Crimes de Gaveta Arquivos da Impunidade
Ivenio Hermes
2013
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Copyright © 2013 by Ivenio Hermes Todos os direitos desta edição reservados ao autor Capa Aramis Fraino Imagem de Capa Aramis Fraino Fotos Ivenio Hermes Revisão Sáskia Sandrinelli Editoração Sáskia Sandrinelli Ivenio Hermes Colaboração Carlos José Seabra de Melo Marcos Dionísio Medeiros Caldas Henrique Baltazar Vilar Santos Cezar Alves de Lima Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hermes, Ivenio Crimes de gaveta : arquivos da impunidade / Ivenio Hermes. -- Natal : Ed. do Autor, 2013. Hermes, 13-04499
1. Crimes 2. Impunidade 3. Políticas públicasCDD-363.10981 4 Segurança pública - Brasil 5. Segurança pública - Rio Grande do Norte I. Título.
13-05092
CDD-363.10981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Segurança pública : Problemas sociais 363.10981
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Sumário Apresentação ....................................................................... 7 A Difícil Lição, por Carlos José Seabra de Melo ..............................................7
Prefácio ................................................................................. 9 Construindo conhecimento ..........................................................................9
1. Fundamentação ........................................................... 12 1.1- Pesquisando Segurança Pública com Henrique Baltazar .............. 12 1.2- RN: A Tribo Potiguar em Perigo ...................................................... 17 1.3- 7ª DP: Retrato do Caos ...................................................................... 23 1.4- Delegacias do RN: 9ª e 12ª DP ......................................................... 28
2. Tentativa de Extermínio da Polícia Civil do RN .. 37 2.1- A Falta de Investigações ..................................................................... 37 2.2- A Falsa Interiorização ......................................................................... 42 2.3- O Comércio da Vergonha .................................................................. 48
3. O Ciclo da Impunidade............................................... 56 3.1- ITEP: A Marca do Descaso............................................................... 56 4.2- Operações Policiais Desaceleradas ................................................... 62 3.3- As Operações Estagnadas .................................................................. 69 3.4- Poder de Vida e de Morte .................................................................. 80 3.5- O Impacto do Desinteresse ............................................................... 87
4. Considerações Finais .................................................. 95 Síndrome do Epitáfio ................................................................................. 95 Rumos da Polícia Potiguar ....................................................................... 104
Posfácio .............................................................................. 111 A Vítima na Gaveta................................................................................... 111
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Ensaios Fotográficos ...................................................... 113 7ª DP ........................................................................................................... 113 9ª e 12ª DPs ................................................................................................ 114 Manifestação na Inauguração da Escola de Governo ......................... 115 Manifestações na Assembleia Legislativa .............................................. 116 Greve Pela Convocação dos Concursados ........................................... 116
Publicações ....................................................................... 117 Livros .......................................................................................................... 117 Artigos Notórios...................................................................................... 117
Biografia ............................................................................. 118
Meu agradecimento sempre especial ao meu Grande Deus, criador e mantenedor de tudo que existe. Pois é Ele que me sustém todos os dias de minha vida e que está comigo em situações boas e não me deixa nas ruins. Ao Rio Grande do Norte, Estado que adotei como meu e aos meus irmãos Potiguares, que me aceitaram e me tornaram um dos seus. Aos mestres que me ajudaram na elaboração dessa obra: Carlos José Seabra de Melo, Henrique Baltazar Vilar Santos, Marcos Dionísio Medeiros Caldas e Cezar Alves de Lima. Aos guerreiros que labutam e arriscam a vida diariamente e que de forma legítima empunham o distintivo de “proteger e Servir”. Para Sofia Santos e todas as outras crianças de nosso país, que merecem crescer num lugar mais seguro e não serem assassinadas por causa de sua condição social ou étnica.
Crimes de Gaveta, por Ivenio Hermes
Apresentação A Difícil Lição, por Carlos José Seabra de Melo1 Como dizer a um pai que seu filho morreu? Como falar que sua vida valia menos de trinta reais? Como falar que provavelmente aquela morte nunca será punida? Que o que lhe resta é resignar-se, aceitar, calar, esquecer? Estas perguntas caros leitores, os profissionais da segurança pública se fazem todos os dias, e elas "mexem" profundamente com esses designados para "proteger e servir", e estas perguntas surgem por alguns motivos, o mais absurdo é que esse profissional não pode realizar seu mister por que lhe são negados os recursos mínimos de trabalho. Ivenio agora nos relata as consequências da falta de investimento sistemático na polícia investigativa, na não contratação de pessoal, na deteriorização das instalações, na falta de recursos orçamentários, no desrespeito com os que nesta área atuam, e isto como retratado nesta obra desemboca no ciclo de violência pelo sentimento de ineficácia do direito penal pátrio, a anomia. Em Crimes de Gaveta, o brilhante autor juntamente com seus compartes nos resgata a oportunidade de discutirmos essas e outras questões graves de nosso "Estado paquidérmico". É hora de engrossar as fileiras daqueles que querem tomar o direito de sua vida e liberdade em suas mãos, é disso que se trata garantir nossas existências efetivando nossa segurança. O governo? Já deu provas de que lado está, prefere engavetar corpos e instituições. Agora tomemos o nosso lado. 1
Bel. em Direito - Prof. e Especialista e Direito Administrativo e Direito Penal, Processual Penal e Criminologia.
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Quantos mais terão que tombar nesta guerra para aprendermos, não se pode brincar de segurança pública.
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Prefácio Construindo conhecimento Falar sobre Segurança Pública não é fácil, é uma tarefa que requer pesquisa, olhos atentos e ouvidos bem abertos para compreender os fatos que se desenrolam. Muitos acham fácil porque confundem o ato de escrever sobre Segurança Pública com o ato de publicar matérias de jornais, notícias sobre crimes ou até falar sobre dados estatísticos dessa ou daquela entidade pesquisadora. Contudo, escrever sobre Segurança Pública implica no conhecimento de Gestão Pública e Planejamento Estratégico, em passar horas estudando as tendências políticas que estão nos bastidores das decisões, em conhecer as instituições que formam o Sistema Brasileiro de Segurança, inclusive aquelas que não fazem parte do artigo 144 da Constituição Federal como a Força Nacional de Segurança. Portanto é necessário um estudo profundo das bases que formam nossos princípios de segurança. Todo esse conhecimento precisa ser ampliado para outros níveis, outros patamares no universo do saber. Entrelaçar o Direito, a Sociologia, a Engenharia de Trânsito, as Tecnologias de Informação e outros saberes que levam a essa Ciência Social as ferramentas necessárias para escrever com parcialidade, quando for o caso, e com sangue pátrio quando for requerido. E mesmo aguerrido pelo espírito patriótico é preciso despojar-se de orgulhos pessoais e buscar conhecimento na experiência de outros países, na legislação e nas Políticas Públicas de Segurança adotadas por eles. Com isso, agregar informações desprovidas de preconceitos e que podem ser aplicadas de forma ampla ou
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resguardadas as devidas proporções em nosso país continental, que também demanda soluções regionalizadas. Outro orgulho que deve deixar de existir e talvez esse seja o primeiro dos requisitos, é aquele que vem de dentro e faz o ser humano se ufanar de seus próprios feitos e conquistas, deixando-o fechado às críticas e, portanto, sem condições de evoluir. Além disso, é preciso se envolver com a questão não somente do ponto de vista acadêmico. É necessário conhecer a natureza das pessoas que demandam os serviços de Segurança Pública, o mote de suas necessidades e suas experiências de vida, é preciso chegar perto de quem é perito em determinadas áreas e delas sorver o conhecimento que não está publicado ainda e que talvez nunca venha a ser publicado e que somente pelo ato de dialogar com os ouvidos desnudos de qualquer força contrária prévia, se é capaz de conseguir. Para realmente saber falar de Segurança Pública é necessário sair do ambiente de temperatura confortavelmente controlada pelo ar condicionado, onde tudo segue as regras de um laboratório limpo. Ao experimentar os testes do laboratório da vida real, o verdadeiro estudioso de Segurança Pública, o verdadeiro gestor, o verdadeiro analista e pesquisador estará preparado para algo que não se limitará apenas no mero falar ou propagar informações, ele estará preparado para construir conhecimento capaz de modificar a sociedade em que ele vive. Nesse livro “Crimes de Gaveta” trago uma proposta diferente: o seu envolvimento na questão da segurança que faz parte da sua vida, da vida de seus amigos, de seus familiares e que de uma forma ou de outra estará recorrentemente voltando até você, quer você se envolva ou não.
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A proposta que faço é que através da leitura você compreenda a situação que acontece num local e paralelize com a situação de outras cidades e estados. Que você passe a criticar as políticas impostas por propagandas governamentais e que utilize esse conhecimento para opinar no seu circulo de amizades. Não serei eu somente que tentarei mudanças nos paradigmas sociais há tanto arraigados no conceito e no imaginário popular, mas com sua ajuda seremos uma multidão que fará a diferença no seu estado e em nosso país. Uma boa experiência na sua leitura e na sua experiência construindo conhecimento.
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1. Fundamentação 1.1- Pesquisando Segurança Pública com Henrique Baltazar
Sonhando com o fim da impunidade Encontro com o mestre As fontes de pesquisa sobre Segurança Pública, como já comentamos anteriormente, nem sempre estão em publicações espalhadas pelas bibliotecas e livrarias do mundo, ainda mais que se trata de uma ciência social que está em constante evolução e que se adapta de acordo com a realidade onde a sociedade a vivencia. Para entender esse assunto, o analista pesquisador precisa sair de trás do conforto da escrivaninha e do ambiente refrigerado e ir à cata de dados onde eles existem de fato, onde eles estão ocorrendo e transformando a realidade de um povo, ou ainda, como nos tempos das escolas gregas, procurar os mestres, cuja experiência acumulada aliada ao conhecimento teórico aplicado na prática, são fontes vivas de material que poderá recriar o conhecimento que se tem. Nossa sociedade precisa de conhecimento dinâmico, de homens que não reproduzam paradigmas antigos e obsoletos, mas que recriem o saber, adaptando-o para os novos tempos. Exatamente por isso, as análises apresentadas no Blog do Ivenio e na Carta Potiguar precisam de uma profundidade maior e em 6 de dezembro de 2012 estivemos bebendo na fonte da experiência em Segurança Pública através de um encontro com o mestre Henrique Baltazar Vilar Santos.
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Coragem Para Falar Conhecido no twitter como @hbvsantos, a rede social que fez por se revoltar com as coisas que a imprensa escreve e ninguém responde, o Juiz de Direito Henrique Baltazar, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária, usa o jargão “Sonhando com o fim da impunidade” para mostrar sua natureza decidida e sua coragem para falar. Natural de Caicó, o jovem Henrique possuia um talento natural para a matemática e era a aposta de seus professores de que ele ingressaria na Universidade na área das Ciências Exatas. Aliás, todos esperavam dele a opção por uma das engenharias e quando ele saiu de casa para fazer vestibular, não informou a ninguém que optara pelo Direito. Decorreu algum tempo para que ele comunicasse essa novidade ao seu pai. Dr. Baltazar relatou que numa certa ocasião ele encontrouse com seu professor mais entusiasta de sua carreira como engenheiro e ele se mostrou revoltado afirmando que procurara o nome de Baltazar em todas as engenharias, matemáticas, física e não encontrara o nome de seu aluno, ficando desapontado com a não aprovação no vestibular. Henrique Baltazar então disse que subitamente resolvera cursar Direito, algo que desapontou o antigo professor. Porém, assim era e permanece sendo a postura do magistrado: não se deixa levar por pressões e opiniões com as quais não concorda. Isso fica claro na forma seletiva como escolhe a quem seguir no twitter. Atualmente, ele segue apenas 90 pessoas, entretanto, ele é seguido por mais de 2 mil ávidos leitores das informações coerentes e bem fundamentadas que ele posta.
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Dentro daquilo que o Chefe de Execuções Penais do RN, Dr. Henrique Baltazar, divulga em seu twitter, ele fala a verdade, o que pensa e o que acha. Em suas palavras está embutido um compromisso com a sociedade. A Criação da Reputação A reputação ilibada e o conhecimento adquirido através do estudo e da experiência não surgiram sem empenho. Em uma época marcada pelo medo da imprensa, perseguições aos servidores públicos, uma tentativa de difamar o juiz foi publicada dizendo que ele ficara mais de 3 semanas sem comparecer em sua comarca, atribuindo a ele a má fama de servidor ausente e ainda o acusavam de estocar munição de arma de fogo em sua casa. Dois jornalistas divulgaram essas informações pejorativas e Henrique Baltazar os contatou dizendo que queria dar uma entrevista sobre o assunto e sobre o que mais eles quisessem que fosse esclarecido. Um deles perguntou quais perguntas deveria fazer, mostrando-se nervoso com a possível presença de um juiz de direito no jornal. “Perguntem o que quiserem, estarei aí para responder.” Foi a resposta do Dr. Baltazar. Amedrontado, um dos jornalistas não compareceu no dia da entrevista e o outro, o radialista e jornalista Francisco Gomes de Medeiros, mais conhecido como F. Gomes, conduziu a pauta onde ficou esclarecido que a ausência da comarca que fora citada se dera em função de férias. Já no caso das munições, como praticante da modalidade de tiro esportivo IPSC (International Practical Shooting Confederation) e por isso tinha licença para fabricar sua própria munição esportiva cujo custo é reduzido em mais de 60% do valor da munição nova.
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A humildade e coragem de se deixar indagar sem pauta prévia conquistaram a amizade de F. Gomes, um jornalista sério e competente. Uma amizade que durou até o dia 18 de outubro de 2010, quando o jornalista foi executado a tiros em frente a sua casa no município de Caicó, onde morava, na região Seridó do Rio Grande do Norte2. Com essa reputação bem firmada, Henrique Baltazar nunca teve problemas com a imprensa séria. Responde a tudo que lhe é perguntado se for dentro de sua área de conhecimento e possuir informação. Por ser servidor publico, considera que tem obrigação de prestar contas à sociedade. A Contribuição Para A Pesquisa As informações concedidas pelo Dr. Henrique Baltazar em 6 de dezembro de 2012 encheram mais de 12 páginas de anotações. Foram dados preciosos que deram a cola necessária para conectar de forma precisa diversos fatos. Eu quase não precisei perguntar, simplesmente sentei-me diante dele e com a ajuda de minha assistente de pesquisa, anotei o máximo que pude, gravei narrativas de fatos e fiz fotografias 3. Era material para fundamentar mais ainda meus artigos, como quando afirmei que o crime organizado estava atuando no Rio Grande do Norte e até o comandante da Polícia Militar negou isso, mas o Dr. Henrique Baltazar também 2
FELIPE, Maiara. Jornalista F. Gomes é assassinado a tiros em Caicó. DN Online. Disponível em: < http://db.tt/k8wAZCG3 >. Publicado em: 18 out. 2010. 3 HERMES, Ivenio; SANDRINELLI, Sáskia. Ao Mestre Com Carinho: Álbum Fotográfico Digital. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes. Disponível em: < http://migre.me/cHR20 >. Publicado em: 05 jan. 2012.
