para a divulgação, portanto ninguém deve saber e muito menos você. Mal acabara de falar e já se encontrava do outro lado do muro, saltou como um felino, como se aquele obstáculo de dois metros e dez de altura e salpicado de pontas metálicas no topo nada significasse. O rapaz do táxi ficou perplexo ante tal agilidade, mas de súbito, pensando nas palavras daquele homem misterioso, entrou no carro e deu a partida, só que, tão rápido como o receio lhe levara a fugir, a curiosidade o fez parar.. A marcha ré pareceu mais dura do que de costume e quando estacionou o carro novamente, sentiu o coração bater forte e lembrou-se da Magnum no porta-luvas. Com arma na cintura,

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presa pela parte de trás da calça, procurou uma parte do muro mais acessível e o transpôs com um pouco de dificuldade. A casa ficava distante do muro e de longe quase não se divisavalhe a forma, pois não havia nenhuma luz acesa nela com exceção do galpão contíguo que parecia bem iluminado internamente, apesar da precária iluminação exterior. Arrastou-se até o local e pode ouvir vozes que não conseguia entender. Desesperadamente buscou uma abertura que havia em um elevado do terreno que lhe deu ampla visão do que ocorria no interior do galpão. - Eu sabia que você viria, Hiroaki-san e foi por isso que ordenei a Sato que viesse de táxi, pois certamente você o seguiria como tem feito há uma semana. Para falar com sinceridade, Hiroaki, sabia até que você esperaria a chegada da noite para tentar realizar seu intento. - Você vai pagar caro pelo que aconteceu a Usah e aos outros, Shingen. Vim para matá-lo e você sabe que não desistirei enquanto não conseguir isso. - Claro, claro. Como disse, já esperava isso e mandei preparar uma recepção para você. Mesmo que consiga alguma coisa comigo, daqui você jamais sairá vivo.

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- Isso é o que você pensa, eu o desafio Shingen! - disse Hiroaki com a ira de seus vinte e quatro anos de idade. - Aceito! As katanas foram sacadas quase que ao mesmo tempo, mas um perito em artes maciais notaria a agilidade superior de Shingen, que em seus quase cinquenta anos de vida, tinha mais de experiência que de instinto. Nisso, uma arma é disparada do meio dos caixotes que ocupavam aquele galpão e o tiro certeiro atinge em cheio o ombro esquerdo de Hiroaki. - Você é muito tolo em pensar que eu aceitaria um desafio sob os padrões nobres os quais você está acostumado. Idiota, eu não construí a fortuna que possuo com nobreza e sim com astúcia. O rapaz observava tudo estupefato e imóvel, Hiroaki estava caído com o ombro estourado pelo projétil enquanto Shingen se aproximava com a katana em punho para desferir o golpe final. - Parado, idiota! - aquela voz rouca e forte pronunciou-se em tom imperativo. O rapaz do táxi agora se encontrava ante um brutamontes com uma faca em punho ameaçadoramente.

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- Tava espionando, xará? O preço para quem é pego espionando aqui nessa propriedade é pior do que a morte, sou eu! - e riu-se daquele palavriado. O rapaz ainda deitado e apavorado tentou se levantar e sacou do cinto o revólver e disparou quase ao mesmo tempo à queima roupa. Shingen já abaixava a katana para liquidar Hiroaki quando ouviu os disparos, dois e do lado de fora. - O que foi isso? - indagou. - Lá fora, do lado esquerdo do galpão. - Quem está de guarda lá? - O Simons. O tiro atingiu o peito de Simons em cheio, o segundo disparo, foi apenas o desespero do rapaz que o fez puxar o gatilho novamente. Em choque, começou a correr pelo lado de fora, enquanto a guarda de Shingen já estava no local. Shingen, distraído com o acontecido é derrubado por Hiroaki, que empunhando a sai, crava no braço esquerdo de Shingen a um dos caixotes e ao mesmo tempo desfere uma cotovelada na boca do estomago. O rapaz do táxi corre em desespero para o fundo do galpão onde encontra uma entrada de serviço totalmente desguarnecida.

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Os homens de Shingen corriam na direção do muro pensando que o rapaz se dirigia para lá. Shingen desfere dois socos consecutivos sobre o ferimento de Hiroaki e este se afasta rastejando. Shingen se solta do caixote puxando a sai. Hiroaki levanta-se sofregamente e vê que sua vingança não mais poderia ser efetuada, pois a natureza e seu sofrimento lhe impedia qualquer movimento drástico. Sentia sua consciência fugir aos poucos e a dor aumentar a cada passo que dava na direção a saída do galpão. Seu inimigo decide dar um golpe final e retira de seu quimono um punhal comprido e atira rumo às costas de Hiroaki. O jovem motorista de táxi adentra o galpão quando vê o velho japonês retirar um objeto de dentro da sua roupa. Ele corre, então, mais rápido na direção de Hiroaki e se lança sobre ele no exato momento em que o punhal voava na direção dele. Os dois caem no chão e o punhal crava-se numa das peças do esteio do galpão. O motorista aponta seu revólver para Shingen e dispara. Shingen cai inerte. - Vamos sair daqui, o seu tiro vai atrair todos os guardas e se nos pegarem, nem sua mãe irá lhe reconhecer depois.

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- O que está acontecendo aqui? Eu não estou entendendo nada, em menos de dez minutos eu matei dois homens que eu nunca vi antes e tenho que fugir... - Cale a boca e me ajude a fugir, mais tarde, se escaparmos, eu lhe conto tudo. O motorista começa a seguir Hiroaki que decidido se dirige para os fundos daquela propriedade a toda velocidade. Em poucos segundos ambos se deparam com uma cerca de arame farpado, pouco comum naquela área. Hiroaki retira da luva uma lâmina pequena, uma espécie de tesoura, e corta a cerca, abrindo um buraco. Quase duzentos metros depois de haverem transposto a cerca, Hiroaki sente que já não pode continuar, havia perdido muito sangue e a dor havia se elevado a um estado quase que insuportável. - Escute, daqui em diante você vai só, vou parar por aqui. - Você está louco, me meteu na maior encrenca e agora diz que eu posso ir, sem me dar a menor explicação. Eu matei dois homens, corri feito louco para fugir da morte numa propriedade alheia, a essa altura já pegaram meu carro, vão verificar a placa e vão querer a minha pele por eu ter matado aquele tal de Shingen e você fala para eu ir embora?

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- Não se preocupe com a morte de Shingen, o seu tiro não pegou nele, foi apenas de raspão e ainda por cima do ombro. - Ah! - respirou aliviado – pelo menos posso ficar sossegado, uma morte a menos para me preocupar. - Você é que pensa, Shingen é muito vingativo para deixar você ficar vivo depois de ter tentado matá-lo. - Oh, Deus! Você é o culpado disso seu cretino, por que não achou outra forma de chegar lá? - Ora, cale essa boca, eu lhe mandei ir embora e você além de não seguir meu conselho ainda arranjou uma arma. Calaram-se e Hiroaki curvou-se devagar para frente, a dor atingiu seu ponto crucial, uma tonteira súbita o fez cair desmaiado. Ao longe o motorista de táxi avistava o clarão das lanternas, eram seus perseguidores que o seguiam.

2 A escuridão dominava tudo, não havia dor, havia apenas uma sensação de cansaço, insatisfação, angústia até, mas a maior de todas as sensações era a de vazio, vazio imenso provocado pela escuridão. De repente outra sensação, um cheiro forte, um cheiro

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de... éter... sim, agora percebera, era éter! A escuridão se dissipava, então vieram-lhe as imagens. - Pensei que você não iria acordar mais. - O que aconteceu? Quanto tempo fiquei desacordado? Onde estamos? - Ei, devagar! Na verdade é você que devia me dar algumas... digamos... respostas, mas para começar eu vou responder as tuas perguntas. Antes que eu esqueça, meu nome é Salomon O'Rourke, mas pode me chamar de Sal. - e fazendo uma pausa para tomar fôlego, continuou – Logo depois que você apagou, os camaradas do seu “amigo” ainda nos seguiram por um bom tempo e cá entre nós você pesa um bocado. De lá viemos para cá, é a casa de um colega e como ele está viajando, resolveu deixar a casa para eu tomar conta na sua ausência. Você dormiu quase doze horas, fiz um curativo no seu ombro. - parou novamente de falar como se estivesse cansado e indagou - Agora a minha pergunta: o que significa tudo isso que aconteceu? - É, acho mesmo que devo lhe dar algumas explicações e até um pouco sucintas, já que agora você tá envolvido nessa história. - Sim, comece pelo seu nome, quero dizer, seu verdadeiro nome, pois ouvi seu diálogo com aquele Shingen e ele te chamou de

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Hiroaki, um nome japonês e você não se parece nem um pouco com um japa, exceto pelas suas roupas. - Apesar de não me parecer com um japonês, - iniciou Hiroaki – sou japonês de nome, de costumes e até na alma. Fui retirado do orfanato por um homem que se fez meu pai, era ainda muito pequeno e não me lembro disso. Ele me deu seu nome, seus costumes e sua própria vida, seu nome era Kasuiko Ishida. - Apesar de possuir uma filha, ele nunca pode ter um filho, pois sua esposa morreu muito cedo e não queria casar de novo. Resolveu então adotar uma criança, as razões que o levaram a adotar um menino de outra raça eu desconheço por completo. - A família Ishida era muito tradicional e descendia de guerreiros ninjas. Dessa forma, fui educado como um japonês tradicional e treinado por meu pai na milenar arte do Ninju-tsu, pena que não pude continuar meus treinamentos com ele. - Mas como já lhe disse, meu pai tinha uma filha, que foi a única lembrança que lhe restou da esposa, seu nome era Usah, e ela e eu éramos muitos afeiçoados. Um dia ela resolveu estudar e morar aqui em Londres, conheceu um rapaz e mais tarde casou-se com ele. - Infelizmente as intenções do marido dela não eram boas e ele começou a mostrar seu verdadeiro caráter. Primeiro ele tentou

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tomar conta de todos os negócios de papai e conseguiu, graças à morte súbita do diretor das empresas ele assumiu o controle. Só que não foi o bastante para ele, além do controle, ele queria possuir tudo que nos pertencia, para isso... - interrompeu a narrativa ao ouvir pancadas fortes e insistentes na porta da frente - Quem está lá fora, Sal? Você está esperando alguém? - falou puxando Sal para perto e sussurando-lhe. - Não, não estou esperando ninguém e todo mundo sabe que o Bruce está viajando. - O Bruce é o teu amigo? - Isso. - Então só pode ser o pessoal de Shingen e nós não temos condições de enfrentá-los agora. - Há uma moto na garagem nos fundos da casa, o Bruce só a usa para passear de vem em quando. Os dois saíram pelos fundos cautelosamente. Já estavam quase no final da varanda que havia nos fundos, Hiroaki joga-se sobre Sal derrubando-o e simultaneamente ouve-se o retalhar de uma metralhadora que descasca parte do peitoril da janela atrás deles. - Eles estão escondidos atrás da cerca viva – explica Hiroaki – assim nós temos a vantagem de poder nos arrastar por trás da

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proteção de alvenaria. Vou primeiro, quando eu chegar lá abro a porta e você vai, ok? - Certo, só tem um detalhe, como vamos sair de lá de moto se os caras possuem metralhadoras? A minha arma e os seus apetrechos curiosos estão na casa, dentro do armário do quarto mais próximo à sala. - Então você vai na frente e eu volto a casa para pegar as coisas. Devagar Sal vai se arrastado por trás da cerca viva protegida pela base de alvenaria. Olha para trás e outra rajada de tiros se sucede e ele vê a Hiroaki lançar-se pela janela adentro seguido, de perto, pelos disparos que varrem o local. Hiroaki cai dentro da casa e percebe que seu ombro começa a sangrar novamente, penetra no quarto silenciosamente e se prepara com seus apetrechos curiosos, como denominou Sal. Coloca cada objeto em seu devido lugar e observa através de uma fresta na janela quando Sal entra na garagem. - Graças à Deus! Que loucura, ali está a moto – desabafa para si mesmo como se fosse aquela moto tudo o que lhe restava na vida. Depressa solta a moto do tripé a que estava presa e quando procura a chave na ignição não a acha. - Não é possível, - pensa – O Bruce me falou que se eu quisesse usar a moto, a chave estaria na ignição e ela não está. - ao pensar nisso um calafrio percorre sua

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coluna em uma sensação de desespero, um tilintar de chaves chega a seu ouvido vindo de algum lugar atrás de si. Com seu arco-e-flecha na mão, Hiroaki percebe um silêncio perturbador, então nota a silhueta de um homem armado por trás do vidro da janela. Coloca uma flecha no arco, aponta para a silhueta e dispara atingindo o homem que antes de esboçar qualquer reação, cai morto. Rapidamente o ninja vai até a sala onde outro homem já o esperava, este levanta a arma e quando vai pressionar o gatilho, um shuriken se crava no seu pescoço. Entrando pela chaminé, Hiroaki sobe até o telhado da casa esgueirando-se como um felino. - Pensou que iria conseguir escapar fácil de nós, sir Salomon O'Rourke, mas enganou-se redondamente, ninguém escapa d’A CHITA com vida. - o homem com a pistola automática aponta para Sal, falava com uma naturalidade desconcertante e sem parar de balançar o chaveiro com a chave da moto fazendo-a tilintar. Muito bem, hoje nós estamos de bom humor e queremos lhe dar uma chance de se redimir de seus erros passados, basta apenas que chame o rapaz com mania de lutador de kung-fu para cá, dizendo que a barra está limpa.

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- Não sou tão tolo quanto você pensa, assim que ele chegar aqui você matará nós dois... - antes que Sal possa terminar suas palavras mais dois inimigos entram pela janela lateral. - John, aquele japa pegou o Ed com uma flechada no pescoço e Larry está estendido na sala da casa com uma estrela no pescoço também. - É, o sujeito gosta mesmo de pescoços – e se dirigindo até a janela, grita: Escute aqui, ninja, estamos na garagem com seu amigo, você tem dois minutos para aparecer aqui ou ele vira defunto! Em cima da casa Hiroaki observa a tudo, nota dois carros estacionados na frente da casa e um japonês entre eles, de vigia, com uma submetralhadora na mão. Então, o ninja retira uma flecha da bolsa em sua costa, arma o arco e atira, pondo mais um inimigo fora de combate. Salta para o chão, corre pela lateral da casa, escondido pela cerca viva e se coloca ao lado da janela da garagem e sem fazer o menor ruído prepara mais uma flecha no arco, abaixa-se, apanha uma pedra pequena e lança com força para o telhado. Ao ouvir o barulho, um dos homens, assustado com a morte de seus companheiros, descarrega sua arma no telhado procurando acertar quem esteja por lá. Nesse instante, Hiroaki põe-se à janela e

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atira matando um dos homens. Na confusão que se forma, Sal atira-se ao chão e John vira-se para a Janela recebendo uma punhalada no peito. O outro homem joga rapidamente sua arma no chão dizendo: - Não me mate, por favor, eu só faço o que sou mandado, por favor! - Onde estão os outros? indaga Hiroaki observando friamente o homem. - Não há mais ninguém, a não ser Ito vigiando os carros. Sal levanta-se atônito com aqueles acontecimentos, o ninja se aproxima do inimigo e toca-lhe o pescoço pressionando um músculo, o homem fecha os olhos como se estivesse adormecendo e cai sem sentidos. - Vamos embora daqui, Sal, temos que ir para bem longe daqui e o mais rápido possível. - Espere, - e apontando para o homem caído diz ele falou que há mais um lá fora. - Não se preocupe, já cuidei dele, agora vamos, usaremos um dos carros deles. Antes de sair, Sal passa na casa onde pega uma valise com algumas coisas e encontra-se com Hiroaki no carro, o automóvel entra em movimento e eles partem à procura e um lugar seguro.

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3 - Isso jamais deveria ter acontecido, mando vocês pegarem dois homens e eles fogem deixando apenas um vivo! - grita Shingen ao único sobrevivente da tentativa de prender Hiroaki Ishida e seu amigo Salomon O'Rourke. - Só espero que você não tenha mencionado nada a respeito da nossa organização a eles, mas se o fez, diga-me, assim poderemos corrigir a situação enquanto há tempo. - Não senhor, não mencionei nada. - Ótimo. Da próxima vez, se algo assim acontecer, eu mesmo terei o prazer de cuidar para que você não sobreviva. - Shingen para pensativo e virando-se para um dos seus homens ordena – Quero que tragam o Macoy aqui imediatamente, a Scotland Yard vai investigar esse caso, pormenorizadamente e é bom que um dos nossos investigue para desviar os fatos de acordo com nossas conveniências. Steve Macoy era um sujeito gordo e baixo, não tinha mais de quarenta anos. Fora um corrupto muito antes mesmo de entrar na Scotland Yard. Este seu caráter lhe garantiu uma boa renda, pois com sua vida dupla, agente da Yard e membro d’A CHITA, seu salário era bem avantajado.

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Em menos de vinte minutos, desde que fora avisado do chamado de seu chefe, Macoy já estava em pé em frente a ele. - Como vai, Macoy? Iniciou Shingen, com aquele seu tom de voz sempre altivo, como se fosse o próprio rei da Inglaterra – Você já deve estar a par do acontecimento de hoje. Hiroaki escapou da armadilha que preparamos graças à intervenção de outro homem, um estudante de física que nas horas vagas é motorista de táxi para auxiliar nas despesas de estudo, chamado Salomon O'Rourke. A tentativa de hoje também falhou devido à incompetência de alguns idiotas. A Yard já deve ter tomado conhecimento das mortes de hoje – continuou – pois bem, quero que você assuma o lugar do detetive que deve estar investigando o caso e desvie os fatos de modo a encobrir, e até mesmo forjar fatos que levem à nossa organização. Quero outra coisa ainda, faça com que Hiroaki e seu amigo sejam dados como criminosos e quando forem presos, trate de dar sumiço neles antes que falem alguma bobagem. - Certo Senhor, agora mesmo vou providenciar isso. – e girando nos calcanhares, Macoy se retira. O dia estava bom apesar da neve do dia anterior, as estradas um pouco enlameadas e a neve se amontoava nas laterais da rua. Macoy nunca suportou o inverno, adorava qualquer estação do ano, mas ao inverno odiava.

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Ao chegar na Yard, retirara o sobretudo imediatamente, como quem insulta ao frio, à neve, e tudo que lhe lembrava o inverno. Quatro horas depois, sentado em sua sala, examinando uns papéis, Macoy fumava paulatinamente seu charuto quando a porta abriuse violentamente, dando passagem ao homem que entrava irritado. - Inspetor Macoy quero que me desculpe, mas acho a atitude mais absurda da sua parte me colocando fora do caso, se fui eu que atendeu ao chamado e já que o caso não se encaixa na investigação de nenhum outro detetive da agência. - Senhor Patterson – iniciou calmamente o inspetor – a agência tem motivos suficientes para colocar o caso nas mãos de outro agente. Acontece que possuo muito mais experiência neste tipo de assunto e quando pedi o caso a agência, foi-me imediatamente liberado. Agora, se me dá licença, preciso continuar o meu trabalho. - Muito bem, é isso que acontece, procuramos fazer o melhor e depois tiram-nos um caso apenas por termos pouca experiência – desabafa o jovem detetive, retirando-se pensativo. Eddie Patterson sai da agência decepcionado pela perda do caso, justo quando ele já havia feito até alguns progressos e isso em apenas três horas de investigação. Sentado em seu carro, põe-se a

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pensar por algum tempo. Toma enfim, uma decisão que vai mudar, por certo, o curso de sua vida. - Não vou deixar esse caso de lado, sinto que deve haver muita coisa por trás daquele massacre de hoje, se não, por que o inspetor Macoy requisitaria o caso? Vou fazer as investigações por conta própria. No dia seguinte, nem bem o sol tênue de inverno se levantara, Patterson já estava na rua dirigindo à biblioteca. Foi o primeiro a entrar nela naquele dia, excetuando-se, é claro, os funcionários. - Escute amigo – disse o detetive falando ao bibliotecário – você reconhece os objetos nessas fotografias? – e mostrou as fotos das armas encontradas nos corpos das vítimas do crime do dia anterior, que eram uma espécie de estrela de seis pontas longas e um orifício no centro e um punhal. - Claro que sim, são armas japonesas, - respondeu o rapaz parecendo sonolento – dessas usadas em artes maciais. - Você poderia me mostrar um livro sobre o assunto? - Sim, mas não são muito profundos, mas tenho um número de telefone de um amigo que possui uma academia de karatê na Baron Street, 37ª, que pode lhe ajudar. – e abrindo uma gaveta, retira uma caderneta onde rabisca alguma coisa, destacando logo em seguida e entregando ao detetive – Aí está Senhor.

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- Obrigado! – agradece o detetive e sai apressadamente em busca de novas informações. Quando chegou à academia de karatê, já passava das nove da manhã, pois parara antes para tomar um café. Lá as informações foram muito mais satisfatórias, o homem sabia tudo sobre a cultura oriental e, sobretudo, do Japão, e o melhor é que ele gostava de falar sobre o assunto. Não foi muito difícil para Patterson descobrir o que queria, difícil foi despedir-se daquele homem. Saiu dali com coisas mais palpáveis em que basear sua investigação. Sabia que o assassino era um praticante de Ninju-tsu e isso era um grande progresso. Posteriormente descobriu que o amigo do ninja era Salomon O’Rourke, apesar do inspetor Macoy ter decretado a prisão dos homens que assassinaram aos outros, Patterson dirigia sua investigação rumo aos assassinados, descobrindo o que cada um fazia, onde morava, etc. Todos eram ex-policiais, ex-seguranças, exmilitares, um elo que, pensava ele, era muito sedutor. Ao investigar o carro encontrado no local, verificou que a placa era falsa e estava no nome de um pequeno comerciante que nunca sonhou em ter um daquele tipo.

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Fatos como esses o levaram a dirigir sua investigação, cada vez mais nessa direção. No entanto, não conseguia mais nada do que já relatado. Começou a surgir uma desconfiança muito grande sobre o inspetor Macoy devido a este não ter sequer visitado o local do crime e também por ter parado a investigação e ficar tentando prender os indivíduos. O relatório oficial dizia que todos os homens eram amigos e decidiram ir para casa de um conhecido de um deles que estava fora. Todos homens perigosos e que se desentenderam e começaram a matarem-se. Os sobreviventes estavam sendo procurados e o retrato de um deles foi divulgado: Sal! Estranhamente foi omitido do relatório as armas ninjas, as submetralhadoras caríssimas e o fato que todos eles não tinham emprego fixo. A desconfiança aumentou a tal ponto que um dia após ter finalizado o expediente diurno, Patterson invadiu o escritório de Macoy sem ser visto por ninguém, e fotografou todos os documentos que encontrava sobre a mesa e nas gavetas, as quais abriu com auxílio de uma chave de arrombador. Reveladas as fotos, Patterson pode ler alguns documentos sem importância e uma cópia do relatório oficial que já conhecemos.

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Mas o que lhe chamou a atenção foi, além de Sal, a foto, apenas de rosto de um outro homem de cabelos negros, pele branca e olhos castanhos. Sua investigação se foi a outro rumo e assim descobriu quem era o homem da foto: Hiroaki Ishida, filho de Kasuiko Ishida, homem muito rico que, tendo morrido, deixou tudo para a sua filha mais velha Usah Ishida, que era casada com Shingen Mizogushi e este assumiu o controle dos negócios que teria que dividir mais tarde com seu cunhado, pois sua esposa morrera. O estranho é que este cunhado nunca aparecera para reclamar a sua parte. À guisa desses fatos, o detetive procurou descobrir a vida de Shingen Mizogushi, mas não conseguiu nada a não ser que ele era o diretor e sócio de um grupo empresarial, destinado à construção naval em Londres com várias filiais em outras grandes capitais. Tentaria, a partir daí, localizar os suspeitos do crime e ele já desconfiava de quem seria o segundo suspeito. Seguiria, então, o inspetor Macoy para saber como ele teria conseguido a foto de Hiroaki Ishida, para que a queria e que outras coisas mais houvessem a serem descobertas.

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4 Hiroaki e Sal saíram no carro dos homens de Shingen e dirigiram muito tempo até voltarem novamente a Londres. - Por que não simplesmente os desacordou com sua técnicas ninjas em vez de ter matado aqueles homens, até agora não entendo por que você deixou o último sobreviver. - Escute, cara, - respondeu Hiroaki irritado – eu não sou nenhum super-herói, não sou nem mesmo um herói, fiz o que tinha que ser feito para salvar a sua e a minha pele. Será que você já não viu demais para perceber que esses caras são barra pesada? Hiroaki continuava conduzindo o carro e algum tempo se passou até que Sal resolvesse reiniciar a conversa. - Hiroaki, - iniciou – desculpe por ter ofendido você, mas ainda não sei direito o que aconteceu para você se meter numa história maluca como esta. -É o que eu estava lhe contando quando fomos interrompidos, mais tarde eu continuo. Nossa preocupação imediata é abandonar este carro, depois pegamos um táxi até Chelsea, descemos em algum lugar por lá e vamos andando até a Cavershan Street, pois a polícia e a Scotland Yard já devem ter descoberto sobre nós, ou melhor, sobre você. - Por que sobre mim? – indagou Sal visivelmente perturbado.

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- Porque a casa era de seu amigo, por causa das impressões digitais suas encontradas nela, pois eu fiquei de luvas o tempo todo. Mas não se preocupe, já sabem que você está acompanhado. - E esta rua em Chelsea de que você falou? - É o endereço de uma kitnete que aluguei com nome falso, sou muito prevenido. Abandonaram o carro, andaram um pouco e tomaram um táxi. Desceram em frente ao Royal Hospital Chapel e seguiram a pé até ao local desejado. Depois de algumas horas de descanso, enquanto Hiroaki passava um unguento no seu ferimento, Sal novamente inicia a conversa. - É, ainda bem que o ferimento não foi dos piores, apesar do sangue. Enquanto você estava desacordado, retirei a bala. - Obrigado. Acho que estou começando a dever muito a você, talvez mais do que eu possa pagar. - De fato, - respondeu – por que não tenta diminuir um pouco essa dívida terminando de me contar aquela história. - Tudo bem, - e pensando um pouco como se quisesse lembrar-se onde havia interrompido a narrativa, iniciou – bem, Shingen passou a controlar os negócios de papai, que agora já sendo de idade, dedicava-se à leitura e outras atividades menos desgastantes. Certo dia o rumo das coisas mudou, ou seja, se confirmou. Papai

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foi encontrado morto na sala de estar de casa, não sei como Shingen conseguiu ocultar a verdadeira causa da morte dele, pois o laudo dizia que foi devido a um ataque cardíaco, mas conhecendo a saúde de meu pai, nunca pude admitir essa teoria. Foi assim que Shingen assumiu o controle de tudo que possuíamos. Sem pai, Usah me tomou como seu filho e quase o era, pois era mais velha que eu quase vinte anos. Devido à minha menos idade, Shingen controlava o que me pertencia também. Um dia, saía da escola quando o motorista veio me apanhar... - Olá, Bona, demorou um pouco chegar hoje. - Desculpe-me, Hiroaki-san, é que a senhora Usah pediu que eu esperasse enquanto escrevia um bilhete para o Senhor, aqui está ele – e entregou a mim aquele bilhete apressado que foi a última lembrança que tive de minha irmã. - Tome, Sal, leia-o você mesmo. Sal apanhou o bilhete com certa cerimônia, como se fosse algo sagrado e na verdade era, pois para Hiroaki representava tudo que existia de concreto de sua irmã. Com um pouco de relutância, Sal abriu o bilhete e leu o que se segue:

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“Querido Hiroaki Descobri noite passada, escutando uma conversa atrás da porta, que você corre muito perigo. Eu queria lhe explicar melhor, mas o tempo é curto e já temo por sua vida nesse momento. Quero que você retire todo o seu dinheiro da conta bancária e fuja para bem longe de Tókio, para bem longe de mim e de Shingen, e por favor, escolha qualquer lugar no mundo para ficar menos em Londres. Procure Soli, e confie nele, e confie também em Bona, eles são de confiança. Me comunicarei com você através deles. Sua Irmã Usah” Ao perceber que Sal tinha acabado de ler, Hiroaki reiniciou: - Daí Bona levou-me para uma casa escondida no interior do Japão onde encontrei-me com Soli. Aquele bom velho me ensinou muito do que faltava para o meu treinamento Ninju-tsu. Passei com ele sete meses que voaram como folha seca. Durante este período não recebi nenhuma notícia de Usah. Certo dia Soli me surpreendeu com uma notícia triste:

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- Bona está morto. Foi encontrado hoje em seu carro, enforcado com um cordão de nylon. As coisas agora vão mudar Hiroaki-san, você continua correndo perigo e agora mais ainda, se descobriram Bona, já devem ter descoberto sobre nós. Temos que fugir daqui. - Certo Soli, só que eu vou sozinho. Já completei a idade de cuidar de mim mesmo, por isso... - Espere um pouco, ainda falta tempo para você ficar preparado, portanto, você vai comigo. - Viajamos naquele mesmo dia para Paris onde nos encontramos no aeroporto com uma antiga aluna de Soli de Ninju-tsu ela havia completado o treinamento com muito sucesso e Soli se orgulhava muito dela. Aquela era a mulher mais linda que eu havia conhecido em toda a minha vida. Dominique nos levou para sua casa e lá nós continuamos o meu treinamento, agora com dois mestres: Soli e ela. A verdade é que me apaixonei por aquela mulher e ela nunca me correspondeu, acho que pelo fato dela ser mais velha que eu, só três anos! Com nomes diferentes, Soli e eu levamos uma nova vida em Paris e minha paixão por Dominique era tal que até esqueci que estava em Paris porque minha vida corria perigo.