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apoiou meu argumento sustentado em informações do próprio Ministério da Justiça4. Muito querido em sua lotação de origem 5, ele não permaneceu lá sabendo que poderia fazer algo melhor e segue desafiando o sistema6. Quando saí do gabinete humildemente decorado do juiz, após conseguir um livro autografado por ele, eu queria escrever de imediato tudo o que eu pudesse. Entretanto, assim como o mestre Henrique Baltazar, eu também acredito em Deus, e não costumo escrever sem antes analisar o material que possuo. E foi assim que percebi que o Juiz me dera um guia para escrever sobre a Segurança Pública potiguar com mais coragem, Um roteiro de trabalho que me levou até Mossoró para conversar pessoalmente com o Jornalista Cezar Alves de Lima (cujo contato também foi vasto em material coletado), me aproximou do então secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, o delegado federal Kércio Pinto (a quem devo grandes contribuições), me fez fazer levantamentos fotográficos, catalogar material, buscar informações com policiais da área de inteligência e da atividade ostensiva, com procuradores, no ministério público, entender certos meandros que impedem ações mais concretas do Secretário de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social, 4
TRIBUNA DO NORTE (Brasil RN Natal). Juiz Henrique Baltazar confirma crime organizado. Blog Cardoso Silva. Disponível em: < http://db.tt/0O4REe35 >. Publicado em: 17 mar. 2012. 5 PIRES, Robson. Juiz Henrique Baltazar é removido para Natal. Opinião. Disponível em: < http://db.tt/4XRqDZnc >. Publicado em: 8 abr. 2008. 6 TRIBUNA DO NORTE (Brasil RN Natal). Juiz interditará Penitenciária de Alcaçuz Devido a Superlotação. Nísia Digital. Disponível em: < http://db.tt/vwqFZhQL >. Publicado em: 06 ago. 2012.
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(Sesed-RN), Aldair da Rocha e enfim, perceber que o que eu estava para escrever não se resumiria num artigo. Henrique Baltazar é um ex-aluno do Colégio Diocesano Seridoense. Assim como eu, já passou pelo fantasma da ameaça de morte e sua formação religiosa e orientação maçônica o levam a crer em Deus. Possui hábitos de leitura e gosta das tiras de Calvin And Hobbes (Calvin e Haroldo)7 de Bill Watterson. Ele contribuiu grandemente para meu futuro como pesquisador e certamente foi quem me inspirou a criar a série de artigos que fazem parte deste compêndio: Os Crimes de Gaveta.
1.2- RN: A Tribo Potiguar em Perigo
Introdução Aos Crimes de Gaveta Aqueles que têm ouvidos ouçam. O Rio Grande do Norte, o Estado Elefante ou como eu costumo chamar, O Grande Mamute, passa por tempos históricos de insegurança. É tranquilo afirmar sem chances de errar que essa fase da vida da sociedade potiguar entrará para história como um período de retrocesso, de desinformação e de engodo midiático compartilhado por diversos detentores de poder. A confiança que a tribo potiguar, esse imenso número de cidadãos que nasceram ou optaram por amar e viver nesse estado, está sendo desperdiçada por estratégias políticas obscuras e que não demonstram sequer o respeito por esse ouro depositado nas mãos 7
WIKIPÉDIA (Org.). Calvin and Hobbes. http://db.tt/vwqFZhQL >. Acesso em: 29 jan. 2013.
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Disponível
em:
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de poucos caciques que se dizem gestores públicos, contudo, fazem gestão apenas de interesses próprios. “Quem me dera ao menos uma vez, ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha.” Legião Urbana/Renato Russo – Índios. Em busca de entender o processo de formação dessa cultura que ovaciona aqueles que deveriam ser seus protetores, mas que não o fazem, uma pesquisa foi feita e os dados obtidos foram além do que pode ser publicado num artigo: há material para escrever um livro, esse livro. A partir deste ponto, iniciaremos uma jornada pelos caminhos tensos de assassinatos justificados e cometidos pela própria polícia, também cometidos por criminosos seriais, por perpetradores eventuais, circunstanciais ou planejados. Crimes motivados pela vingança, pela impunidade e pelo desvio de conduta impulsionado pela sensação de justiça que não chega. Aqueles que têm bocas falem. Os dados reais e que podem ser contabilizados em estatísticas não são fornecidos por nenhuma entidade crível no Estado. A principal coletora dessas informações, a polícia judiciária, se encontra mais depredada pela Administração Pública, que somente faz investimentos numa falsa propaganda que é difundida vergonhosamente pelas principais fontes midiáticas do Rio Grande do Norte. “E então um dia uma forte chuva veio e acabou com o trabalho de um ano inteiro,
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e aos treze anos de idade eu sentia todo o peso do mundo em minhas costas. Eu queria jogar, mas perdi a aposta.” Titãs/Nando Reis – Marvin. A falta de efetivo na polícia judiciária é tão alarmante que a Grande Natal somente possui dois plantões noturnos, um na zona norte e outro na zona sul, além de delegacias sem instalações coerentes para a realização do trabalho de investigação e sem condições de manter em dia as poucas investigações que iniciaram e que provavelmente sofrerão com a destruição de provas causadas pela ação do passar do tempo e pela falta de locais para a preservação do material que seria usado como evidência. Toda essa situação faz apenas com que a impunidade impere. Aqueles que têm olhos vejam. Alguns dos principais erros que são repetidamente cometidos e suas consequências: a- Falta de efetivo na Polícia Judiciária. Sem novas contratações para aumentar o quadro de policiais, inexiste capacidade de investigar e nem de manter estatísticas reais do que acontece no Estado. Os crimes acabam por não serem solucionados. O Estado recorre a uma força tarefa nacional que quase somente encerram inquéritos que não teriam mais solução devido à falta de celeridade e perda de provas. Aparentemente, esse trabalho apresenta bons resultados, pois diminuem o número de investigações paradas, mas não solucionam os crimes que estavam arquivados há bastante tempo.
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A justiça não é praticada, os familiares das vítimas não veem sua angústia saciada pela punição dos criminosos e há um fomento da sede de vingança típica do homem, exacerbada pela ameaça dos próprios criminosos que intimidam aqueles que buscam a justiça. Nesse assunto, o jornalista e fotojornalista com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte, Cezar Alves de Lima (um grande observador do comportamento social e cujas informações são mais aceitáveis para as estatísticas do que aqueles que vêm da polícia ostensiva ou da judiciária), comenta que esse ciclo de ameaça e impunidade é um grande causador de novos crimes, num efeito cascata, que reduzem pessoas em meros números que ele agora divulga com nome e CPF através de seu jargão: “Tirinete de bala.” b- Falta de eficácia/existência de Polícia Científica. A polícia científica potiguar pode ser resumida ao ITEP – Instituto Técnico-Científico de Polícia do RN. Somente há determinação da “causa mortis” que também é enevoada da população. Essa polícia técnica deveria ser responsável pela fotografia do local do crime com um olhar mais experiente e treinado para não comprometer o resultado das investigações. Mas o que se tem é um grupo reativo, sem poder de polícia, fora do quadro de segurança, sem estrutura, equipamento ou efetivo para executar sua parte do processo completo de policiamento. Sem essa polícia tão importante, a população potiguar fica submetida a dados frágeis que mais objetivam fazer propaganda de um serviço de Segurança Pública que não existe, gerando uma falsa sensação de segurança. Dados como os fornecidos pelo relatório “Balanço dos Resultados da Operação Mossoró Segura 2012”, gerado pelos comandantes da
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Polícia Militar local que reivindicam para si mesmos os méritos dessa diminuição irreal do crime, pois no próprio relatório eles dizem em um dos slides que desencadearam unilateralmente em meados de dezembro de 2011 pelos Comandantes do 2º e do 12º BPM e ainda dizem que basearam seu relatório nos principais dados de acordo com os Relatórios mensais do CIOSP (Centro Integrado de Operações de Segurança Pública) Mossoró/RN. Assim como Mossoró, todo Rio Grande do Norte sofre com falsas reduções de crime, haja vista que as operações realizadas não apresentam resultados concretos. c- Falta de resultado concreto nas operações policiais. O Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária Henrique Baltazar, um sonhador com o fim da impunidade segundo suas próprias palavras, observa com cuidado a credibilidade e o sucesso das grandes operações policiais, que se prestam geralmente a divulgação e propaganda de uma gestão de Segurança Pública que não existe baseada em planejamento estratégico. O andamento dos inquéritos, os resultados que devem vir do Ministério Público e da Polícia Judiciária precisam completar o ciclo de policiamento. Entretanto, em Mossoró, a titulo de exemplo, pessoas do povo foram abordadas que não acreditam nessas operações e nem nos dados que dão a informação que houve apenas 108 homicídios no período. Eles excetuam as 11 mortes resultantes de confronto com a polícia, as 20 lesões corporais seguidas de morte e os 02 (dois) casos de violência contra a mulher do quantitativo levantado. A ausência de uma polícia técnica/científica e de uma polícia judiciária suficientemente equipada e com efetivo adequado,
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apenas enfraquece a capacidade de mensurar os verdadeiros números oportunizando a ausência de substância nas estatísticas, pois a PC/RN não possui números reais e a PM daquele município forneça dados corretos como os 191 homicídios ocorridos em 2011 e os 145 em 2012 somente em Mossoró. Não há credibilidade na palavra “redução” e sim na diminuição de números que são contrapostos pelo jornalista Cesar Alves que possui os nomes e dados completos de cada crime, que ajudam a tabular as verdadeiras estatísticas. Os Crimes de Gaveta O histórico da falta de uma gestão séria em políticas de Segurança Pública está destruindo a sensação de liberdade conquistada por um povo com histórico de lutas pelos seus ideais. É uma imensa Tribo Potiguar, como pertinentemente batizou a educadora Ana Cláudia Machado de Melo, criando inclusive um Grupo no Facebook que exalta as lutas e conquistas desse povo. “A impunidade é o incentivo contundente para a prática do crime.” Ivan Teorilang. Esse povo está minguando a olhos vistos, acuados pelos crimes sem solução concreta, incentivados pela impunidade reinante no Estado Mamute, que são colocados no arquivo morto, em cartórios de delegacias sem conservação e finalmente engavetados para sempre. A falta de gestão e acompanhamento que criam os crimes de gaveta será revista nos próximos artigos que fazem parte desta série, que não sabemos quando ou como terminará, mas que sempre se pautarão no compromisso com a verdade.
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1.3- 7ª DP: Retrato do Caos
A História Que Não Divulgaram Escondendo o Sofrimento Alheio “Quem omite, esconde ou modifica a verdade hoje, poderá tornar-se um assassino da história futura e um genocida da liberdade de expressão.” Esha Nehir A pesquisa sobre Segurança Pública vai além dos livros, monografias, artigos e material online porque requer uma verdadeira imersão no problema para evitar se tornar apenas um observador contemplativo. É uma área de estudo das Ciências Sociais que precisa de um olhar interno, uma visão de dentro do problema e uma experiência de troca de informações que não estão cristalinas nos compêndios disponíveis. O Rio Grande do Norte sofre mais ainda com a falta de publicação legítima e sem compromisso com a imprensa tendenciosa que vê o problema, contudo, se nega a mostrar a verdade ou adultera para benefício de vendas e acordos subservientes. Nesse campo de risco, poucos se envolvem e falam a verdade como os jornalistas Cézar Alves de Lima e Daniel Dantas Lemos, que além de militarem nessas e noutras causas, ainda incentivam republicando e divulgando meus textos sobre esse assunto polêmico que polui as páginas e vende jornais. São esses jornais que ficam publicando atualmente que faltam policiais aqui e ali, que não há estrutura nessa ou naquela instituição, informações repetidas revestidas de uma “falsa
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novidade” que arrebata o leitor desavisado e habituado ao jornalismo de fanfarra, sem artigos ou matérias com pesquisas que realmente apontem causadores, causas e soluções para os problemas potiguares. A verdadeira imprensa não é como um grupo de jornalistas que visitou a 7ª Delegacia de Polícia Civil há meses, inclusive com um repórter se machucando nos escombros que aquele ambiente se tornou e nunca nada foi divulgado. Mas, imbuídos pela pesquisa honesta, a equipe do Blog do Ivenio Hermes/Carta Potiguar, resolveu mostrar a realidade do caos da Segurança Pública, que muitos preferem manter a estratégia de continuar escondendo o sofrimento alheio. Desrespeito ao Serviço Público Em 18 de dezembro de 2012, nossa equipe visitou a 7ª DP e fizemos um levantamento fotográfico e conversamos com os policiais que estavam ali de plantão, que se sentiam constrangidos de mostrar aquele quadro de humilhação pelo qual passam. Eles não possuem computador para atendimento ao público dentro de um Bairro que sedia dezenas ocorrências de crimes diversos, Quintas. Seu serviço telefônico está cortado e a viatura que serve à delegacia se encontra estacionada fora de serviço na frente da delegacia. Essa situação além de deixar o serviço público completamente inoperante, evita que seja feita a coleta de informações reais e necessárias para que a SENASP, Secretaria Nacional de Segurança Pública e o FBSP, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, possam realizar estudos que demostrem o quadro real da segurança potiguar.
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Essa omissão de informações também prejudica estudos para a viabilização de incentivos financeiros oriundos do governo federal, que não tem como saber se há ou não necessidade de investimento no Rio Grande do Norte. O serviço público continua sendo rebaixado e a Polícia Civil desqualificada para cumprir seu dever de ofício quando é designado para uma delegacia como a 7ªDP, apenas 01 delegado, 02 agentes e 01 escrivão que, na época da realização do levantamento fotográfico, acumulava outra delegacia na zona norte, cujo escrivão estava de licença médica. Apesar de terem recebido coletes balísticos Kevlar com proteção IIIA, não foi levado em consideração o tamanho dos policiais e somente foram fornecidos 4 unidades de tamanhos M e P, que em todos os policiais da DP, ficaram curtos ou sem fechamento lateral, deixando de serem totalmente úteis. Não falarei de outros artigos como munição, armas e sistema de rádio para não submeter mais ainda ao opróbrio aqueles homens que ali trabalham (como se isso fosse possível). Estrutura Física em Ruínas A 7ªDP está localizada num prédio que merece a visita de engenheiros de segurança, OAB, CREA, membros dos direitos humanos, bombeiros e qualquer entidade que vise à segurança do trabalhador. Há dezenas de sinais de deterioração estrutural, com as ferragens das lajes, dos pilares e das vigas expostas e avançado grau de oxidação, que deixam a desejar a integridade física do prédio.
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Além disso, infiltrações permanentes oriundas de vazamentos de canos de águas potáveis e de esgoto, ajudam a piorar o estado da estrutura. A fossa que fica nos fundos do prédio está com a laje comprometida e andar sobre ela é um risco, sem condições de receber qualquer sobrepeso. Os buracos nos canos e na fossa facilitaram a proliferação de uma praga antiga conhecida no Rio Grande do Norte como: gabirus. São ratazanas enormes que segundo os agentes diz uma lenda policial, que quando ali funcionava também uma Central de Detenção Provisória, os presos se revezavam para fazer a segurança dos outros que corriam o risco de serem literalmente “roídos” pelos animais. Lenda ou não, o relato se torna bastante verosímil quando se observa o cuidado que escrivão adota para evitar que seu cartório seja invadido e destruído pela praga. Diante de tantos e potenciais estragos, a qualidade de vida do trabalhador policial está desmoronando junto com a edificação. Eles têm um local úmido e quente, rebaixado no chão num desnível maior que um metro, sem ventilação, com um condicionador de ar sem condições. Seus armários estão velhos e sucateados, sem segurança e sua cozinha é munida de um fogão velho doado pela comunidade local que não é da renda alta, mas se penalizou com a situação da DP. Do teto da delegacia, observamos que as telhas, ou melhor, cacos de telhas, estão soltas e a laje de cobertura exposta. As antenas de rádio estão muito abaixo das construções vizinhas e se houvesse rádio, elas não dariam uma recepção adequada. Sobre a caixa d’água nem é preciso mencionar que há muito tempo que não recebe qualquer manutenção.
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O Levantamento Fotográfico Não há como esconder a realidade sob a pena de tentar aviltar a história futura. Portanto, disponibilizamos o levantamento fotográfico que fundamenta parte desse artigo através do álbum “7ª DP Retratos do Caos na Segurança Pública” 8. São 62 fotografias feitas por este escriba, juntamente com outros colaboradores que preferimos manter no anonimato por razões de segurança. O álbum pode ser visto na íntegra na Fanpage do Facebook em https://www.facebook.com/IvenioHermesJr. No capítulo “Ensaios Fotográficos” desta obra disponibilizamos 15 imagens do álbum. Além dos problemas citados, outros poderão ser constatados no levantamento, como: Vegetação brotando das paredes erodidas; Instalações elétricas e tomadas desprotegidas; Marcas de erosão interna; Afundamento do prédio no chão provocando rachaduras no piso, paredes e teto; Acesso indevido facilitado e vulnerabilidade pela parte de trás da DP.
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HERMES, Ivenio. 7ª DP Retratos do Caos na Segurança Pública: Levantamento Fotográfico. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes e Carta Potiguar. Disponível em: < http://migre.me/cvWXM >. Publicado em: 23 dez. 2012.
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A crueldade retratada nas imagens pode não estar aparente para aqueles que não se importam com a Segurança Pública e nem tampouco com a dignidade do servidor policial. Também não está aparente para aqueles que inovam a verdade em detrimento da realidade daqueles que precisam e demandam um serviço de Segurança Pública bem feito, serviço esse que o Estado do Rio Grande do Norte alega estar prestando com eficiência e ainda promovendo melhorias. Se há alguma intenção em entender o que se passa na Segurança Pública Potiguar, fique atento, pois esse é apenas o primeiro de uma série de capítulos cujos levantamentos fotográficos que já foram realizados, portanto não adianta mais tentar esconder, nosso arquivo já está montado. Até o próximo, afinal, “Vincit omnia veritas”.
1.4- Delegacias do RN: 9ª e 12ª DP
Uma Questão de Sobrevivência
Condições de Servir A atividade policial, ao contrário do que os seriados americanos propagandeiam ou algumas operações especiais deflagradas no Brasil costumam mostrar, não é assim tão elegante e charmosa, ela é cheia de percalços enfrentados a partir do momento da investidura no cargo e lotação no local de trabalho. Sua sedução e o apelo do poder investido pela profissão é passageira e se acaba no momento que o servidor é desprezado pelo governo e pela sociedade que não reconhece seus direitos.
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Para a mídia sensacionalista, a imagem de policiais corruptos, de policiais que cometeram erros ou que fizeram algo duvidoso, é um filão de ouro explorado quase diariamente em todo o Brasil. Compreender a realidade que um policial enfrenta não é tão fácil como acompanhar as operações bem sucedidas (pelo menos até a efetivação das prisões e das apreensões) ou sair com uma câmera na mão mostrando (em versões editadas) as atividades de um grupo em uma ocorrência. “O pior desrespeito é o desprezo e o esquecimento daqueles que mais deveriam se importar.” Esha Nehir. É necessária a convivência, a pesquisa “in loco”, a busca profundo por algo que ainda não está nas publicações. Essa área de estudo das ciências sociais carece de um envolvimento do pesquisador com problema, mormente um olhar desprovido de preconceitos e ouvidos atentos para perceber os detalhes vividos pelos agentes encarregados de aplicar a lei. A insalubridade e o desrespeito ao servidor policial é algo comum e que se estabelece, infelizmente, pelo próprio desprezo de algumas administrações públicas que não procuram melhores condições de servir a sociedade. Vítimas da Própria Profissão O policial vive em constante alerta. Em seu cotidiano ele está diversas vezes envolvido com situações que demandam seu raciocínio rápido e dentro dos limites da profissão para tomar decisões que podem mudar a vida de muitas pessoas, inclusive a dele, de seus familiares e de seus colegas de trabalho.
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Sem treinamento regular, sem condições de trabalho adequado, sem acompanhamento psicológico por um profissional que esteja inserido no sistema e sem reconhecimento, não poucas vezes, o policial é compelido a agir pela experiência ou pela necessidade iminente, tendo grandes probabilidades de cometer erros. Se o agente já se sentia caído no ostracismo, sua realidade se deteriora ainda mais e as consequências são ruins para a sociedade, a instituição e a família. E essas vítimas da própria profissão nem sempre conseguem buscar ajuda adequada e passam a apresentar: Insônia: a convivência com situações degradantes, com a miséria humana, com as possibilidades de conflito, fazem dos momentos de sono uma constante perturbação pelo sentido de alerta, e o resultado é a luta contra o sono e a insônia; Depressão: sempre cobrado e quase nunca reconhecido, o agente perde a motivação para o trabalho e cai na depressão; Dependência química: sem ajuda institucional correta, o apelo ao consumo exagerado de bebidas alcoólicas, remédios para dormir e outras drogas leva à dependência química; Deturpação ou supervalorização da realidade: inserido numa profissão difícil, as poucas conquistas ou pequenos sucessos são supervalorizados e constantemente deturpados para gerar uma automotivação que dura muito pouco tempo; Restrição de sociabilidade: a falta de realização no trabalho que ama, causa uma minimização dos círculos reais de
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amizade, restringindo-se aos colegas de trabalho (que geralmente só falam de trabalho) e alguns familiares mais chegados; Agressividade e outros: o comportamento agressivo se manifesta como válvula de escape e outros comportamentos começam a aparecer. Assim, a beleza da carreira policial é ofuscada pela escuridão imposta pela má utilização e cuidado com um profissional tão importante. A Situação da 12ªDP Não diferente de outros policiais de outras esferas de atuação e de outros estados, os policiais civis potiguares chegaram ao fundo do poço da desvalorização de sua profissão. Eles trabalham em número reduzidíssimo, mal armados, mal protegidos, em péssimas instalações, e precisando investir recursos próprios para melhor servirem a sociedade. Foram apresentadas no capitulo anterior as condições de conservação da 7ªDP que está localizada no Bairro Quintas. Evitando que isso se repita em sua delegacia, os policiais civis da 12ªDP9, (poucos agentes, delegado e escrivão) que perderam as esperanças na Administração Pública potiguar, resolveram agir por conta própria. 9
HERMES, Ivenio. 12ªDP e 9ª DP – Problemas Enfrentados e Soluções Adotadas: Levantamento Fotográfico. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes e Carta Potiguar. Disponível em: < http://migre.me/cTJst >. Publicado em: 20 jan. 2012.
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Adquiriram um roteador de internet para poderem usar o recurso de WiFi num prédio sem estrutura de cabeamento; Fazem rateio para manter a viatura funcionando, comprando peças e contando com os mecânicos da área para a manutenção; Fizeram um planejamento do interior da DP e utilizaram divisórias navais como paredes (longe do ideal de segurança e privacidade, mas foi o meio que encontram) para terem suas salas de entrevista policial, sala do setor de homicídios, sala do delegado e outros ambientes necessários; Efetuaram a reforma no “cartório”, que é uma cela improvisada para manterem seguros e limpos seus trabalhos e ainda mantém os computadores sempre em condições de uso. A ausência da Administração Pública é sentida, entretanto, para seu próprio bem eles cuidaram do seu ambiente de trabalho. No dia 18 de dezembro de 2012, quando nossa equipe de pesquisa chegou ao local, em uma das salas adjacente e sem porta, nos deparamos com um homem que estava saindo do banho, de roupa trocada e que era conduzido por um agente até uma mesa na qual havia uma refeição. Tratava-se de um cidadão que fora detido por desordem e que os agentes entenderam que seu delito fora provocado por causa da fome e abandono. O homem estava sendo tratado com uma dignidade exemplar, por policiais que são tratados indignamente todos os dias. Inicialmente tivemos uma recepção pouco amistosa, pois fomos confundidos com repórteres que já estiveram lá e nada divulgaram
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sobre a situação da DP, mas assim que nos identificaram e entenderam a natureza de nossa visita, eles nos abriram todas as informações possíveis. Um dos agentes confidenciou que eles convivem com tanta miséria naquela região que preferiram combater o crime da forma mais humana possível. O próprio policial, para suportar aquelas situações, só consegue relaxar e dormir em sua casa após tomar um ansiolítico, o Rivotril® (Clonazepam)10. Longe da lembrança da gestão pública, os policiais da 12ªDP buscam apoio mútuo e da comunidade para sobreviverem aos rigores da profissão. O Caso da 9ªDP e da CDP Na 9ªDP a situação é semelhante³, entretanto, até conseguiram um pouco de investimento do poder público porque estão situados no andar superior de uma Casa de Detenção Provisória. A equipe como sempre é reduzida, um delegado, um escrivão e dois agentes. O escrivão se encontrava de licença médica devido a um acidente, mas estava em seu posto de serviço repassando informações para o escrivão substituto, que é lotado na depredada 7ªDP. O senso de responsabilidade do policial de licença médica não o deixou largar o colega substituto sozinho. O cartório, embora sem condições de segurança (suas paredes são de divisória naval e a porta de acesso do mesmo material) estava 10
ROCHE, Produtos Químicos e Farmacêuticos. Rivotril® (Clonazepam): Bula Registro no M.S. 1.0100.0072. Produtos ROCHE Químicos e Farmacêuticos S/A.. Disponível em: < http://db.tt/edIrIniL >. Acesso em: 20 jan. 2013.
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impecavelmente organizado e limpo, mesmo faltando estantes e computador, fruto do trabalho exclusivo dos policiais empenhados no serviço público. A demanda pelos serviços de polícia na 9ªDP também é grande, e os policiais estão constantemente assoberbados com a média de 211 inquéritos policiais instaurados mensalmente. O convívio com a CDP é algo a ser comentado: A CDP conta com uma população carcerária que, segundo o único agente penitenciário de serviço e a diretora, é de aproximadamente 48 detentos, que são distribuídos em 3 celas, e que em sua grande maioria está preso por crimes contra a dignidade sexual; O agente não possuía arma de dotação individual e a Escopeta Calibre 12 de uso comum, estava carregada com munições não letais e havia um punhado de munições letais, do tipo SG, reservadas para situações adversas. Uma prática fora de uso, pois na doutrina de Operações Controle de Distúrbios, munições letais devem ficar em armas especificamente separadas para evitar erros; O agente penitenciário que trabalha em escala de 24 horas, enquanto a diretora em serviço normal, 8 horas diárias. Desestimulado por trabalhar sozinho, o agente aproveitava todos os minutos de tranquilidade para estudar para outro concurso público; Além disso, a CDP conta com o apoio de dois policiais militares (desvio de função, pois estão fazendo o serviço de agentes penitenciários).
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Nessa situação da CDP, para evitar o desvio de função dos policiais militares, que Estado do Rio Grande do Norte totalizam 834 homens cedidos para o sistema penal, seria preciso, no mínimo, mais dois agentes de plantão, num efetivo total de 16 agentes, isso sem contar com as eventuais licenças, férias e outros tipos de afastamento. A 9ªDP e a CDP convivem no mesmo local. A delegacia sobrevive com poucos recursos e esquecida da gestão pública e a CDP, mesmo com os esforços do Juiz Henrique Baltazar para aumentar a segurança carcerária e as condições de encarceramento, continua com os mesmos problemas básicos de falta de efetivo. São policiais e agentes penitenciários sendo pressionados dentro do limite de sua capacidade física, emocional e psicológica. Uma Questão de Sobrevivência Felizes são aqueles que nada esperam de um Estado que não respeita seus cidadãos e seus servidores públicos, pois não correm o risco do desapontamento, da tristeza e da depressão. O senso de autopreservação, o instinto de sobrevivência e o apego à vida estão presentes nos animais irracionais e racionais. Na atividade policial é algo que não pode ser desprezado sob a pena de perdas inestimáveis para o agente, seus colegas de trabalho e para a sociedade que espera desses homens nada além de proteção e serviço. “Feliz do homem que não espera nada, pois nunca terá desilusões.” Alexander Pope.
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Na doutrina policial costuma-se dizer que o perigo vem das mãos. É para as mãos dos suspeitos que se deve atentar, pois dela pode surgir uma arma de fogo, uma arma branca, uma tentativa de embate ou agressão. Os encarregados de aplicar a lei no Estado Potiguar, entretanto, são ameaçados e colocados em perigo por mãos que não aparecem e que deveriam estar implementando políticas públicas de segurança e planejamento estratégico para mudar o atual estado de abandono e desprezo no qual foi jogada a Segurança Pública. É o respeito ao servidor público e à sociedade que para quem convive com o perigo é uma questão de sobrevivência.
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2. Tentativa de Extermínio da Polícia Civil do RN 2.1- A Falta de Investigações
Um Sorriso de Insegurança A luta mais triste que alguém pode travar é aquela por uma justiça diária que nunca chega. É o que têm acontecido na sociedade potiguar que assiste atônita, o aumento gradativo da insegurança pública, que é disfarçada pela mídia comprometida com os poderosos que cometem crimes que ficam mofando numa gaveta até apodrecerem por falta de continuidade do serviço policial. Enquanto os próprios concursados das polícias civil e militar unem-se para reivindicar ao governo, de forma insistente, a nomeação dos novos policiais aprovados no último concurso promovido pelo Estado do Rio Grande do Norte, a atual gestão e as próprias representações não sindicais dessas entidades tem-se limitado a manter o mesmo discurso: a contratação de novos policiais não será possível em decorrência da crise financeira que passa o Estado. “Tenho um sorriso confiante que às vezes não demonstra o tanto de insegurança por trás dele.” Johnny Depp. Um embate argumentativo falacioso que provoca perdas na população, que permanece obrigada a assistir diariamente nos noticiários – quando ela mesma não vivencia a experiência como
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vítima – o progresso da violência no Estado, trava nos rostos potiguares um sorriso triste de insegurança. Dados Que Alarmam O Jornal Online Nominuto, antes de encerrar seu portal pela segunda vez, publicou que Natal teve um acréscimo de 1000% (mil por cento) na taxa de violência. Esses números foram extraídos de dados do Instituto SANGARI, que a capital à vice-liderança no ranking nacional em crescimento da taxa da violência na última década! Segundo WAISELFISZ11 através de sua pesquisa pelo Instituto SANGARI, a cidade de Natal (com índice de 32,3 homicídios a cada 100mil habitantes) está no ranking das capitais mais violentas do País (em número de homicídios por cidadãos), acima de capitais como Rio de Janeiro (24,3) e São Paulo (13,0). Em 10 anos, Natal quase quadruplicou a taxa de homicídios, enquanto outras capitais, tais como Recife e Rio de Janeiro, baixaram essa taxa com investimentos na polícia judiciária e ostensiva. Mais alarmante ainda é perceber que este aumento da criminalidade no Estado apenas ocorre devido ao descuido, e talvez descaso, dos gestores públicos estaduais, desde o momento que se “distraíram” no trato correto com os investimentos em Segurança Pública. Essa assertiva advém ainda de WAISELFISZ, no relatório do instituto SANGARI, conhecido como Mapa da Violência, segundo o qual, o RN não possui histórico de violência 11
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. São Paulo – SP: Instituto Sangari, 2012. 245 p. Disponível em: < http://db.tt/wKR0LA6F >. Acesso em: 05 nov. 212.