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Assim se passaram quatro anos de minha vida, um período mágico ao lado de Dominique e de Soli, mas o período acabou da pior forma possível. Certa noite saí do quarto para ir ao banheiro e quando passei pelo quarto de Dominique ouvi a voz de Soli: - Não sei como dizer isso a ele. Desta vez acho que Shingen exagerou e sei que Hiroaki não vai mais se conter em vista desse novo fato. - Só que – respondeu ela – ele precisa saber. Você precisa parar de enxergar Hiroaki como um garoto, ele já é um homem e precisa saber as coisas que competem a um homem. Nisso eu abri a porta do quarto, que estava só encostada e entrei. - Muito bem, quero que me digam exatamente o que está acontecendo! – perguntei. - Bem , Hiroaki, é que... - Não venha com rodeios, quero que me digam já! - Está bem – disse Dominique – Usah foi encontrada morta hoje pela manhã em sua casa de Londres. A polícia disse que foi suicídio. - Impossível, era totalmente contra o caráter de Usah o suicídio. Ela até se irritava quando papai falava a ela sobre os costumes de nossos antepassados de, sob certos aspectos, realizar o ritual do haraquiri.

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- Infelizmente isto é verdade – disse Soli. - Foi Shingen quem fez isso, não foi Soli? Shingen a matou. Agora tudo se encaixa, ou seja, se esclarece. Até a morte de papai. Shingen matou a todos para ficar com tudo e só falta a mim para a concretização de seu plano. Mas antes dele me pegar eu vou pegálo. Apesar de Dominique e Soli tentarem me dissuadir, eu não desisti e vim para Londres. Aqui passei mais seis meses para investigar os negócios de Shingen. Daí, comprei um empregado menor aqui, outro ali e cheguei a descobrir muita coisa podre que Shingen anda fazendo, e que já fez, para falar a verdade, conheço toda a vida de Shingen. - E que coisas podres são essas, Hiroaki? – indagou Sal. - Bem, amanhã eu te conto um pouco mais. Temos que dormir um pouco, vamos dividir a noite em dois turnos, você fica com o primeiro e eu fico com o segundo, ok? - Pra mim tudo bem. - Amanhã vamos procurar sair daqui, pois com Shingen uma coisa é certa: nenhum esconderijo é seguro por muito tempo. A noite transcorreu tranquilamente e pela manhã Hiroaki entrou no apartamento. - Onde você foi? – indagou curioso.

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- Fui comprar o jornal, estão falando de você. - O quê? Dê-me isso aqui! – e tomou o jornal de Hiroaki – meu Deus, colocaram uma foto minha, uma porção de mentiras, estou acabado! - Não se preocupe, hoje é um novo dia e tenho algumas idéias acerca do nosso destino. - Ah! Idéias acerca do nosso destino. Você nem sabe direito quem sou e está tomando deliberações acerca do que vamos fazer. - Escute aqui Sal, tenho muita experiência da situação. Se é o que você ainda não percebeu, eu sou um ninja e além de ninja eu sou muito esperto, e além disso tenho dinheiro. Se você quiser eu arranjo uma identidade falsa para você e te mando com algum dinheiro para o país que você quiser. - Tá bom, tá bom. Me desculpa, é que você tem que compreender que é uma situação totalmente nova para mim. - Acredite em mim – desabafa Hiroaki – gosto de você. Você foi legal me ajudando e compreendo minha situação, chegou ao ponto até de se comprometer por minha causa. Eu lhe devo isso – e estendendo a mão para Sal conclui – amigos? - Certo Hiroaki, você é legal, estamos nessa juntos e até o fim. Amigos! - Bem, agora vamos conversar sobre a nossa situação.

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5 A casa era grande e dividida segundo os padrões antigos. Possuía uma fachada avantajada, com enormes colunas que saíam de um pátio que rodeava toda a casa, sustentando as sacadas que ornavam, de maneira clássica, aquela residência. O hall de entrada da frente dava acesso a uma ampla sala em cujo centro se destacava uma escada que dava no segundo andar de dormitórios. À esquerda da escada ficavam a sala de estar e a biblioteca com um pequeno escritório, do lado posterior: a cozinha, a sala de jantar e o serviço. Ao lado da casa, a esquerda, ficava um galpão enorme destinado originalmente a ser um celeiro, mas que agora abrigava alguns enormes caixotes de aproximadamente quatro metros de altura por uns dois de comprimento. Shingen estava na sala de jantar, tomando seu desjejum. Apesar do tamanho da mesa ser grande, feita para abrigar várias pessoas, só Shingen a ocupava, ao seu lado ficavam sempre dois criados, mas seus guardas de elite ficavam lá fora, ao redor de toda a casa e nos arredores de toda a propriedade. Era muito difícil entrar na residência sem ser descoberto e a facilidade com que Hiroaki e Sal o fizeram naquela noite de muita neve, não foi sorte e sim uma cuidadosa armadilha preparada por Shingen e seu fiel amigo que

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não o deixava desde seus primeiros dias de crime. Infelizmente para eles, seu plano de capturar Hiroaki foi um desonroso fracasso. - Sergei, - falou Shingen dirigindo-se ao criado, que parecia como é de costume em casas antigas, o mais alto na hierarquia dos serviçais – mande chamar a Sato urgentemente - e elevando-se da mesa, dirigiu-se para a biblioteca onde havia o seu escritório. Sato era um homem silencioso, até seu andar era acolchoado, tinha um hábito de colocar uma flor na lapela de seu terno, mesmo fora da estação das flores. Estava com Shingen há muito tempo e era encarregado dos assassinatos particulares que seu comparsa precisava cometer. Talvez o mais curioso em Sato não fossem esses detalhes, o curioso mesmo era o sadismo predominante em seu caráter, tinha muito prazer no sofrimento de seus inimigos e não descansava até fazê-los morrer da pior forma. - Bom dia, Shingen – disse Sato ao entrar no escritório. - Sato, nunca questionei acerca de como você realiza os trabalhos que designo. Até em deixar seguir-se por Hiroaki para atraí-lo à nossa armadilha o fez com perfeição. Pena que nossa armadilha não funcionou. Saiba que só enviei os outros para pegar Hiroaki porque, devido à surpresa que este seria acometido, não conseguiria escapar. Bem,

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vamos ao que interessa. Quero que elimine de uma vez por todas Hiroaki, para isso, use todo o seu talento. Existe o amigo dele, certifique-se de que não há nada acerca da nossa organização espalhado por ele e elimine-o também. - Certo Shingen! Vou eliminá-los com a maior discrição possível e sem falhas. - Muito bem, pode ir agora, quero ficar a sós. Sato sai, apanhando uma flor no vaso da sala e põe na lapela de seu paletó finíssimo de linho marrom. Entra no carro onde no assento ao lado do motorista está sua valise, dessas de executivos, uma valise especial contendo uma arma desmontada com miralaser, silenciador, cabo especial de marfim. Aquela valise era sua companheira inseparável e tinha mais amor a ela do que a outro ser humano. Dirige cautelosamente por diversas ruas de Londres, entrando em bares, lugares escusos, pensões baratas, etc. Sabia onde encontrar informações e ia atrás delas sem poupar esforços, dinheiro e até violência. Sua investigação durou poucos dias até chegar a um certo endereço, o número 113 da Hillgate Street em Notting Hill.

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6 O carro de Macoy se dirigia a média velocidade enquanto Patterson o seguia sem deixar-se ver. Patterson já havia investigado tudo sobre a vida do investigador Steve Macoy. Casado, sem filhos, vivia sustentando os desejos de sua mulher, com seus luxos e vontades. O estranho nisso tudo era que esses luxos que sustentava em sua mulher, não podiam, sob nenhuma hipótese, serem mantidos com o salário que a Scotland Yard lhe pagava, não que fosse baixo, os gastos é que eram exorbitantes. Sabia que algum dinheiro, isto é, o dinheiro extra, era depositado em sua conta bancária mensalmente, mas não sabia quem o fazia. O carro estaciona em frente a uma joalheria. Macoy sai do carro com naturalidade e entra na joalheria com aquela sua calma peculiar. Alguns minutos mais tarde, sai como se não tivesse comprado nada, pois não trazia nada consigo, nenhum volume visível “certamente – pensa Patterson – comprou uma joia à sua esposa e leva com ele no bolso do sobretudo”. O frio estava terrível naquele dia, Patterson quase desistia de o seguir em certos momentos e quando o inspetor finalmente chegou em sua casa com uma joia no bolso para presentear a sua

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esposa, confirmando assim a suposição do detetive, ele não pode ver mais nada do que se passava no interior da casa. Deu meia-volta em seu carro e voltou apressadamente para sua casa, que era um pequeno apartamento em Soho. Deixou o carro na calçada e quando caminhava para a portaria encontrou um amigo. - Olá, Eddie – disse o homem de suéter cinza e sobretudo cáqui – consegui pouca coisa, além do que você já sabe. - Oi Carl, vamos entrar – disse isso entrando no edifício e fazendo sinal para o outro acompanhar. No apartamento, com o aquecedor ligado, reiniciaram a conversa. Enquanto Eddie fazia café quente na cozinha, Carl lhe contava as novidades. - Consegui descobrir que todo dia 15 de cada mês há um depósito em dinheiro na conta do inspetor – iniciou. - Isso você já me contou outra vez – disse Patterson insatisfeito. - Tudo bem, só que além de ser no mesmo banco em que é depositado o dinheiro da Scotland Yard, também é na mesma conta. Você não acha isso muito suspeito? - Claro que acho, só que não adianta nada. Preciso de informações mais concretas, tipo: quem faz o depósito e de onde provém esse dinheiro.

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- Então por que não vai ao banco no dia do depósito e tenta o possível para descobrir alguma coisa, será na próxima terça-feira. - Já havia pensado nisso, mas ainda há três dias até lá e tenho que fazer algo nesse meio tempo. - Acho que tenho algo a mais para você – segredou em tom misterioso o informante. - Vamos Carl, desembuche logo o que tem para falar e pare de fazer mistério. - Havia um homem de carro seguindo você. - O quê? – perguntou assustado. - Quando você estacionou, eu o vi dar a partida e cair fora. - Diabos! Estive tão preocupado em seguir Macoy que esqueci de minha própria retaguarda. O pior é que só pode ser obra dele, deve ter desconfiado que eu não largaria o caso com muita facilidade. - Escute Eddie, tenha cuidado. Tenho que ir agora, qualquer novidade eu lhe informo. Até logo, irmão. - Até outro dia Carl, e obrigado por tudo. Deixando o detetive pensativo, Carl se retira e caminha para sua casa. Não era tão longe, algo como dois quarteirões, por isso sempre fazia esse percurso andando. Patterson saboreava pensativo como sempre, sua xícara de café, as horas passaram e ali mesmo na poltrona de sua pequena sala

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adormeceu. Naquela posição passou a noite, como se ainda estivesse pensando nos fatos de sua investigação. Chegou cedo no outro dia à agência e ao sentar-se em sua mesa notou um bilhete preso ao telefone, leu-o e levantou-se indo em direção ao escritório do inspetor Macoy. - Vejo que já leu meu bilhete – introduziu Macoy ao ver o detetive adentrar. – Disse a você na nossa última conversa que abandonasse o caso daqueles assassinatos, pois eu o investigaria. Entretanto, você não fez isso e chegou até a me seguir pelas ruas tentando pescar alguma de minhas descobertas nessa investigação. Escute, rapaz, você é jovem nesse negócio, mas tem talento, não estrague o seu potencial desobedecendo ordens superiores. - Apesar de sua astúcia, desconfiei desde o princípio que você não obedeceria de pronto, mas não se preocupe, você não foi o primeiro e certamente não será o último. No entanto, se continuar, será recompensado com uma suspensão completa que acarretará na retenção temporária de seu porte de armas e outras coisas referentes à agência. Espero que compreenda, não é pessoal, tudo bem? Balançando a cabeça afirmativamente, mas sem dizer nada, o detetive saiu da sala nervosamente, porém sem perder de modo algum o seu ar pensativo.

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A conversa com Macoy só serviu de incentivo para continuar e agora com mais intensidade sua investigação, sem falar na sua desconfiança que aumentou mais ainda. Imaginava agora o que Macoy faria, colocar escutas em seu telefone, alguém para seguirlhe mais de perto e sabe-se lá que outras providências mais tomaria. Quando chegou em casa, Patterson certificou-se minuciosamente acerca de escutas em seu apartamento e se alguém não havia remexido seus papéis e objetos. Durante a tarde foi à casa de seu amigo Carl, com o cuidado de não se deixar seguir. - Oi Eddie – disse Carl um pouco surpreso de ver o amigo de tarde em sua casa, pois suas visitas sempre eram feitas à noite – O que há? – indagou. - Ouça Carl – explicou - quero que você vá ao banco onde é depositado o dinheiro de Macoy e descubra tudo o que puder. Fale com o gerente e mostre o cartão especial da Yard que lhe dei e ele facilitará as coisas. - Tudo bem, há algum problema com você? – perguntou Carl notando a preocupação no semblante do amigo. - Não, fique tranquilo. Enquanto você faz isso, eu farei outra coisa.

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A curiosidade de Carl se aguçou em pensar no que Patterson iria fazer, mas sabia que o amigo não gostava de revelar seus planos previamente, por isso limitou-se a um até logo de despedida. Eddie Patterson voltou para sua casa e retirando um velho baú do armário embutido, pôs-se a limpá-lo e depois admirá-lo imaginando alguma coisa. - Meu velho amigo – disse ao baú – você vai ser útil novamente.

7 - Aqui estamos – disse Hiroaki ao entrar com Sal no novo apartamento que lhes serviria de esconderijo por mais algum tempo. - Ótimo, mudamos de esconderijo e podemos dar continuidade ao nosso plano. Os dois haviam conversado por muito tempo após sua última desavença. Chegaram à conclusão que eles não podiam continuar se desentendendo, pois estavam metidos no mesmo poço. Esboçaram mil e um planos de vencer a Shingen e colocá-lo atrás das grades, mas perceberam que na situação em que se encontravam, com a polícia, os homens de Shingen e talvez a Scotland Yard atrás deles, isso seria praticamente impossível.

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Suas ponderações os levaram a muitos caminhos, mas o melhor, ao ver deles, seria uma retirada estratégica até poderem voltar com maiores possibilidades de vitória. - Sal, vamos fazer assim, você compras as roupas e o carro e eu providencio as identidades falsas. O plano deles consistia em arranjarem novas identidades e viajarem de carro até algum lugar mais seguro. Lá comprariam equipamentos necessários para suas investidas contra Shingen, treinariam e armariam um plano com menos possibilidades de falhas, esperariam algum tempo e contra atacariam. - Certo, mas você parece preocupado – constatou Sal. - Você está certo, eu não queria ter que fugir, queria acabar de uma vez por todas com Shingen, mas já deu para aprender que certas horas é melhor se retirar para voltar mais forte do que ficar e ser derrotado. Sei que ele deve estar louco tentando nos apanhar, portanto devemos esperar mais. Agora eu lhe digo uma coisa, não esqueça que nossas vidas correm perigo e é necessário ser muito cauteloso. - Não há com o que se preocupar, nesses últimos dias já vi e vivi bastante para ser bem mais cauteloso do que o normal. Antes de sair pegarei minha Magnun que está ali na escrivaninha, afinal,

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nessas horas alguém pode querer melhor companhia? – brincou Sal. - Não precisamos mais recapitular o planejado, vou indo, espere um pouco e depois é sua vez de sair. Hiroaki estava totalmente diferente, parecia um cidadão inglês. Vestia uma calça de flanela e um suéter e por cima um sobretudo, para proteger-se mais do frio. Ao sair do número 113 as Hilgate Street em Nottinn Hill, observou a tudo para ver se não estava sendo vigiado ou qualquer coisa que lhe parecesse suspeito. Sem notar nada disso, caminhou devagar em direção à Kessington Place. Ao dobrar a esquina, um carro esporte vermelho estacionou em frente de onde ele acabara de sair. Aquele japonês corpulento estacionou seu carro na calçada como se ela fosse toda dele. Seu terno fino com uma flor na lapela, um traje muito social, contrastava com o modelo esportivo de seu belo automóvel. Sentado no interior do veículo pegou uma valise tipo executivo e a abriu revelando um conteúdo diferente, que ele só a abria ali no carro pelo fato dos vidros espelhados não deixarem quem estivesse do lado de fora ver coisa alguma. A automática, o silenciador, a mira-laser e o pente de dardos foram rapidamente montados. A

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arma nem precisava de silenciador, pois os dados eram acionados dela, não faziam maior ruído que um simples lufar de ar a sair da arma, mas ele fazia questão de montá-la por completo só pelo prazer de ver o equipamento completo. Acomodou a pistola sob o terno e desceu do carro perscrutando minunciosamente a edificação à sua frente. No patamar da porta o homem olha mais uma vez para os lados, enfia um pequeno dispositivo na fechadura e a porta se abre com a maior facilidade e sem fazer ruído algum. Era uma casa simples de escadaria frontal, a porta de entrada dava numa sala que através de um pequeno pórtico se comunicava com a copa-cozinha, um estar, e do outro lado um banheiro ao lado de um quarto que era único. Sal acabara de vestir-se, colocou o dinheiro no bolso do casaco, pôs um óculos escuro e foi para o banheiro ver-se no espelho como que para certifica-se que a barba por fazer em conjunto com o óculos lhe disfarçaria as feições, assim não seria reconhecido, nem pela polícia nem pelos homens de Shingen. Convencido de seu disfarce, foi para a sala apanhar sua arma e sair. A surpresa de Sal foi grande ao deparar-se com o brilho ameaçador da arma daquele homem que a segurava com frieza. Ele sentiu um profundo medo que há muito não sentia, nem mesmo

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quando foi apanhado na garagem de seu amigo por outros homens. O sujeito olhava para Sal sem esboçar a menor expressão e depois de segundos intermináveis exibiu um sorriso sarcástico seguido de um grunhido leve, que apesar de ser uma risada, não se parecia com uma. - Fim da linha, garoto – disse por fim quebrando aquele silêncio terrível – Shingen não deixa ninguém escapar. Procurou pegar vocês através de homens da lei, como estes não foram suficientemente competentes, recorreu a métodos mais garantidos, como os meus. Sal continuava calado, amedrontado. Se ao menos estivesse com sua arma, mas ela se encontrava à meia distância entre ele e seu inimigo, uma tentativa de pegá-la seria abreviar sua morte. Ainda assim lançou um olhar de esperança na direção dela. Aquele homem observara a tudo. - É uma arma, não é? – Tente apanhá-la, talvez o frio tenha congelado meus dedos e eu não consiga puxar o gatilho antes de você a pegar. Vamos, tente garoto, quero ver até onde vai sua coragem.

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Desde o primeiro momento Sal não conseguiu dizer nada e nem fazer movimento algum. O homem deu dois passos à frente e sentou-se, sempre com a arma na direção de Sal. - Onde está Hiroaki? E não tente blefar, pois se ele estivesse aqui já teria vindo e mesmo que não viesse logo eu o esperaria, pois quando viesse não faria nada vendo que você está sob a mira de minha arma. Bem, não tenho todo o tempo do mundo para perder, diga onde está Hiroaki! Tomando uma dose de coragem e percebendo que realmente não tinha nada a perder, Sal finalmente conseguiu dizer alguma coisa. - Você não conseguirá nenhuma informação de mim, seu porco! - Moleque estúpido, você não sabe o que está falando – e levantando-se, continuou - para a porta, qualquer gracinha e você dorme. Saíram da casa e entraram no carro, Sal foi introduzido no banco do motorista enquanto seu opressor sentou-se no banco traseiro. - Você dirige e eu lhe indico o caminho. Sal lembrou-se de como tudo começou, como é irônica a vida, ele estava levando aquele mesmo homem em seu carro e agora era prisioneiro dele. Quando escutou a conversa entre Hiroaki e Shingen, este último até citou o nome deste homem: Sato! Depois

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de rodarem em muitas ruas, chegaram a um casarão abandonado em Kennington. - Desça do carro – ordenou Sato, e quando Sal o fez, ele também desceu retirando, antes, a chave da ignição. Indicou a Sal uma portinhola de serviço para que este entrasse. Ao que parecia o velho casarão servia de depósito de mercadorias, pois havia muitos caixotes semelhantes aos que vira por ocasião de sua aventura no galpão de Shingen, só que estava um pouco abandonado. Chegaram a uma parte onde havia uma cadeira e um rolo de cordas. - É aqui que vamos nos divertir um bocado, mas por enquanto, você vai tirar uma soneca, pois deve estar muito cansado com toda a agitação desses dias, não é? – e apontando a arma na direção de Sal dispara atingindo-o com um dardo certeiro no abdômen. Sal sente-se tonto e cai em seguida sem sentidos. Ele não sabe por quanto tempo ficou desacordado e não consegue nem pensar, pois as cordas que o imobiliza quase totalmente prendem-lhe toda atenção. Levanta a cabeça e percebe a figura de Sato sentado em um caixote observando-o. - Vejo que já acordou, isso é bom, pois deve estar mais descansado. Agora que você já se sente melhor, vamos conversar um pouco,

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quero que você me diga o que Hiroaki descobriu acerca dos negócios de Shingen. - Não vou dizer nada sobre nada, japonês babaca! - Você quer dureza, não é? Pois então terá.- e descarregou a sua fúria em cima do indefeso prisioneiro. Socos e murros tão fortes que ele quase desmaia. – Vai me contar o que sabe agora? - Hiroaki descobriu... – começou a falar – que Shingen anda de transa homossexual com você – gozou de seu oponente. Sato bateu mais algumas vezes em Sal e este tornou a falar. - Porco! – ofendeu – porco nojento! Dessa vez mais descontrolado, Sato bate em Sal até este ficar quase inconsciente. - Só deixo você vivo – berrou Sato - porque você é minha isca para pegar um peixe grande, o seu amigo Hiroaki – o homem foi até ao canto esquerdo da parede onde havia uma pia e lavou-se. Depois apanhou seu terno e vestindo-se saiu dizendo – Volto mais tarde, não vá embora, certo? A raiva que Sal sentia era imensa, até servia-lhe para aliviar as dores que estava sentindo e no profundo de sua mente imaginava se sairia com vida dali. Sua única esperança era Hiroaki e sabe-se lá onde estaria.

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Acalmou-se um pouco e com a calma sobreveio-lhe as dores e com as dores a sonolência, assim, surrado e amarrado ele adormeceu.

8 O dia estava passando rápido para Hiroaki, deu uma busca nos jornais, mas não havia nada a respeito dele o de Sal. Conseguiu as identidades novas com um homem que conhecera ao chegar em Londres. Mais tarde voltou ao apartamento. Estranhou o fato de a porta estar destrancada, na condição de fugitivos era um erro descabido de se cometer. Vasculhou a casa toda e não achou a Sal, podia pensar facilmente que ele ainda não havia voltado, mas em sua mente uma estranha desconfiança começou a surgir. Lembrou-se então da arma, seu amigo jamais sairia sem a levar, foi até a escrivaninha onde ele falou que ele falou que ela estava e abriu. Era a prova final, Sal havia sido apanhado, pois a arma estava lá, como uma testemunha de que algo havia acontecido com seu dono. Não havia pistas a seguir, o trabalho fora o de um profissional, só os instintos aguçados de Hiroaki o fizeram perceber o acontecido.

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Como poderia agora encontrar o amigo, ainda havia a possibilidade, embora remota, de não ter acontecido nada, ele podia muito bem ter se atrasado na rua, já era tempo de ter voltado, mas a arma deixada é que não admitia explicações. Sua consciência fervia ao pensar que fora ele quem colocara-o naquela situação, seu desejo cego e vingança o havia levado a colocar uma pessoa inocente em algo que só a ele dizia respeito. Esses pensamentos o atormentaram de tal forma que não sossegaria enquanto não encontrasse e salvasse o amigo e se algo houvesse acontecido a ele, nunca se perdoaria. Foi até a porta e a abriu, olhou para a calçada à frente e distinguiu marcas de pneus na neve, mas na rua passavam carros, alguém poderia ter estacionado ali por puro acaso. A indecisão era grande, fechou a porta e sentou-se na poltrona, sem imaginar que horas antes o raptor de seu amigo havia sentado nela. Instantes depois, alguém bateu à porta. Hiroaki observa por um momento, poderia ser a polícia, imagina ele, homens de Shingen, ou alguém que nada tivesse haver com eles, Continuou observando. Um pedaço de papel dobrado foi empurrado por baixo da porta e passos apressados descendo a escada foram ouvidos por ele.

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Pegou o papel rapidamente e leu o que ali estava escrito: “Estou com seu amigo, se quer tornar a vê-lo, encontre-me na estátua de Peter Pan em Kessington Gardens às 16:00hs.” Fechou o papel e abriu a porta para ver quem o havia colocado, mais quem quer o tivesse feito, já havia desaparecido. Faltava pouco tempo para às 16:00hs tinha que se apressar. Foi até ao quarto, apanhou algumas de suas armas e encaminhou-se ao local do encontro.

9 Macoy dirigia seu carro muito aborrecido com o que havia acontecido, agora ele sabia o que o detetive Eddie Patterson estava sentindo. Sua mente não conseguia apagar as palavras de Shingen, que apesar de mansas, tinham ferido muito o orgulho do inspetor. - “Macoy, pode esquecer o caso de Hiroaki, vá despistando a polícia e a Yard, pois coloquei outro homem no caso. Você é mais útil para nós burocraticamente, portanto deixei que ação e o perigo ficasse por conta de outros homens, espero que você não fique desapontado, tudo é feito pelo bem da organização”. Agora estava se sentindo como um velho inútil.

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A Chita, por Ivenio Hermes

Ao chegar em sua casa viu o homem batendo na porta, desceu do carro e perguntou ao homem de óculos com lentes espessas, bigodinho e cavanhaque. - O que há? – indagou o inspetor. - O senhor mora aqui? - Claro que sim – respondeu ríspido. - Sou da companhia telefônica e vim falar-lhe sobre o novo sistema residencial – explicou o homem. - Volte outro dia, estou acabando de chegar e estou muito cansado – dispensou. O homem meteu a mão embaixo do sobretudo e retirou uma pistola. A casa possuía um vasto jardim frontal e ninguém a via muito bem, a não ser que parasse para observá-la. Apontando a arma a Macoy, o homem declarou: - Vá entrando, panaca, isto é um assalto! Macoy foi entrando devagar e o homem lhe indicou que sentasse no sofá. - Há mais alguém na casa? – indagou. - Minha esposa e a criada – respondeu nervoso. - Chame-as! – ordenou o assaltante.

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- Bethany, venha aqui na sala e traga Sofia – chamou alto o inspetor. Alguns minutos depois uma linda loira apareceu na porta em trajes de casa e do seu lado uma mocinha de uns dezesseis anos que parecia ser a criada. - Oh! – surpreendeu-se – Steve, o que está acontecendo aqui? Estávamos entretidas na copa quando você chamou e... - Cale essa boca e sentem-se ao lado dele – interrompeu aquele homem com muita rispidez. As duas mulheres o obedeceram amedrontadas. - Agora você – aponta para Macoy – mostre-me onde fica seu cofre. Macoy estremeceu, lá havia joias, dinheiro e alguns papéis d’A CHITA, mas o assaltante não se interessaria pelos papéis, pelo menos assim desejava o inspetor. As mulheres foram trancadas da despensa e Macoy levou o assaltante até o cofre no escritório onde lhe foi ordenado que o abrisse. Relutantemente Macoy o fez quando a porta do cofre se escancarou, afastou-se dando passagem àquele homem. Examinando o conteúdo do cofre, apontou a arma para Macoy e puxou o gatilho, o disparo atingiu-lhe o peito e este caiu inerte.