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em suas cidades (ao contrário de Estados vizinhos como Pernambuco, Alagoas e Ceará). Até o ano de 2004, o RN possuía um índice de violência bem abaixo da média Nacional, sendo considerado o Estado com a 2ª menor taxa de homicídio do País, perdendo apenas para Santa Catarina! Todavia, de 2004 até 2012, seus índices se elevaram de uma forma absurda, o número de homicídios praticamente triplicou no Estado (251 / 727)! Já entre Crianças e adolescentes (entre 1-19), em 10 anos (20002010) o aumento foi de quase 400%.O RN elevou-se ao 2º lugar do ranking Nacional, perdendo apenas para a Bahia, em crescimento da taxa de homicídios de crianças e adolescentes! A Mesma Tecla Dissonante O mais assustador é que a violência progride de forma desproporcional aos investimentos do Estado na Segurança Pública! O quantitativo de efetivo da polícia, surpreendentemente, apenas diminuiu nesses últimos anos! Dos 5.150 cargos existentes, apenas 1.482 se encontram ocupados! Aproximadamente ¾ dos cargos existentes na polícia civil se encontram vagos! Inclusive, há algum tempo foi noticiado no jornal Tribuna do Norte12 que mais de 22 cidades se encontram sem polícia civil, e segundo a presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol), Ana Cláudia Gomes, “dos 167 municípios norte-riograndenses, 127 não possuem delegados da Polícia Civil”, 12
NORTE, Tribuna do (Ed.). TSE revela preocupação com pedidos de forças federais. Disponível em: < http://db.tt/yCn4MWlA >. Publicado em: 29 set. 2012.
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forçando os policiais a acumularem até 8 delegacias, o que é humanamente impossível! Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do RN no dia 07 de novembro de 2012, restou constatado que o efetivo da polícia civil permanece o mesmo desde 1996 (no caso de delegados) e desde 2000 (no caso de agentes e escrivães). E o próprio governo confirmou esta informação assustadora para a população do Rio Grande do Norte, no Diário Oficial do Estado13, por ocasião da última pífia nomeação de 3 delegados, 8 agentes e 2 escrivães “Considerando que o último concurso público para preenchimento do cargo de provimento efetivo de Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte ocorreu no ano de 1996″, ressaltou no ato convocatório. Os poucos policiais convocados recentemente estão apenas ocupando as vagas dos policiais aposentados, exonerados e falecidos, como foi publicado pelo Portal BO14 bem como pode ser comprovado nos próprios atos de nomeação que o Estado tem feito. O Estado insiste manter o piano da Segurança Pública tocando a mesma tecla dissonante, ao utilizar o antigo argumento de que está no limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal para não promover novas contratações. Ocorre que, já está mais do que comprovado e novamente foi ressaltado na audiência pública 13
NORTE, Diário Oficial do Rio Grande do. Portaria de Nomeação de 09.11.2012 DN do RN. Disponível em: < http://db.tt/z3JMWPDo >. Publicado em: 09 nov. 2012. 14 BO, Redação Portal. Audiência na Assembleia Legislativa indica que homicídios triplicaram no RN: Em contrapartida, efetivo da Polícia Civil é praticamente o mesmo há 16 anos.. Disponível em: < http://db.tt/HTyHZ7Zq >. Publicado em: 07 nov. 2012
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realizada na Assembleia Legislativa no dia 07 de novembro de 2012, o RN encontra-se há 12 anos no limite prudencial! Uma Breve Conclusão Parcial O aumento dos crimes que sem solução que se avolumam é culpa da Gestão Pública do Estado do Rio Grande Norte. Não há mais como mascarar essa culpa pelos crimes de gaveta criados pelo descumprimento de promessas de campanha, pela ausência de planejamento estratégico e de vontade política em investir na polícia judiciária e destarte, promovendo a falta de investigações. Ora, caso a Segurança Pública fosse uma prioridade da gestão pública atual, ela já poderia ter promovido a nomeação de todos os policiais aprovados, e o melhor, com amparo legal, considerando que a própria Lei de Responsabilidade fiscal autoriza a nomeação de servidores, desde que este ato seja proveniente de determinação judicial, como é o caso atual, pois em 18 de dezembro de 2012, a juíza de direito Patrícia Gondim Moreira Pereira, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o Estado do Rio Grande do Norte a efetivar, imediatamente, a nomeação e posse dos candidatos aprovados para os cargos de Delegado, Agentes e Escrivães de Polícia Civil. Ela completou que isso seria feito dentro do número de vagas previstas no Edital, ou seja, nenhuma vacância gerada por mortes e aposentadorias. “Quando eu te vi andava tão desprevenido que nem ouvi tocar o alarme de perigo, e você foi me conquistando devagar. Quando notei já não tinha como recuar.” Ana Carolina.
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Entretanto, o Estado insiste em não cumprir a decisão, persistindo em socorrer-se a recursos meramente protelatórios até as últimas instâncias para não nomear novos policiais. Desta forma, o discurso de “limite prudencial da LRF” que segundo o governo, impede novas contratações, não prevalece mais. O alarme de perigo está tocando no Estado Potiguar e a gestão pública parece tranquila quanto a isso, transmitindo uma falsa sensação de segurança que logo pegará a todos, não desprevenidamente, pois os alertas têm sido constantes e rotineiro, dado pelas vozes verdadeiras e honestas daqueles que realmente amam a justiça.
2.2- A Falsa Interiorização
O Descaso Disfarçado Com o argumento midiático falacioso e inverossímil, a gestão pública do Rio Grande do Norte promove uma propaganda meramente política de que está contratando novos policiais civis e assim, cumprindo uma promessa que seria a “interiorização” da força policial judiciária. Esse processo chamado interiorização, seria o ato de suprir as deficiências que ocorrem no interior do Estado, contudo, ao repor apenas as vagas decorrentes de falecimentos, aposentadorias e exonerações, o governo “cobre um santo descobrindo outros”. “Muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las
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tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel.” René Descartes. E assim, disfarçando o descaso, que infelizmente é aceito e corroborado pela DEGEPOL, a gestão estadual não promove Segurança Pública. Há inclusive a vontade verbalizada em reuniões de que a intenção do governo é a extinção da Polícia Civil ou sua morte por inanição. E mesmo que essa vontade não fosse proferida verbalmente, a atitude da gestão administrava fornece claros sinais de que essa é sua intenção. A Real Situação O quadro de policiais atualmente é ínfimo para responder às demandas atuais da criminalidade e mesmo a necessidade premente. O Estado insiste em aguardar aposentadorias, exonerações ou morte de policiais para contratar outros novos policiais: Em 2008 foi aberto edital contando com 68 vagas para delegados, 263 vagas para agentes e 107 vagas para escrivães (totalizando 438 vagas), além de formação de cadastro de reserva (suplentes); Em 2010 terminaram o curso deformação 84 candidatos para o cargo de delegado, 308 para agentes e 122 para escrivães (totalizando 514 concursados). Desde então, foram nomeados e empossados apenas 30 delegados (11 não tomaram posse ou pediram exoneração), 105 agentes (17 não tomaram posse ou pediram exoneração) e apenas 25 escrivães (7 não tomaram posse ou pediram exoneração), totalizando 160 empossados;
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Lembrando que neste mês, foram nomeados mais 3 delegados, 9 agentes e 2 escrivães, não se sabendo ao certo quantos assumirão. Acrescente-se o fato de que ainda que nomeados todos os candidatos aprovados nas vagas, o quantitativo da polícia civil ainda será insuficiente para um Estado com alto índice de violência como o RN, daí a necessidade de se convocar os suplentes e fazer outro curso de formação (os suplentes totalizam 92 candidatos aos cargos para delegado, 151 agentes e 56 escrivães). Como já foi explanado, essas nomeações correspondem tão somente à reposição de mortes, exonerações e aposentadorias (basta ver os atos de nomeação publicados no diário oficial do Estado, nos quais constam expressamente a vinculação da nomeação de um policial a uma aposentadoria ou morte), mantendo-se a mesma estrutura dos últimos concursos (1996 para delegado e 2000 para agentes e escrivães). Dos que fizeram curso de formação faltam ser nomeados 43 delegados, 186 agentes e 91 escrivães, totalizando 320 aprovados aptos a serem nomeados. Destes, no entanto, devido à demora nas nomeações, apenas alguns tomarão posse. Impossível não Comparar A população é quem mais sofre com a não contratação dos policiais aprovados no último concurso. A praia de Pipa, por exemplo, apesar da premente necessidade, não possui uma equipe de policiais civis (dentre delegados, agentes e escrivães) permanente e exclusivo para a localidade. Cabe ao delegado de Goianinha a responsabilidade de Pipa e de mais duas
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cidades! E pasme-se, o delegado acumula todas essas cidades, sem escrivão!15 Já a Delegacia de Monte Alegre acumula mais de 4 DPs e dispõe de estrutura insuficiente para atender à demanda. Umarizal atualmente não possui delegado, apesar de ser considerada uma cidade com índice de violência acima da média nacional, segundo WAISELFISZ, através do Mapa da Violência 201216. O Delegado anterior, Divanilson Sena, pediu exoneração em Dezembro de 2012, e informou que era responsável por 5 cidades, contando apenas com a ajuda de um único agente, e nenhum escrivão. Com a saída do Delegado de Umarizal, o Regional de Patú, Delegado Sandro Reges, passou a acumular 11 cidades, dentre elas, Umarizal, considerada, repita-se, cidade com um dos mais elevados índices de violência da região. Pior situação é da cidade de Ceará Mirim que possui 3 (três) promotores e apenas 1 (um) delegado e poucos agentes17. Uma 15
DAMASCENO, Jacson. Delegado de Pipa cuida de mais três cidades sem escrivão. Disponível em: < http://db.tt/UN43tdRb >. Publicado em: 18 abr. 2012. 16 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. São Paulo – SP: Instituto Sangari, 2012. 245 p. Disponível em: < http://db.tt/wKR0LA6F >. Acesso em: 05 nov. 212. 17 MPRN, Portal do. Controle Funcional dos Membros do Ministério Público. Disponível em: < http://db.tt/YCmTqMFC >. Atualizado em: 03 jul. 2012.
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cidade na Paraíba de mesmo porte de Ceará Mirim é Sousa, com 65.803 habitantes segundo o último censo do IBGE18. Segundo o Delegado Regional de Cajazeiras, Sousa conta com duas delegacias distritais, contando com 3 delegados, 2 escrivães e 6 agentes, e ainda 1 delegacia da mulher com 1 delegada, 1 escrivã, e 2 agentes. Uma diferença gritante! Ainda persistindo na grave situação de Ceará Mirim, comparandoa com outros Estados do Nordeste, pode-se citar a cidade de Picos situada no Estado do Piauí, que apesar de ser considerado um Estado pobre em comparação ao nosso, e, ressalte-se, com a menor taxa de violência do nordeste, segundo dados do mapa da violência 2012, contando com a média de 73.000 habitantes19, possui, segundo o Delegado Regional Gilberto Franklin Silva, 4 delegados, 22 agentes e 3 escrivães! Uma Breve Conclusão Transitória! Infelizmente, este não é todo o cenário do imenso teatro que é a polícia civil no interior do Estado Potiguar. A população de São Miguel do Gostoso vive indócil com o desamparo: não há policiais na cidade. Efetivamente, a própria Tribuna do Norte, noticiou que há somente um policial militar fixo e efetivamente trabalhando, os demais estão ou de licença ou revezando as folgas entre os poucos que tem. Polícia civil? Isto é 18
IBGE, Relatório Eletrônico. IBGE Cidades da Paraíba. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=pb > ou http://migre.me/cNfsC >. Acesso em: 12 jan. 2013 19 IBGE, Relatório Eletrônico. IBGE Cidades do Piauí. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=pi > ou http://migre.me/cNfza >. Acesso em: 12 jan. 2013
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luxo em se tratando do Rio Grande do Norte, e nesta cidade não seria diferente. A criminalidade tem sido tão grande que tem afugentado turistas, bem como empresários, fato que levou a prefeita eleita marcar uma reunião com a cúpula da polícia civil e militar para solicitar um efetivo permanente na cidade. E antes de agir e lutar pelo Estado Mamute, parece que a Administração Pública prefere permanecer inerte. “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!” Rui Barbosa. Todas essas situações concomitantes colaboram para aumentar os arquivos mortos de crimes sem solução. No ano passado, os crimes de gaveta devido ao número de inquéritos policiais não concluídos (relativos ao crime de homicídio) foi superior a 1.000, isso sem contar com a cifra negra, que também são crimes de gaveta, pois são homicídios que não chegam nem a gerar um inquérito. O lacrar de gavetas contendo peças de crimes que jamais serão resolvidos é um espectro terrível que paira sobre a sociedade potiguar. Até quando o governo permanecerá imóvel diante dessa grande injustiça criada pela sua própria inação…
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2.3- O Comércio da Vergonha
A Ignomínia Potiguar! Em se tratando de Segurança Pública, no Estado Mamute seria melhor se o tema fosse abordado como “insegurança”, pois a cada dia guerreiros midiáticos comprometidos com a verdade continuam alertando sobre a maré alta de falsas informações que são distribuídas pelas mídias comprometidas. A Carta Potiguar, Cezar Alves, Daniel Dantas, Kezia Lopes, V & C Artigo e Notícias, o Juiz Henrique Baltazar, além dos concursados das Polícias Civil e Militar, juntam as mãos em suas mídias de maior penetração e conclamam todos a buscarem mais segurança. Essa busca diária visa diminuir o número de factoides que andam por aí, nublando as estatísticas e evitando dar nome às vítimas cujos 15 minutos de fama somente ocorrem por ocasião de suas mortes, virando uma funesta homenagem ofuscada pela fúnebre existência de quem vive morrendo de medo da morte. “O medo da morte transforma a vida em uma fúnebre existência.” Marcelo Queiroz. Contudo, para quem perde seus entes queridos e não vê a justiça sendo promovida de maneira eficaz, o sentimento de angústia é muito grande e a tendência para buscar seus próprios meios de justiça pode ser potencializada, gerando uma cadeia de eventos criminosos que discorremos mais tarde numa série de textos dos crimes de gaveta.
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Por enquanto, diante da omissão do Estado Potiguar em investir na segurança de seus cidadãos, vejamos o que se tem feito para evitar que a vergonha potiguar, se transforme na ignomínia potiguar! Ações Planejadas e Inadvertidas Em ofício enviado pela Diretoria de Polícia da Grande Natal (DPGRAN) ao Ministério Público em 28 de maio de 2012, o cenário exposto é preocupante: A maioria das delegacias conta com mais de 700 procedimentos em andamento; 1 delegacia possui apenas 1 delegado e 1 escrivão responsável por uma área com população superior a 200 mil habitantes e mais de 200 casos de homicídios a serem elucidados; mais de 200 veículos furtados somente nesse mesmo mês de maio, devendo tais furtos serem investigados na DEPROV que possui apenas 1 delegado titular, 1 delegado adjunto e 2 escrivães!20 O ENASP objetivando finalizar os inquéritos de homicídios instaurados em todo o Brasil até dezembro de 2007, concluiu que o Estado do RN teve um dos índices de produtividade mais baixo do País, o 6º menor! “Dos 1.171 inquéritos, o RN finalizou apenas 268, o que representa uma produtividade de 22,89%”. Segundo o ENASP, o Rio Grande do Norte possui um número insuficiente de delegados, agentes e escrivães para promover investigações. O relatório ainda se completa mais quando aponta que o RN possui apenas 32 peritos concentrados apenas em Mossoró e Natal. Quantidade irrisória para as ocorrências desses 20
JUNIOR, Carlos. Audiência Pública sobre os Concursados Aprovados da PCRN – Discurso do Representante dos Concursados da Polícia Civil do Rio Grande do Norte. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=FJHD1Om9c0M > ou < http://migre.me/cQsk8 >. Publicado em: 20 nov. 2012.
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municípios, isso, sem levar em consideração que ambas as cidades podem ser consideradas polo, destarte, ao se falar delas, é preciso considerar as cidades circunvizinhas. Aliás, é o próprio Secretário de Segurança quem admite a baixa produtividade na conclusão de inquéritos por parte da polícia civil no RN21 “só 5% dos casos dos homicídios registrados se chega à autoria do crime”, declarou. As razões ele atribuiu as “dificuldades operacionais, a deficiência de pessoal e a falta de capacitação das Polícias Judiciária e Técnica”. E ainda afirma, em relação ao efetivo, que o Estado possui somente “o extremamente necessário para fazer o trabalho de segurança”. Como entender tal afirmação? A luta dos aprovados por uma polícia reestruturada e fortalecida para combater a demanda da criminalidade no Rio Grande do Norte tem sido grande e tem ganhado irrestrito apoio da população, da Assembleia Legislativa, da OAB, e até do próprio Secretário de Segurança, que às vezes o faz, inadvertidamente. A população tem vivido aterrorizada diante da violência que se implantou no Estado. Segundo recente pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “o Rio Grande do Norte é o estado do Nordeste onde as pessoas mais se sentem inseguras”. Até a OAB recentemente cobrou segurança ao Estado 22. O Secretário de Segurança Pública, em entrevista recente ao jornal “Tribuna do Norte”, declarou que precisa contratar urgentemente 21
NORTE, Tribuna do. A polícia precisa de R$ 80 milhões. Disponível em: < http://db.tt/7JUfoBBg >. Publicado em: 01 dez. 2012. 22 NORTE, Tribuna do. Após arrastão, presidente da OAB cobra mais segurança ao Estado. Disponível em: < http://db.tt/W0uvv2Nl >. Publicado em: 28 nov.2012.
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350 policiais civis e fazer um novo concurso. Informou ainda que tem insistido nessa questão a quem ele denomina de “gestor do Estado”: “Aí vem o papel do gestor. Estou fazendo minha parte, de levar esse problema ao gestor e insistir nisso: temos a necessidade de chamar os 350 policiais civis já concursados, inclusive formados e preparados para assumir e, necessariamente, fazer concurso para a PM até o fim do ano de 2013.” Disse. 23 Ações da Assembleia Legislativa No âmbito da Assembleia Legislativa, tem sido uma constante a cobrança dos Deputados pela nomeação dos policiais civis e militares ao governo. O Deputado estadual Walter Alves (PMDB) chegou a fazer um requerimento junto à Mesa Diretora da Assembleia para cobrar ao Governo do Estado a nomeação dos aprovados no concurso da Polícia Civil24. O Deputado Fernando Mineiro realizou uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do RN no dia 07 de novembro de 2012, para debater o assunto e cobrar do governo do Estado as nomeações25 26. 23
RN, Assembleia Legislativa do. Deputado quer providências urgentes do governo para a área de segurança. Disponível em: < http://db.tt/aODhnXnU >. Publicado em: 04 dez. 2012. 24 ALVES, Walter. Deputado Walter cobra nomeação dos concursados da Polícia Civil. Disponível em: < http://db.tt/ZO15ohP5 >. Publicado em: 29 nov. 2012. 25 NORTE, Tribuna do. A polícia precisa de R$ 80 milhões. Disponível em: < http://db.tt/7JUfoBBg >. Publicado em: 01 dez. 2012. 26 HERMES, Ivenio. Manifestação na Assembleia Legislativa Potiguar. Disponível em: < http://migre.me/cGrUr >. Acesso em: 13 dez. 2012.
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O Deputado Gustavo Carvalho (PSB) chegou a dizer em plenário no dia 04 de Dezembro que o governo precisa investir urgentemente na Segurança Pública do Estado, para combater a insegurança que reina, tanto na capital como no interior. E solicitou a convocação dos aprovados no último concurso, o que foi prontamente apoiado pelos Deputados José Dias (PSD), Márcia Maia (PSB), Fernando Mineiro (PT) e Larissa Rosado (PSB)27. No dia 05 de Dezembro de 2012, uma audiência pública na Assembleia ocorreu novamente para debater o corriqueiro tema “a Segurança Pública”, onde estavam presentes o Secretário de Segurança Pública, o DEGEPOL, autoridades da Polícia Militar, e representantes dos aprovados da polícia civil e militar, ocasião em que os órgãos apesar de terem exposto suas “conquistas”, admitiram que ainda há muito o que se fazer pela polícia, porém não foi levantada proposta concreta de nomeação28.
As (In)Ações da Administração Pública Em todas essas ocasiões, o governo fundamenta a não contratação de novos policiais por estar no limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. Todavia, o Governo já se encontra neste Limite há 12 anos, como foi dito na última audiência pública do dia 07 de novembro 201229. 27
RN, Assembleia Legislativa do. Deputado quer providências urgentes do governo para a área de segurança. Disponível em: < http://db.tt/aODhnXnU >. Publicado em: 04 dez. 2012. 28 Idem 29 JUNIOR, Carlos. Audiência Pública sobre os Concursados Aprovados da PCRN – Discurso do Representante dos Concursados da Polícia Civil do Rio
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No último evento do dia 05, o Secretário de Segurança pública comprometeu-se a se reunir com os Deputados Fernando Mineiro e Leonardo Nogueira, bem como representantes dos aprovados no último concurso a fim de tratar a respeito da nomeação de novos policiais, bem como maiores investimentos na polícia, reunião que se daria na data dia 11 de dezembro. Ocorre que o secretário desmarcou esta reunião, e não marcou outra data até a data da publicação deste livro. Os suplentes da Polícia Militar, inconformados, foram para frente do centro administrativo para cobrar a nomeação dos 824 suplentes30. Os suplentes levaram faixas para frente do prédio do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EMATER-RN) onde a governadora Rosalba Ciarlini participava de um encontro com os prefeitos eleitos este ano31. Posteriormente, chegaram os Deputados Mineiro, Leonardo e Tomba, e convocaram os policiais civis e militares aprovados no último concurso a comparecerem no dia 13 de dezembro de 2012 na Assembleia para exigir do governo a nomeação imediata! No dia 13 de dezembro de 2012, dia em que seria votado o orçamento na Assembleia, todos os representantes dos aprovados da polícia militar e civil estavam presentes, porém, nada foi conseguido. Tudo continua na mesma: violência aumentando, Grande do Norte. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=FJHD1Om9c0M > ou < http://migre.me/cQsk8 >. Publicado em: 20 nov. 2012. 30 AZEVEDO, Saulo. Deputados convocam todos os aprovados PM/RN amanha na AL. Disponível em: < http://db.tt/K9ucbX40 >. Publicado em: 12 dez. 2012. 31 NORTE, Tribuna do. Policiais convocados fazem protesto no Centro Administrativo. Disponível em: < http://db.tt/cNYYZWBo >. Publicado em: 11 dez. 2012.
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população apavorada, órgãos públicos exigindo uma solução ao governo, mídia cobrando, e o Estado discursando que não nomeia em decorrência da Lei de Responsabilidade Fiscal que já assola há 12 anos o Estado, enfim, nada muda. O Comércio da Vergonha Persistindo numa estrada equivocada, o Governo não combate mais os crimes cometidos, apenas tenta evitar novos com a utilização da polícia ostensiva e sem dar prosseguimento ao ciclo completo da atividade policial. Contudo, os números atualizados sobre a situação da Polícia Civil e sobre o concurso, demonstram que essa estratégia está fadada ao fracasso 32. Pequenas e grandes operações são deflagradas para fazer prisões e comercializar a vergonha de se ter um Estado paupérrimo em ações pós-operações, pois sem a polícia judiciária, entenda-se, a polícia civil e a polícia técnica, essas operações mofam dentro dos cartórios das delegacias. Ou ainda pior, sofrem pelo comprometimento das provas levando o Ministério Público a ficar sem capacidade de prosseguir com ação persecutória. “Um homem nunca deveria ter vergonha de confessar que errou, pois na verdade é como dizer, por outras palavras, que hoje ele é mais sábio do que foi ontem.” Jonathan Swift. Contudo, ainda dá tempo para fazer alguma coisa em prol da Segurança Pública Potiguar, afinal, o ano mal começou. O governo somente precisa admitir que errou em suas políticas públicas de 32
HERMES, Ivenio. Estudo Atualizado do Concurso PCRN. Disponível em: < http://db.tt/BqX2On1h >. Publicado em: 17 dez. 2012.
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segurança e dar um passo a frente unindo-se com a sociedade e pela sociedade. Acreditando que ainda há chance de interromper o comércio da vergonha que vende jornais que não contam mais histórias, apenas narram aquilo que todos já sabem, mascaram as notícias ou postam aquilo que é enviado por entidades descomprometidas com a segurança, os grupos @SuplentesCivil e @ConcursadosPCRN, estão realmente interessados na Segurança Pública. Esses grupos promoveram em 17 de janeiro de 2013, das 20 às 22 horas, um “twitaço” para fomentar o governo a agir. Eles usaram as hashtags33 #NomeiaACivilRosalba e #ÉaVezdaCivilRosalba para chamar mais atenção e agregar os links que postaram, todos alusivos a insegurança reinante na sociedade potiguar. Você acredita que pode fazer alguma coisa? Então faça! E aguarde pelo próximo arco de textos dos Crimes de Gaveta: O ciclo da Impunidade.
Vincit omnia veritas!
33
WIKIPÉDIA; A Enciclopédia LIVRE. Hashtag. Disponível em: < http://db.tt/ARv6tU6J >. Acesso em: 16 jan. 2013.
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3. O Ciclo da Impunidade 3.1- ITEP: A Marca do Descaso
Introdução ao Ciclo da Impunidade
Casos do Acaso Num dos estados onde a marca de impunidade cada dia mais amplia sua marca de injustiça, ações policiais mal planejadas e deflagradas sem o devido cuidado, acontecem costumeiramente e seu teatro operacional compromete evidências, realiza ações de busca e apreensão questionáveis do ponto de vista legal, utiliza aparato policial que não estava treinado para aquela atividade, agindo num flagrante amadorismo que somente engana aqueles que consomem qualquer notícia sensacionalista vendida pelos telejornais fantasiados de propagadores da verdade. Após meses e até anos decorridos dessas operações alegóricas, grande parte dos inquéritos fica inconclusiva e não há condenações, não porque a inocência dos envolvidos fique provada, mas porque o Estado não consegue reunir dados oriundos das ações policiais questionáveis, que gerem convencimento da culpa dos réus. As provas que seriam fundamentais para a solução dos crimes e a punição dos culpados não são suficientes, estão comprometidas pela falta de conservação e pela inércia da polícia científica que não tem como fazer sua parte, pois além de não possuir equipamento, não possui local adequado de trabalho e conservação de evidências e ainda funciona num prédio condenado por vistoria técnica.
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Trata-se de um órgão figurativo, com estrutura de carreira mal definida, com centenas de funcionários oriundos de outras carreiras, que ocupam cargos sem terem se submetidos a concurso público e sem qualquer tipo de formação técnica para o exercício das funções. Entretanto, não se pode negar que, em meio à multidão existem alguns servidores que se revestiram da vontade de servir ao público. A credibilidade de um órgão assim, responsável por produzir documentos (provas técnicas) que permitem solucionar os crimes praticados no RN, contribuem para a existência de investigações inconclusivas, operações sem resultado prático e casos resolvidos geralmente pelo acaso. O Instituto Técnico-Científico de Polícia Teoricamente, O Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP) é o Departamento Técnico-Científico do Estado do Rio Grande do Norte, cuja função seria coordenar as atividades desenvolvidas pelas perícias criminais do estado através dos seus respectivos órgãos: a Coordenadoria de Criminalística (COCRIM), a Coordenadoria de Identificação (COID) e a Coordenadoria de Medicina Legal (COMELE). Para o não comprometimento de suas ações de investigação forense, embora tendo poder de polícia, estaria desvinculado da Polícia Civil, e como Polícia Científica, que é seu estandarte de ação, sua subordinação ficaria diretamente à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, desenvolvendo trabalho em regime de cooperação com os demais órgãos da Segurança Pública do RN.
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Mas o ITEP/RN, embora de suma importância para as investigações policiais e para os processos judiciais, vem sendo esquecido e abandonado por sucessivos governos, servindo mais como cabide de emprego do que qualquer outra coisa. Menos da metade dos servidores do ITEP fizeram concurso para o cargo que ocupam. Ou seja, as atividades científicas são realizadas por motoristas, ASGs, professores, bancários etc. A consequência disso é a baixa qualidade dos documentos produzidos e o altíssimo custo para funcionamento do órgão. A sede do ITEP funciona precariamente na Avenida Duque de Caxias, 97, Ribeira, na cidade de Natal/RN, possuindo duas unidades descentralizadas (subcoordenadorias) nos municípios de Mossoró e Caicó e uma “fictícia” em Pau dos Ferros. A sede principal, entretanto, a que deveria ser exemplo de boas instalações e equipamentos de qualidade, vive no ostracismo do investimento público, nunca recebendo qualquer material que capacite seus servidores ou melhore suas instalações. Tanto a polícia militar quanto a polícia civil que dependem desse órgão, ficam reféns de sua incapacidade de prestar um bom serviço. De fato, a sociedade em si é refém da incompetência e descaso governamental para com o ITEP. Durante a última greve deflagrada pelos servidores do órgão, tentamos conseguir um documento emergencialmente para um jovem concursado que precisava ir para outro estado se matricular num curso de formação policial, e a irredutibilidade em fornecer o atestado de antecedentes quase deixou o rapaz fora do concurso. A equipe do Blog do Ivenio e Carta Potiguar acompanhou a situação da greve e ficou tão atônita de como o público era maltratado que nem cogitamos de escrever nada sobre o pleito deles na época.