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Agilmente o assaltante retirou os papéis do cofre e os colocou dentro da sua valise. Correu para a porta, andou rapidamente até a esquina onde entrou no carro e deu partida. Algum tempo depois, a jovem senhora preocupada com o marido, comentou com a criada: - Ele já deve ter ido embora – presumiu Bethany. - Temos que sair daqui – sugeriu Sofia – aqui está a uma cópia da chave, senhora! Por que não me deu antes? Desculpe senhora, fiquei nervosa e não consegui pensar em nada. Sem perder tempo, Bethany abriu a porta e correu para o escritório e soltou um grito ao ver seu marido caído no chão. Refeita do susto, debruçou-se sobre ele e percebeu que estava vivo e com uma espécie de dardo enfiado no peito, olhou e entendeu que seu marido estava apenas drogado. Algumas horas depois, Macoy acorda um pouco atordoado e tentando lembrar-se de alguma coisa. - Como está se sentindo, querido? – perguntou a esposa. - Estou bem... – e de repente lembrou-se do assalto – o que aquele homem levou? Aqueles papéis da Scotland Yard que estavam ali há um tempão! Eram importantes?

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- Oh, meu Deus! – balbuciou Macoy assustado – tenho que sair imediatamente – e levantou-se ainda cambaleante. - Você tem certeza que já pode sair, querido? Mesmo que não pudesse, sairia, pois é necessário. Apanhou um sobretudo depressa e foi para o carro e saiu dirigindo em alta velocidade. Macoy realmente sentia-se em apuros, aqueles documentos não eram da Yard e sim da outra organização, A CHITA. Documentos que descreviam as rotas de contrabando, datas de entregas e locais de embarque de mercadorias para o exterior. Ele nem sequer imaginava como contar a seu chefe que os papéis haviam sido roubados. A finalidade dos papéis ficarem com o inspetor era para ele, com sua influência na Yard, manter a polícia e a própria agência, longe daqueles locais. Shingen estava ao telefone quando o preocupado Macoy chegou. Ao perceber aquela visita inesperada, ele não se demorou mais e desligando foi logo indagando: - Algum problema, Macoy? - Bem, Senhor, é que... e tomando coragem revelou tudo o que havia ocorrido.

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- Não é possível, será que já não se pode confiar em você para nada? – desabafou Shingen irritado. – Ponha-me em contato com Sato imediatamente – ordenou dirigindo-se a um homem que os observava. Em poucos minutos o telefone tocou. - Alô – disse Shingen. - É Sato, Shingen – disse a fria voz no telefone. - Sato, alguém nos roubou documentos importantes da casa de Macoy, se isso cair nas mãos da polícia, eles vão azarar com todos os nossos negócios, sem falar no que eles poderão descobrir. Portanto, ache esse sujeito e elimine-o. - Shingen, eu acabei de capturar o amigo de Hiroaki e tenho um encontro com ele às 16h00min. - O quê? Muito bom, Sato, você foi sensacional, pois bem, deixarei esse assunto para outro e você continue o que está fazendo. Desligaram e Shingen ainda enérgico decide: - Vou usar o Jerry. – dirigiu-se ao empregado. – Chame-o aqui agora mesmo. Mais tarde, depois das ordens dadas ao outro agente, Macoy retirou-se cabisbaixo. Em seus pensamentos a única coisa que havia era o desejo de vingar-se do homem que o lograra. Tomou

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uma decisão, iria empenhar-se de todas as formas na tentativa de descobrir e acabar com aquele bandido.

10 O assaltante acabava de chegar ao endereço de Patterson em Soho. Desceu do carro e apressadamente dirigiu-se para o apartamento. Jogando a valise sobre a poltrona da sala e foi até a cozinha, tirou a garrafa térmica do armário e serviu o café já quase frio na xícara, sorveu o líquido rapidamente e foi até o banheiro. Em frente ao espelho do banheiro o assaltante abriu a porta do armário e retirou um frasco com um líquido amarelado e um chumaço de algodão. Retirou o óculos, passou o líquido no rosto esfregando com o algodão e depois removeu o bigode e o cavanhaque, livrou-se da peruca e o rosto do detetive Eddie Patterson na Scotland Yard se revelou. Agora refeito, sentou-se em sua poltrona e recolheu os papéis da valise pôs-se a estudá-los. Não era necessário muita inteligência para entender aquela lista de endereços, de toda a Inglaterra, eram locais de entrega de algum material importado, quer dizer, de alguma mercadoria ilegal, porque do contrário o que estariam fazendo no cofre de um suspeito inspetor da Scotland Yard, afinal

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de contas, endereços de filiais da agência não eram, pois Patterson conhecia a todos. Havia apenas dois endereços localizados em Londres, um situado em Kennington e outro em West Kensington, portanto o passo seguinte era visitar esses locais, primeiro Kennington, que fica mais perto e depois o outro mais distante. Colocou seu jeans preto, calçou seus sapatos de borracha, vestiu seu casaco preto de couro e pôs o óculos escuro, sua arma ficava sempre embaixo do casaco. Chegou no local às 16:30hs, era um casarão antigo, aparentemente abandonado, com uma portinhola lateral fechada por dois cadeados que foram facilmente abertos pelo detetive. Aqueles caixotes empilhados sugeriam à mente de Patterson diversas suposições, Pensava com tanta rapidez que não se deu por conta que adentrava cada vez mais no salão. Apesar da fachada indicar um casarão antigo, dentro tinha um aspecto diferente, um imenso armazém. Decidiu furar um dos caixotes, lembrou-se então de ficar de arma em punho, pois estava tão ansioso que nem se lembrava dela. Retirou um canivete do bolso do casaco e se aproximou do caixote, súbito, pensou ter escutado um gemido. Ficou alerta observando tudo e em todas as direções que ele alcançava, pois os

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caixotes empilhados e enfileirados pareciam paredes que faziam do galpão um verdadeiro labirinto. Novo gemido, sim, agora estava certo do que ouvira aquilo, parecia vir de trás dos caixotes que estavam que estavam à sua frente. Devagar, sem fazer o menos ruído, pôs-se a rodear os caixotes, sua mão suava dentro da luva, pensava se não estava indo em direção a uma armadilha, mas sentia-se impelido a continuar. O gemido outra vez, bastaria virar a esquina de caixas e veria quem emitia o som. Tomado de coragem, Patterson saltou com uma arma em punho apontando para onde vinha o som. O que viu deixou-lhe surpreso e ao mesmo tempo chocado. O homem amarrado na cadeira e sujo de sangue coagulado pela roupa era de dar tristeza em quem o contemplava. A cabeça pendida sobre o peito e de sua boca se estendia um filamento de sangue que coagulava antes de cair. Parecia mais morto do que vivo. Patterson aproximou-se e levantou a cabeça do homem que gemia em profunda sonolência. A surpresa desta vez foi maior ainda, conhecia aquele homem, era um dos suspeitos dos assassinatos que ele estava investigando. Que ironia, justo quando estava investigando o outro lado dos acontecimentos, Salomon O’Rourke

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caía em suas mãos e naquele estado tão deplorável em que se encontrava era mais digno de pena do que se suspeita. - Ei, rapaz! - tentou Patterson acordá-lo – você está bem? Não havia resposta, o homem estava todo arrebentado. Cortou as cordas e o colocou nos ombros, a surpresa fora tão grande que até esqueceu-se de verificar o conteúdo nos caixotes. Depositou Sal inerte no banco traseiro e dirigiu-se rapidamente para Holborn. Deixou o carro na calçada e correu até a casa à frente batendo insistidas vezes na porta. A noite já havia começado e a moça estranhou aquelas batidas na porta, pois sua única visita noturna costumeira era a de seu namorado e desde a última vez que desentenderam-se não o vira mais, tudo porque ela tocara naquele assunto de casamento e ele achava que sua profissão era perigosa demais para constituir família. Abriu a cortina da sentinela da porta e quando viu Patterson, abriu a porta. - Pensei que não viria mais aqui, Eddie – falou como que esperando resposta. - Desculpe Chris, sou um tolo em magoar você. Escute, preciso de sua ajuda.

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- Há um homem ferido no carro, quero que você faça uns curativos nele pra mim e mantenha-o aqui até eu chegar, tranque-o no quarto ou qualquer coisa parecida. - E eu pensando que você vinha pra me pedir desculpas pela maneira rude com que me tratou. - Já lhe pedi desculpas... - Só pra eu poder lhe fazer um favor. - Você está errada, oh! Meu Deus! Isto não é hora para declarações de amor, mas prometo-lhe que falaremos depois sobre nossa vida. - Depois? Tudo bem Eddie, não por você, mas pelo homem ferido, a propósito, quem é? - Um suspeito que estou perseguindo. - Suspeito de quê? - Bem, de assassinato, mas ou eu muito me engano ou este homem não é assassino. - E se for? Você me pede para ficar com ele em minha casa? - É rápido, é só enquanto vou em casa pegar algumas coisas e volto, enquanto isso você lhe dá um tranquilizante ou qualquer outra droga que vocês médicos sempre carregam consigo. - Está bem.

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Patterson correu para o carro e verificou se ninguém o observava, carregou o homem para a casa de Chris. Depositou-o numa cama no quarto de empregadas e veio para a porta. - Obrigado, Chris. - Não há de quê, Sr. detetive – respondeu ela com ironia Patterson segurou na mão dela e ela ficou sem jeito, mas aparentando firmeza. Não precisou ninguém iniciar o ato, pois ambos estavam loucos de vontade e quando caíram em si já estavam se beijando apaixonadamente. - Chris, peço-lhe desculpas de novo, mas preciso confessar-lhe uma coisa, senti muito a sua falta, mas em meu orgulho não consegui arranjar uma desculpa para vir aqui, só que mais cedo ou mais tarde eu não aguentaria porque... – e enchendo-se de coragem ele desabafa - eu amo você. Antes que a doutora Christine Peel conseguisse esboçar qualquer surpresa, Patterson já dava ignição no carro. Ainda faltava mais de meia hora para às 16h00min quando Hiroaki chegou ao local. A neve cobria a paisagem que se estendia. Sua preocupação era grande, afeiçoara-se a Sal como a um irmão, talvez porque nunca possuíra um, até sua irmã, pela diferença de idade grande entre eles, parecia mais uma mãe. Seu pai evitava falar

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da esposa, portanto, Hiroaki viu em sua irmã uma verdadeira mãe. Amigos, alguns, pois sua maneira solitária de viver afastara-o de seus colegas de idade. Até Soli, seu grande amigo, possuía quase a idade de sue pai e por Dominique seus sentimentos eram mais que fraternos. Apesar dele e de Sal possuírem quase a mesma idade, era difícil para Hiroaki não achá-lo um pouco imaturo devido à sua vida sem aventuras como a sua. As horas pareciam arrastar-se, a ansiedade dominava-o. Às 16:45hs as coisas mudaram. - Desculpe tê-lo feito esperar, Hiroaki-san – disse o homem tentando surpreender, mas Hiroaki já o havia notado. - Sabia que era você, Sato, seu sarcasmo transpareceu nas linhas de seu bilhete. Onde está Sal? - Preocupado com seu amigo, não? Ele está bem, por enquanto e só depende de você a situação dele. Você pensa que é esperto, as a organização é mais. - A CHITA não passa de uma efêmera idéia de Shingen, que antes que vocês possam detectar, estará destruída. - Certamente não por você! - O que você quer negociar? – perguntou Hiroaki

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- Você se entrega a Shingen e seu amigo volta a levar uma vida normal, pois andei lhe fazendo umas perguntas e ele não soube respondê-las, acho que você não lhe contou nada de comprometedor. - Não há formas de acreditar em você, confiar em você é confiar numa cobra venenosa. - Sem ofensas, ok? Você não está em condições de fazer nenhuma exigência; ou você aceita e corre o risco ou seu amigo morre por omissão de sua parte. Hiroaki realmente não tinha escolha, não havia nem como blefar, pois a esperteza de Sato certamente perceberia. Ganhar tempo? Para quê? Como adiar o que estava por vir? - Sato, vou com você – decidiu- só que antes quero que me leve até Sal, pelo menos esse favor você vai ter que me prestar. O homem pensou por instantes e com seu sorriso costumeiro falou: - Você continua pensando que é esperto, mas vou lhe conceder o pedido. Muito bem, jogue suas armas no chão e dê dois pessoa para trás. Hiroaki procedeu conforme ordens. - Agora pegue isso e trave em suas mãos – ordenou Sato jogando um par de algemas para Hiroaki.

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Novamente Hiroaki obedeceu. Sato apanhou as armas ninjas e colocou-as nos bolsos de seu sobretudo. Caminharam por alguns momentos, Hiroaki ia à frente seguido de perto por seu inimigo, as pessoas que passavam ali por acaso, olhavam admiradas, mas não prestavam maior atenção. Chegaram no carro desta vez Sato dirigiu. Durante a viagem a mente de Hiroaki se perdia em pensamentos. Teria que criar um plano, afinal de contas, tinha certeza que tanto ele como seu amigo não sairiam vivos com as coisas do jeito que estavam. - Pensando na vida? Interrompeu Sato – já estamos chegando, você vai gostar muito do que irá ver. Parou o carro e esperou que Hiroaki saísse. Na frente deles erguiase um galpão que já conhecemos, disfarçado por aquela fachada de casarão antigo. Sato não fazia o favor de trazer o prisioneiro ali para ver o seu amigo, mas o prazer sádico de ver a expressão dele de contemplar o companheiro no estado em que estava. O susto, no entanto, foi diferente do que Sato esperava, em vez de Hiroaki, fora ele que levara o susto. Os cadeados estavam abertos. Surpreso, começou a empurrar Hiroaki para dentro com violência,

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ao chegarem ao centro do galpão havia uma cadeira vazia, ao redor cordas cortadas e sangue seco. A surpresa de Sato foi imensa e Hiroaki percebeu o que se passava ao olhar no rosto descorado de seu algoz. Relacionou os cadeados com a cadeira vazia e as cordas e compreendeu que de alguma e surpreendente forma, Sal conseguira escapar, agora era a vez de fazer por si sem perder tempo. Na surpresa daquele momento Sato instintivamente sacara a arma. Hiroaki aproximou-se rapidamente e com um chute jogou fora a arma de Sato que voou tão alto por cima dos caixotes e foi parar do outro lado. Antes mesmo de reagir, Sato já levava outro chute na boca do estômago e ao curvar-se devido à força do golpe, levou um murro na nuca levando-o ao chão. Hiroaki aproximou-se e abrindo a roupa de Sato, retirou as suas armas e a chave das algemas. Sato levou as duas mãos ao pescoço do inimigo esmagando-o com força e este fez o mesmo. Rolaram pelo chão soltando grunhidos. Os dedos de Sato cravavam-se cada vez mais no pescoço do outro, e este, reunindo todas as forças, lançou ele longe com um golpe de corpo. Sato arrastou-se para trás dos caixotes onde tinha caído sua arma, os golpes de Hiroaki eram fortes e ele estava cansado. Apanhou

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sua arma, e deu a volta, mas não encontrou Hiroaki aonde havia deixado. As armas ainda estavam no chão. Vasculhou cuidadosamente os corredores, mas não encontrou seu prisioneiro. A tensão daquele momento era grande, sabia que Hiroaki não hesitava em matar seus inimigos e sentia pela primeira vez a morte perto de si. A alguns metros a sua frente avistou as algemas no chão. Orgulhava-se muito de ser um ótimo atirador e o agente número um d’A CHITA, mas diante da agilidade de Hiroaki se sentia inferiorizado. Odiava aquele sujeito e seu desejo mais íntimo era humilhá-lo e matá-lo, aquilo era o motivo de sua vida desde que a ordem de Shingen para o matarem tinha sido dada. Lembrou-se das armas de Hiroaki, com as mãos livres por certo voltaria para matá-lo com elas. Voltou na direção de onde estava antes quando algo pulou atrás e o agarrou. Hiroaki segurava-lhe pelo pescoço com um braço enquanto com o outro arrancou-lhe a arma e jogou-a longe. - Agora Sato, vamos lutar sem armas, o que me diz? - Vou pegar você com ou sem arma – grunhiu. Apesar de saber lutar karatê, a agilidade e a destreza do ninju-tsu acabaram com Sato, que foi cedendo a cada golpe que apanhava, até, por fim, cair.

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- Sabe lá o que você fez a Sal, só sei que a surra que você levou hoje vai lhe deixar muito tempo fora de ação. Eu até podia matálo, mas as costelas e o braço quebrados vão ser uma pior lição a você. Sato sequer podia mexer-se de tanta dor. Hiroaki apanhou seus apetrechos e partiu usando o carro de seu ex-algoz.

11 Patterson não se demorou, mas foi o tempo suficiente para que Chris transformasse Sal em um ser humano novamente, pois do jeito que estava parecia mais um trapo. - Como ele está Chris? – indagou Patterson - Melhor e já voltou a si, tranquei-o no quarto. - Fez bem, dê-me a chave, quero conversar um pouco com ele. Abriu a porta, entrou e fechou-a atrás de si. O enfermo olhava-o com curiosidade. - Como está? – inquirio o detetive, mas não houve resposta – meu nome é Eddie Patterson – mostrou o distintivo – da Scotland Yard, fui eu quem lhe tirou do local onde estava, o que aconteceu?

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Sal novamente não respondeu, não sabia se podia confiar naquele sujeito, apesar de tê-lo tirado das mãos de Sato. A situação era difícil, saiu de um buraco e caiu em outro. - Escute rapaz – disse Patterson – eu podia tê-lo levado a polícia ou fazer qualquer coisa a você, mas quero ajudá-lo, sei que existem muito mais fatos escondidos por trás daqueles assassinatos e sei que você sabe o quê, então a escolha é sua ou me conta o que sabe e tem a chance de ajudar ou vai contar tudo no tribunal sem chances muito fortes. -Onde estou? – iniciou Sal. - Na casa de um amigo meu. - O que quer saber? - Tudo o que aconteceu e com detalhes. Pensativamente, Sal começou a descrever os fatos acontecidos, contando tudo que sabia, mas omitindo o nome de Hiroaki. - Então é isso – conclui Patterson – uma vingança contra um homem muito suspeito: Shingen Mizogushi. - É... Só que – completou Sal – este Shingen tem coisas a encobrir. - Isso eu já concluí da surra que você levou deste tal de Sato e quanto a Hiroaki Ishida, onde ele está? Sal tentou disfarçar o máximo, mas a surpresa de ouvir o nome do amigo o traiu.

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- Ora, vamos – continuou o detetive – já descobri tudo acerca dele e não precisa ser gênio para concluir que o cunhado de Shingen esteja metido na história. Mas não se preocupe, estou do lado de vocês. Existem detalhes que você não sabe e vou lhe dizer para mostrar-lhe a minha posição nessa história. Patterson relatou o seu lado da história e Sal pareceu empolgar-se. - Incrível – disse Sal – Shingen tem agentes até na Yard. - É isso que deduzi, mas nosso quebra-cabeça se completaria com mais facilidade se possuíssemos as peças que estão em poder de seu amigo. - Só que não sei agora onde encontrá-lo, desde que fui raptado por Sato nossos rumos se separaram. Hiroaki tem como maior desejo liquidar Shingen, nosso plano, antes do rapto, era viajarmos disfarçados até um lugar seguro para nos fortalecermos e contraatacar. - Mas precisamos achá-lo ou então fazermos investigações com os dados que já possuímos. Bem, você vai ficar aqui escondido e eu farei as investigações, nosso elo será Christine – e abrindo a porta pediu que ela entrasse. Explicou a Christine os fatos que estavam acontecendo e ela concordou em ajudar.

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- Então – continuou Patterson – tudo que acontecer transmito a você através dela, ou melhor, ela sendo minha namorada, ninguém vai desconfiar se eu vier aqui todos os dias. - Sr. Patterson – disse Sal – o último endereço em que nós estávamos era o seguinte – e ditou ao detetive que anotou avidamente em seu caderno de anotações – acho que você pode começar a investigação por lá. - Certo Despediram-se e Patterson retornou para sua casa. Cedo pela manhã, Eddie Patterson já se encontrava no endereço dado por Sal.

12 Hiroaki chegou cansado e estacionou o carro de Sato na calçada. Sal devia estar ferido e o único local para onde iria era o apartamento à procura dele. A noite passou e Hiroaki adormecido na poltrona ressonava leve. Ao ouvir passos na escada despertou. Esgueirou-se para trás da porta e esperou.

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O homem entrou depois de ter batido na porta sem resposta. Não estava com arma na mão e isso era estranho, entrou até o fundo da sala. - Muito bem Sr. Ishida – disse Patterson – não sou um ninja, mas sou bastante esperto para ter percebido que o Sr. está escondido atrás da porta – e virou-se e fitou Hiroaki - Quem é você? Não parece com os tipos que agregam as fileiras da organização de Shingen. - Meu nome é Eddie Patterson e estou com seu amigo Sal. - Você blefa. - De modo algum. Quando tirei o homem do lugar onde estava preso, parecia mais um trapo do que gente, levei-o a um lugar seguro, então conversamos e ele me deu este endereço. - E qual o seu interesse no caso? - Sou detetive da Scotland Yard e essa é uma história longa, se você quiser conto-lhe tudo enquanto estivermos no carro indo ao encontro de seu amigo. - E se você estiver mentindo? - Bem, você vai no banco de trás, se eu fizer algo suspeito, você me pega, ok? - Vou com você, não por confiar em você, mas por Sal.

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Saíram juntos e no carro o detetive lhe contou tudo que já contara antes a Sal, enquanto Hiroaki escutava calado. - Esse é o quarto – disse Patterson. Hiroaki entrou e viu o amigo deitado na cama. - É Hiroaki, me pegaram de jeito – brincou Sal. - Tudo que este homem contou é verdade? – perguntou Hiroaki. - Ele está do nosso lado, amigo. Nós três juntos podemos desbaratar toda a organização de Shingen. - Não quero só isso, meu caso com Shingen é uma questão de honra familiar. - Escutem – interrompeu Patterson – vamos conversar com calma. Entenda que seja lá o que este homem esteja fazendo, não é honesto e precisamos acabar com suas obras. Por que não conta o que sabe para podermos esclarecer mais os fatos. - Está bem, só que são apenas palavras e o que você precisa é de provas, no entanto vou lhe dar alguns detalhes que poderão ajudálo. Depois que acabar de lhe falar o que vai acontecer? - Sr. Ishida, vocês estão sendo procurados pela polícia da Inglaterra e pela Scotlan Yard, o que lhes ofereço é a chance de contribuir para a solução de um mistério que pode levá-lo ao inocentamento. Pelo que sei, você matou todos aqueles homens e

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a lei inglesa é implacável, posso fazer com que ela seja menos severa. - Ou seja – disse Hiroaki – de uma pena maior podemos pegar uma menor. Sei em que lado da lei me encontro e sei qual será o fim disso. - O que você quer então? - Depois de tudo terminar, quero a oportunidade de sair do país incógnito. - E quanto a mim? - inquirio Sal. - Escute amigo – respondeu Hiroaki – nossa chance de provarmos inocência não é tão grande, portanto depois que tudo terminar acho que seria melhor mudarmos de identidade e fugirmos para outro país. - Não é bem assim – disse Patterson – vocês tem chance sim. - Hiroaki – disse Sal – vamos conversar em particular e olhando para Patterson – pode nos deixar a sós por um instante. - Tá bem, tá bem. Patterson saiu do quarto enquanto os dois amigos ficaram conversando por algum tempo. A porta abriu-se então anunciando Hiroaki. - Já resolvemos, ficaremos do seu lado e o ajudaremos e no fim de tudo confiaremos no seu prestígio junto à Yard para nossa defesa.

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Ainda conversaram um pouco sobre as revelações de Hiroaki e depois Patterson saiu para fazer algumas investigações.

INTERLÚDIO

1 O velho mestre estava triste nesse dia, a tarefa que lhe foi imposta era por demais pesada, afeiçoara-se demais ao jovem para realizar os desígnios sem profundo pesar. Apesar de tudo, desde o começo não pode deixar de perceber que este dia chegaria mais cedo ou mais tarde. Naquele momento de dor, perguntava a si próprio se um dia fizera alguma coisa para mudar a conduta do rapaz, mas mesmo querendo buscar alguma culpa para si, uma voz maior em seu interior mostrava-lhe claramente que ele não possuía culpa alguma, o único culpado por tudo aquilo era o próprio moço. Ainda estava claro na mente do ancião todos os acontecimentos, os olhos fitos na porta à espera da chegada do aluno não a viam, mas viam cenas de um passado próximo.

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- Aqui estão os novos candidatos as vagas da academia Sensei – apresentou o aluno mais graduado, que era o encarregado dos novos candidatos. - Muito bem – disse o professor dirigindo-se aos vinte e cinco candidatos – nossa escola, como já devem saber, de tempos em tempos admite novos alunos, temos duas vagas desta vez e o candidato que mais se destacar será o dono da vaga. Os testes serão árduos, mas é a disciplina necessária para a admissão dos calouros. O olhar do mestre não conseguia, a princípio, destacar algum dentre eles, mas os testes que sucederam levaram dois jovens ao destaque: Yasujiro Kurosawa e Kon Goshi. Os candidatos foram desistindo a cada obstáculo mais difícil e no final, quando o último teste foi terminado, o resultado não foi estranho, os dois jovens que mais se distinguiram foram os portadores do estandarte vitorioso. O mestre ficou contente com o resultado, mas aos poucos foram surgindo comentários acerca de um dos jovens, seu caráter competitivo chegava ao extremo quando para alcançar um objetivo ele não se importava em ferir os próprios colegas. Apesar das advertências, o temperamento dele não mudava, mas seu potencial era por demais substancial para não ser reconhecido.

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Os anos passaram e os dois jovens completaram suas carreiras e no final desses brilhantes desempenhos foi organizado o torneio final que daria ao melhor aluno a comenda de Filho de Tigre. Novamente o resultado já era esperado, a luta que determinaria a quem seria dada a comenda, se travaria entre os dois jovens, o detalhe importante é que da outra vez havia duas vagas e agora havia apenas uma. O confronto desses dois jovens sempre fora evitado pelos seus mestres, mas a vida prega suas peças nos homens mais experientes. A luta foi difícil, a decisão dos mestres seria pela demonstração de força, esperteza e outros itens que são a praxe das antigas escolas de artes maciais, mas, inesperadamente, um dos alunos atinge o seu adversário, deliberadamente, em um ponto fatal. O silêncio reinou por um momento, seguido de uma ordem dada pelo mestre mais idoso. O rapaz ferido foi levado às pressas para dentro de uma sala, morrendo nela. O outro fora levado a um cárcere que há muito não possuía utilidade. O conselho dos mestres foi unânime em decidir que o jovem sem escrúpulos deveria ser expulso da escola sem a comenda de Filho do Tigre e sem qualquer comprovação de seus conhecimentos e de sua passagem pela instituição.

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Ao velho mestre cabia a tarefa de transmitir ao progresso sua sorte decidida pelo conselho. A porta se abriu e o rapaz entrou altivo sem o menor sinal de tristeza ou arrependimento. - O conselho – iniciou o ancião – decidiu que você deve ser excluído de nossa escola, sem receber qualquer menção de que um dia foi nosso aluno. O rapaz fitou o ancião com desprezo e disse: - Não importa o que vocês decidiram ou qualquer coisa que aconteceu, eu tenho o conhecimento e a habilidade e ela não pode ser retirada de mim – falou o jovem com agressividade – embora vocês não deem a comenda, eu sou um Filho do Tigre! O ancião percebeu quão grave fora o erro de perdoar as falhas daquele rapaz. Você nunca será um Filho do Tigre – disse o ancião com lágrimas nos olhos – sua habilidade é realmente grande, mas você não possui a humildade necessária para se tornar um, no máximo você chegará a ser o filho de uma chita, mas creio que nem isso você será. O ex-aluno foi levado para os portões da escola para passar por ele a última vez.

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Ao sair, não olhou para trás, em seu coração não havia tristeza e nem arrependimento, só um sentimento: a ambição de poder construir uma grande fortuna com o conhecimento que adquiriu na escola do Tigre. Kon Goshi era resoluto e sabia o que queria, muitos planos foram traçados por aquela mente gananciosa, mas o principal deles só foi traçado muito tempo depois.