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Independente de greve, de problemas enfrentados no serviço público, o bom trato com o público que demanda os serviços de qualquer órgão público é dever do servidor, que não pode avocar direitos quando não dá o mínimo de bom tratamento ao seu público alvo. Os agentes do órgão que queriam fazer alguma coisa pela população eram ameaçados pelos colegas grevistas e ficavam com medo de comparecer ao serviço. O Outro Lado da Moeda Vendo a situação dos servidores do ITEP por este ângulo, é fácil execrá-los e culpa-los por tudo. Ocorre que eles também são vítimas do descaso da gestão pública e, dentro de suas pífias capacidades procuram trabalhar. Em 2011, o Serviço de Engenharia do Corpo de Bombeiros realizou uma vistoria técnica no prédio onde funciona a Coordenadoria de Identificação (COID). O resultado da inspeção consta no Laudo de Vistoria 043/2011, que foi engavetado sem que fossem tomadas quaisquer providências. O laudo embargava as instalações prediais e as declarava sem condições de operar os serviços aos quais se destinava pelos seguintes motivos: Falta do HABITE-SE; Desconformidade com o Código de Segurança e Prevenção Contra Incêndio e Pânico do Rio Grande do Norte; Cupins que comprometem a estrutura do teto; Extintores de incêndio fora do prazo de validade;
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Caixas de distribuição de Disjuntores em péssimo estado de conservação; Instalações elétricas que expõe a alto risco toda a edificação, com vazamento de corrente elétrica, energizando fechaduras etc; Risco de desabamento do forro de PVC da cobertura; Arquivos civil e criminal em desacordo com a NBR 9077 (saídas de emergência). Outros problemas como infiltrações e falta de conservação generalizada foram detectadas pela equipe de vistoria do Corpo de Bombeiros, que emitiu parecer pela IMEDIATA INTERDIÇÃO do prédio. “HABITE-SE”, que é o ato administrativo emanado de autoridade competente que autoriza o início da utilização efetiva de construções ou edificações destinadas à habitação. Entretanto, o documento não se refere apenas a construções residenciais como era anteriormente, é ele quem habilita se uma edificação é ou não própria para o uso humano. Assim, desde 2011, os servidores do ITEP convivem com esse descaso e se tornam potenciais vítimas da depressão e anulação social que pode se manifestar das mais diversas formas, inclusive a falta de vontade de cooperar com a efetividade de seu trabalho. Justificando Ausência de Operações O Rio Grande do Norte, assim como o Brasil é um país marcado por grandes e costumeiras operações policiais que vendem jornais e fazem propagandas de gestores e suas políticas de Segurança
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Pública, mas que não trazem efetivo benefício para a sociedade em matéria de combate ao crime. Nesse sentido, destaca-se a afirmação feita por Rosalba Ciarlini em 01 de Junho de 2012, quando participava de um evento do DEM em apoio a Rogério Marinho. Naquela ocasião ela criticou as operações que ocorreram durante a gestão de Wilma de Faria e declarou: “No meu Governo não tem Foliaduto, não tem Operação Higia, não tem Ouro Negro. No meu Governo não tem essas operações que envergonhavam o nosso Estado pelo Brasil todo”. Entretanto, pior situação é a de não investir numa Polícia Civil e nem numa Polícia Científica capaz de dar prosseguimento às investigações geradas pelas operações detonadas em governos anteriores e que ficam impunes. Não há como vangloriar-se da inexistência de grandes operações se talvez a falta delas seja justamente a falta de condições para realizá-las. Vale salientar que a estruturação do ITEP foi uma promessa constante na campanha de Rosalba na condição de candidata ao governo do estado. Nesse arco que agora se inicia, será realizado um estudo de como a falta de capacitação da força policial civil e científica diminuiu a efetividade das ações policiais, mostra porque as operações deflagradas em governos anteriores e até mesmo no atual não obtiveram sucesso em punir ou recuperar rombos nos cofres públicos, e de como a descontinuidade no processo investigativo decorrente das operações criam um ciclo de impunidade no Estado do Rio Grande do Norte.
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4.2- Operações Policiais Desaceleradas
O Ciclo da Impunidade (Parte 01) O Paradigma Operacional Quando uma operação policial é divulgada na mídia como “deflagrada”, é uma referência às ações de conhecimento público que órgão de polícia está executando. Entretanto, esse momento é apenas uma parte de um trabalho grandioso e que muitos não compreendem plenamente. Tanto as polícias ostensivas quanto as investigativas possuem seu processo peculiar para dar início a um procedimento operacional que um dia poderá ou não se tornar público, dependendo dos resultados obtidos. As ações da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados, bem como do Ministério Público, normalmente seguem o seguinte cronograma: Algum fato chega ao conhecimento da autoridade policial que possui a obrigação de adotar providências para a averiguação de sua veracidade. Essa fase denominada investigação preliminar pode ser rápida, vai depender de uma série complexa de fatores que não abordaremos agora; Constatados os indícios na investigação preliminar de que o fato conhecido é verdadeiro, a autoridade inicia a investigação propriamente dita; O grau de sigilo e as ramificações da investigação determinarão a dependência de outros fatores para seu prosseguimento, como a disponibilização de mais
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investigadores, peritos, autorizações judiciais, verbas para pagamentos de diárias, etc; Então é reunido todo material que gere convencimento ao Juiz de que há necessidade da emissão do mandado de prisão preventiva dos suspeitos, de busca e apreensão de matéria de comprovação, de objetos e outros artigos que configurarão como evidências; Enfim, a deflagração daquilo que chega ao conhecimento público com o nome de uma operação. É um método operacional que visa reunir o possível necessário para completar a investigação que subsidiará o ministério público a dar prosseguimento na ação persecutória que objetiva apurar todos os fatos, definir culpados, os crimes que cometeram, e por fim, imputar a pena que lhes for definida em lei. Um paradigma de trabalho policial necessário, que demanda tempo e efetivo preparado para realizar uma investigação bem feita, que precisa do suporte de uma polícia científica capacitada e com material para realizar um trabalho pericial inquestionável, e que depende da disponibilidade do poder público, cuja vontade nem sempre se manifesta com celeridade, para que seu desfecho aconteça. Comissionados Para a Ação Em meio aos problemas tipicamente brasileiros e particularmente potiguares que se pode deduzir que o paradigma operacional possa vir a suscitar, outros problemas são evidenciados para a falta de ação inicial que se desenvolva numa investigação e posteriormente
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numa operação deflagrada, e se for deflagrada, pode repousar numa inércia atitudinal de diversas esferas de competência. Um exemplo disso foram algumas ações do Batalhão de Choque da Polícia da Polícia Militar – o BPCHOQUE. No entorno da região onde o batalhão realizava um policiamento ostensivo preventivo foram detectadas diversas casas onde funcionavam caça níqueis e nenhuma ação da Polícia Civil, que estava consciente da situação, foi iniciada. O comandante do BPCHOQUE decidiu agir e prendeu diversos caça niqueis, algo que desagradou o delegado. Comparando as ações do BPCHOQUE com as da Polícia Civil, enquanto a PM apresentava uma apreensão entre cinco e seis mil reais, a Polícia Civil pouco mais de 500 reais. Além disso, no entorno da delegacia de defraudações havia vários pontos de caça níquel que não eram importunados pela Polícia Civil. Nesse ponto verifica-se que a polícia judiciária encontra-se fragilizada demais pela falta de efetivo operacional, a ponto de ser incapaz de realizar operações dentro de sua própria vizinhança, ou levando a crer, numa hipótese que se prefere afastar, de que o delegado se beneficiava da situação. A falta de priorização de ações estratégicas e planejadas em segurança pública levou o Delegado Federal Aldair Rocha, chefe da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED), a manter congelado seu projeto da criação da Divisão de Homicídios, um projeto muito bom e essencial para o Estado Potiguar. A ausência da Divisão sonhada por Aldair se reflete no crescimento do número de homicídios sem solução. Somente no último fim de semana do janeiro de 2013 foram registrados 17
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assassinatos e no fim de semana seguinte, o primeiro de fevereiro, foram mais 15 homicídios. O Estado possui uma taxa de aumento de 157% no índice de homicídios. O crime organizado, a despeito das negativas de alguns, está instalado no Rio Grande do Norte, não importando mais se é uma representação dos grupos do sudeste e sul do país ou se é algo novo que ainda não há dados para a correta mensuração da situação. Os Entraves Operacionais Se houvesse um investimento maior na área de inteligência, outro projeto de Aldair Rocha preso pela falta de contingente na Polícia Civil, a polícia judiciária, com a utilização de poucos recursos financeiros, teria meios de acabar com o crime organizado dentro do RN, porém, como não tem estrutura de homens para direcionar suas ações, quase nada pode fazer. E o pior de tudo é que quem controla o crime organizado está ciente dessa fraqueza da PC. Nos municípios do interior os entraves operacionais se agravam. Como não têm delegados e agentes suficientes para atender a demanda, eles são retirados de outras cidades, prejudicando o andamento dos inquéritos da cidade de origem ou de diversas cidades pelas quais aqueles policiais estejam responsáveis. Reunindo vários delegados, escrivães e agentes de diferentes locais para a condução de um inquérito, é natural que seu resultado não seja tão bom, e por vezes é até mal feito. Em Vila Em Paz, uma comunidade de Ponta Negra, foram feitas diversas prisões de pessoas envolvidas com tráfico de drogas, vários pontos de venda, as famosas bocas, foram estourados e o
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flagrante foi feito. Entretanto, aqueles que não estavam em flagrante, mesmo sob fortes indícios de se tratarem dos tenentes e chefes do tráfico, nada sofreram, pois não houve uma investigação concreta que subsidiasse o inquérito que acabou sendo mal feito e de nada resultou. A maioria das prisões efetivas que ocorrem no Estado é obra da Polícia Militar. A Polícia Civil faz um inquérito pobre de dados adicionais e não consegue concluir as investigações porque não têm delegados e agentes para realizarem o trabalho. A maior parte dos inquéritos se transforma num trabalho péssimo, sem investigação e nem apuração real. Alguns agentes e escrivães ficam revoltados, pois se esforçam com os poucos recursos humanos disponíveis para investigarem e não veem resultado concreto. A captação de provas para os crimes é mínima, e no caso de homicídios, somente quando há testemunhas do fato. Contudo, a demora decorrente da apuração, a falta de prisão preventiva, ou a liberação via habeas corpus, colocam os suspeitos frente à frente com as testemunhas que são ameaçadas e posteriormente modificam suas versões originais. Não há memória jurídica no Rio Grande do Norte de julgamentos cuja absolvição foi resultado da prova da inocência do acusado, mas sempre por falta de evidências que comprovassem o contrário. Não há chance para uma justiça clara e bem feita.
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Ponderações São os entraves das operações policiais, que ocorrem desde que ela é pensada no momento em que a autoridade toma conhecimento do fato até a finalização do inquérito que postergam a promoção da justiça no Estado do Rio Grande do Norte. Alheia a toda essa situação, a Administração Pública somente apresenta desculpas para sua falta de investimento em Segurança Pública e parece não perceber que ela é a grande fomentadora do caos ora instalado na sociedade potiguar. A falta de efetivo policial civil e de equipamento na polícia técnica oportunizam inquéritos mal feitos. Um problema que progride diariamente, pois eles levam o judiciário a empacar diante da falta de materialidade para prosseguir. Mas os entraves operacionais potiguares não terminam por aqui. Há também investigações bem feitas que levam anos tramitando pela falta de conhecimento adequado de promotores não muito bem qualificados. No próximo artigo, faremos um estudo da falta de celeridade na finalização de grandes operações como a Operação Hígia, Operação Impacto, Operação Máfia dos Gafanhotos, Sinal Fechado, e outras que levaram muito tempo para serem resolvidas e outras, como a Operação Foliaduto, que mesmo com todos os trabalhos concluídos, até a data desse estudo ainda não terminaram efetivamente.
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________ Consultor especial desse artigo: Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária. ________ REFERÊNCIAS: TRIBUNA DO NORTE (Brasil Rn Natal). Divisão de Homicídos sai este ano. Com Informações da SESED. Disponível em: < http://db.tt/1phsNpcf >. Publicado em: 07 fev. 2013. ZAULI, Fernanda; JULIÃO, Valdir. RN tem registro de 17 assassinatos. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/MosFCjLR >. Publicado em: 29 jan. 2013. TRIBUNA DO NORTE (Brasil Rn Natal) (Ed.). Polícia registra 15 homicídios no primeiro fim de semana de fevereiro. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/6HLp7ZSX >. Publicado em: 04 fev. 2013. LUCENA, Roberto. Número de homicídios cresce 157%. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/jCNBAtLr >. Publicado em: 27 jan. 2013. DANTAS, Anna Ruth; POLÍTICO, Blog Panorama. Operação Foliaduto: processo é concluído e aguarda sentença da juíza. Disponível em: < http://db.tt/tW7v5seX >. Publicado em: 02 mai 2012. WIKIPÉDIA; LIVRE., A Enciclopédia. Operação Hígia. Disponível em: < http://db.tt/dr9k0gOe >. Acesso em: 06 fev. 2013.
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LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p. _______ Assistente de pesquisa: Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.
3.3- As Operações Estagnadas
O Ciclo da Impunidade (Parte 02)
O Desfile da Descontinuidade Um ciclo pode ser definido como uma série de eventos que se sucedem numa ordem, contendo uma periodicidade dentro de certo espaço de tempo. Existem algumas definições mais linguísticas, porém, dentro da pesquisa dos fenômenos sociais, é importante lembrar que os fatos se repetem e por isso desenvolvem um ciclo, cuja tendência é chegar ao fim. Quando um ciclo termina dando lugar a outra série de eventos, podemos mensurar a evolução ou impacto que sua existência causou na sociedade. A impunidade no Brasil está em beligerante confronto contra a evolução social, destruindo a credibilidade das instituições que deviam combater essa prática. Nesse combate, os gestores públicos sabem muito bem como e onde atacar, pois os meios para determinar o fim dela estão à disposição deles. [ 69 ]
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Parecendo agir contra a evolução social, a gestão pública do RN vem agindo sem se importar com o fim do ciclo da impunidade e a ação praticada com frequência pelos criminosos está desencadeando um fortalecimento no liame que une um ciclo ao outro, passando a atacar os órgãos policiais e obstaculizando o conforto da segurança necessária para o cidadão ter uma vida digna. As operações policiais se encontram dentro de um desacelerador de motivação oriundo da falta de investimentos corretos em suas ações, que não podem ser deflagradas por falta de efetivo, equipamento, material e capacidade técnica, e quando o são, acabam no ócio da falta de andamento em instâncias pertinentes. Concomitantemente ou não, alguns policiais não agem porque seu compromisso profissional não está no cargo público e sim na ambição pessoal. Outros, mesmo com boa vontade em agir, não o fazem para não trazer sobre si uma responsabilidade que, embora sendo sua, não é devidamente apoiada pelo governo estadual. As operações policiais deflagradas, no máximo geram uns minutinhos de fama para os agentes e órgãos envolvidos, mas caem em seguida, nos jargões pejorativos que a falta de credibilidade nas instituições policiais vem obtendo. Grandes operações pecam pela falta de continuidade pósdeflagração. Hígia, Impacto, Foliaduto, Mão na Roda, Ouro Negro, Niquelândia e outras, fazem o desfile da descontinuidade se tornar algo costumeiro diante dos olhos inquietos da população. Entretanto, o hábito de utilizar a incapacidade policial nem sempre é correto, pois a responsabilidade pela estagnação de um processo que levará (ou não) os indiciados à punição, nem sempre recai nas mãos da polícia.
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A Corrida Contra o Tempo Após a deflagração das operações é preciso ser ágil para dar continuidade nas etapas posteriores e evitar prejuízos para a ação persecutória, de tal forma que no mais curto espaço de tempo, os culpados sejam levados a julgamento e assim possam ter suas condenações declaradas. A falta de celeridade no andamento dessas ações provoca uma estagnação dos processos que ficam sem uma correta definição. Essas ações estancadas geram desconfiança daqueles analistas mais atentos que veem os resultados finais serem prejudicados. O fato é que está havendo, de forma sutil, uma desaceleração no “animus puniendis” do Estado, ou seja, está havendo um freio na intenção de punir do Estado, que está preceituada na legislação, e que foi gerada na deflagração da operação e até motivada com mais ênfase pelo clamor público. O Ministério Público tem conseguido a chance de se especializar através de cursos de investigação, aquisição de equipamentos e aparelhagem para as ações. Seus promotores e servidores vem recebendo melhor capacitação e até possuem analistas de inteligência. Os juízes, que estão sobrecarregados e atolados em processos, não têm tempo de se especializar e os poucos que tem, o fazem para se preparar melhor para cumprir seu dever de ofício, entretanto, outros não fazem diferença. Uma verdadeira equação de insucesso na punição dos culpados se cria a partir dessas variáveis.
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Polícia Judiciária realiza um bom trabalho que resulta numa investigação bem sucedida e executada, entretanto, o inquérito é mal feito; O promotor sobre quem recai a responsabilidade da apuração não é muito versátil para trabalhar com inquéritos criminais; A soma de uma Polícia Judiciária ruim com um promotor não tão preparado para aquele tipo de assunto joga para o juiz uma responsabilidade difícil. O Juiz precisa conhecer para poder julgar, mas fica inerte diante da ausência de provas, termos adequados e argumentações coerentes e necessárias e que estabeleça a culpabilidade e a destarte, a condenação do réu; O tempo para a apuração se estende, e muitas vezes alguns culpados recebem penas irrisórias pelas perdas decorrentes desse tempo perdido, sendo que a situação pode se agravar e muitos réus cuja sentença condenatória parecia certa, deixam de receber a imputação de todos seus crimes, porque alguns deles não mais são possíveis de serem comprovados. Alguns advogados dos réus, conhecendo esses problemas e sabendo que a ação processual está cheia de vícios, embora sabendo que não poderá provar a inocência de seus clientes, trabalham como mestres em procrastinação e descobrimento de erros para impedir a condenação daqueles sob sua guarda. Em cada novo processo é iniciada uma corrida contra o tempo, cujo vitorioso será aquele mais capaz de lidar com as circunstâncias adversas oriundas de uma investigação e um inquérito.
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O Emperramento das Engrenagens Quando finalmente todo o resultado da operação chega às varas de justiça, quando finalmente a população sente que a hora da justiça ser feita e quando enfim os policiais empenhados no processo pensam que verão seus esforços recompensados, surge um novo emperramento das engrenagens. 1) Demora da sentença: todas as fases investigativas, diligenciais e inquisitórias foram cumpridas, está tudo preparado para uma sentença, e ela não acontece. Um marco desse tipo de emperramento judicial é a Operação Foliaduto deflagrada em 07/03/2010 e que expôs um grande esquema de desvio de dinheiro. O Ministério Público Estadual que identificou um esquema com licitação fraudulenta na Fundação José Augusto que culminou com o pagamento de shows “fantasmas” no carnaval de 2006. Após 792 dias de apuração, ou seja, mais de dois anos, e tendo todos os réus apresentado suas alegações finais, o processo foi concluído. Desde então, ele encontra-se na 5ª Vara Criminal nas mãos da juíza Ada Galvão, ou seja, há mais de 274 dias aguardando a sentença. O tempo decorrido desde a deflagração da operação até a última atualização de nossa pesquisa já contabilizava 1066 dias, um tempo desgastante para a manutenção de provas, vigilância sobre suspeitos e que afete contundentemente a credibilidade da Justiça. 2) Inconclusividade nas Investigações devido ao envolvimentos dos acusados em outros esquemas: com as investigações mal executadas, ou partes delas comprometidas,
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novos fatos surgem e apresentam os acusados envolvidos em esquemas maiores ou menores, mas que fogem do objeto inicial da operação. Esse foi o caso da Operação Ouro Negro, deflagrada em 20/04/2007, figurando entre as mais antigas operações policiais que ainda não deram resultado. O que pode servir de alento nesse caso é que talvez suas ramificações pudessem ter gerado outras investigações, contudo, não justifica ele estar há mais de 2 mil dias (5 anos, 9 meses e 21 dias) aguardando para ser solucionado. Na Operação que contou com 100 agentes da Polícia Rodoviária Federal, 28 veículos, 50 policiais civis e 20 policiais militares, foram feitas apreensões de 10 mil litros de combustível adulterado, 01 caminhão tanque com 46 mil litros de álcool, uma carreta bitrem tipo tanque e dezenas de tambores para armazenamento ilegal de combustível. Nessa megaoperação que botou na berlinda de acusação políticos e pessoas famosas do país inteiro, Weiller Diniz escreveu um verdadeiro dossiê para apresentar as ligações entre os acusados. No Rio Grande do Norte, os economistas Newton Nelson de Faria e Fernando Antônio de Faria, irmãos da ex-governadora Vilma de Faria, foram indiciados juntamente com o restante do bando, que foi acusado de formação de quadrilha, receptação qualificada, furto qualificado e comercialização irregular de combustíveis. Até a data de encerramento desse estudo, a Operação Ouro Negro continua contribuído para a perda da credibilidade da Justiça. Estando na fase de oitiva de testemunhas, com audiência marcada para dia 14/03/2013 com Juíza Gabriella de Oliveira.
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3) Apuração de Processo: mesmo sabendo que todas as fases são importantes, é preciso ter celeridade na apuração do processo, algo que a lentidão brasileira já tem fama mundial. O grande problema na protelação é a perda de provas devido ao desgaste e principalmente das mortes de testemunhas essenciais, as famosas queimas de arquivo. O grande exemplo disso é a Operação Hígia, que está em andamento judicial, ou seja, após a deflagração da operação policial, há mais de 2 mil dias (4 anos e 7 meses) e que teve mais uma vez um membro da família da Ex-governadora Wilma Maria de Faria. Dessa vez foi Lauro Maia, filho dela, quem foi preso pela Polícia Federal sob acusação de tráfico de influência, juntamente com mais 12 suspeitos dentre empresários e pessoas ligadas do governo Wilma de Faria. O prejuízo maior para a solução do caso se deu com o assassinato do advogado Anderson Miguel, sob a tática inconfundível do assassinato por encomenda. Ele foi morto a tiros por dois homens que chegaram ao escritório dele em um carro, modelo Siena de cor branca. Após confirmar a identidade de Anderson Miguel, um dos homens efetuou cinco disparos contra o peito e a cabeça do advogado e testemunha chave, além de implicado no caso. Em 6 de fevereiro de 2013, o pistoleiro Ivanildo da Silva, suspeito da morte de Anderson Miguel, sofreu cinco tiros disparado por dois homens.
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Evidente queima de arquivo. Análise Geral Um estudo bem maior e de implicâncias agigantadas pode decorrer do aprofundamento do estudo dessas operações policiais. Entretanto, basta que a sociedade entenda o quanto é prejudicial para a credibilidade da justiça e do serviço policial a morosidade na finalização “definitiva” de uma operação. Vejamos somente o tempo: Operação Assepsia: 225 dias de decurso e sem nenhum problema aparente que cause isso; Operação Mão na Roda. 02 anos e 08 meses; Operação Impacto: 04 anos e 06 meses sendo interessante ressaltar que um Recurso de Agravo, interposto no mês de Janeiro do corrente ano, empurrou o caso para o STJ; Operação Niquelândia: 05 anos e 01 mês; Operação Sinal Fechado: 01 ano e 02 meses; Operação Máfia dos Gafanhotos: 04 anos e 02 meses. Na pesquisa feita pela nossa equipe, escolhemos apenas nove operações e comentamos as fragilidades de apenas três, contudo muito pode ser concluído da tabela abaixo.
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Ponderações A impunidade é alarmante. Ela motiva os criminosos, causa descrédito nos órgãos policiais e no sistema judiciário, afeta a forma como as pessoas se sentem quando são instadas a testemunharem, cria uma insatisfação com a falta de objetividade da justiça e põe em risco as doutrinas fundamentadoras das legislações. Diante do perigo da insegurança e da sensação de falta de justiça, o homem tende a procurar seus próprios meios para a resolução dos conflitos tão comuns em nossa sociedade. Essa busca o faz retornar ao primitivismo das contendas, não mais tendo a razão como sua principal fonte de discernimento, e sim um juízo de
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valor alterado pela satisfação de criar sua própria justiça, já que o Estado está falhando. O mapa da violência no Rio Grande do Norte está mostrando que o número de homicídios cresce sem nenhum freio, é o retorno do homem à barbárie e à selvageria que faz ressurgir antigas modalidades de crimes que provavelmente serão ocultados pelo atual ciclo da impunidade. _______ Consultores especiais desse artigo: Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária. Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte. _______ REFERÊNCIAS: CARLOS, Blog do Jean. Operação Foliaduto: Irmão da governadora e mais sete tem data limite para apresentar defesa a justiça. Disponível em: < http://db.tt/Xb6uxoNb >. Publicado em: 09 mar. 2010. DANTAS, Anna Ruth; POLÍTICO, Blog Panorama. Operação Foliaduto: processo é concluído e aguarda sentença da juíza. Disponível em: < http://db.tt/TOWq4MnV >. Publicado em: 02 mai 2012. TRIBUNA DO NORTE (Brasil RN Natal) (Org.). Polícia prende 45 da máfia dos combustíveis. Disponível em: < http://db.tt/kmbTxZwr >. Publicado em: 21 abr. 2007. ISTOÉ; DINIZ, Weiller. Operação Ouro Negro. Disponível em: < http://db.tt/Hd7mJOwN >. Publicado em: 07 abr. 2004.
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DAMASCENO, Jacson. OPERAÇÃO HÍGIA: Ministério Público pede condenação de filho de ex-governadora e mais doze. Disponível em: < http://db.tt/b1qtXsXF >. Publicação sem data. NASCIMENTO, Paulo; BG, Blog Do. Operação Hígia: processo da operação que parou o RN está pronto para sentença. Disponível em: < http://db.tt/ytnAPsDI >. Publicado em: 24 jan. 2013. MAIA, Eduardo; NOTÍCIAS, V&C Artigos e. Advogado Anderson Miguel, réu da Operação Higia, é assassinado em Natal-RN. Disponível em: < http://db.tt/1QUNYVar >. Publicado em: 01 jun. 2011. AGRESTE, Gazeta do. Sexta-feira 13 – O dia em que o RN parou para ver o filho de Vilma preso! Disponível em: < http://db.tt/iKOYRqca >. Publicado em: 13 jun. 2008. DAMASCENO, Jacson. CASO ANDERSON MIGUEL: Pistoleiro citado na investigação sofre atentado a tiros. Disponível em: < http://db.tt/XUV3XFcy >. Publicado em: 06 fev. 2012. LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p.
________ Assistente de pesquisa: Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.
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3.4- Poder de Vida e de Morte
O Ciclo da Impunidade (Epílogo)
O Poder Divino Em todo o Estado Mamute pessoas são assassinadas em nome de um poder maior, aquele capaz de decidir sobre a vida e a morte das pessoas, aquele que seleciona quem pode permanecer na terra e que decide quem deve ter sua existência cessada pelo poder de fogo daqueles que portam armas “a serviço da lei.” Os grupos de extermínio se desenvolvem alicerçados na mesma pedra fundamental que motiva os criminosos e causa descrédito nos órgãos policiais: a impunidade alarmante. As vítimas desse ato de um Poder Divino estão distribuídas em todas as camadas sociais, predominantemente jovens e que tem geralmente uma única linha tangente nos círculos da vida, o fato de terem teoricamente desobedecido às ordens emanadas dos agentes da autoridade policial! Contudo, mesmo sendo reduzidas ao singelo grupo, outras vítimas são geradas pela falta de justiça e pelo medo da morte, pois sendo presas da falta de objetividade das investigações de uma polícia judiciária enfraquecida, se veem à mercê de seus próprios meios de defesa e de promoção da justiça. É o perigo da insegurança e da percepção da falta de justiça, levando o homem de volta à barbárie, alguns buscando lutar contra o poder divino de vida e morte falsamente atribuído a outros humanos, que cometem mais crimes cheios da sensação de impunidade que parece lhes conceder tal poder.
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O estado mais básico de sobrevivência está de volta: a lei do mais forte. As Ações de Extermínio Em vários estados brasileiros existe a presença de outra modalidade de crime conhecida pela ação de grupos de extermínio, geralmente atribuído a policiais militares impelidos por uma falsa sensação de estar impondo a justiça que não decorre dos meios normais. As ações desses grupos vitimam jovens de baixa renda pertencentes às minorias estigmatizadas pela falta de recursos, contudo, sua ação vai além desses grupos. Embora a realidade brasileira contemporânea fuja do modus operandis que formou os grupos de extermínio, pois os antigos Esquadrões da Morte eram legitimados pelo poder político vigente, hoje, a motivação se origina nas seguintes bases: Controle de proliferação: declaração de morte aos grupos socioeconômicos indesejáveis, a morte como meio de acabar com os pobres e miseráveis, que uma vez marginalizados pela sociedade e pela falta de políticas públicas visando à condição futura de cidadão mais bem formados culturalmente. Essa ação excludente fomenta uma visão distorcida do tecido social, geradora de potenciais marginais e criminosos que precisam ser exterminados antes que venham a existir; Recurso de poderosos: membros honrados da sociedade (comerciantes, políticos, detentores do poder judiciário, atores do poder executivo e outros) que financiam com
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recursos, a impunidade e a defesa dos membros desses grupos, pois eles são seu recurso para defender seus interesses, mascarados pela alegação de que estariam agindo em defesa da sociedade; Ação desviante dos Encarregados de Aplicar a Lei: motivados pelo poder que lhes é atribuído, os atores policiais agem em busca de aplicar a justiça, pois deixaram de acreditar nas instituições judiciais e se intitulam portadores do estandarte da justiça rápida e propagadora do medo entre os denominados criminosos. Qualquer que seja a motivação inicial, o “animus puniendis” desses grupos de justiceiros, sua ação criminosa, motivada pela impunidade ou pelo mimetismo de estar entre a força do bem, os leva ao ganho próprio, ou seja, a utilização da mesma ferramenta antes usada para destruir o marginal potencial, agora visando recompensas financeiras às quais logo se habituam. São as ações do extermínio se voltando para lucro e levando o antes aplicador da lei, a se tornar um falso aplicador de justiça, prontos para serem usados pelas mãos dos detentores de um poder ainda maior. O Palco Potiguar No Rio Grande do Norte, como em alguns outros estados, existe ainda a parcela de conivência da Administração Pública em não adotar o planejamento estratégico para criar políticas públicas de segurança que visem o fortalecimento do aparato investigativo, cuja lacuna é preenchida pela ação de investigação do Ministério Público.
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Essa fragilização dos seguimentos investigativos (polícia judiciária e polícia científica) é basilar na propagação das ações dos esquadrões da morte hodiernos, que é o real motivador da impunidade. O círculo interminável da impunidade nas terras potiguares se apresenta da seguinte forma: A vítima busca sua própria proteção quando a polícia falha em prender seus agressores, e numa constante convivência com novas ameaças, adquire meios (armas) de se defender. Numa situação de confronto, ela mata o agressor e como o faz de forma “desajeitada e amadora”, é logo presa e se torna parte da população carcerária; Os familiares das vítimas buscam satisfazer sua justiça através da “vendeta”, cujo sentimento de hostilidade semelhante ao existente entre famílias inimigas, inicia atos de vingança recíproca, num levante de aniquilação que se torna até tradicional e marca data para o fim deste ou daquele membro da família; Instada a testemunhar contra seus algozes, a vítima ou aqueles que ousaram enxergar algum crime e foram arroladas como testemunhas, veem-se desprotegidas pela falta de celeridade no andamento do processo, seja ele derivado da demora da conclusão da fase inquisitorial da polícia investigativa ou, seja ele decorrente da lenta apuração ocorrida do julgamento ou da sentença. (Estudo no tópico anterior: As Operações Estagnadas) É claro que a generalização deixa de apresentar casos mais individualizados, mas os três exemplos acima são o suficiente para o entendimento do flagelo potiguar.