2 A notícia se espalhou rápido e era de se esperar, pois nunca havia acontecido aquilo antes na Escola do Tigre. A única alternativa para Kon Goshi foi desaparecer por completo daquela cidade. Não foi muito difícil para ele chegar até Tóquio, afinal suas novas habilidades lhe garantiam os meios para realizar seus intentos. Não possuía amigos em Tóquio, mas conseguiu arranjar alguns ao chegar, não propriamente amigos, mas companheiros nas atividades que realizavam. Os lugares eram muito divertidos, havia festas, jogos, bebidas, mulheres e tudo isso lhe custava muito dinheiro. Kon procurou ganhar dinheiro aceitando diversos serviços, mas o que conseguia não era o bastante para satisfazer os seus desejos,

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para comprar tudo com o que sonhava. Mas existiam os outros meios de ganhar dinheiro em grande quantidade e não pequenos furtos com os quais estava sobrevivendo. A fama o perseguiu até Tóquio e foi de lá que conseguiu o que queria. Chegou certo dia em seu pequeno alojamento num cortiço e foi surpreendido ao encontrar dois homens que nunca tinha visto antes. - Kon Goshi? – indagou um deles. - Sim, quem são vocês? - Quem nós somos não interessa, o que importa é quem nos mandou aqui – respondeu outro – e quem nos enviou está muito ansioso para conhecer você. - Por quê? - Digamos que é por causa de um talento seu, um talento especial adquirido na Escola do Tigre. Você tem a chance de ficar muito rico, é só nos acompanhar até àquele que nos enviou. Novamente a ambição de Kon falou mais alto, esqueceu qualquer sentimento negativo que poderia surgir daqueles homens estranhos e preferindo confiar neles, aceitou o convite.

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As pessoas o observavam atentos, pois era raro alguém sair daquele local de carro, especialmente se esse carro fosse uma limusine. Durante todo trajeto ficaram calados, a viagem, no entanto, foi curta e em pouco tempo eles se encontravam dentro de um imenso terreno e à frente deles erguia-se um grande chalé japonês. Aqui é o seu lugar – disse um deles. Entraram na casa e indicaram-lhe que esperasse. Permaneceu ali de pé admirando o interior da edificação e a riqueza dos móveis, quadros, louças e outros detalhes finos que decoravam a casa. Um daqueles homens abriu uma porta e avisou-lhe que entrasse. Havia um homem na sala, um velho sentado por trás de uma mesa de escritório reluzente e o outro que lhe acompanhava. - Olá meu jovem – iniciou o velho – creio que deve estar especialmente curioso por ter sido chamado à minha humilde residência. Acontece que as notícias correm e chegou até mim o fato de você ter frequentado a Escola do Tigre, na verdade eu sei de tudo que aconteceu lá e por isso estou interessado em você. - Que tipo de interesse – perguntou o rapaz como que sabendo a resposta.

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- Quero que você seja meu guarda-costas, sei que deve querer coisas mais altas, cargos mais elevados, mas lhe digo que não se começa a escalar uma montanha pelo topo e sim pela base. - E o que eu vou ganhar com isso? - Você será muito bem recompensado e desfrutará de muitos privilégios na organização. - Que organização? - Vejo que sua curiosidade não possui limites – disse o ancião com uma paciência irônica – mas cada coisa há seu tempo, afinal, ainda não sei se você aceita ou até mesmo se conseguirá ser aprovado. Você será conduzido ao seu novo aposento e depois será submetido a um pequeno teste que Tóda realizará – e apontou para um dos homens que o haviam trazido. O quarto que lhe foi mostrado era no primeiro andar do chalé, com o mesmo acabamento fino e requintado dos outros cômodos que já observara. O teste fora mais simples do que pensava, estava acostumado as dificuldades dos testes da Escola do Tigre e este pareceu até brincadeira, teve apenas de abater dois homens para proteger um terceiro.. Nos meses seguintes aprendeu a dirigir e a manejar diversos tipos de armas de fogo. Em pouco mais de um ano tinha tornado-se o

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braço

direito

do

chefão

daquela

organização

criminosa,

conseguindo o respeito de alguns e a inveja de outros que não ousavam se manifestar. Mas a cobiça de Kon Goshi era mais alta, ser o assessor do chefão não era o bastante, queria ser o próprio chefe.

3 A organização a que Kon Gishi filiara-se possuía como atividades ilícitas: os cassinos, as prostitutas e a cobrança de “proteção” aos pequenos comerciantes, uma falsa proteção, que protegia os comerciantes de sua própria organização. Passou-se um tempo e ao final do terceiro ano de Kon na organização os fatos mudaram. Antes eles eram sozinhos na cidade e, portanto dominavam tudo, mas outro homem levantou-se e formou uma organização tão forte quanto a que já existia, com mais dinheiro e tecnologia. Foram aos poucos dominando todo o “mercado” que era da outra organização e o conflito inevitável culminou com o confronto das duas. - Temos que destruir esses idiotas – disse o velho irritado – temos que acabar com essa corja.

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A Chita, por Ivenio Hermes

- Mas senhor – interveio Tóda – há muita coisa em jogo, o senhor mesmo,

não

querendo

ofendê-lo,

corre

perigo

aqui

e

principalmente se nós declararmos guerra. O velho pensou por um tempo e depois disse: - Vou me ausentar disso tudo, Tóda tem razão, já está na hora de alguém assumir o meu posto, ficarei apenas manobrando aqui e ali quando alguém precisar de minha ajuda. Muito bem, agora vou me retirar, a tarefa de escolher meu sucessor será difícil e preciso parar para pensar. Durante os dias em que o velho chefe retirou-se para pensar, os conflitos cessaram como que esperando a decisão a ser tomada. Todos os homens da organização torciam para que fosse escolhido Tóda, pois esse era a favor de uma união entre as duas organizações e com isso seria o fim das mortes. Ainda assim havia uns poucos que preferiam Kon, pois este por certo concederia benefícios àqueles que eram do seu lado. Mas sabiam que ele era a favor do conflito e achava que não haveria lugar para as duas potencias criminosas em Tóquio. Finalmente o ancião tomou sua decisão e para anunciá-la mandou que realizasse uma grande festa entre eles. A festa estava em pleno andamento quando o chefe chamou os homens para ouvirem sua decisão.

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- Caros amigos – começou o chefe – estamos aqui hoje para realizarmos uma dura tarefa, a escolha do nosso sucessor! – falava sempre se colocando na primeira pessoa do plural para dar ideia de união – mas finalmente chegamos a uma sábia decisão. Cremos que para o melhor andamento de nossos negócios e a preservação da vida de nossos homens, o melhor sucessor para a chefia é: Tóda Iruda. Os aplausos iniciaram simultaneamente a surpresa no rosto de Kon Goshi, não conseguia compreender por que não fora escolhido se ele era o assessor direto do chefe. Sentia-se humilhado e ao procurar alguém para apoiá-lo, não encontrou, todos buscavam Tóda Iruda para felicitar-lhe pelo novo posto. Sentimentos não muito nobres começaram a brotar no jovem Kon, sentia-se traído pelo ancião, mas não conseguia lembrar que sua mente já havia planejado muitas vezes a morte dele para poder assumir seu posto. Agora não bastava só assassinar o ancião, existia outro chefe, talvez existisse a organização toda a ser manipulada, então como conseguiria agora chegar a chefia? Estava bem mais difícil conseguir aquele tão acariciado intento. Naquela mesma noite em seu aposento, sua mente divagava em mil planos, mas não conseguia alcançar algum que possuísse total chance de sucesso.

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De súbito alguém bate na porta. - Quem é? - Sou eu, Kon – respondeu o ancião – deixe-me entrar. O chefe havia pensado na possibilidade de colocar Kon Goshi no cargo de chefia, mas conhecia o temperamento agressivo de seu adjunto e descartara a possibilidade quase imediatamente. Sabia, no entanto, que o jovem ia sentir-se ofendido com sua decisão e procurou conversar com ele. Dirigiu-se até a porta, procurando disfarçar no rosto as intenções que tinha e abriu a porta dando passagem ao homem. - Escute Kon, sei que pode estar aborrecido pela minha decisão e... - Sr. Kujiro – interrompeu – de modo algum eu ficaria descontente com uma resolução sua, apesar de pensar em alguns momentos que eu seria o escolhido, porém sob hipótese alguma mantive qualquer descontentamento acerca de sua atitude, pois considero-a sábia e será o melhor para a organização. - Fico contente com isso, não se arrependerá de permanecer comigo, agora vou dormir, amanhã terei um dia todo só para descansar, só que vou usá-lo para um velho hábito meu, praticar tiro ao alvo. Se quiser pode vir se divertir comigo – sugeriu. - Agradeço seu convite senhor, mas amanhã preciso resolver uns assuntos na cidade.

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- Se mudar de ideia, sabe onde me encontrar. Boa noite. - Boa noite. O idoso saiu e Kon pensou ainda por muito tempo sobre o que faria, muito tempo...

4 Naquela manhã o sol ainda não tinha nascido quando Kon saiu. O seu carro esporte vermelho era conduzido em alta velocidade pela estrada em direção ao centro de Tóquio. Depois de alguns minutos, parou em frente a uma loja de tecidos. Ao entrar na loja, foi imediatamente reconhecido, afinal não era todo dia que recebiam a visita de um inimigo. - O que você quer aqui? – indagou o guarda interpondo-se entre Kon e uma porta no fundo da loja. - Quero falar com seu chefe. - Não sei se ele vai querer vê-lo - Talvez ele não queira mais ver você se não me deixar falar com ele. Foi encostado violentamente contra a parede, um dos guardas o revistou enquanto o outro colocava o cano do revólver no pescoço dele.

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Dentro da sala, o chefe despachava um subalterno quando o guarda entrou. - Que foi, Allan? – questionou o chefe. - Há um homem lá fora querendo falar com o senhor – respondeu. - Não tenho tempo agora, diga-lhe que volte mais tarde. - Senhor, o homem lá fora é... - Vamos homem, fale de uma vez – insistiu o chefe irritado. - É Kon Goshi, senhor! O chefe não demonstrou nenhuma surpresa e ordenou que o homem entrasse. -Então – disse com cinismo a Kon que acabava de entrar – o que é que Kon Goshi vem fazer no meu escritório? - Vim propor-lhe uma aliança. - Uma aliança? Pois hoje de manhã eu recebi uma carta do seu novo chefe propondo-me a mesma coisa, não é incrível? - Só que o que tenho a dizer-lhe não é o mesmo que Iruda. - Então deve ser uma melhor. - É. - Diga-me qual é. - Minha proposta é simples, Iruda certamente lhe fez uma, onde vocês dividiriam a metade dos negócios em Tóquio, já a minha vai lhe dar todos os negócios da cidade.

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- E como é que você quer fazer isso? - Vou lhe dizer o local da reunião extra que Iruda irá realizar no domingo para as novas ordens, todos os membros da organização estarão lá, inclusive o senhor Kujiro que irá, pela última vez, a uma reunião. Você terá que organizar seus homens para uma batida. - Não se preocupe com que eu devo fazer, agora me diga, o que você quer nisso tudo? - Minhas ambições são modestas, estarei nessa reunião, quero que seja ao meu comando que iniciem o ataque e desejo também uma certa quantia em dinheiro. - É só? - É! - E de quanto será esta quantia? A resposta de Kon não surpreendeu aquele homem, achou até pouco, face ao serviço que iria prestar-lhe. - Muito bem – disse o chefe – queira esperar lá fora, preciso consultar meus assessores. Marc Lewis sempre fora muito sensato e nunca tomava atitudes precipitadas. Chamou seus dois assistentes e discutiram por quase duas horas enquanto Kon esperava em uma sala contígua vigiado por um segurança.

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Toda a história da organização de Lewis foi marcada pela ponderação de seus atos e pelo aconselhamento em todas as suas atividades, devido a isso, sempre alcançavam êxito. Apesar de sua sensatez, era muito violento e jamais perdoava um inimigo, agora possuía em suas mãos aquela organização inimiga que tirara a vida de muitos de seus homens. A ponderação, portanto, não prevaleceu e seus instintos falaram mais alto. Kon foi posto novamente na presença de Lewis que se portava como um Deus esperando seu súdito. Ele sentia-se humilhado na presença de Lewis e queria sair dela o mais rápido possível. - Decidimos aceitar sua proposta - disse Lewis – agora queremos conversar sobre seu pagamento. - Mudei um pouco de idéia, vou me arriscar muito me expondo com os outros, resolvi proceder de outra forma, só que sem alterar o rumo dos planos. - Como assim? - Me encontro com um de seus homens, que estará desarmado, este me dará uma valise com os dólares de série alternada e eu lhe dou o mapa com o lugar onde será a reunião e como entrar nele sem encontrar obstáculos. - E se for uma mentira? Que garantia você nos dá de que será verdadeiro o que estará no papel?

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- Esperarei que um dos seus confirme, não me comprometeria se não estivesse falando a verdade. - Está bem. - Aqui está! – disse Kon entregando-lhe um papel - O endereço da rua onde me encontrarei com seu homem e a hora que estarei lá. Por favor, não tente nenhuma besteira, pois sou um homem muito precavido. - Muito bem, senhor Goshi, espero que não mude de ideia. - Não volto atrás nas minhas atitudes. Adeus Senhor Lewis. - Adeus Senhor Goshi. Retirou-se do local procurando não deixar-se notar pelos transeuntes que passavam pela rua. Os dias passaram normalmente e sem novidades. O dia esperado chegou ensolarado e muito prometedor de boas novas. Cinco minutos antes da hora marcada, ele já se encontrava no local, dentro de seu carro com os vidros todos fechados. Estava muito nervoso e achava prudente mantê-los cerrados. Um homem chegou e bateu três vezes no vidro do lado oposto ao motorista, Kon olhou ao redor e baixou o vidro. - Onde está o dinheiro? – perguntou abrindo a porta para o homem entrar e este entrou dando-lhe uma valise. Kon abriu a valise e certificou-se do conteúdo.

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O homem esperou enquanto ele observava o dinheiro da valise. - Tome – disse Kon entregando-lhe um papel. O homem abriu-o e retirou do bolso lateral do terno um rádio transmissor pelo qual transmitiu as informações contidas no papel e pôs-se a esperar pela confirmação Dez minutos depois e a confirmação não chegava, então Kon tomou uma medida desesperada, retirou de dentro da jaqueta uma pistola e apontou para o homem. - Ei, o que é isso? – disse o sujeito assustado. - Cai fora, palhaço! - Mas o combinado era que eu teria que esperar a confirmação do local. - Estou mudando o combinado, agora cai fora! Saiu rapidamente do carro e Kon deu a partida cantando os pneus no asfalto. - Desgraçado – praguejava o homem quando de repente o rádio chamou. A voz através do rádio soou: - Alô Tell, câmbio? - Alô. -Confirmado cara, a informação é quente. Respirando aliviado, dirigiu-se para seu automóvel para ir ao local indicado.

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5 Tóda Iruda chegara cedo naquela noite juntamente com Senhor Gedo Kujiro, era um fato novo, pois desde há muito tempo o Senhor Kujiro só andava acompanhado do adjunto Kon Goshi e não houve quem não percebesse isso. - Onde está Kon? – perguntou Iruda. - Falei com ele hoje pela manhã, disse-me que estava dor de cabeça e um pouco de resfriado, se melhorasse estaria aqui para a reunião, então não quis incomodá-lo ao sair. - O senhor não acha isso estranho? - Não se preocupe, Kon é intempestivo, mas é um dos nossos. Iruda reprimiu algumas palavras em sua boca, mas seu pensamento não se enganava quanto ao caráter de Kon Goshi. A grande organização de Kujiro estava toda reunida, totalizavam quase sessenta homens que constituíam todo o submundo organizado pelos esforços de um só homem e que agora presidia sua última reunião para depois ser substituído pelo seu homem mais capaz. O salão era amplo, mas composto de uma só nave repleta de mesas quadradas que suportavam apenas quatro homens em cada. No fundo estava o púlpito com uma mesa longa com capacidade

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para sete pessoas, ao centro o chefe com quatro auxiliares a cada lado. Havia duas entradas, a principal, constituída por uma fachada simples, sem janelas e com uma porta pequena de um metro de largura e a entrada dos fundos era uma outra porta igual, só que dava em uma sala pequena bem atrás do púlpito. Essas duas entradas eram sempre bem guardadas para prevenir qualquer eventualidade. Existia, também, uma saída secreta. Esta era constituída de um alçapão sobre o púlpito, mas só era conhecida pelos principais da organização. Abaixo do alçapão existia um túnel com altura de três metros que levava ao segundo quarteirão de trás e desembocava em outro alçapão numa sala secreta de um cassino pertencente a eles. Todas essas informações estavam contidas no papel que Kon Goshi entregou aos homens da organização de Marc Lewis com detalhes precisos mostrados numa pequena planta. Assim, não foi difícil para Lewis preparar um ataque perfeito aos desprevenidos inimigos. Foram colocados dezenas de homens armados de metralhadoras, granadas, gás lacrimogênio e outros armamentos militares para

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garantirem o total sucesso da operação. O importante é que todo este plano fora organizado em menos de quarenta minutos. A reunião seguia seu curso normalmente, com o estudo de novas metas a serem seguidas e normas a serem aceitas. Todos prestavam bastante atenção naqueles acontecimentos enquanto fora do prédio, a operação de Lewis iniciava-se. Os quatro homens da porta dos fundos foram estraçalhados pelos disparos das metralhadoras vindo de um carro preto, que parara na frente. Três homens saíram do carro enquanto outro chegava logo atrás com mais quatro homens. A mesma operação repetia-se na porta da frente. A conferência foi interrompida no exato momento em que o ruído das metralhadoras lá fora foi percebido. Imediatamente os homens sacaram suas armas quando os bandidos de Lewis já invadiam o salão com suas metralhadoras em punho e jogando bombas de gás. A confusão generalizou-se e os homens de Lewis cercaram o salão, alguns morrendo, mas as baixas maiores, evidentemente, foram do lado oposto. Enquanto isso, Iruda e o Sr. Kujiro com mais alguns homens desciam o alçapão e corriam em fuga pelo túnel, mas ao fundo já encontravam-se os outros bandidos. Ao aproximarem-se, as

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metralhadoras começaram a disparar seus projéteis alcançando a todos que corriam no túnel. No final da matança o saldo era muito assustador, alguns capangas de Lewis mortos e outros feridos, mas seu lucro fora grande, toda a organização de Gedo Kujiro exterminada. Apesar de sua vitória, Lewis não se contentava só com a exterminação de Kujiro, ele não queria que ninguém sobrevivesse e um deles havia escapado, o traidor: Kon Goshi!

6 Ao arrancar com o carro na direção do aeroporto, Kon Goshi já não pensava em nada relativo ao que tinha realizado, seu único pensamento era tomar o primeiro avião para qualquer país longe do Japão, o que saísse primeiro neste aeroporto iria. Não tinha mala e nem qualquer bagagem, sua única valise levava apenas os dólares que pedira a Lewis. Dirigia apressado e só algum tempo depois percebeu o automóvel preto que o seguia. Prestou bastante atenção, mas isso já não importava, queria ver-se livre do seu perseguidor e por isso pisou fundo no acelerador.

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Em outro ponto da cidade, longe dali, alguém estava feliz com os acontecimentos. - Toda a organização de Kujiro e o próprio Kujiro eliminados, não há maior satisfação nesse momento! – regozijava-se Lewis. - Sr. Lewis – interrompeu um subalterno – já localizamos o carro de Goshi e está sendo seguido. - Muito bem, coloquem mais uns dois carros com homens armados e acabem com o otário – ordenou o chefe – infelizmente eu não pensei em eliminá-lo antes, senão teria mandado colocar uma bomba no carro dele, mas agora percebo que não pode permanecer ninguém vivo da organização de Kujiro, nem mesmo o próprio traidor. O carro chegava cada vez mais perto de Kon, que sobressaltava-se a cada momento e as coisas pioraram quando notou mais dois carros na perseguição. Um dos carros, um furgão, ultrapassou o carro de Kon e quando estava logo à frente, as portas de trás se abriram e três homens com metralhadoras começaram a atirar. Kon apavorado girou o volante com força para a esquerda dando uma curva de 180 graus enquanto os vidros do carro estilhaçavamse perfurados pelas balas das metralhadoras, que por sorte não o atingiram.

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Com alguns minutos de vantagem na frente de seus perseguidores, ele chegou ao aeroporto. Correu até o guarda volumes e alugou uma chave deixando sua pasta, tão preciosa, em segurança. Estava disposto a tudo e sabia como despistar seus algozes. Entrou no banheiro e escolheu um lugar oculto no fim dos boxes. Os homens de Lewis chegaram ao aeroporto e começaram a vasculhar tudo, era praticamente impossível eles conseguirem achar alguém ali no meio de tantas pessoas. - Onde vamos encontrar esse cara? Perguntou um deles preocupado. - Não sei, mas sei que temos que pegá-lo e não podemos deixar de pegar a valise com a grana – respondeu o outro. - Vamos ver no banheiro – sugeriu um terceiro. Kon sabia que mais cedo ou mais tarde eles procurariam por ele lá e pôs-se a esperar. Enquanto fazia isso, preparou sua pistola para encontrar-se com aqueles homens. Os três homens adentraram silenciosamente no banheiro e começaram a vasculhar cada um dos boxes, enquanto outro permanecia de pé na porta. Mesmo fazendo o mínimo de ruído, aos ouvidos de Kon suas presenças eram até bem notadas. Subiu silenciosamente sobre o

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vaso sanitário e numa ligeira sequencia de disparos destruiu as luminárias minando assim toda a iluminação daquele ambiente. - Quem fez isso? – perguntou um deles assustado. - É o homem! – disse o outro – ele está aqui cara e armado! O fugitivo teria, após anos sem praticar, a oportunidade de por novamente à prova seus treinamentos na Escola do Tigre. Nesse momento não havia ninguém além deles ali, Kon sentiu um arfar de respiração ao seu lado, apontou a automática naquela direção e disparou dois tiros jogando-se ao mesmo tempo ao chão. Um dos perseguidores foi atingido em cheio por aqueles disparos, que o jogaram no interior de um dos boxes. Um outro percebeu o clarão da arma disparada e atirou várias vezes naquele rumo correndo em desespero para a saída. Percebendo isso, Kon Goshi atirou novamente guiado pelos seus instintos. O sujeito já quase chegava na porta quando sentiu sua costa queimar-se em dores e caiu. O terceiro e último saíra no momento em que as luzes foram destruídas e o que ficou à porta jazia inerte vitimado por uma bala perdida. O homem misturou-se às pessoas que observavam o que acontecia, visando a saída de seu inimigo.

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Dentro do banheiro escuro, Kon esperava o momento para sair. Parou ao lado da porta e viu adiante os guardas de segurança que já se aproximavam do local alertado pelo alarme. Saiu imediatamente sem que fosse visto e andou na direção do setor de emissão de passagem, enquanto era seguido pelo terceiro homem. A outra patrulha que participava da caçada no aeroporto avistou Kon saindo com um bilhete na mão e um dos seus aproximandose dele por trás. Colocando a arma oculta no bolso do terno, o homem encostou a pistola na costa de Kon. É melhor o Sr. vir comigo ou lhe abro um rombo imenso – ameaçou o sujeito enquanto os outros, percebendo o que acontecia, aproximaram-se. Saiu com os homens do aeroporto e foi empurrado para dentro do furgão preto dos perseguidores. - Aqui estamos Sr. Goshi, o Sr. não conseguiu escapar de nós, poderíamos até matá-lo agora, mas nosso chefe te quer vivo – mentiu o homem com sarcasmo. Tinham tirado-lhe a arma e queriam descobrir acerca dos dólares. - Quem é seu chefe? – indagou enraivecido.

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- Ora Sr. Goshi – iniciou o sujeito irônico – o Sr. não está em posição de fazer perguntas, mas digamos que eu possa lhe fazer este pequeno favor, o nosso chefe é o mesmo que lhe presenteou alguns dólares e que infelizmente, para você é claro, os quer de volta. Sem dizer uma palavra, ele permaneceu assim alguns minutos. - Onde está o dinheiro? – interrompeu um deles. Continuou calado. - Quer fazer o jogo de esconder o brinquedo? Pois vamos te dar uma boa lição, seu panaca. - Espere! – disse o outro segurando o punho do companheiro o qual preparava-se para esmurrar o prisioneiro – o Stanley revistou o carro dele e não encontrou nada, então ele levou a mala com a grana consigo para dentro do aeroporto, onde vocês acham que ele escondeu? - É isso! – admirou-se o outro - Ele deve ter colocado no guardavolumes do aeroporto. Revistem-no. Kon ainda tentou reagir, mas à sua frente encontrava-se em de seus captores com uma metralhadora. A chave do guarda-volumes fora encontrada e dois deles saíram para pegar o dinheiro.

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Nesse momento, Kon Goshi via seus planos desabarem, mas ainda não dava-se por vencido. Três homens ficaram para vigiá-lo, dois do lado de fora do furgão e um dentro com a metralhadora. Pelo que podia notar os homens sentiam-se seguros, pois nem se importaram em imobilizá-lo. Viu que possuía uma chance, embora com riscos, a metralhadora faria barulho e atrairia pessoas e com elas a segurança do aeroporto, portanto, o homem não atiraria de imediato. Numa distração do sujeito, chutou a arma usando toda a sua força, levantou-se rapidamente empurrando o homem para fora do carro e trancou-se nele. Pulou para o banco da frente e disparou no veículo a toda velocidade. Os homens ficaram atônitos e correram para o outro carro, mas seu prisioneiro já havia abandonado o furgão quando eles conseguiram achá-lo. - Ele voltou para o aeroporto, aquele filho de uma cadela! – desabafou um deles já correndo para o aeroporto. - No estacionamento os outros já estavam de volta com a valise de dólares ficando surpresos por não haver ninguém os esperando. - Onde estão eles? – perguntou o que se chamava Stanley. Em resposta a sua pergunta, no salão do aeroporto seu exprisioneiro já girava a roleta de entrada à sala de embarque

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enquanto os homens de Lewis observavam sem poder fazer nada. Na sala de espera, Kon aliviado esperava o momento de partir, havia conseguido fugir de seus algozes e apanhara seu bilhete de passagem que eles haviam deixado displicentemente no chão do furgão, mas não conseguira reaver seus preciosos dólares. Apesar disso ainda possuía algum dinheiro e faria uso dele. Agora os planos seriam alterados e um novo rumo tinha que ser tomado em sua vida. Sua escolha dessa vez havia sido um terrível engano e não havia como voltar atrás. Alguns minutos depois uma voz no alto falante da sala anuncia o embarque no avião que se destinava a Paris. Kon Goshi levantouse, entrou na fila de embarque e dirigiu-se para o avião.

7 De uma distante plataforma os homens de Lewis observavam Kon Goshi embarcar no avião, pensavam na reação de seu chefe ao saber que, apesar de terem conseguido o dinheiro de volta, o inimigo havia escapado. Não existia alternativas para eles, a solução era conformarem-se com as consequências de suas falhas. Kon Goshi acomodara-se em uma das poltronas do avião, à janela, e observava o país que agora ia deixar para construir uma vida

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nova em outro. Sem dinheiro, agora seus planos eram outros, mas nenhum por inteiro conseguia delinear em sua mente. O pensamento foi perdendo-se e uma sonolência foi caindo sobre aquele homem cansado das últimas aventuras. O avião decolara com alguns minutos de atraso, mas ele não sentiu a decolagem, pois sua mente estava perdida no mundo dos sonhos. Acordou-se um pouco antes da aterrissagem em uma das cidades onde o voo fazia escala. Surpreendeu-se ao notar ao seu lado uma linda jovem lendo uma revista a bordo. Observou-a de soslaio e viu que lia com atenção uma reportagem sobre Londres, ficou impressionado com a beleza daquela jovem japonesa. Sentia-se compelido a falar com ela, mas devido à vida que havia levado até essa ocasião, não sabia como fazê-lo. Mas a vontade crescia e ele pensou mais uma vez que ia falar alguma coisa a ela. - Vejo que você também gosta de Londres – disse a moça de repente deixando Kon sem palavras por alguns segundos. - Por que diz isso? – perguntou ele por fim. - Porque vejo-lhe esgueirar-se de quando em vez e olhar para a revista que estou lendo. - Não é para a revista que olho e sim para você, e desculpe-me o atrevimento, você é uma das mulheres mais encantadoras que já vi.

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- Oh! Muito obrigada. - Vai para Londres? – indagou ele. - Sim, vou a Londres estudar em uma de suas universidades. - Mas, por que, não há boas universidades no Japão? - Há sim, é claro, mas é que desde criança sempre tive o sonho de morar em Londres e aproveitando, estudarei lá. E você, também vai a Londres? – indagou ela dessa vez. Kon pensou por alguns instantes, pretendia ir a Paris, mas agora, ao conhecer aquela moça, sentiu que seu destino, de alguma maneira, a envolvia. - Sim – disse ele – também vou para Londres, vou tentar a vida por lá e se possível estudar. A partir daquele momento a vida de Kon Goshi teve muitas alterações, conquistou a simpatia da moça e essa o ajudou muito na cidade de Londres. Aquela simpatia conquistada no avião tornou-se em grande amizade e antes que qualquer um dos dois pudessem perceber, a amizade tornou-se em amor. Kon deixou de lado, esquecida quase por completo, a vida criminosa que levara, e com aquela linda e apaixonada moça ao seu lado começou a construir coisas novas em sua vida.

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Ao chegar em Londres, tomou a primeira e mais necessária precaução para sua sobrevivência, mudou de nome, pensando que com isso enterraria um passado de crimes e traições. Na verdade ele não precisou fazer muito para mudar sua vida, quem mais contribuiu para isso foi a moça. Ela custeou-lhe estudos, roupas, alimentos e sua paixão por aquele homem foi tanta que ela não conseguia enxergar que ele estava usufruindo intencionalmente daquilo que ela possuía. Chegara então o dia em que o casal decidiu-se pelo matrimônio, essa época coincidiu com a saída de ambos da universidade pela conclusão de seus estudos. - Amor – disse ela no aeroporto – vou voltar para conversar com meu pai a respeito do nosso casamento. Ele vai querer conhecê-lo, por isso você vai alguns dias depois de mim, ok? - Tudo bem – concordou ele – será que seu pai vai aceitar que você case com um cara pobre como eu? - Escute, papai nunca foi elitista, o máximo que quererá saber é sobre seus pai e como você é órfão, ele se conformará com o julgamento que fará de você, portanto tranquilize-se. A moça voltou para sua casa e contou a seu pai suas intenções e esse ficou muito feliz, porque desejava muito uma casa com netos e pediu que o rapaz viesse vê-lo.

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No dia que o ex-Kon Goshi conversou com o pai de sua noiva, sua atenção estava especialmente voltada à riqueza daquela habitação e de tudo que havia nela. A ambição daquele homem superava até o sentimento que nutria pela moça. Ele não descobriu que ela era filha de um rico empresário por acaso, quando os dois começaram a namorar, ainda em Londres, investigou tudo acerca da família dela e dos bens. Chegou até a ser ocasional o sentimento que começou a alimentar por ela, mas sua ambição sempre foi muito grande e poderia conciliar as duas coisas, o amor pela moça o faria feliz e a riqueza dela o faria poderoso. - Olá, meu rapaz – disse o ancião que entrava – você deve ser o moço do qual minha filha fala tanto. - Olá Senhor. – iniciou o rapaz – sinto-me muito honrado em poder conhecer o pai da mulher que amo. - Ora, deixe de tolices, meu jovem, sou um homem prático e sei que pretende me agradar com palavras bem intencionadas, aliás, eu no seu lugar faria o mesmo. Mas não é isso que nos motivou ao diálogo e sim o fato de minha filha querer casar-se com você. - Vou lhe dizer uma coisa, você também pretende o mesmo com ela ou então que outro motivo o traria de volta ao Japão, não é mesmo?

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- Sim, Senhor! – confirmou. - Então vocês já haviam decidido e quem sou eu para discordar de uma decisão de meus filhos? Só tenho algo a lhe pedir, cuide bem de minha filha, pois do contrário, serei eu quem vai tomar as decisões, certo? - Obrigado, Sr. – disse o rapaz em tom reticente e continuou – só que esta decisão, minha e de sua filha, embora já tomada, não poderá se realizar por enquanto. Peço ao Sr. que me conceda um pouco de tempo pois, como deve saber, sou recém saído da universidade e preciso estabelecer-me. - Quanto a isso não há problema – interrompeu – seria até mesquinhez de minha parte se possuindo o que possuo, não lhe oferecesse um lugar na minha empresa, não é muita coisa, mas você terá a oportunidade de subir como qualquer outro empregado meu. O semblante do rapaz ficou iluminado, era exatamente o que queria e o restante viria com o tempo. Naquele mesmo dia a cerimônia do casamento foi marcada.

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8 Antes mesmo do casamento, Kon começou a trabalhar na companhia de navegação do seu sogro, mas foi só após seu casamento que conseguiu sentir-se um homem novo por completo. O próximo passo dele seria subir, o mais rápido possível de posição naquela companhia. Para realizar seus planos, ele contratou um capanga muito eficiente que foi tornando-se cada vez seu mais fiel aliado. Nessa época, não queria ser só o presidente da empresa de seu sogro, ele queria ser o dono e a nova escalada teve início. Um a um, seus adversários foram sendo eliminados por seu fiel comparsa que não hesitava em matar para chegarem a um objetivo. Primeiro foram mortos os empregados que lhe representavam perigo, depois o próprio sogro e por fim sua própria esposa, com mortes que simulavam acidentes, causas naturais e até suicídio! Havia apenas um obstáculo a ser removido, uma única pedra no sapato do ambicioso Kon, o seu cunhado. Antes de sua mulher morrer, ela o havia escutado conversando com seu comparsa tramando a morte dela e de seu irmão para ficar com tudo que a família possuía e sabendo disso deu um jeito de ocultar seu irmão salvando-lhe a vida, porém a sua própria ela não conseguiu salvar.

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Foi encontrada no banheiro morta e o laudo, forjado pelo seu marido, da perícia foi que ela suicidara-se. Mas o cunhado havia fugido e isso representava o maior perigo para Kon. Não se contentando com o que já possuía, ele começou a infiltrarse novamente na carreira criminosa, só que com a astúcia adquirida com a maturidade e a ajuda de seu companheiro, eles não presaram derramar sangue para que conseguissem o controle completo do submundo do crime organizado. As únicas mortes foram aquelas que foram geradas pela vingança, como a de Marc Lewis. Assim foi que Kon Goshi com o nome falso de Shingen, conseguiu dominar o crime no Japão, reunindo a maioria dos criminosos sob a bandeira de uma nova organização criminosa, que cresceu e estendeu-se até Londres onde se sediou a organização chamada: A CHITA! As palavras do velho mestre ainda ecoavam na mente de Shingen: - “Você nunca será um filho do Tigre... no máximo você será o filho de uma chita...”

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POSFÁCIO

1 Jerry Santinez era um perito respeitado na perícia de Nova York, conseguia descobrir pistas onde ninguém mais conseguiria. Era comedido, sabia quando e onde encontrar um detalhe que levasse a desvendar um determinado mistério. Seu maior defeito era a ambição, queria muito dinheiro e seu salário na perícia não era o suficiente para manter-lhe os gostos requintados. Cigarros importados, roupas finas e prostitutas de alta categoria, fizeram aquele homem procurar por dinheiro com mais avidez ainda. Aceitou subornos para desviar investigações e quando o chefe de seu setor tomou conhecimento foi o fim. Em menos de dois dias recebia seus vencimentos adiantados com uma carta especial de demissão por falta com os regimentos internos da perícia novaiorquina. É claro que tentou argumentar com seus superiores, porém devido à sua grande capacidade fizera muitos inimigos e foram eles que providenciaram para que não obtivesse nenhum atenuante a seu favor.

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Entretanto, era um homem de muita sorte, não precisou nem mesmo abandonar seus cigarros alemães. Um homem, muito bem trajado, o convidara para trabalhar em algo semelhante, só que, do outro lado da lei, o que o faria ganhar bem mais e não necessitaria ser obediente a regimentos internos de boa conduta. Apreciava muito a nova organização em que trabalhava e permaneceu mais de três meses sem fazer absolutamente nada, só recebendo seus honorários, que era o que mais lhe fazia apreciar aquele novo emprego, sempre pontualmente depositados em sua conta bancária. Já até queixava-se do tédio quando foi chamado para resolver um caso em outro país. Aquele japonês, seu chefe, até rira-se quando ele disse que nunca havia matado alguém, mas era preciso essas coisas naquela nova empresa e o dinheiro era muito grande para ser dispensado, ainda mais com aquele bônus que se recebia ao cumprir-se uma missão com sucesso. Naquela época foi-lhe ordenado que descobrisse o paradeiro de um rapaz chamado Hiroaki Ishida. Esforçou-se o máximo, escavando os fatos mais escondidos possíveis para encontrá-lo, mas foi em vão. Certo dia quase conseguiu desvendar todo o caso,

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tinha em suas mãos o motorista do garoto, todavia este não cedeu e foi morto sem dizer onde ele se encontrava. Apesar de sua falha parcial, seu chefe gostou de seus serviços, assim, o solicitara em várias outras missões, que desta vez as executara perfeitamente. Santinez mudara muito desde que fora contratado pel’A CHITA. Aprendera a matar e escolhia sempre métodos indiretos de fazer isso, não conseguia esquecer-se da morte daquele motorista que ele o fizera com as próprias mãos e agora só realizava esse tipo de serviço de forma que não encarasse a vítima. Quando foi chamado pelo chefe para resolver esse outro caso, não pode deixar de sentir uma certa hesitação que era comum em seu temperamento sempre que alguma situação nova surgia à sua frente. Em poucos minutos chegou àquela casa que servia de sede para sua organização e em menos tempo ainda achava-se diante da figura austera de seu patrão, que estava muito nervoso, e de outro agente que ele já conhecia muito bem. Era difícil acostumar-se em Londres, mas aquela figura gorda que era o outro agente, não parecia o típico londrino e ele, apesar de nascido e se criado em Nova York e filho de porto riquenhos, poderia bem melhor ser reconhecido como um.

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As ordens foram dadas e ele saiu junto com aquele tipo gordo do escritório do chefe. Ficou parado observando como o agente Steve Macoy caminhava rápido para seu carro, e quase não pode conterse em rir daquele homem engraçado. No entanto, agora era tempo de tratar daquele assunto e tiraria, mesmo que fosse preciso empenhar todos os seus talentos, bons resultados para A CHITA. Suas investigações começaram na casa de Macoy, que a cedeu meio a contragosto. Não era fácil encontrar indicações criminosas naquela casa. Os móveis antigos, sempre bem arrumados e devidamente lustrados escondiam as pistas que pudessem ter ficado. A empregada realmente caprichava na limpeza daquela casa, pois a esperteza de Santinez não conseguia detectar coisa alguma. Estava no andar superior observando minuciosamente o escritório do inspetor quando a esposa deste entrou. Ao vê-la, cumprimentou-a e comentou: - Sua empregada é muito trabalhadora! - Realmente - respondeu ela - Sofia adora tudo que se refere à cozinha, faz bolos, tortas, enfim, é uma ótima cozinheira. - Não estou falando disso, é que a casa está tão arrumada e limpa!

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- É... nesse último dia ela limpou muito bem a casa, apesar de não fazer isso costumeiramente, acho que foi o choque de ter visto o assaltante aqui ontem. - Quer dizer que ela não costuma limpar a casa? - perguntou Santinez visivelmente desconfiado. Não, quer dizer, ela limpa sim, mas tenho que insistir um pouco com ela. Por que está fazendo essa pergunta? - indagou a mulher perturbada. Sem responder, o homem retirou-se e desceu a escada apressado indo ao encontro de Macoy que lia displicentemente o jornal. - Macoy! - chamou - quero falar imediatamente com sua empregada. - O que você quer com ela? - Tenho razões para crer que ela foi cúmplices no assalto de sua casa. - Você deve estar louco, Sofia é uma menina que não sabe nem bem o que é um assalto. - Você está me impedindo de levar a cabo uma investigação de interesse da própria CHITA. - Fale baixo, quer que minha mulher ouça o nome da organização e me encha de perguntas depois? Tudo bem, ela está na cozinha, por favor, não a assuste, não quero reclamações depois dos pais da

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moça. Santinez foi até a cozinha, aproximou-se devagar daquela menina que ao perceber a presença daquele homem estranho, desconcertou-se toda. Não deixou, entretanto, de arrumar, em forma de quadrado, uma porção de pequenos doces de cor marrom escura numa travessa. Ao chegar perto dela, retirou uma daquelas guloseimas e comeu devagar, enquanto ela, nervosa, colocou outra no lugar da que ele havia tomado, novamente ele estendeu sua mão aos doces, só que desta vez, ao invés de apanhálos, segurou forte a mão dela. Sentindo a mão dele, ela puxou a sua usando de toda a sua força, mas ele mais forte não a soltou e apertando-a forçou-a olhar-lhe, então perguntou: - Quem era o assaltante? - Eu não sei de nada, por favor, solte-me, está me machucando. - Se você não disser logo quem era o assaltante e tudo que souber sobre ele, vou quebrar sua mão bem lentamente até você desmaiar. - Pare, por favor - disse a menina amedrontada já começando a chorar - eu digo tudo o que sei. - Então comece - insistiu Santinez sem demostrar o menor sentimento pela menina. - Ele veio aqui dizendo que era amigo do Senhor Macoy... - Ele quem? - interrompeu.

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- Eu não sei, ele não disse o nome, disse que ia fazer uma brincadeira com Sr. Macoy e que eu devia ficar na despensa com a Sra. Bethany quando ele estivesse fingindo o assalto. - E você acreditou nele? - Claro, mostrou-me sua carteira da Scotland Yard, igual a essa que o Sr. Macoy usa. - E por que não falou nada disso ao inspetor? - Bem, ele disse que eu não deveria falar... - Aposto que lhe pagou para isso, não foi? - perguntou áspero. - Sim, senhor. Deixando a moça de lado, foi até a sala e em poucas palavras contou a Macoy o que conseguira obter da moça. - Agente da Yard?! - indagou incrédulo - Conheço todos os homens da agência aqui em Londres, preciso desse conhecimento para afastá-los de nossas operações e aquele homem não era um dos agentes. - Será que você não percebe que ele usou um disfarce? A criada limpou tudo depois, afinal deve ter ficado com medo de deixar algum indício do homem. Lógico que o sujeito era esperto, por isso não deixou nada de muito importante que pudéssemos usar como pista, mas você deve conhecer alguém que desconfiasse o bastante de você para tomar uma atitude como esta.

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- Mas é claro que não conheço ninguém que... espere! - pensou por alguns segundos - Patterson... Eddie Patterson é o homem! Ele era o detetive que estava no caso antes de mim. - De que você está falando? - perguntou Santinez sentindo que o mistério já estava chegando ao fim e congratulando-se antecipadamente por sua notável inteligência. Em instantes o inspetor revelou ao comparsa tudo o que havia acontecido e como o jovem agente o seguiu tentando descobrir algo. Chegaram à conclusão de que o rapaz descobrira mais coisas do que eles supunham e com aqueles documentos em seu poder poderia levar Macoy e a própria CHITA ao fim de suas atividades. Fez-se necessário tomar medidas drásticas quanto ao detetive, era inevitável que ele fosse eliminado bem como todas as provas que possuía. Macoy deduziu que ele ainda não havia compartilhado aquelas informações com ninguém, pois certamente averiguaria a veracidade daqueles papéis antes. Era então urgente a eliminação dele e Macoy disse que cuidaria disso. Santinez não concordou, até discutiram e o inspetor só deu-se por vencido quando seu colega o ameaçou dizendo que comunicaria aquela conversa ao chefe. Ao sair daquela casa, Jerry Santinez orgulhava-se de seu intelecto e como querendo provar a si mesmo suas ilimitadas capacidades, já

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estava delineando um plano para a eliminação do intrometido investigador da Scotland Yard.

2 - Como está, velho amigo? - indagou aquela voz esforçando-se para ser amável, mas a natureza rude do caráter daquele homem tornava essa amabilidade quase imperceptível a não ser por outro homem da mesma personalidade. - Estou bem. Veja só, aquele moleque me pegou de jeito, depois de anos invicto, apanhei uma surra de um fedelho. - Sato, esses garotos já foram longe demais e precisam ser eliminados o mais rápido possível. Já não posso mais tolerar falhas. Não o estou culpando de modo algum por ter falhado, pois sei que foi pego de surpresa, mas quero que hoje mesmo esses canalhas desapareçam da face da terra. E ainda por cima o idiota do Macoy deixou roubarem os documentos com os locais de nossos armazéns. - O que você pretende fazer agora? - perguntou Sato profundamente preocupado. - Já coloquei Jerry no caso - respondeu Shingen - creio que ele conseguirá descobrir e eliminar o infeliz que fez isso. Quanto a

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Hiroaki e seu companheiro ainda não pensei em ninguém que possa cuidar do assunto. - Não entendo como O'Rourke conseguiu escapar, deixe-o muito bem amarrado. Shingen já conhecia a história toda, pois antes de ter vindo falar com seu cúmplice pessoalmente, fizera-o por telefone. Pensou por alguns instantes e depois concluiu. - Ele foi ajudado por alguém! Sim, isso mesmo, ele deve ter sido auxiliado por alguém, um terceiro os ajudando contra nós. - Será que o instrutor de Hiroaki não está em Londres? - supôs Sato - ele pode estar aqui ajudando seu pupilo a derrotar seu pior inimigo. - Não creio nisso - duvidou - quando Hiroaki fugiu do Japão nós o caçamos por muitos lugares e não o achamos e o desaparecimento de Soli coincidiu com a fuga dele. Nessa época Soli ainda estava em condições de aventura, mas agora já se passaram vários anos, ele está velho e escondido em algum país com o nome falso. - Creio eu que a resposta do lugar onde o velho Soli está escondido está no passado dele, acontece que esse passado é um mistério completo, a única pessoa no mundo que conheci que sabia do passado dele era Kasuiko, infelizmente ele precisou morrer para que eu construísse esse império.

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- Sabe amigo, assim como não conheço a vida de Soli, não conheço nada também sobre seu passado. - Meu passado nem eu conheço, Shingen! - respondeu o homem deitado na cama. Ao dizer isso, ficou calado e parecia estar dormindo de olhos abertos. Shingen sabia que tinha tocado numa profunda ferida de seu amigo, sabia do problema psicológico dele, porém sua curiosidade de vez em quando o fazia indagar sobre o passado de seu mais fiel aliado. Devia muito a Sato, fora quem tinha feito a maior parte do serviço sujo que ele precisava em toda a sua vida após sua entrada na família Ishida. Todos pensavam que havia algum elo de união muito forte entre os dois, parentesco, uma grande dívida, ou qualquer outro laço. Não havia elo algum, Sato não passava de uma marionete que Shingen controlava com as mãos e com as palavras. O tempo, no entanto, fizera com que o chefe se afeiçoasse ao empregado, ele até se permitia tratá-lo de amigo e deixá-lo chamar-lhe pelo primeiro nome, um nome falso, mas ao qual já se habituara tanto que havia até esquecido que um dia fora Kon Goshi. Percebendo que Sato sentia-se mal devido a sua indagação, retirouse devagar, deixando-o só em seu leito hospitalar.

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Ele conhecia o seu passado, conhecia muito bem até, só não gostava de falar dele a ninguém, nem mesmo ao seu melhor amigo. Tinha nojo do que lhe havia acontecido no passado, não podia suportar a idéia de seu pai ter morrido na Segunda Guerra Mundial e sua mãe ter casado novamente. Odiava aos dois, à mãe e ao padrasto, ao padrasto por bater-lhe e humilhar e à mãe por fazer o mesmo para agradar seu novo marido - Se meu pai estivesse aqui pensava ele - mataria os dois. Até mesmo uma criança tem limites e ele já nem era mesmo uma criança, Aos quinze anos de idade ele conseguiu uma arma empenhando todas suas economias, comprou-a de um outro garoto, ela era linda. Orgulhava-se muito dela, e se seu pai fosse vivo, por certo, se orgulharia também. Ele já estava em casa quando o padrasto chegou, não sabe muito bem o que houve, mas o homem começou a xingá-lo e deu-lhe um tapa no rosto. A arma estava na roupa dele, pedia para ser usada, tinha que fazer justiça. O homem encostou-se na parede quando a bala atingiu-lhe o estômago, até disse algumas besteiras, mas as outras duas balas seguintes o calaram para sempre. Aquela mulher nojenta entrou, debruçou-se junto ao corpo do homem caído, ainda havia três balas no revólver, nada mais justo, três para ele e três para ela. A bala entrou-lhe pelo dorso, ela virou-

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se para ele com as mãos sujas de sangue, sem hesitar disparou as outras balas. Sua visão ficou embaraçada e quando despertou daquilo, estava dentro de um quarto estranho com paredes de colchão, não entendia aquilo, por que paredes acolchoadas se não se podia deitar nelas e por que estava ali. Passou muitos anos internado em quartos assim, em salas cheias de pessoas jogando cartas, dados e outros jogos, enquanto outras assistiam tevê e conversavam. Lembrou-se que matara outras duas pessoas lá e ficou preso por mais tempo do que esperava por aquilo, mas o que ele podia fazer, elas eram sua mãe e padrasto que haviam voltado da morte. Certo dia dominou o segurança e com a arma dele empreendeu uma fuga, ele era esperto, ninguém podia detê-lo. Vagou pelas ruas com fome e em desespero, mas um dia seu amigo lhe salvou e daí em diante faria tudo por ele. Ganhou nova vida, casa para morar e dinheiro para comprar armas de todos os tipos, fez uma coleção delas, como eram lindas! Não! Não queria mais lembrar-se do passado, porque às vezes lembrava-se de um jeito e outras, lembrava diferente, isso o confundia e o deixava louco.

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Abriu os olhos, viu aquele teto branco, paredes brancas, chão, tudo branco, não gostava daquilo. Levantou-se sentindo algumas dores no corpo, vestiu-se, foi até a janela, não nevava, mas a calçada estava cheia de neve. Saiu do hospital sem ninguém perceber. Caminhou, era longe do hospital à sua casa, mas foi andando. Aquele moleque o humilhou, só um homem no mundo havia feito aquilo e ele o matara duas vezes, agora aquele fedelho o fez também, iria encontrá-lo e matá-lo. Só um homem no mundo era seu amigo e por ele faria tudo...

3 Patterson não se considerava um excelente detetive, mas achava-se um sujeito muito esperto e que não desistia facilmente daquilo que almejava. Quando iniciara aquela investigação, não imaginou em hipótese alguma, encontrar-se com os próprios suspeitos e não prendê-los. Conhecia agora o outro lado da história, os motivos que levaram Hiroaki Ishida a empreender uma louca tentativa de vingança contra seu cunhado Shingen Mizoguschi. Era estranho pensar na amizade que surgira entre Hiroaki e Salomon O'Rourke,

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conheceram-se sob circunstâncias drásticas e desenvolveram uma amizade que os fazia arriscar-se pelo outro. Precisava encontrar uma forma de ajudar aqueles dois a saírem e permanecerem livres dos indícios criminosos que haviam contra eles, afinal tinham muita coisa para incriminá-los. Talvez a única solução seria deixá-los fugir no final de tudo. Aquele inverno estava inclemente, o frio que fazia só faltava congelar-lhe os ossos, mas isso não era o pior fato de trazer-lhe recordações. Era praticamente impossível ver aquela neve toda e não lembrar-se dos bonecos que fazia com seu pai quando era um garoto. A notável amabilidade de seus pais enternecia-lhe o coração. Infelizmente os perdera cedo e mesmo que ainda não os tivesse perdido, quando a hora chegasse ainda seria cedo, pois era uma amizade enorme que havia entre eles. Mas a neve não lembrava só seus pais, havia outra pessoa muito importante na sua vida e que também fora numa noite muito cheia de neve que a conhecera... O detetive dirigia tranquilamente seu primeiro carro comprado com seu próprio salário. Economizou durante quinze meses o máximo que podia e o fruto de seu esforço estava ali, deslizando maciamente pela estrada que levava ao seu apartamento em Soho.

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A rua estava escura, a neve estava intensa e a energia elétrica estava interrompida, precisava usar os faróis altos para poder enxergar bem, mas não importava-se com nada, estava estreando o seu carro novo. A uma pequena distância à sua frente havia um carro enguiçado, uma mulher vestida de brando tentava retirar algo do porta-malas. Era tão bonita que não resistiu à tentação de parar e ajudá-la. Encostou seu automóvel dois metros à frente do dela e saindo sob aquela tempestade aproximou-se. - Algum problema? - perguntou a ela. A resposta era obviamente positiva, mas nessas horas um homem não consegue ser muito bom com as palavras. - O pneu furou - respondeu a ela. - Não sei como isso aconteceu e justo com essa neve toda. O estepe está preso e não consigo retirálo do porta-malas. - Posso ajudá-la? Novamente outra pergunta boba, é claro que podia. Chegou ao carro e depois de empreender uma dose de força retirou o pneu sob o olhar atento da moça. Efetuou a troca sem problemas e depois quase não resistiu à vontade de pedir o telefone dela, perguntar o nome ou até marcar um encontro, mas sua timidez era grande e quando ela despediu-se dele agradecendo

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por sua ajuda o máximo que pôde fazer foi anotar de memória a placa do carro dela e dentro do seu anotou em uma caderneta acrescentando dois asteriscos ao lado, que em sua codificação própria significava: muito importante! Logo ao chegar à sede da Yard no outro dia, investigou no computador a quem pertencia o carro de onde tomara o código da placa. Anotou o endereço da moça, cujo nome e alguns outros dados menos interessantes apareceram na tela. Ainda levou quase três dias para ir visitá-la, pois o forte desejo de vê-la era da mesma intensidade de sua timidez com mulheres. Chegou à casa dela e ficou parado em frente à porta. Bateu sem força como querendo que ela não ouvisse, mas ela ouviu e abriu a cortina da sentinela da porta e viu no rosto do detetive um sorriso nervoso. Ela já esperava por aquela visita, não sabia como, mas tinha a certeza que encontraria novamente aquele homem que a ajudara naquela tempestade de neve. Abriu-lhe a porta e mandou que entrasse, fê-lo sentar-se e iniciaram um diálogo amigável, talvez mais que isso, pois antes de despedirem-se conheciam quase tudo acerca um do outro e até marcaram novo encontro. Os encontros sucederam-se e o jovem detetive não conseguia dizer a sua amiga que estava apaixonado por ela, fazia planos em

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casa, mas quando estava com ela esquecia tudo. Ela sentia o mesmo, mas resignava-se a posição antiquada das mulheres de não tomarem a iniciativa. - Chris - disse ele, já eram íntimos e não mais a chamava pelo nome inteiro, só pelo simplificado - tem algo que preciso lhe falar, mas não consigo. - Eddie, eu sei o que quer dizer, é o mesmo que quero dizer a você, portanto vamos esquecer as palavras e deixar que nossos sentimentos falem por nós. Não é preciso comentar o que aconteceu depois. A amizade entre o agente Eddie Patterson da Scotland Yard e a doutora Christine Peel, transformou-se! O amor cresceu muito, pois não podiam controlá-lo. Havia certos detalhes no pensamento de Patterson que a jovem médica não concordava. Era natural para ela que duas pessoas que se amam, casassem e construíssem sua própria família, mas ele tinha medo do casamento, pois acreditava que sua profissão era perigosa demais para que tivesse determinadas ambições e essa era uma delas. Agora ele conscientizava-se que havia magoado aquela mulher a quem tanto amava. Não conseguia mais pensar em outra coisa, a não ser em voltar a ser o antigo Eddie que ela conhecera, naquele

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mesmo dia quando fosse conversar com O'Rourke e Ishida, falaria com ela antes e lhe diria, até prometeria se fosse preciso para que ela acreditasse, que quando aquele caso chegasse ao fim, casaria com ela, pois a amava muito. Do lado de fora do edifício onde mora Patterson, um homem aproxima-se da entrada da garagem, o vigia dormia a tal ponto que ressonava alto, não havia o menor problema para que sua entrada não fosse permitida. Era uma garagem subterrânea simples, mal iluminada, perfeita para o que aquele homem pretendia. Observava as placas de cada carro, até que localizou o carro de Patterson. Aproximou-se, abriu o capô, retirou um objeto de dentro da sacola que levava consigo e o colocou, fazendo algumas ligações no carro. Santinez era muito esperto, cria que suas suposições eram corretas, por isso nem procurou averiguar se aquele homem em cujo carro instalara uma bomba, que seria detonada pelo giro da chave na ignição, era mesmo o homem que havia roubado a casa de Macoy. Súbito, uma estranha sensação de hesitação fê-lo sentir vontade de verificar aquilo. Abriu a porta do carro, não encontrou nada no porta-luvas e embaixo dos bancos, nada de indicador existia no carro. Olhou no forro do teto, das portas e por fim desistiu. Aquela estranha sensação, no entanto, não o abandonava

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desesperadamente para certificar-se. Saiu do automóvel e retirou a bomba achando-se um grande tolo de não deixá-la logo lá, afinal seria um agente da Yard a menos no mundo e isso era bom par’A CHITA. Escondeu-se atrás de um outro carro em um canto escuro e esperou o dono do carro sair. No apartamento Patterson preparava-se para sair. Apanhou um saco plástico e encheu de ar, verificando com isso se não havia furos, colocou os documentos que possuía do caso em questão nele e o lacrou bem. Foi até ao banheiro e puxou a descarga, retirou a tampa da caixa e enfiou nela o saco. O homem oculto observou quando o detetive entrou em seu carro e saiu. Subiu as escadas e com uma chave especial entrou na casa do homem que vira sair. Em poucos minutos Santinez vasculhou todo o apartamento, não esquecendo cada móvel de cada cômodo, e não achou o que queria. Seria possível que ele estivesse enganado, não, a empregada disse que um agente da Yard a havia subornado, a não ser que Macoy houvesse se equivocado. Olhou para porta do banheiro e lembrou-se que as pessoas costumam esconder objetos atrás da caixa da descarga, entrou e não viu nada, olhou no armário do banheiro e dentro do vaso sanitário. Abriu a braguilha, urinou, segurou na cordinha, e quando puxou sentiu que

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algo impedia o movimento, poderia ser um simples defeito, mas não resistiu a sua intuição. Retirou a tampa e viu ali um saco. Foi até a sala, rasgou o saco e encontrou tudo que precisava saber para dar cabo da vida de Patterson. Voltou ao banheiro e colocou os papéis no chão, instalou ali sua bomba que desta vez seria acionada pelo girar da maçaneta da porta. O apartamento do agente da Yard parecia intocado quando Jery Santinez o deixou. As horas passaram e o instrumento de morte permaneceu ali, esperando que sua vítima o detonasse. Era até uma ironia, a própria vítima dispararia a bomba que lhe tiraria a vida.

4 Os três homens conversavam sobre os acontecimentos e planejavam sua linha de ataque à sociedade criminosa conhecida como A CHITA, mas ainda não podiam provar absolutamente nenhuma das coisas que eles sabiam e isso fazia a situação pender para os inimigos. - Temos que encontrar provas para incriminar Shingen e sua gangue - sugeriu Sal.

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- Sim, mas como faremos isso, as probabilidades são contra nós e não a nosso favor - ressaltou Hiroaki. - Realmente a situação está difícil, se pelo menos vocês pudessem me ajudar lá fora. Sal já está quase bom e poderia me auxiliar, o problema é que a polícia o está caçando. - Vocês não sabem pensar - disse a Doutora Chris que entrava munida de uma bandeja com suco e biscoitos para eles - Vocês precisam de provas palpáveis que possam ser utilizadas em um tribunal, não adianta ficar levantando hipóteses para desarticular essa organização de crimes, vocês precisam agir. - Não pude deixar de ouvir o que conversavam e baseada nisso tomei a liberdade de elaborar algumas soluções mais fáceis de alcançar. Eddie possui os endereços dos armazéns d’A CHITA aqui em Londres então, organizem-se em equipes de dois, o Sal e o Eddie, por exemplo, e descobrem o que existe nos armazéns, enquanto o outro entra em contato com o Carl para saber a ligação do inspetor Macoy com essa sociedade. - Com este punhado de informações a favor de vocês, ficará bem mais fácil encontrar novos caminhos rumo à solução desse caso. Todos ficaram calados ante as palavras daquela bonita mulher. Era tão óbvio o que ela dizia, mas que eles por estarem envolvidos no caso diretamente e pelo nervosismo provocado pelos últimos

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acontecimentos, não conseguiram pensar no que ela dizia antes. Mesmo assim, as soluções que ela propunha ainda possuíam falhas a serem sanadas. - E como você acha que o Sal vai andar pelas ruas com a polícia britânica toda atrás dele? - indagou o detetive. - Isso já é com vocês, deem um jeito qualquer, pra cada solução sempre haverá questões a serem levantadas, é um risco necessário que precisam correr - respondeu ela com a eloquência que era-lhe peculiar. Patterson não deixava de admirar mais ainda aquela mulher, considerava sua inteligência um dos maiores dotes que ela possuía, mas não deixava de ressaltar aquela beleza meiga que constituía nela uma perfeição. Mas isso não passava de observações sentimentais do apaixonado detetive da Yard, qualquer observador imparcial a veria como uma mulher bonita entre muitas outras. Ao sair da sala, aquela mulher deixou os homens mais certos de sua missão, teriam que enfrentar todos os riscos, independente das consequências que adviriam. Os planos foram traçados, agora era pô-los em prática. Hiroaki e Patterson saíram da casa de Chris já era tarde. Enquanto o detetive guiava o veículo, Hiroaki lhe deixava mais a par dos acontecimentos que o levaram a empreender aquela vingança.

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Patterson estava afeiçoando-se aos dois fugitivos, era assim mais difícil que nunca deixá-los cair nas mãos da justiça que certamente os condenaria, o máximo que conseguiria a favor deles seria reduzir a pena. O carro parou em frente à casa de Carl Simpson, um detetive particular que sempre ajudava Patterson em suas investigações, eram amigos há muito tempo, mas nem um nem outro se recordava do início daquela amizade. Ela fora de importância fundamental em casos menores que o detetive resolvera. Simpson abriu a porta e não se surpreendeu de ver o amigo, era sempre pela noite que ele costumava fazer suas visitas e com um sorriso mandou que o amigo entrasse. - Como está Carl? - perguntou Patterson. - Estou bem Eddie e tenho novidades - e olhou para Hiroaki perguntando ao amigo com os olhos se podia falar na frente daquele homem, e ele respondeu com outro olhar acompanhado de um movimento de cabeça - bem - continuou - o inspetor Steve Macoy recebe em sua conta bancária um depósito que é feito por uma tal de Ishida Naval Company, uma indústria naval japonesa. - É a indústria de meu pai - completou Hiroaki. - Quem é ele? indagou Carl.

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- Este é o filho do falecido dono da indústria que você citou e o único herdeiro, que foi afastado de sua herança pelo próprio cunhado, um homem que possui atividades ilícitas em várias cidades importantes do mundo e que usa a empresa do sogro como fachada para ocultar uma organização criminosa chamada A CHITA. Essas palavras deixaram o detetive particular impressionado. Estava acostumado a casos menores como adultério, furto de pequenos objetos e só saía dessa rotina quando Patterson solicitava sua ajuda nos casos da Scotland Yard. Pediu que o amigo o informasse melhor daquela história. - Esse é o caso mais incrível e perigoso que já tive a oportunidade de participar! - exclamou Carl excitado. - E agora devemos ter muito cuidado - advertiu Patterson - o amigo dele - apontou para Hiroaki - está na casa da Chris recuperando-se de uma tortura que um agente d’A CHITA o submeteu. - O que devo fazer Eddie? Quero ajudar o máximo que puder nesse caso, pois se conseguirmos resolvê-lo posso até ser chamado para trabalhar na Yard. - De fato é uma possibilidade. Bem, amanhã cedo vou investigar uns depósitos que existem aqui em Londres que são propriedade

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do cunhado de Hiroaki e ele irá comigo. Existe outro depósito aqui na cidade além desse e quero que você o visite para mim, mas não esqueça que todo cuidado é pouco. Agora vou para casa, amanhã será um dia um tanto longo. Encontrarmo-nos às 11h00min aqui na sua casa, ok? - Tudo bem, você vai levar Hiroaki para sua casa? Perguntou Carl. - Sim - respondeu Patterson - não acha prudente? - Eddie, ainda outro dia você foi seguido, podem ter colocado escutas em seu apartamento, não seria melhor que ele dormisse aqui e amanhã o deixo em sua casa antes de tudo. - Então vamos fazer o seguinte - propôs Hiroaki - passo a noite aqui com Simpson. - Chame-me de Carl. - Certo... com o Carl e em vez de ir com você, irei com ele, creio que serei mais útil com ele que com você. - Você tem razão, já conheço bem com quem estou lidando e Carl pode precisar de sua ajuda. O detetive Eddie Patterson saiu da casa do amigo, procurando observar sempre se era seguido. Entrou na garagem de seu edifício, estacionou seu carro e pensou em Chris, havia ficado tão entretido na conversa com Sal e Hiroaki, que esquecera-se de falar-

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lhe o que havia planejado, mas no outro dia, quando fosse vê-la, não deixaria de dizer.

5 Já fazia dez semanas que havia chegado em Londres. Nesse tempo conheceu a cidade toda, em termos, é claro, havia muita coisa que não conhecia ainda, mas que certamente conheceria, pois a única coisa que fazia era perambular pelas ruas desde o início da tarde até tarde da noite. Ali, sentada observando o Big-Ben, lembrava-se quando havia vindo àquele lugar pela primeira vez e recordava os motivos que a levaram a vir para aquela cidade. - Você tem certeza que quer ir atrás dele? - indagou o idoso à sua aluna preferida. Já estava a tanto tempo com ela que já não era um mero afeto entre um professor e um aluno que havia e sim um amor paterno, que era correspondido por ela como a mais dedicada das filhas. - Preciso ir - respondeu ela - fui muito tola em não corresponder o amor que ele sentia por mim só porque ele era mais novo que eu. Só que agora reconheço isso e vou encontrá-lo nem que precise vasculhar aquela cidade toda. - Acontece que Londres é uma cidade enorme.

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- Paris também é e não há lugar que eu não conheça aqui. - Como vai fazer para achá-lo? - Já disse que farei tudo, nem que precise deixar Londres de ponta à cabeça, mas o encontrarei. - Mas ele tem um espírito muito aventureiro, vai ver que nem está mais lá e até desistiu de vingar-se. Ele nem se deu ao luxo de nos avisar sobre seu paradeiro. - Ele só não quer nos envolver, você sabe o quanto é perigoso o que ele está vivendo? Estou admirada com você, até parece que não o conhece, ele jamais desiste de uma coisa que põe na cabeça. - E se ele, por acaso, estiver... - o idoso homem viu quão grave seria sua pergunta ao coração daquela moça, mas era tarde para parar, sagaz e esperta do jeito que era, já sabia o que ele iria dizer. - Morto? Pode ser, mas não acredito - e completou friamente, disfarçando o que sentia - e se estiver é um risco que tenho que correr. - Desculpe-me, filha, não falei por mal, só queria ver até que ponto você estava mesmo decidida a empreender essa aventura. - Obrigada Soli, você sempre foi o pai que nunca tive. - Sei disso querida, por favor, tome cuidado com Shingen, ele é capaz de fazer coisas que você nem imagina.

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- Não se preocupe, afinal foi você mesmo quem ensinou-me a me defender. Não esquecia o rosto daquele bondoso homem, que tinha ela como uma filha e ela o tinha como pai. Era um relacionamento muito amigo e quando tudo aquilo acabasse ela voltaria para perto de seu "pai". Dominique pensava muito em Hiroaki, recordava-se das coisas que fizeram juntos, do amor que ele tentou dar a ela e que tão infantilmente renegara. Era um choque terrível ler o jornal notícias de assassinatos, que a faziam lembrar-se dos perigos que o homem que amava estaria enfrentando, mas não desistiria de encontrá-lo, se não pudesse dissuadi-lo da vingança, o ajudaria a realizá-la e juntos fugiram depois para algum lugar. Mesmo sob as espessas roupas de frio que usava seu belo corpo era facilmente percebido e aquele par de olhos grandes paralisavam um homem despercebido e a um preparado, desarmava. E ali, sentada, pensativa, Dominique L'Herón permanecia, sabe-se lá que fatos passados lembrando, mas que certamente referia-se a Hiroaki, e ele, chegava ela a questionar, "ainda estaria pensando em mim?" Levantou-se e caminhou.

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Entrou em um ônibus, depois trocou de condução, entrou no metrô, e horas mais tarde encontrava-se novamente em outro ônibus. Saltou em um rua qualquer. Em uma esquina havia uma placa: New Port Place, de um lado, e Suafbury Avenue no bairro de Soho. Caminhava tão absorta em seus pensamentos que não dava atenção a nada, a não ser observar cada homem que passava na esperança de encontrar quem desejava. Uma multidão começou a correr em uma determinada direção, as pessoas pareciam assustadas, no entanto, estavam correndo na direção do lugar onde parecia concentrar-se o perigo ou seja lá o que fosse. Instintivamente seguiu aquelas pessoas que indagavam umas as outras sobre o que estava acontecendo sem que ninguém desse uma resposta coerente ou mesmo que possuísse um pequeno grau de veracidade. Já se encontrava bem perto do centro daquele aglomerado de pessoas quando alguém lhe toca o braço. Ela vira-se rapidamente e aquela senhora magra de rosto encarquilhado e profundas rugas a olha penetradamente. - Foi horrível, não foi querida?! Comentou a velhinha inocentemente.

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- Pardon, desculpe-me, eu não sei o que aconteceu - respondeu Dominique com seu sotaque francês. Sabia falar inglês até bem, aprendera muito cedo, mas não conseguia jamais eliminar seu sotaque e quando falava com alguém naquele idioma, sempre deixava escapar uma ou duas palavras na sua língua mãe e não se perdoava quando num lapso maior, dizia frases inteiras em francês. A senhora não deu atenção às palavras da moça e desaguou uma torrente de palavras: - Estão juntando os pedaços do homem, se é que é homem, pois são tantos que nem sabe, só quando montarem tudo. - O que aconteceu? - perguntou Dominique com insistência. - Ah, você não sabe? Pois eu lhe conto, foi uma bomba que explodiu dentro daquele edifício ali - e apontou para um prédio bem

construído

logo

à

frente

-

o

homem

morreu

instantaneamente. A Scotaland Yard chegou em poucos minutos, não deixou os repórteres nem chegarem perto e você sabe por quê? O homem que morreu era um dos seus agentes. Dominique sorriu com ironia da tagarelice daquela senhora. - Você não acredita em mim? Pois eu moro aqui em frente, vim logo para cá ver o que estava ocorrendo, quando os homens da Yard chegaram, alguns repórteres já estavam transmitindo essa notícia e sabe quem era o principal repórter? Harry Samuels! Você

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conhece não? É o locutor mais acreditado de toda Londres, todos respeitam sua palavra. E aí, você o conhece? - Não, nunca ouvi falar! - Pois eu lhe mostro, veja lá, perto do furgão branco, aquele de terno de tweed azul marinho, é ele! Como que para satisfazer aquela senhora, Dominique vira-se e olha na direção que ela indicava. O que viu deixo-a perplexa, não fora a visão daquele repórter, mas o homem que estava passando por trás dele acompanhado de outro um pouco mais baixo. Abrindo passagem na multidão, ela caminhava com dificuldade rumo àquele sujeito, era realmente incrível, procurara tanto por ele e agora estava ali, numa coincidência divina. Desesperou-se ao vê-lo saindo pelo outro lado do aglomerado humano, passando a empurrar as pessoas que a impediam de chegar até ele. Hiroaki entrou no carro e Carl conduziu o veículo lentamente a fim de apanharem a rua principal e saírem dali. Dominique já corria atrás do carro. A velha senhora a perdeu de vista. As pessoas não percebiam mais nada além do desastre e Dominique corria sem que ninguém a notasse.

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6 O detetive saiu de seu carro no estacionamento de seu edifício com a mente voltada para a mulher que amava. Caminhava lentamente como se não quisesse chegar ao seu apartamento. Não queria pensar tanto em Chris, pois esse caso em que se empenhara era muito importante para sua carreira na Scotland Yard, poderia ganhar uma promoção e levaria uma vida bem melhor ao lado da doutora. Subiu o primeiro lance de escadas, o segundo... seu apartamento era no terceiro andar. - Sr. Patterson! - chamou aquela voz rouca na escada atrás do detetive. Virou-se e contemplou o bondoso Sr. William, o senhorio do prédio. Era uma figura gorda e cansada, mas que deixava transparecer ao sorriso constante. - Boa noite, Sr. William. - Desculpe-me por interromper-lhe Sr Patterson - falou aproximando-se do detetive. - Não foi nada. - Estou recolhendo alguns donativos dos moradores para darmos uma melhorada na garagem e na rampa de acesso assim que

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terminar o inverno, o Sr. deve ter notado o mau estado em que se encontram. - Tudo bem, no final do mês me procure de novo e farei meu donativo, está bem? - Obrigado Sr. Patterson, até logo! - Boa noite. - Ah, Sr. Patterson... - O que foi? - Vi um homem hoje esgueirar-se para seu apartamento, pergunteilhe o que queria e disse ser um amigo seu que vinha para uma visita, mas ele era tão estranho. - Escute Sr. William, pode descrever-me esse homem? - Oh sim, é claro, eu tenho uma ótima memória, nunca esqueço um tipo a que eu tenha observado, mesmo que o tenha visto por poucos segundos, agora vejamos... - coçou o bigode como se o gesto o ajudasse a lembrar-se dos detalhes. Descreveu sucintamente a figura do homem que se dizia amigo do detetive, pouco a pouco a imagem foi formando-se na mente de Patterson: o seu visitante, o inspetor Steve Macoy. - Eu não lhe disse! - observou Carl mostrando pela janela um carro que seguia o de Patterson que acabava de sair.

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- Você tem razão - concordou Hiroaki - acho que o Eddie está correndo perigo, aquela história de invadir a casa do inspetor da Yard disfarçado para roubar papéis comprometedores foi uma loucura, se alguém o reconheceu, ou se o próprio inspetor desconfiou dele, pode mandar alguém recuperar os papéis e acabar com ele. - Que faremos? - Vamos para lá, ele pode precisar de nossa ajuda. Desceram correndo as escadas e saíram apressados para o edifício do amigo. Jarry Santinez mantinha-se afastado do carro de Patterson quando percebeu os dois homens correndo, ficou desconfiado, estavam longe e não podia reconhecê-los. O carro do detetive entrou na garagem e observando isso, Santinez viu que seu trabalho estava praticamente cumprido, tomou uma rua qualquer e afastou-se dali. Hiroaki e Carl entraram pela garagem correndo como se pressentissem que algo ruim estava para acontecer com seu amigo. - Obrigado pela informação, Sr. William - agradeceu Patterson indo apressadamente para o seu apartamento ver se Macoy havia descoberto seus documentos.

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- Ei, ele era seu amigo? - perguntou o senhorio sem obter resposta - esses jovens só andam correndo. Patterson parou diante da porta, encostou o ouvido nela e não ouviu nenhum som estranho, tirou o revólver do sobretudo, abriu a porta e entrou. Os dois subiam apressadamente as escadas quase atropelaram o Sr. William que descia calmamente as escadas. Súbito, eles pararam estarrecidos, o barulho de uma explosão chegou aos ouvidos deles, mas o tempo que permaneceram parados foi o suficiente apenas para refazerem-se do susto, e antes que percebessem sua parada, já estavam correndo novamente. A porta estava escancarada. Tudo estava quebrado perto do banheiro, a porta deste cômodo já não existia. Havia pedaços humanos espalhados pelo chão e paredes. Horrível! O detetive Patterson estava caído perto da porta, desmaiado. Hiroaki e Carl levantaram-no e levaram-no para o carro dele, pegando as chaves que estavam em seu bolso, saíram dali imediatamente. Já fora o detetive acordou-se. - O que houve? - indagou. - Vimos um homem seguir você, viemos atrás e encontramos você caído perto da porta de seu apartamento.

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- Me lembro de haver entrado em casa, quando abri a porta o inspetor Macoy estava perto da porta do banheiro, acho que ia se esconder lá, daí houve o estrondo e agora estou aqui. - Isso explica todo aquele sangue e as partes do corpo do inspetor foram as que vimos! - concluiu Carl. - Não exagere, do jeito que você falou parece que o homem foi todo desmembrado. O corpo estava caído perto do sofá, estava chamuscado, as únicas partes decepadas foram a mão e um braço! - disse friamente Hiroaki. - Parem de falar nisso, oh meu Deus! - exclamou Patterson como se algo o perturbasse. - O que foi? - inquiriu Hiroaki. - Os papéis d’A CHITA ficaram lá, precisamos deles como prova! A multidão já começava a aglomerar-se. Hiroaki subiu rapidamente de volta para pegar os papéis enquanto Carl ficou perto da escada vigiando. Lá fora, o detetive escondera-se atrás do bando do motorista para que não o vissem. Estava tudo destruído, a bomba era muito potente. Santinez por certo previu isso, do contrário não deixaria lá aqueles papéis. Quando os dois homens saíram do edifício já havia repórteres e policiais lá fora, ocultaram-se algum tempo para não serem vistos

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pela polícia, dez minutos depois caminharam calmamente para o carro, assim não levantariam suspeitas. Carl deu partida e Hiroaki olhava atentamente para os lados. Súbito, ao olhar no retrovisor, percebeu aquela mulher correndo. Corria na direção deles, observou um pouco mais... - Pare o carro, Carl! - O quê? disse Carl num susto tão grande ao ouvir a voz do companheiro que instintivamente pisou fundo no freio. O carro brecou estupidamente impulsionando-se para frente e apertando mais ainda o atordoado detetive que ainda não recuperara-se totalmente da explosão. - Hiroaki saiu do carro e correu ao encontro dela. Fitaram-se por segundos! Abraçaram-se! - Venham, vamos logo daqui! - disse ele. Ele obedeceu. Entraram no veículo, ela no banco de trás e ele no da frente ao lado de Carl. - Quem é ela? - questionou Carl já arrancando com o veículo. - É uma longa história, falo disso mais tarde! Dominique estava feliz, tão feliz que não falara nada, nem perguntou acerca do homem escondido ali atrás perto dela.

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Simplesmente inclinou-se para frente, para perto de Hiroaki, que virara-se para vê-la melhor.

7 - Creio que desta vez Shingen Mizogushi foi longe demais exclamava Hiroaki, já cansado das coisas permanecendo daquela forma. Carl Simpson estava amedrontado, dirigia o veículo com cautela sem tirar do pensamento o que havia acontecido. Toda essa história era incrível, parecia ter sido tirada de um conto policial, do qual fora leitor assíduo em sua adolescência e que talvez tenha sido o principal contribuinte para a escolha de sua profissão. Adorava aventura, mas agora, vendo os perigos de perto, receava! - Mas como ele descobriu minha ligação com você? - perguntou o detetive já recuperado da explosão. Não que não soubesse a resposta, claro que sabia, desejava apenas a confirmação do companheiro do companheiro ou o parecer dele sobre o assunto. - É óbvio - explicou Hiroaki - seu amigo inspetor era um dos homens d’A CHITA, desconfiou de você desde suas primeiras tentativas de continuar no caso do qual ele havia te tirado, foi até sua casa, descobriu os papéis, a cópia da minha foto, resolveu

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assim acabar com você, armou uma bomba, porém, você entrou no exato momento em que ele ajustava uma das mais delicadas engrenagens e com o susto de vê-lo entrar deixou-a explodir nas próprias mãos. - Em parte você tem razão - concordou Patterson - mas em outra, não. Já consigo lembrar-me dos acontecimentos com mais detalhes. Ao abrir a porta, nos poucos segundos que se sucederam, notei que Macoy não possuía nada nas mãos, ia entrar no banheiro para esconder-se de mim quando a bomba explodiu. Logo, ela fora colocada ali por outra pessoa. - Deixe-me ver, creio que posso reconstituir os fatos de uma outra forma. Subornei a empregada de Macoy para ela ficar presa na despensa com sua patroa enquanto procurava o que queria, não desejava usar da violência com elas. Cheguei lá disfarçando de reparador de telefones para não levantar suspeitas na vizinhança. No interior da casa, ao ver-me, cumpriu o combinado. Posteriormente ela deve ter dito isso ao inspetor e ele, perturbado, como era normal, no seu temperamento, procurou seu chefe o qual providenciou alguém para me eliminar. - É claro! Foi exatamente isso, ou minha mente está muito prodigiosa ou você diante do novo Sherlock Holmes. - A bomba deve ter-lhe afetado o intelecto! - brincou Carl.

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- Deixe-me acabar! - interrompeu Patterson com grande excitação. - O agente designado a me assassinar, colocou a bomba devido ter deixado os papéis nele. - Você escondia os documentos no banheiro? - perguntou Hiroaki. - Sim, mas estavam bem escondidos. Onde eu estava... ah, sim, mas o inspetor não se conformou com isso, acho que quis averiguar por contra própria, talvez até me matar pessoalmente e isso foi sua ruína. - É, você é bom nesse negócio de reconstituição, mas será que foi realmente assim que aconteceu? - indagou Carl. - Se não foi - respondeu Patterson - creio que me aproximei muito da verdade. Hiroaki então decidiu interromper. - Bom, esta é Dominique L'Herón, minha instrutora juntamente à Soli Kinoshita, de quem já falei à você Patterson! - Muito prazer - disse o detetive - estou admirado. - O prazer foi meu - completou a moça. - Não percamos mais tempo - interrompeu novamente Hiroaki para onde estamos indo Carl? - Eu não sei, naquele susto todo eu resolvi ficar bem longe dali, daí fiquei dirigindo sem rumo. Riram-se.

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Todos sabiam que os planos que foram traçados pediam agora urgente execução. Resolveram ir imediatamente visitar os armazéns d’A CHITA, pois Patterson de tanto ler os papéis que roubara de Macoy, havia decorado suas localizações, ou pelo menos a dos que ficavam em Londres. No primeiro deles (onde Sal fora aprisionado), não havia nada além de peças de embarcações, instrumentos de navegação destinados ao estaleiro do falecido pai de Hiroaki. No segundo foi diferente, havia muita coisa estranha, ficando claro para aqueles homens o tipo de negócio em que A CHITA se ocupava: contrabando de armas de tecnologia avançada. Quando saíram do grande galpão, os guardas que foram facilmente dominados, quase sem dar nenhum trabalho, pela habilidade dos dois ninjas, ainda dormiam profundamente. Levaram consigo algumas armas e caixotes com munições disfarçados sob o logotipo da Ishida Naval Company, que era usada para encobrir o contrabando. Eram provas preciosas e quase definitivas que juntamente com algumas outras, levariam a Scotland Yard a por um fim na organização de Shingen. Infelizmente as outras provas foram destruídas na explosão! Patterson pensava em estar pela manhã bem cedo na Agência. Pretendia falar com o Superintendente Alex Lirk Fields, expor-lhe

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a situação, levando consigo as provas que possuía e pediria seu auxílio. Já conhecia o Superintendente, fora quem o ajudara a ingressar na Scotland Yard e por certo o faria novamente em relação aquele caso. Preocupava-se com Chris, ela também corria perigo, já que a CHITA estava querendo sua cabeça, poderia pegá-la. Daria um jeito de escondê-la até aquilo terminar. Hiroaki pensava em outras coisas. Estava sentado no banco traseiro o lado de Dominique, trocavam olhares e suas mãos se aqueciam umas às outras. Ao chegarem à casa da Doutora Peel, ela mal conseguiu abrir a porta, pois antes que o fizesse por completo, o Detetive Eddie Patterson já a beijava sob os olhares admirados dos companheiros.

8 O homem entrou no quarto já próximo das 23h00min, sentou-se à beira de uma escrivaninha que lhe servia para trabalhos mais particularmente seus, alguns até secretos. Era estranho como o peso dos anos lhe afligia como devia fazer a um homem de sua idade. Toda uma existência passada fazendo

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planos de grandeza, que em sua maioria deram certo, quando não, soube aproveitar as falhas para transformá-las em grandes vitórias. Um vulto aproximou-se dele em silêncio e pousou-lhe a mão no ombro. - Tem sido difícil desde que Hiroaki-san reapareceu, não? indagou o vulto. - É... - desabafou - o rapaz tem me presenteado com grandes e incessantes dores de cabeça. Já armei ciladas e mais ciladas, mas ainda não o peguei. Creio, entretanto, que está próximo o dia do triunfo a nosso favor. Santinez telefonou-me dizendo que acabou com o detetive que provavelmente o estava ajudando, aquele que roubou documentos da casa de Macoy. - O que vamos fazer agora?- perguntou novamente o vulto enquanto massageava os ombros de Shingen. - Vamos esperar que ataque primeiro, assim descobrimos onde ele está e o eliminamos de uma vez por todas. - Parece impressão minha ou senti um pouco de incerteza na sua voz? - Impressão sua - disfarçou Shingen tentando mostrar-se dono da situação, mas ele bem sabia que não o era. - Acho que nós devemos atacar primeiro. - Como assim?

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- Hoje finalmente descobri algo que pode definir a situação para o nosso lado definitivamente. - O que descobriu? - perguntou notoriamente interessado. - Lembra-se de Soli Kinoshita? - Como poderia esquecer o homem que transformou Hiroaki Ishida no que é hoje. - Muito bem... - continuou o vulto emprestando à voz um tom enigmático - aqui nesse papel encontra-se o endereço dele em Paris. Entregou o papel a Shingen que ao abrir deixou escapar um leve gemido de satisfação acompanhado de uma expressão de espanto. - Como conseguiu... - já indagava, mas foi interrompido. - Não importa, você sabe que também tenho meus contatos, o dinheiro compra qualquer informação, uma pista ali, outra acolá e aí está o resultado. Agora você sabe como utilizar esse conhecimento. - Claro que sim...

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9 Como de costume, o relógio ainda não marcava 06h00min e Soli Kinoshita já estava de pé. Preparou seu desjejum costumeiro e foi até a varanda. Era uma casa grande de dois andares pertencentes a sua jovem pupila Dominique L'Herón. Ela possuía grande fortuna herdada de um casal de tios seus que morreram num desastre aéreo, por não possuírem qualquer herdeiro, ela ficara com tudo. A porta do hall de entrada dava diretamente numa grande sala de visitas que era servida abundantemente de luz natural, pois anexo havia uma varanda, mas propriamente um jardim interno que Soli usava para o cultivo de suas plantas. Quando estava com suas plantas costumava esquecer-se de seus problemas mais remotos, mas isso não acontecia dessa vez, lembrava-se de sua filha que podia estar correndo perigo. Em sua mente as lembranças do passado ainda estavam bem vivas, não conseguia esquecer-se da primeira vez que viera à Paris por ocasião de um congresso de Medicina Homeopática... certa noite preparava-se para assistir a uma das palestras quando bateram à sua porta. - Bonjur Monsieur Kinoshita! Disse a jovem sem notar que o homem não sabia falar francês - desculpe monsieur, meu nome é

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Dominique L'herón e gostaria de contratá-lo para ensinar-me artes marciais. Aquela pequena menina de doze anos de idade argumentou tanto com Soli que este não pode negar-se, explicou-lhe que herdara uma grande fortuna de uns tios brasileiros e que precisava aprender a defender-se. Daí, ele tornou-se mais que instrutor, mais que um tutor para ela, tornou-se um pai! A única vez que se separaram depois disso foi quando seu amigo Kasuito Ishida pediu-o que ensinasse seu filho depois de sua morte, e quando essa veio repentina e inesperadamente, precisou cumprir a promessa. Mas logo estava de volta para junto dela. Lá fora alguns homens fitavam a porta e confirmavam o endereço: - Deve ser aqui - disse um deles - Rue Saint Benoit, 27. - Vamos lá! Tocaram a campainha e esperaram silenciosamente enquanto vinham atender a porta. Apesar do silêncio que os três indivíduos faziam, seu nervosismo era grande. Foram muito bem informados pelo seu chefe do que o homem a quem deveriam raptar era capaz! A cozinheira ainda não havia chegado, Soli ao ouvir a campainha pensou ser ela. Foi até a porta e abriu-a.

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Os homens entraram na casa empurrando o idoso Soli para trás. Um deles sacou uma arma muito reluzente, parecia feita de aço, apontou-a para Soli. Ele agarrou o braço do homem com a arma e em um gesto quase simultâneo desarmou atingindo-o violentamente no ombro e empurrando-o para trás contra seus comparsas. Correu para a escada, pois percebera que os outros também possuíam armas. Já pisava no primeiro degrau quando sentiu uma pequena fisgada nas costas, como se estivessem enfiando um espinho bem dolorido nele. Seus olhos ficavam turvos à medida que subia a escada. Pretendia chegar ao corredor no fim da escada, esconder-se atrás de uma pequena estante e pegar cada um dos seus agressores, mas a força faltava-lhe. Caiu ao chão esperando o golpe final dos inimigos. Os homens subiram devagar, atentos a um ataque do velho e o encontraram deitado. - Quem são vocês? - perguntou Soli aos homens. - Viemos buscá-lo para fazer uma viagem a Londres! - Londres... - murmurou - Ah, Shingen os mandou, não foi? - Você é um velho inteligente!

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Mas Soli já não ouvia o elogio sarcástico de seu raptor, sua mente perdia-se em sonhos provocados pela droga que havia no dardo que o atingira ao subir a escada. Fazia exatamente cinco dias que Shingen conseguira obter o endereço de Soli Kinoshita e este já estava praticamente em seu poder.

10 Há três dias Shingen recebia outro golpe. A polícia havia descoberto que o homem que fora vitimado pela explosão no apartamento do detetive Eddie Patterson era o inspetor Steve Macoy e os jornais noticiavam uma possível onda de assassinatos contra agentes da Scotland Yard. Fora um golpe duro que o fizera exigir de seus subordinados a captura imediata de Soli Kinoshita para usá-la como isca para apanhar Hiroaki. Estava disposto a travar com seu cunhado a batalha final, nada mais o impediria de vencer aquela guerra que já havia durado tempo demais para seu gosto. Providenciou uma ostentosa pensão para viúva de Macoy para que essa jamais precisasse passar necessidades. Claro que ela nunca

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saberá de onde o dinheiro viria, pois seria depositado na conta de seu falecido marido. Jerry Santinez foi chamado atenção, mas explicou-se ao chefe. Este mais uma vez tomou consciência de quão imprestável era Macoy. Agora, Shingen resignava-se a esperar, um pouco mais certo de sua vitória, graças a grande ajuda de seu misterioso companheiro.

11 Estavam todos reunidos em uma sala muito ampla, escassamente mobilhada, mas de modo que todos ali estavam bem acomodados. A conversa era informal e o próprio ambiente fornecia essa característica pela simplicidade dos adornos ali contidos. Hiroaki Ishida estava sentado na extremidade da sala, ao seu lado havia Dominique L'Herón e um pouco mais distante, uns dois metros, estava Sal O'Rourke. A doutora Christine Peel de braço dado com Eddie Patterson e ao seu lado Carl Simpson. Todos fitavam-se tranquilamente e conversavam trivialidades até que finalmente Dominique quebrou o silêncio: - Bien, monsieur Patterson, todos estamos curiosos acerca de sua conversa com o superintendente!

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- Sei. A princípio ele sentiu-se meio desconfiado sobre o que lhe falava, depois, à medida que eu mostrava as evidências e relacionava todos os fatos concernentes ao caso, ele passou a crer mais em mim. - Por fim, mostrei-lhe as armas, enquanto conversávamos ele mandou que verificassem o registro delas, descobrindo assim que elas não estavam devidamente registrada, fiquei ainda mais confiante... - Certo Patterson - disse o superintendente Fields - mas como levar avante uma investigação que não está explicada com detalhes? - Senhor empenho minha palavra, meu cargo na Yard a respeito da veracidade do que lhe falei. - Sei que você fala a verdade, por favor, não me entenda mal, o que quero é que você consiga mais dados para que eu possa, pelo menos, expedir um mandato de busca nos depósitos da Ishida Naval Company. - Prometo-lhe que farei tudo para ajudá-lo, você tem um conceito muito alto comigo, seu pai foi um dos nossos melhores homens, mas isso não vem ao caso. - O que o Sr. que que eu faça então? - Experimente dizer-me como você conseguiu descobrir isso tudo.

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- Pois é justamente o que não posso fazer, por hora é claro, mas posteriormente farei um relatório minucioso revelando tudo. - Posteriormente? - Sim, após o caso ter sido resolvido. - Está bem Eddie, permita-me chamar-lhe de Eddie... - Tudo bem. - Quando chamo-lhe de Patterson lembro-me de seu pai. Vou expedir-lhe um mandato de livre busca para facilitar sua investigação, mas quero que você me comunique cada passo seu... - E foi isso que conversamos. - Oui, que faremos agora? - Espero conseguir obter mais informações indo à casa de Macoy, sob o pretexto de levantar dados para a descoberta de sua morte. - Não creio que isso dará resultado – interrompeu, Hiroaki. - Acho que Hiroaki tem razão - concordou Carl. - Temos que esperar então que algo aconteça? - perguntou o detetive. - Não! - disse Hiroaki - Faz quatro dias que estamos escondidos sem fazermos nada, enquanto Shingen continua a tecer sua teia ao nosso redor. Ele sabe exatamente a ameaça que represento e em poucos dias ele fará alguma coisa.

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- Observem bem, se ele já sabe que Patterson está envolvido comigo, também deve conhecer os elos que ele possui com outras pessoas, refiro-me particularmente à doutora Peel. Logo ele irá atacar e é lógico que deixará um recado para mim, sabem aonde? Na casa da doutora! - Você tem razão - admitiu Patterson. - Então será a oportunidade para você e a Yard investirem contra ele? - Só que não é tão simples assim! - disse Carl - E se isso não acontecer? - Deem-me três dias, ficarei na casa da doutora a espera de algo, se não acontecer nada, você pode conduzir as coisas do jeito que achar melhor. - Bem, existe outras pessoas a quem devemos consultar, afinal, todos aqui nesta sala estão envolvidos. - Eu concordo! - apressou-se em dizer Sal. - Por mim tudo bem - disse Chris. - Todos concordaram, realmente não havia muito a ser feito, pois Shingen não deixava escapar nada que pudesse incriminá-lo. Dominique e Hiroaki saíram logo depois. O número 100 da Mount Street em Mayfair encerrava em suas paredes, pessoas cujo

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destino às levou diretamente à CHITA e suas vidas depois disso nunca mais seriam as mesmas. Saíram de táxi pela Duke Street e Hiroaki experimentou uma profunda nostalgia ao passar pela frente do consulado japonês ali naquela rua, a figura da querida irmã e de seu pai retornavam em turbilhões de lembranças. Dominique percebeu o que se passava com ele. - Seu desejo de vingar-se é muito grande, não é? - indagou ela. - Não sei, não tenho mais certeza agora, aconteceram tantas coisas, só de uma coisa eu tenho certeza: meus sentimentos por você. - Eu também. - É estranho tudo isso, já cheguei até aqui, algo dentro de mim diz que o Shingen será levado à justiça, no entanto, ele possui muito dinheiro agora, é poderoso demais, talvez não se consiga apanhá-lo - Você ainda quer matá-lo, então? - Quero apenas que pegue pelos crimes que cometeu, de uma maneira ou de outra ele precisa pagar por tudo que fez ou então... não acreditarei mais na justiça. Dominique notava que seu amado estava passando por conflitos interiores muito grandes, por isso não falou mais nada, mas porque o táxi já parava em frente à casa da doutora Peel.

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Subiram a escada, entraram na casa e surpreenderam-se com o que havia acontecido. Tudo que estava desarrumado! Não havia nada em seu lugar. Na parede branca onde havia um belo quadro de arte moderna, estava agora uma mensagem grafitada em letras garrafais: "DESTA VEZ VOCÊ NÃO ESCAPA! VEJA DENTRO DO VASO!" Na casa de Chris havia diversos vasos, vasculharam imediatamente em todos, mas não acharam nada. - Ele quer nos deixar nervosos! - disse Hiroaki referindo-se a Shingen. - Non c'est... Deve existir algum vaso que ainda não verificamos... - Já vimos em todos os lugares, não há mais nenhum vaso na casa ser revistado. - É isso! Há um vaso na cozinha onde a Chris coloca pequenos detritos da cozinha! Correram até lá e acharam um envelope branco. Abriram e um pequeno pedaço de papel dobrado com alguma coisa fina mais resistente estavam dentro. As palavras contidas no pequeno bilhete os deixou estupefatos, mas o choque maior foi a revelação do outro objeto...

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12 Era um quarto muito bonito, cheio de cortinas, cortinas nas janelas e na cama que ficava ao centro. O clima era diferente, aquecido artificialmente, percebeu logo isso ao ver a grelha na parede levemente disfarçada por uma persiana branca. Levantou-se do sofá, sentia-se bem, até disposto, as lembranças começaram a fluir em sua mente. Caminhou até a porta e testou a maçaneta, estava trancada. Já se afastava da porta quando ouviu aqueles passos apressados, que pararam em frente ao local onde estava, percebeu isso não só pelo som que cessara exatamente ali, mas também pelas sombras que via projetar no espaço entre a porta e o chão. Instintivamente afastou-se, dando dois passos para trás sem tirar os olhos da porta. Um pequeno barulho de chaves. A maçaneta rodou e a porta abriu-se. O homem entrou sem dizer nada, atrás de si entraram mais dois homens, pararam enquanto o primeiro pronunciou-se: - Como tem passado? - Muito bem até você reaparecer. - Infelizmente preciso de você para finalizar esse pequeno drama familiar.

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- Fiz muito mal em não ter revelado a ele tudo que sabia acerca de você. - Basta! - ordenou friamente levantando a mão direita - trouxe você para cá não para ouvir seus lamentos de arrependimentos. Mas nunca vou poder entender por que guardou segredo todo esse tempo. - Quis poupar o pobre rapaz de mais infelicidade do que já possuía. - E quando a... - Preferi deixá-lo acreditar no que você forjou. Os dois admiravam-se como velhos inimigos, os bem vividos anos de um, quase setenta e os mal vividos anos do outro, quase cinquenta. Não havia ódio da parte de Soli Kinoshita em relação à Shingen Mizogushi, apenas um profundo sentimento de pena. Entretanto não se podia dizer o mesmo na situação inversa. - Pena que você vai levar esse pequeno segredo para o túmulo. Você que passou todos os conhecimentos que possuía ao filho adotivo de Kasuiko, jamais poderia imaginar-se com a isca para a morte de seu jovem pupilo. - O quê!? - Isso mesmo! - continuou Shingen - mandarei avisar a Hiroaki que seu sensei mui estimado está em meu poder, ele virá buscar você o

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mais rápido que puder, mas não o encontrará, não vivo, porém isso não é o mais importante e sim o fato de que ele será, depois disso, apenas um corpo a mais enterrado nesta imensa propriedade, num lugar de honra, evidentemente, ao seu lado. - Você não presta mesmo. - Infelizmente outros gostam muito de mim... Antes que pudesse terminar suas palavras, Soli tomado de profunda ira já o atingia em cheio com um potente soco no olho. Shingen cambaleou um pouco soltando pragas em sua língua original: - Velho maldito! - gritou por fim - Sato, dê-lhe uma surra e faça o que combinamos. Dito isso, retirou-se dando as costas a Soli que apanhava um pouco, mais não sem conseguir bater também em seus adversários. Era surpreendente sua força e habilidade superior apesar da idade. Sato notou que já estavam em desvantagem contra aquele homem decidindo pôr um fim naquela luta. Afastou-se um pouco enquanto o comparsa era surrado, engatilhou a arma, mirou e disparou. Soli estava quase indomável, ao sentir a dor provocada pelo projétil, virou-se para o homem que o havia disparado e fitou-o. Cambaleante, caminhou até ele.

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Sato estava imóvel, perplexo ante a resistência daquele homem. Soli passou a mão ao redor do pescoço de Sato sem que esse conseguisse esboçar qualquer reação contrária. Começou a apertar, a dor porém foi mais forte e caiu. A mente de Sato estava embriagada pela cena, mesmo após o homem ter caído, continuava imóvel. - Sato - disse o companheiro agarrando-o - acabe logo com isso e vamos sair daqui. - Oh, sim, vamos! Puseram o corpo do velho Soli no sofá. Sato retirou uma pequena máquina de seu bolso, dessas tipo polaróide e fotografou o homem deitado e a foto saiu pelo orifício superior. - Ficou boa? - perguntou o comparsa. - É claro que ficou! - respondeu Sato um tanto ríspido valendo-se da posição que ocupava ao lado do chefe. Saíram juntos para o quarto, deram uns três passos quando Sato parou e passou a mão na lapela do terno que usava. - O que foi? - indagou o outro. - Nada! - disse secamente. Desceram a escada, foram ao escritório de Shingen.

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No quarto, o pobre Soli jazia, seu braço esquerdo pendia e na sua mão uma flor artificial estava firmemente presa. - Estavam demorando! - reclamou Shingen ao ver os dois entrarem - pode sair Peter. - Sim, senhor. - Tirou a foto, Sato? - Claro Shingen, você sabe que não sou marinheiro de primeira viagem. Aquele velho é um fera, tive que pô-lo para dormir através desta belezinha aqui! - falou abrindo o paletó que revelou uma reluzente automática. - Onde está? - Aqui, tome! - Já preparou o bilhete? - Aqui está. - Ótimo. Sente-se bem? Acho que você não devia ter saído do hospital ainda, nem se recuperou direito. - Claro que me recuperei, estou sentindo-me ótimo. - Bem, pelo menos você devia ter me avisado que queria sair, poderia tê-lo trazido comigo, creio que seria bem melhor do que fugir do hospital daquela forma. - Desculpe-me. Você sabe como sou, de um momento para outro decido fazer as coisas.

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- Tudo bem, agora vejamos isso aqui. Abriu o bilhete que Sato redigiu cuidadosamente. "Soli está comigo, como você pode ver na fotografia. Se quer tê-lo de volta, venha até mim, no mesmo lugar que nos vimos da última vez, sozinho!" - Quero que se encarregue para que ele receba o bilhete e a foto disse a Sato - dois dias após o incidente da bomba eles se mudaram da casa da namorada daquele detetive idiota, infelizmente Santinez não conseguiu descobrir para onde, mas tenho certeza que alguém voltará lá, portanto deixe isso lá, certo? - Certo - disse Sato apanhando o bilhete e a foto. Abriu a porta e já ia sair quando Shingen o interrompeu: - Onde está a flor de sua lapela? - Ah, creio que o velho arrancou-a de mim na luta lá em cima. Saiu em seguida. Shingen passava mentalmente seus planos enquanto colocava uma pequena bolsa de gelo sobre o olho atingido por Soli.

13 Sal achava entediante ficar parado naquela casa sem nada para fazer. Observava por horas o procedimento de Chris que lia sem

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parar o grosso volume sobre neurologia que era a especialidade médica a qual se dedicava. - Chris! - chamou Sal. - Sim. - Vou dar uma volta aqui por perto. - Você tá louco! - disse ela - com a polícia atrás de você e ainda resolve sair. - É só aqui pelas imediações... - E se você der de cara com um policial? - Não se preocupe, tomarei cuidado. Chris voltou novamente sua atenção ao livro, de vez em quando pensava em Patterson. Saíra com Carl logo depois que Hiroaki e Dominique foram para sua casa. Que situação mais chata era aquela, não poder nem voltar para o hospital, ficar escondida daquele jeito e sem saber por quanto tempo. Pelo menos algo bom existia naquilo, podia terminar de ler seu livro e meditar um pouco em sua tese de doutorado. Na esquina, Sal comprou o jornal de um garoto que gritava alto as manchetes para vender seus exemplares com mais facilidade. Andou bastante. Chegou ao Green Park e ficou observando. Era bonito de se ver aquela grande área verde coberta de neve. Pensou

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em muitas coisas, faculdade, dinheiro, seu táxi... como faria para recuperar seu carro novamente? Caminhou por muito tempo pelo parque vendo as crianças brincarem. Apanhou um táxi e alguns minutos depois chegava à casa de Chris. A porta estava destrancada, fato que deixou Sal de sobreaviso. O sol já se punha no horizonte, o ambiente estava escuro, quase não se via nada. Tateou buscando o interruptor e acendeu a luz. A mensagem grafitada na parede foi de um impacto muito grande, Sal chegou a encostar-se à parede sem saber como agir. Provavelmente Hiroaki esteve ali antes e pegou o que quer que fosse que estava num vaso. Intuitivamente, sem mesmo perguntar-se por que estava fazendo aquilo, procurou avidamente pelos vasos até que chegou à cozinha. Passara vários dias morando naquela casa, era natural saber do vaso que Chris utilizava como lixeira. Havia um papel amassado ao lado do pequeno vaso plástico ao qual não deu importância antes de revirar o conteúdo da lixeira, viu-o então, apanhou, leu a mensagem e correu até a sala. Pegou o telefone e começou a discar o número que Patterson entregara-lhe para o caso de precisar falar com ele. A chamada não se completou, olhou para o chão e o fio estava cortado.

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Saiu da casa apressadamente, só não corria porque tinha medo de levantar suspeitas. - Hiroaki já deve estar lá - pensava ele. A cabine telefônica estava ocupada por um rapaz loiro, bem elegante que conversava animadamente. Sal resignou-se a esperar. O rapaz colocava uma ficha atrás da outra. - Ei! - disse Sal - vá namorar em outro lugar, preciso usar o telefone. A cabine não estava totalmente fechada, o rapaz vendo que o sujeito iria importuná-lo mais ainda, puxou-a para trancá-la. Sal pôs o pé para que não fechasse, abriu a porta furiosamente e arrancou o rapaz de dentro da cabine. - Ei, seu louco! Quem você pensa que é? - vendo a superioridade física de Sal o rapaz esperou. - Aproveitando-se da ficha telefônica que o garoto havia deixado... - Alô, por favor, preciso falar com o detetive Eddie Patterson, é urgente! - Espero um pouco! - a telefonista da Yard localizou a chamada, em poucos segundos Patterson falava ao telefone. Atropelando as palavras nervosamente, Sal deixou o detetive a par dos acontecimentos.

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- Fique em casa com Chris, darei um jeito de ir ajudar Hiroaki, dême o endereço desse local - e anotou sucintamente a localização da casa que foi palco do último encontro de Hiroaki com Shingen. Enquanto Sal desobedecia ao conselho de Patterson, esse entrava no gabinete particular do superintendente Fields. - Calma, Eddie - disse o superintendente - preciso ficar a par de tudo que sabe para colocar um grupo de homens com você para fazer essa investida louca. Sem qualquer outra alternativa, Patterson foi obrigado a contar toda a história d’A CHITA que já conhecia, sem ocultar nada. - Sendo assim - disse - não só enviarei alguns homens com você como irei pessoalmente. Partiram rumo à mansão de Shingen. Patterson no carro com o superintendente, contava alguns detalhes, que na pressa, não havia mencionado. Mais três carros os seguiam com outros agentes da Yard. Sal já pulava o muro no mesmo local que fizera da última vez que estivera ali, quando Patterson ainda vinha na metade do caminho e Dominique e Hiroaki esgueiravam-se pelas laterais da mansão.

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14 - Hiroaki foi visto adentrando à propriedade, senhor! - disse o homem um tanto nervosamente - é incrível, em um minuto eu distingui um vulto nas sombras e no outro já não havia mais ninguém. - Isso é típico dele - disse Shingen - conduzam-no para o quarto de cima deixando-o entrar pela cozinha, conforme as ordens de Sato. - Sim, Sr. - disse retirando-se rapidamente. Lá fora, Hiroaki e Dominique criavam uma estratégia de ataque. Já haviam esperado muito tempo até anoitecer, a fim de obter uma melhor camuflagem para a entrada na casa. - Escute mon cherry! - disse Dominique - naturalmente isto é uma cilada e só há um meio de entrarmos aí e sairmos vivos. Devemos tomar caminhos totalmente inesperados por Shingen. - O que você sugere? - Quando vinhamos para cá, notei uma janela na parte mais alta da casa, onde o telhado faz um "V" de ponta à cabeça, havia algo brilhante lá e tenho quase certeza que não era uma arma e sim um binóculo, evidentemente equipado com lentes infravermelhas para nos ver no escuro.

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- Já entendi, como não é uma parte muito iluminada, podemos escalar a parede, entrar por lá, dar cabo dos guardas que por lá estiverem e uma vez dentro da casa... - Oui... - Vamos lá. Os dois estavam vestidos a rigor. Pareciam realmente dois ninjas, exceto pela máscara, que não cobria toda cabeça, os cabelos ficavam à mostra. Dominique era uma mulher muito inteligente, prevendo que uma situação dessa viesse a existir, trouxera consigo de Paris todo equipamento ninja para dois, com uniformes que ela mesmo confeccionara. Sob a janela, Dominique dispara uma flecha no beiral da casa, carregando um gancho que fixa-se no ripamento. Habilmente ela sobe pela corda que pendia do gancho enquanto o outro ninja vigia. Duas puxadas na corda, o aviso para que suba. Alguns minutos depois, ambos encontram-se no sótão, a corda é recolhida e a segunda etapa na investida tem início. Ao encontrarem a escada que descia até ao primeiro andar, onde havia dormitórios, não havia ninguém.

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Sato estava impaciente! O melhor local, mais desguarnecido, para alguém penetrar na casa era a cozinha, já fazia uns dez minutos que Barry o havia avisado da presença de Hiroaki e nem sinal dele. - Permaneçam aqui - ordenou ele - vou dar uma espiada por aí. Saiu de mansinho, havia guardas em cada canto da casa. Vinte homens não deixariam ninguém entrar, sem ser percebido. Fora da casa ninguém vigiava, não havia necessidade disso. Shingen sabia que Hiroaki não pediria nenhuma ajuda com medo de por em risco a vida de seu mestre e dentro daquela casa, sozinho, não conseguiriam escapar de seus homens muito bem armados. Só a elite d’A CHITA encontrava-se ali, só os melhores homens foram escolhidos por Shingen para o conflito final com o cunhado. - Aonde vai? - perguntou Sato a Barry que passava silenciosamente. - Vou retomar à meu posto no sótão! Sato concordou com um sinal de cabeça. Barry chegou ao primeiro andar. Estava tudo em silêncio. Armou a escada embutida e subiu. Mal entrava no sótão quando duas fortes mãos o puxaram para dentro enquanto outras duas recolhiam a escada.

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- Olá meu chapa - disse Hiroaki - pensou que era esperto, não é? Mas ouvimos seus passos, subimos antes e pegamos você. Bem diga-nos exatamente como tudo está funcionando e onde está o prisioneiro! - Não sei do que você está falando. - Não se finja de tolo. Está vendo isto? - mostrou uma adaga Sai ela estará enfiada em seu pescoço se quando eu contar de um a três, se você não começar a falar. Um... - Está bem! Eu falo tudo se não me matarem. - Ninguém vai matá-lo, não é querida? - Oui! O homem desatou a falar. Em face da morte, muitos homens que se dizem corajosos, tornam-se indefesas crianças. Foi imobilizado logo a seguir e deixado sem sentidos para não criar futuros problemas. Segundo Barry, Soli encontrava-se no primeiro quarto à esquerda da escada e no da frente Shingen com dois guardas costas. A porta está trancada - Hiroaki experimentou a fechadura e não abriu. Concluíram que era realmente o quarto de Soli. Dominique retirou um pequeno instrumento metálico, introduziu-o na fechadura e a porta cedeu.

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O homem apontou sua arma e a teria disparado em Dominique se um shuriken certeiro não o tivesse colocado fora de ação antes. Não havia mais ninguém no quarto. - Aquele safado nos enganou! - disse ela. - Creio que sim, devemos experimentar cada quarto, com mais cuidado, em um deles pode estar Soli. - Tés bien! O quarto onde Barry disse que estava Shingen, encontrava-se apenas com a porta encostada. Shingen está sentado em sua mesa com dois homens consigo. - Hiroaki-san!- disse surpreso ao ver Hiroaki entrar livremente. - Eu mesmo, onde está Soli? É melhor dizer para seus cães de guarda não tentarem fazer nada, antes que eles saquem suas armas, já estarão mortos. A surpresa de Shingen era grande, subestimara Hiroaki pela última vez, não imaginou que ele passaria pela guarda de Sato, mas equivocou-se. Um dos homens, aproveitando a tensão do momento, sacou sua arma e disparou um tiro inútil, pois Hiroaki e Dominique não foram atingidos. Dominique jogou um punhal no atirador e Hiroaki deu cabo do outro. A ninja percebendo que o tiro atrairia outros homens, foi

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até a porta, trancou-a, juntando suas forças às de Hiroaki, empurraram um pesado piano para obstruir definitivamente a entrada.

15 Sal O'Rourke estava sem coragem de entrar na casa, era difícil tomar uma decisão em vista dos perigos que haviam lá dentro. Em sua mente surgiu a lembrança de seu amigo e a felicidade que vira brotar nos olhos dele quando estava com Dominique, essa imagem influiu diretamente em sua decisão. Esgueirou-se pelo grande pátio que circunda a fachada. - Nos encontramos de novo, heim? O susto quase levara Sal ao desmaio. A voz de Sato ficara profundamente guardada em seu subconsciente desde que se encontraram da última vez. Sacou sua arma, porém antes que pudesse apontá-la, Sato já retirara com um chute preciso. Sato começou a esmurrar Sal e este caiu no gramado perto do pátio. Começaram a brigar, Sal conseguiu agarrar a perna de Sato derrubando-o. Rolando pelo chão por uns cinco metros, golpeavam-se com brutalidade fora do comum. Apesar do

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treinamento de Sato, a raiva que Sal sentia dominava de tal forma seus movimentos que já estava obtendo uma pequena vantagem. Sato retirou uma faca do cinto, empurrou-a contra seu oponente que a interceptou. A força de um contra o outro pela faca. Sato aproximou seu rosto do de Sal e desferiu-lhe um golpe de cabeça atordoando-o. Levou o braço para trás tomando impulso para a facada. Súbito som de um disparo! Sato hesitou... tempo bastante para Sal recuperar-se e derrubá-lo. Não poderia enfrentar aquele homem, ele era terrivelmente bem treinado para suas capacidades. Correu para o pátio, quando pulava pela mureta a faca de Sato cravou-se nesta e Sal virou-se gabando-se dela não o ter atingido. Sato estava em pé, com uma arma automática apontada para o peito de Sal, a mira laser marcou um pequeno ponto vermelho no centro do tórax dele. Sato sorria. Um segundo estampido de um disparo foi ouvido naquela noite, Sal estava caído perto da mureta e Sato morto, no chão, varado por uma bala. Os homens da Yard cercavam a casa, Sal ouviu uma voz conhecida. - Pode levantar-se Sal!- disse a voz de Patterson.

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- Foi por pouco! - respondeu ele ofegante. - Onde está Hiroaki e a moça? - Acho que estão lá dentro! - Vamos invadir a casa! - pronunciou-se o superintendente Fields. As ordens foram dadas rapidamente, a casa foi cercada e a invasão iniciada. Dentro, os homens d’A CHITA notaram o que aconteceu a Sato e na tentativa de impedir a entrada da Yard, iniciaram uma troca de tiros.

16 - Hiroaki, está havendo um tiroteio lá fora! - disse Dominique assustada. Antes que Hiroaki pudesse esboçar qualquer pensamento, um ruído de porta fechando-se violentamente chegou aos seus ouvidos. Shingen acabara de trancar-se dentro de um compartilhamento do quarto. Era uma bela suíte, com duas portas internas, uma dava no banheiro e a outra, Hiroaki e Dominique tentavam descobrir. Nervosamente, Hiroaki não esperou que sua aliada tentasse abrir

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aquela porta, descarregando sua fúria em pontapés sucessivos que acabaram por colocar a porta abaixo. Havia um poço, uma escada em espiral descia por ele, um como uma chaminé que se estendia até ao alto da casa, passando pelo telhado, mas era bem oculta dos olhos dos que passavam por fora. Para cima, aquela torre em forma circular não possuía escada, só com muita habilidade se poderia escalá-la e seu diâmetro de um metro e meio até facilitava isso, mas a sujeira acumulada por anos determinava o obstáculo principal. Ambos disseram a escada. Shingen os esperava pacientemente, sentado atrás de uma mesa com uma pistola na mão. - Entrem! - disse ele - pensei que não iam chegar nunca. Chegamos finalmente ao nosso derradeiro encontro, é uma pena, não é? Eu já estava me acostumando com você tentando se vingar de mim por um crime que cometi e por outros que nunca cometi. Hiroaki entrou seguido por Dominique e ficara em pé ouvindo atentamente o que Shingen falava. - Lembro-me que lhe disse uma vez que eu não possuía honra continuou Shingen - pois menti! Não fique me olhando como se eu fosse um louco, pois não sou, sou lúcido e perfeitamente capaz

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de fazer qualquer coisa. Pois bem, certa feita você me desafiou e aceitei, só que trapaceei, hoje eu aceito o seu desafio. - Com esta arma na mão? - Ah, sim! - retirou o pente da arma, jogou-a no chão e prosseguiu. - escolha as armas. - Por favor, Hiroaki - disse Dominique em voz baixa, se ele trapaceou uma vez, fará a segunda. - Tenho que tentar, não se preocupe, sei me cuidar - e continuou em voz alta - as espadas! - Boa escolha - disse Shingen. Era uma sala muito ampla, sua única ligação com o exterior era a torre. Ela ficava no subterrâneo da casa, da porta do quarto de Shingen, pela escada desciam-se dez metros, passando pelo andar térreo, indo até o subsolo. Shingen mandara construí-la para ocultar determinados tesouros pessoais e para usá-la para uma eventual reunião secreta. Poucos homens d’A CHITA conheciam aquela sala, entre eles Sato, os outros eram chefes de sedes da organização em outras cidades, que ali eram introduzidos com os olhos vendados para não revelarem sua localização. Dominique L'Heron encostou-se na parede quando as espadas katanas liberaram o primeiro clangor, devido ao choque do encontro.

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Os dois homens miravam-se e de vez em quando um investia contra o outro. A luta era equilibrada. A moça observava tudo. Notou que por trás da mesa onde Shingen estava sentado havia uma porta. Shingen aproveitara qualquer deslize de Hiroaki. Afinal, foi treinado em uma escola de artes maciais que o fizera ser o mais habilidoso, o mais resistente, feroz. A espada de Hiroaki passoulhe perto do rosto, aproveitando-se de sua própria falha, atacou o jovem ninja. A espada saiu cortando aquele pano preto e grosso, prosseguiu sua trajetória abrindo um pequeno sulco no ombro de Hiroaki. Dominique voltou a olhar com mais atenção pra o combate. Sentia vontade de acabar com Shingen naquele instante, mas sabia do rígido código de honra dos ninjas e se interferisse no duelo, Hiroaki não a perdoaria. Não sabia o que fazer, era muito difícil permanecer quieta em face de tal situação. A curiosidade em saber o que havia por trás daquela porta aumentava. Esgueirou-se sorrateiramente pela porta - os homens estavam tão absortos na luta que nem a viam - passou pela mesa chegando rapidamente até a porta, abriu-a! A visão era estarrecedora. Dominique observava maravilhada a riqueza daquele aposento. Era um quarto todo no estilo do

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clássismo japonês, lindo! As paredes ornadas com motivos do Japão, o chão, o teto, tudo reproduzia um dormitório japonês. Aquela cama no nível do chão parecia muito confortável, duas pessoas dormiriam ali com todo conforto... duas pessoas! - Quem é você? - perguntou aquela voz que vinha de atrás da porta quando esta se fechou. Dominique olhou para aquele vulto sem dizer nada. O ambiente mal iluminado como estava, proporcionava-lhe uma visão perfeita da cintura para baixo, para cima não conseguia ver bem. Shingen estava confiante, já havia ferido seu oponente que sangrava ensopando o ombro de sua haori. Porém algo fez com que Shingen desviasse sua atenção do combate, olhou para os lados e não viu a moça, temendo que ela houvesse entrado no seu dormitório secreto, distraiu-se. O ombro de Hiroaki havia parado de sangrar, o próprio sangue coagulado impedia que o sangramento continuasse. Percebeu a distração de seu inimigo e desferiu um golpe certeiro. O braço de Shingen foi perfurado pela espada de Hiroaki. A dor foi tamanha que soltou a sua no chão. Hiroaki largou também a sua, partindo para cima de Shingen esmurrando-o com os próprios punhos.

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Dentro do dormitório Dominique era ameaçada pela pistola daquele estranho vulto. - Largue todas as suas armas! - ordenou. Mesmo não totalmente indefesa, Dominique obedeceu esperando uma melhor chance ao ataque. - Vire-se de costas! - ordenou novamente. Aproximou-se em silêncio e bateu com a coronha da pistola fortemente na cabeça de Dominique, que caiu sem sentidos. Hiroaki segurava o inimigo apertando-o contra a parede, na sua outra mão a adaga sai estava a postos para tirar a vida de Shingen de uma vez por todas. - Velho otário - disse Hiroaki descarregando seu furor- eu disse que um dia te pegaria, demorou, mas chegou, hoje você vai pagar por tudo que fez em sua vida. Hoje é o dia de vingar a todos que morreram por suas mãos. - Você é um tolo! - disse Shingen - não sabe de absolutamente nada. Eu não sou d’A CHITA, eu mando nela, mas não faço isso sozinho, você pode me destruir, mas A CHITA vai permanecer, a não ser que você destrua a segunda mente dessa organização e para isso você não terá coragem. - Do que você está falando?

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- Você devia perguntar de quem, quem tramou a minha ascensão na empresa de seu pai, que planejou a morte dele e... - Quem? - perguntou Kei angustiado temendo que sua vingança não fosse completada por existir um outro personagem ou então Shingen estava blefando. Sem que ele respondesse a sua pergunta, Hiroaki falou novamente: - Você está blefando! Súbito a porta do dormitório secreto abriu-se. Hiroaki virou-se! - Ele não está blefando, Hiroaki-san! Hiroaki mal podia acreditar no que ouvia, aquela voz conhecida precisava ver o rosto, precisava desesperadamente confirmar. A figura saiu das sombras e Hiroaki a contemplou, não havia mais dúvidas. Era incrível, seu coração quase parara, queria que fosse mentira, mas a verdade se encontrava personificada à sua frente. Conseguiu apenas balbuciar algumas palavras desconexas.

17 Patterson já estava dentro da mansão com alguns homens, toda a resistência por parte dos comparsas de Shingen, com exceção do grupo que se encontrava na cozinha, havia sido derrotada. Mas a tática da Yard pôs fim também a esse grupo, embora gastando um pouco mais de tempo.

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O detetive Patterson, o superintendente Fields e Sal O'Rourke iam à frente do restante do grupo revistando cada ambiente a fim de encontrar os chefes juntamente com Hiroaki, Dominique e o mestre dos dois. Revistaram vários ambientes, entravam em um dos dormitórios quando pegaram Jerry Santinez tentando fugir, mas foi preso sem dificuldades. Finalmente chegaram ao quarto de Shingen, como não conseguiram abrir a porta, começaram a arrombá-la.

18 Dominique começava a recobrar sua consciência, nunca esperou que fosse atacada tão de repente, pretendia pegar de surpresa quando foi atacada. Levantou-se um pouco tonta, quando conseguiu firmar seus olhos distinguiu o único objeto que divergia da decoração japonesa existente ali: um armário embutido. Seus ouvidos captaram um pequeno ruído vindo dali, acercou-se da porta do armário e abriu-o. Soli estava todo amarrado, encolhido ali no chão onde havia algumas peças de vestuário dobrado. Imediatamente a moça soltou o velho mestre, abraçou-o carinhosamente e disse:

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- Tive tanto medo por você! - Não tenha mais - respondeu ele - agora onde está Hiroaki? - Está lá fora - disse referindo-se ao compartimento contíguo. - Eles me queriam apenas para atraí-lo para cá, venha, vamos até lá com ele. Hiroaki ainda segurava Shingen perplexo ante a surpresa de ver aquela pessoa ali. - Solte Shingen! - disse aproximando-se um pouco mais. Hiroaki fez conforme o ordenado, não pela ameaça, mas pela surpresa. - Sei o que deve estar pensando... - disse - é totalmente inesperada a minha aparição aqui. - Por quê? - balbuciou o jovem ninja. - Você nunca compreenderia, não totalmente, sua afeição por papai deixou você cego para a realidade. Creio que jamais conseguiria entender as razões que me moveram a ... - Você está morta! - Deixe de bobagem, estou bem aqui na sua frente, viva, completamente viva! - Quem é ela? - perguntou Dominique a Soli em voz baixa sem deixar que fossem vistos ou ouvidos ali perto da porta. - Calma, - disse ele - deixe-a continuar.

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- Mas ela está apontando uma arma para ele! - Espere, essa verdade ele precisa ouvir dela e de mais ninguém. - Oui... e se ela atirar? - Tenho certeza que não fará antes de dizer tudo que tem pra ele. A mulher fitava Hiroaki, tomou fôlego e prosseguiu: - Papai era um fraco, nunca pode conduzir nossa família como vovô o fez. - De que você está falando? - gritou ele - pare de falar dessa forma, conte-me tudo de uma vez por todas- estava angustiado, sentia que as lágrimas escorriam por dentro da máscara que não havia tirado desde que entrara na mansão. Shingen estava sentado no chão, apesar de seus ferimentos, sentiase em verdadeiro triunfo, aquela tinha sido a melhor forma de vencer seu jovem e estúpido cunhado, a verdade que ele estava tomando conhecimento doía bem mais que qualquer outro ferimento. - Pois bem, Hiroaki-san, eu lhe conto tudo - iniciou ela - vejamos por onde devo começar... ah sim, nossa família vem de uma dinastia muito longa e honrada, no tempo de Shogun nos tornamos o mais importante clã do Japão. O clã Ishida ficou famosa por ter em suas fileiras os espiões ninjas mais temidos. Por anos nossa família sempre foi respeitada.

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- O tempo passou e nosso país viveu todas as mudanças que sabemos, mas nossa família permaneceu unida e o conhecimento ninja foi sendo preservado, passando de pai para filho. - Mamãe teve apenas um filho, eu. Eu deveria receber toda tradição do clã Ishida, mas papai era um fraco, desde que mamãe morreu ele ficou remoendo a idéia de adotar uma criança, um filho homem. Em uma de suas viagens ele trouxe você. A princípio adorei a idéia, mas depois eu percebi coisas que nunca havia antes notado: você sendo filho homem de papai seria o principal herdeiro, além do natural amor que ele dedicava a você. Lembrome que vocês dois ficavam horas conversando dentro do dojo e eu odiei. - Um dia pedi a papai para estudar em Londres, ele tentou dissuadir-me, mas queria sair de perto de você, odiei você com todas as forças. - E por que você era tão boa para mim, tão carinhosa, uma verdadeira amiga? - perguntou Hiroaki. - Tinha que mostrar-me boa para você ou papai ficaria chateado, e eu sei interpretar muito bem um papel que me decido a fazer. - Em minha viagem a Londres, quando estava no avião, conheci Shingen. Tenho certeza que você já conhece toda a história dele, Soli certamente contou-lhe. Você não pensa que eu era tão

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ingênua a ponto de casar-me com alguém que não conhecia? Pois mude de idéia, descobri tudo acerca da vida de Kon Goshi, da escola do Tigre, da organização criminosa que ele participou, enfim tudo! Foi aí que me surgiu a idéia de esperar que ele terminasse o curso superior, pois papai nunca aceitaria que me casasse com um homem sem estudos, voltei para casa, preparei o terreno e papai caiu direitinho. - Casamos, papai foi eliminado... - Mentira! - disse Hiroaki sem noção do que falava, apenas para aliviar-se da tensão emocional que estava sentindo - você é uma assassina, você matou seu próprio pai, como pode fazer isso? - Está vendo? Você poderia ser herdeiro do clã Ishida, seus sentimentos interferem num campo onde só a honra pode estar. Papai sujou nossa dinastia adotando uma criança de outra raça, mesmo que você fosse de nossa raça o crime contra o nosso clã seria o mesmo. Eu sou, no entanto, a legítima herdeira de tudo, coloquei minha honra acima de minha própria felicidade casandome com um homem que não me amava, apenas para usá-lo como braço forte para recuperar a dignidade da família, é verdade que depois ele passou a amar-me e eu a ele, mas antes não. - Você ficou no nosso caminho, tínhamos que eliminar você o mais depressa possível, mas sem levantar suspeitas. Infelizmente,

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com a morte de papai, Soli foi para o Japão cumprir a promessa que tinha feito a ele de terminar seu treinamento e sua educação. As coisas ficaram mais difíceis para Shingen e eu. Nessa mesma época nós criamos a organização A CHITA, destruímos os antigos inimigos de Kon Goshi, mas você, nosso último obstáculo, permaneceu. - O astuto Soli Kinoshita descobriu tudo, não sei como, mas descobriu, deu um jeito de levar você para em longe daqui. - E o bilhete que recebi de você? - Deve ter sido alguma artimanha de Soli para tirar você de perto de mim. Tivemos que matar Bona para descobrir onde você se encontrava, mas aquele idiota era mais fiel a você do que eu pude imaginar. - Os anos passaram, não sabíamos seu paradeiro, mas nunca esquecíamos da ameaça que representava. É incrível como só agora consegui descobrir sobre onde Soli morava, mas isso não vem ao caso. - Tinha que trazer você de volta, foi então que surgiu a idéia do suicídio, colocamos uma outra moça no meu lugar, subornamos todas as pessoas ligadas aos assunto para fazer todos crerem que eu tinha morrido. Evidentemente que você pensaria que Shingen havia me assassinado, e do jeito que conheço Soli, ele não lhe

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contaria a verdade sobre mim para não magoá-lo, esperava, acho eu, que você iria findar esquecendo. - Bem, mas agora que você já conhece todo o assunto, toda a verdade, não há mais nada a fazer, eu sinto dizer-lhe que você chegou ao fim da linha, Hiroaki-san! Usah Ishida levantou a arma que havia abaixado no decorrer de seu longo discurso, Hiroaki não se mexia, estava passando por uma dor emocional tão grande que inconscientemente até sentia vontade que sua irmã disparasse. Ela começou a apertar lentamente o gatilho, alguns milímetros a mais e a bala sairia certeira. Shingen estava perto da escada, assistindo a tudo com um largo sorriso. Os baques incessantes dos homens da Yard na tentativa de arrombar a porta chegaram ao ouvido de todos ali embaixo. Hiroaki observava sua irmã com atenção, seus olhos pareciam brasa quando ela apontava-lhe a arma. Não conseguia parar de olhá-la. Ela começou a cair lentamente, quando seu corpo tocou o chão, o braço esticado com a arma na mão inerte. Dominique não suportou ficar quieta diante da possibilidade de ver seu amado ser morto, apanhou um de seus shurikens que havia no chão do dormitório e lançou-o precisamente no ombro direito

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de Usah. A droga que ela costumava usar em seus shurikens colocou a irmã de Hiroaki para dormir tão rápido que não conseguira nem acionar sua arma. Soli saiu de onde estava, correu na direção de Hiroaki e incitou-o a fugir dali sem demora. Shingen ao ver sua mulher cair, correu até ela, debruçou-se sobre seu corpo dizendo: - Desgraçados, vocês a mataram! Parecia até ironia um homem tão frio como Shingen chorar por alguém. A vontade de vingar-se já não existia mais no coração de Hiroaki, não lembrava mais os motivos que o fizeram empreender aquela louca aventura. Subiram a escada, chegaram ao andar superior e a porta estava quase cedendo, pois o piano estava balançando a ponto de cair. Os três ninjas escalaram a torre com extrema habilidade, Dominique ia à frente seguida por Hiroaki, por último vinha Soli, que apesar da idade e dos maus tratos sofridos na mansão d’A CHITA, não encontrava a menor dificuldade para realizar a escalada. No topo da torre havia um pequeno telhado, circular, com aberturas laterais por onde eles passaram. A neve acumulada na cobertura não dificultou a fuga dos três.

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A porta se abriu um pouco, não podia mais devido ao piano. Patterson

entrou

imediatamente

seguido

por

Sal

e

o

superintendente Fields. Revistaram tudo! O jovem detetive logo deduziu que Hiroaki havia fugido, na verdade quando chegava ao patamar que antecedia a escada em espiral, olhou para cima pensando que por ali o ninja tinha conseguido escapar. Enquanto desciam a escada, Patterson pensou em Sal O'Rourke, sua mente tranquilizou-se em pensar que Field o ajudaria a inocentá-lo, seria até fácil em vista que a única dificuldade seria ocultar a ligação dele com o ninja e com a fuga deste último não haveria mais problemas. Chegaram ao subsolo, atentos a qualquer surpresa que pudesse haver ali, mas não havia nada e nem ninguém ali naquela sala. A arma no chão foi logo percebida pelo sagaz Fields bem como um pequeno filamento de sangue perto dela que ia até uma porta, formando uma trilha. Acercaram-se da porta. Patterson de arma em punho preparou-se para a abordagem, com um pontapé abriu a porta e com um salto estava dentro do segundo compartimento do subsolo. Logo atrás entraram os outros dois. Ficaram parados alguns instantes antes de esboçarem qualquer reação.

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A trajetĂłria de Kon Goshi ou Shingen Mizogushi chegara ao fim! A mulher encontrava-se ali tambĂŠm como uma testemunha muda da tragĂŠdia que ali se desenrolara.

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APÊNDICE

1 O superintendente Alex Kirk estava sentado à sua mesa, acabara de redigir a última página de seu relatório acerca do caso A CHITA, quando alguém bateu à porta de seu escritório. - Entre! - disse sem dar atenção, imaginava que seria apenas mais um ou outro agente querendo tirar alguma dúvida. Patterson entrou vestindo um suéter novo que ganhara de Chris, que logo chamou atenção do superintendente Fields por ser de sua cor predileta, azul. - Boa tarde, Sr. Fields - disse ele. - Como vai Eddie? - disse - pensei que não viria mais, trouxe seu relatório? - Ah, claro, aqui está! - entregou-o - Bem, com seu relatório e o meu, o caso fica completo, é claro que alguns aspectos não foram totalmente esclarecidos, mas creio que você poderá dar-me algumas explicações. - Com todo prazer - disse Patterson demonstrando solicitude - o que o Sr. deseja saber? - Tudo.

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- Tudo o quê? - Ora Eddie, tudo que não sei. - Está bem, não é muito não. Antes de Shingen suicidar-se, como o Sr. viu, ele matou a esposa, o corte no ombro dela foi provocado por um shuriken que estava untado com uma substância narcótica. Creio que ele tomou essa atitude ao perceber que havíamos tomado sua fortaleza ou por pensar que a mulher havia morrido, pois o legista disse que a droga encontrada no corpo dela deixa a vítima em estado de colapso, uma falsa morte. - Não entendi bem, se ele matou a esposa como pôde suicidar-se por pensar que ela estava morta? A não ser que alguém a tenha matado. Vamos lá Patterson, sei que você está ocultando algo, conte-me logo e fica só entre nós. - Bem... a mulher era Usah Ishida ou Usah Mizogushi que era o nome falso do marido, Kon Goshi. Creio que foi atingida pelo shuriken de um dos fugitivos, cujas pegadas encontramos nos fundos da casa e no telhado perto da torre que certamente foi usada para a fuga. Um dos três acertou a mulher, Hiroaki, o irmão, Dominique L'Herón, a namorada deste ou Soli Konishita, o mestre dos dois. Mas eles desapareceram. - E quando aparecerem nada se poderá fazer contra eles, afinal nossas provas são incompletas: os homens d’A CHITA não os

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viram, com exceção daquele encontrado amarrado no sótão, que depois se contradisse todo dizendo que eles estavam mascarados. E por fim, o testemunho de Salomon O'Rourke que disse ter visto vários homens mascarados entrarem na mansão, insinuando uma provável vingança de quadrilhas. - É... o Sr. tem razão! - Veja o que o jornal disse de você! - disse mostrando um exemplar. DETETIVE DA YARD PÕE FIM EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. - Eles dão tanta importância ao fato de você ter destruído A CHITA - continuou - que nem ligam para as estranhas mortes que aconteceram na mansão. Bem, já que ninguém conhece a verdade por trás dos fatos, podemos deixar o caso como está. O O'Rourke foi inocentado por completo, retomou sua vida como de costume. - Isso mesmo. - disse Patterson mostrando-se desinteressado. - Você não acha estranho ele ter conseguido um carro novo? - Não, não mesmo. Vai ver ele possuía algumas economias guardadas. - A sua história de dizer que ele foi um refém no caso daqueles assassinatos anteriores e que depois ele o ajudou a desbaratar todo

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o mistério d’A CHITA foi o fato decisivo para deixá-lo livre de qualquer suspeita, muito esperto de sua parte! - Obrigado, mas eu o fiz apenas o que achei correto. - A propósito, já recebi o convite. Como vão os preparativos para o casamento? - Tudo muito bem, Chris está cuidando de tudo e quando posso, ajudo também. - Que bom! - Bem Sr... tenho que ir agora, Chris precisa muito de minha ajuda. - disse Patterson levantando-se. - Até logo, Eddie. Escute, daqui a alguns anos quando todo esse caso já estiver esquecido, que tal juntarmos nossas mentes e o escrevermos, torná-lo público, um livro... - Ótima idéia, porém só daqui a alguns anos mesmo, quando os envolvidos estiverem totalmente isentos de qualquer culpa, certo? - Certíssimo! - Ah, Senhor... - disse Patterson voltando-se - obrigado por haver convocado o Carl Simpson para a Yard! - Não foi nada, ele mereceu, se não, eu não teria chamado. - Então, Boa tarde Senhor. - Boa tarde, Inspetor Patterson!

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2 Salomon O'Rourke dirigia seu carro novo, um modelo recém saído de fábrica. Dirigia-se à universidade com a finalidade de resolver seus problemas concernentes aos estudos, já bastante atrasados. Estava decidido a retomá-los e desta vez ir até ao fim. Uns dois quarteirões antes de chegar à universidade viu Sue Ellen Chalter caminhando pelo acostamento. Parou seu carro perto dela. - Oi Sue - disse ele - vai para a faculdade? - Oi Sal, quanto tempo... Vou sim! - Quer uma carona? - É claro! - entrou no carro e conversaram o tempo todo. Sue Ellen Chalter, colega de classe de Sal, mal podia disfarçar seu interesse por ele, ainda mais depois de ler nos jornais que ele desempenhara importante papel na resolução de mistério junto à Yard. Sal não havia notado aquela moça direito, mas agora que estava com uma conta bancária abastecida, um carro novo e estava convicto da decisão de terminar seus estudos, quem sabe até não pudesse surgir algo entre eles, afinal, era uma bonita e inteligente moça.

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FINAL Estavam sentados vendo o mar! Era muito bonita a praia que se estendia diante deles! Hiroaki Ishida ainda estava melancólico, havia cometido uma porção de crimes em nome de uma honra que já estava jogada por terra há muito tempo. - Pare de pensar no que aconteceu - disse Dominique - não há mais razão para guardar na memória tudo que houve. Esqueça tudo isso ou nunca você conseguirá ter paz em sua vida. - Você tem razão, mas por que Soli não me disse logo a verdade? - Ele fez uma promessa a seu pai, deveria terminar seu treinamento, se possível, ser um pai para você e para você se tornar um homem de verdade, teria que descobrir por si próprio as verdades por trás d’A CHITA! - Está bem. Vou procurá-lo para dizer-lhe que não estou mais confuso com meus sentimentos, afinal ele é para mim um segundo pai. Caminharam descalços pela praia. Estavam ali há vários dias. Dominique estava bronzeada, sua pele agora morena fazia um belo contraste com seus cabelos loiros. Soli estava em um pequeno restaurante à beira da praia comendo peixe assado. Hiroaki entrou, não precisava falar nada, seus

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sentimentos eram tão fortes que antes que qualquer um deles falasse no assunto, já se encontravam descontraídos conversando sobre outras coisas. - Sabem - disse Hiroaki - estou muito bem aqui com vocês, não preciso de mais nada, temos muita coisa a descobrir juntos nesse país. - Você pensa em reclamar a herança de seu pai, Hiroaki? - indagou Soli. - Sim! Mas não agora, mais tarde quem sabe? - Oui. Sabe alguma coisa acerca de Sal? - Ele está muito bem, o Patterson vai casar, até que essa história serviu para ajudar alguém. Ainda continuaram conversando algum tempo enquanto a maré enchia ao aproximar-se o pôr-do-sol, naquele paraíso tropical.

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LIVROS PUBLICADOS A Chita (1990 e 2013) Vítimas da Luz (1999 e 2013) Crise na Segurança Pública Potiguar (2013) Um Convite à Reflexão (2013) Crimes de Gaveta (2013)

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BIOGRAFIA Ivenio Hermes escreve por vocação e concilia a área de ficção com sua dedicação à realidade de uma sociedade que precisa de seus talentos. É estudioso e pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial, além de ser um profundo observador do comportamento humano. Sua primeira graduação foi a Arquitetura e Urbanismo, hoje é graduando de Direito. É Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, mas traz em sua bagagem acadêmica mais de vinte outros cursos na área de Segurança Pública. É Conselheiro de Segurança Pública da OAB/RN Subseccional Mossoró, Editor e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Escritor ganhador de prêmio literário. É Filho, irmão, pai e amigo.

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