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Em face do cotejo dos tipos de crimes que ocorrerem no Rio Grande do Norte, qualquer indivíduo inserido nos grupos acima apresenta a desculpa perfeita para o extermínio. Cada corpo encontrado, cada homicídio sem culpado e sem a arma do crime, é logo parcializado em algumas “classificações”. Observe algumas: Vítima era traficante ou viciada em drogas (na verdade ela foi aliciada pelo tráfico que proporcionou a ela os meios para conquistar a justiça); Vítima era um criminoso contumaz (de fato, a vítima apenas buscou se defender de seus perseguidores e acabou por cometer um crime de igual ou maior potencial penal); Vítima em fuga imediata de uma ação policial (o medo de uma polícia que pode ser a face do próprio criminoso exagera o temor de ser parado numa blitz, de ser fiscalizado durante a noite ou de temer repercussões exacerbadas de uma infração de trânsito, faz de qualquer pessoa uma vítima potencial de uma ação de extermínio); Vítima era fugitivo da polícia (ocorre que alguns estavam apenas se escondendo da ação policial desviante). Seja qual for a classificação, mesmo as não elencadas acima, nenhuma atitude policial que vise a aplicação direta da justiça, fazendo do encarregado de aplicar lei se confunda com o papel de perseguidor, julgador e aplicador de pena (ainda mais a pena de morte) é motivo suficiente para a prática de um crime. A Navalha na Carne Embora seja uma ação dolorida, principalmente entre os dignos agentes da lei que andam pelos caminhos corretos de suas [ 84 ]
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competência, a ação de extirpar esse mal do seio das instituições é muito necessária. Retirar um policial criminoso do seio da instituição é como um golpe de navalha na carne, que fere e sangra, contudo, é melhor do que a sensação de insegurança cada vez maior, que faz o próprio policial temer a outro, daí se conclui que o medo sentido pela população é substancialmente maior. Esse medo traz prejuízos enormes para a sociedade, pois ele descaracteriza a nobre missão de “proteger e servir” inerente da atividade policial. Essa ação de proteção e de servir não pode discriminar fatores socioeconômicos, culturais, étnicos, religiosos, nem qualquer outro que estigmatize as minorias hipossuficientes. Forças Tarefas contra os grupos de extermínio devem ser profundamente implantadas e disseminadas em todo Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte, deve penetrar mais fundo na zona norte de Natal e na região do Seridó, onde características da atuação desses grupos são muito comuns. A sociedade potiguar aguarda melhores políticas públicas de segurança em todas as esferas de competência, enquanto isso não ocorre, somente resta ao cidadão à fuga, ou a religião, ou a conformação ou a revolta ao ver seu direito fundamental subestimado pelos gestores que deveriam ser os primeiros a mantê-los em contínua promoção. _________ Consultores especiais desse artigo: Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária.
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Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Advogado, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal. Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte. _______ REFERÊNCIAS: CRUZ-NETO, O. & MINAYO, M. C. S. Extermination of Humans: Violation and Vulgarization of Life. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (supplement 1): 199-212, 1994. LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p. ________ Assistente de pesquisa: Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.
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3.5- O Impacto do Desinteresse
O Ciclo da Impunidade (Parte Final)
Quatro Anos de Agonia A impunidade nos crimes contra o patrimônio público tem sido objeto de olhares atentos de jornalistas do mundo inteiro e grandes operações com Hígia e Sinal Fechado, costumam se transformar apenas em megaeventos midiáticos que logo cairiam no esquecimento do povo se não fosse a atitude de poucos jornalistas corajosos. Recentemente, um megaevento desse tipo chamado Operação Máscara Negra, teve no RN o seu teatro operacional. Contudo, a investigação que fora realizada pelo Ministério Público já era motivo de denúncia pelo fotojornalista Cezar Alves de Lima desde o ano de 2009, que inclusive divulgou um material interessante em seu site. Casos como esse estão se tornando clássicos na sociedade potiguar e visíveis aos olhos experientes de jornalistas policiais, analistas e profissionais de Segurança Pública que percebem que poderia haver mais celeridade na investigação e na apuração dos fatos. O ciclo da impunidade no Estado do Rio do Norte tende a se perpetuar pela atual falta de gestão e políticas públicas de segurança, falta de planejamento estratégico, que passam por todos os escalões da administração, que passados quase 60% do tempo de mandato, tem sido recorrente a realização de ações equivocadas, recorrer-se de decisões judiciais acertadas, e fazer planos que ferem as atribuições profissionais dos encarregados de aplicar a lei.
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Enquanto a vigência dessa gestão não termina e os potiguares dão a sorte de elegerem outra melhor, esses 60% do mandato quase transcorridos parecem se arrastar para quatro anos de agonia. Lacuna Atributiva A Constituição Federal de 1988 vive sendo alvo constante de emendas, numa tentativa de atualizar o texto legislativo à sociedade moderna e para preencher as lacunas que ficaram quando o documento magno foi promulgado. Alguns legisladores se utilizam dessa situação para tentar aprovar leis e emendas que muitas vezes ferem outros preceitos já fundamentados e que outrora não haviam sido postos em questionamento. No trato com a investigação, o artigo 144 da CF nos diz quem possui a competência para tal, ou seja, a Polícia Federal no âmbito da União e as Policias Civis no âmbito dos Estados. A tão atual e comentada PEC 37 deveria ser aprovada, mas se os Estados não aparelharem adequadamente suas polícias investigativas e não interferirem nas suas ações impedindo-as de trabalhar, a emenda se tornará uma utopia que logo receberá a devida correção. Sem uma polícia para atuar de fato, principalmente no que diz respeito à apuração de crimes contra a Administração Pública, será muito provável a declaração de inconstitucionalidade, isso se ela não for certa. Numa análise rápida ainda pode se arriscar a hipótese de que o Supremo Tribunal Federal declare a constitucionalidade progressiva, ou seja, caso os Estados não aparelharem
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adequadamente sua polícia investigativa e a colocarem em atividade com positivo poder de resposta às demandas criminais, passará a ser constitucional. Essa já é a realidade no Rio Grande do Norte, onde a Administração Pública não dá importância para o combate aos crimes contra o patrimônio público, ensejando que o Ministério Público passe a atuar. Aliás, como outras delegacias que estão padecendo por inanição e deixando de existir, a Delegacia de Combate aos Crimes Contra o Patrimônio Público está fechada. Como Manter a Impunidade A receita para manter a impunidade no Estado Potiguar possui ingredientes claros, basta pegar a polícia investigativa e tratá-la utilizando os trezes critérios seguintes: Realizar seus cursos de formação sem critérios de planejamento, sem atender à Matriz Curricular da SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública e sem pagar a Bolsa para os alunos já demonstrando o desrespeito que terão e assim desmotivando-os para o cargo; Prolongar o tempo para nomear os concursados de polícia; Quando nomear, fazer de forma fracionada e pulverizar os nomeados pelo Estado, sob alguma alegação elegante de política pública sem planejamento, para assim fazê-los perderem as forças para levar novas ideias aos policiais que já estão na ativa a mais tempo e desta forma provocar mudanças;
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Não fornecer condições de trabalho adequado para a realização de suas funções; Adquirir viaturas caracterizadas para uma instituição cuja atividade precípua é a investigação, e ainda, não fornecer coletes balísticos nem armamento adequados; Promover o desvio de função de outros órgãos policiais para criar um clima de constante humilhação da categoria, além de gerar conflitos entre instituições que deveriam trabalhar em cooperação, cada uma desempenhando suas funções; Criar projetos inexequíveis de ação integrada que fomentem a discórdia interinstitucional; Colocar gestores de um órgão policial para promover ações em outros, com os quais não apresente a afinidade necessária para a realização das funções; Colocar gestores do mesmo órgão policial para promover ações internas, contudo que não tenham compromisso com a instituição e nem o interesse no bem estar da sociedade na qual vive; Incitar a divisão de classes (delegados, agentes e escrivães) ao coloca-los como porta vozes da inação governamental criticando ações de entidades de classe; Encerrar as atividades das delegacias durante a noite e ter apenas duas delegacias de plantão, quando é sabido que a maior parte dos crimes acontece no período noturno; Minimizar o efetivo de policiais para que eles se limitem a meros registradores de ocorrências, acumulem diversas
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cidades ou áreas de elevada concentração populacional e não tenham mais capacidade de investigar; Incapacitar o Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP) de suprir os meios essenciais de solucionar crimes que subsidiariam as investigações da Polícia Civil; É claro que existem outros, mas esses são os mais contundentes e que hodiernamente, no Rio Grande do Norte, têm se apresentado muito comumente em pauta.
Intenções Frustradas Na contramão da vontade do governo, alguns novos policiais nomeados de forma fracionada e pulverizadamente, procuram reunir forças para desenvolver seu trabalho. Um deles, no intuito de apurar crimes relacionados a processos licitatórios e, motivado pelo espírito investigativo, resolveu ir ao Tribunal de Contas do Estado para tomar conhecimento de alguns procedimentos adotados por aquele tribunal na prestação de contas dos municípios. Inicialmente o policial iria apenas requerer alguns documentos. Contudo, foi motivo de surpresa para os servidores do DAM (Diretor das Administrações Municipais) o fato de um membro da Polícia Civil comparecer naquele local. Entretanto, o nível de interação entre o policial e o Secretário de Controle Externo foi grande e anteviram, baseado na experiência do primeiro quando aquele era servidor do TCE/PI em cooperação com a PF, a possibilidade da formalização de algum
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tipo de “termo de cooperação técnica” entre o TCE/RN e a PC/RN com o objetivo de troca de informação em tempo real. Posteriormente o policial foi informado pelo Secretário de Controle Externo, Jailson Tavares Pereira, que esse acordo dependeria dos representantes das instituições e empreitou tentativa de conversar com o DEGEPOL, mas, em virtude de sua ausência do delegado titular da pasta, foi recebido pelo seu adjunto, que apesar de ter achado a ideia proveitosa, foi informado que a Administração Pública não tinha vontade política na efetivação. Perceba as implicações do desinteresse: Não há reestruturação da Delegacia Especializada de Combate ao Crime Contra a Administração Pública (que ressaltamos que já existiu no Rio Grande do Norte), com suas circunscricionais ou várias delegacias para os diversos crimes; Não produz o término da inatividade da Polícia nessa área; Não cria o conhecimento real de quantos inquéritos existem que foram concluídos durante o exercício de 2012 com indiciamento de sujeitos que praticaram crimes dessa natureza; Não gera comparativos com a quantidade de furtos, roubos, homicídios etc para mapeamento e estudo comprobatório da pouca ou nenhuma atividade da Polícia Civil nessa área, não porque o Ministério Público impediu, ou porque não existam crimes nesse âmbito, apenas porque não há capacidade de investigação.
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É a polícia investigativa do Estado tendo suas mãos algemadas pela gestão pública que parece não querer que ela cumpra suas atribuições constitucionais. Outros Crimes no Arquivo Para a Segurança Pública tudo é difícil no Estado Mamute. As atribuições dos órgãos de polícia são descaracterizadas e atrapalhadas, de tal forma que até outras autoridades desconheçam quem é quem no sistema de segurança. A autoridade das entidades policiais é confundida, policiais militares são incentivados ao desvio de função para fazerem o trabalho de policiais civis; policiais civis são obrigados fazerem o serviço de agentes penitenciários, e enquanto isso, a violência continua mostrando o ciclo da impunidade se fortalecendo. Alguns nem percebem que esse problema se potencializou sobremaneira e hoje atinge até policiais uniformizados e suas famílias. Sem investigação que detenha o crime que abarrota as gavetas dos arquivos de casos sem solução, os criminosos impunes se sentem cada vez mais imunes à ação policial. O trem da investigação criminal no Estado do RN deveria ser puxado por uma locomotiva conduzida pela polícia com competência constitucional para isso. Mas essa locomotiva está sem maquinistas para pilotá-la e seus vagões ficam soltos nos trilhos. De vez em quando, alguns heróis tentam recuperar o controle da máquina, e se o fazem, encontram o trilho de seu trabalho interrompido pela falta de vontade de pessoas em condições de agir.
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E todos os dias outros crimes de gaveta são adicionados ao arquivo.
Vincit omnia veritas! ______ Consultores especiais desse artigo: Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária. Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Advogado, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal. Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte. _______ REFERÊNCIAS: LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p. _______ Assistente de pesquisa: Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.
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4. Considerações Finais Síndrome do Epitáfio Lápides da (In)Segurança Através de estudos técnicos, das tendências da administração, das notícias publicadas nos jornais e blogs potiguares e nacionais, é possível verificar que a violência no Rio Grande do Norte cresce descontroladamente. Esses estudos apresentam ao estado e ao país que a gestão pública estadual está contaminada por uma nova doença social: a síndrome do epitáfio. Esse mal é possível de ser observado e, aliás, seu diagnóstico vem sendo feito pelos jornalistas e analistas de segurança pública que realmente têm compromisso com a verdade, e todos eles, mesmo apresentando abordagens distintas, conseguem reunir os elementos necessários para sua definição. Aspectos da síndrome: 1. Falta de clareza nas políticas adotadas para segurança pública: o gestor não consegue ser claro em seus objetivos, é incapaz de dizer o que está fazendo para resolver o problema da insegurança e da impunidade, não demonstra interesse em dar publicidade aos seus atos nessa área e quando o faz, age demonstrando outro sintoma; 2. Utilização de falsas alegações para explicar suas (in)ações: numa característica marcante, bem fácil de ser identificada no Rio Grande Norte, o administrador utiliza de argumentos duvidosos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, para não contratar novos policiais para a polícia civil, e quando contrata, o faz apenas para preencher as
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vagas surgidas por falecimentos, aposentadorias ou exonerações. De fato não amplia o efetivo, apenas substitui os cargos vagos; 3. Emprego de propaganda enganosa para ludibriar o eleitor incauto: esse aspecto muito recorrente na gestão pública potiguar. Durante as eleições o governo do estado dizia que havia contratado mais de 150 novos policiais civis e que estava cumprindo uma promessa de campanha chamada “interiorização da polícia civil”, isso se tratava apenas de uma falsa propaganda política conforme vemos abaixo: Nunca houve contratação de novos policiais civis, como vimos no segundo aspecto dessa síndrome, o que houve foi meramente a substituição de policiais falecidos, aposentos ou exonerados através da nomeação utilizando como fulcro o Concurso 2009; Interiorização da Polícia Civil: trata-se do processo de levar o contingente da polícia a municípios do interior, principalmente aqueles onde a presença da polícia judiciária nunca foi notada. Isso jamais foi cumprido, o que houve foi o envio dos recém admitidos substitutos para os municípios onde o governo Rosalba Ciarlini mais possui aceitação, ou seja, Mossoró, Tibau, Caicó e municípios da região. O certo seria, já que se trata de substituições, lotar o novo policial na vaga e local que fora preenchido. 4. Indefinição das Prioridades do Estado: Nunca se definiu o que é importante na atual gestão, não somente a segurança pública ficou abandonada como parece que a administração não sabe onde investir: adquirem viaturas novas quando os
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policiais não possuem munição, armamento ou coletes balísticos e produzem um megaevento na entrega de viaturas para delegacias que não têm efetivo para saírem em diligência diante da demanda interna de serviço. Ou seja, os veículos servem como “carro particular do delegado” que precisa se deslocar para as diversas delegacias que acumula, deixando os agentes e escrivães na mesma situação anterior; 5. Falta de incômodo com seu opróbrio público: O gestor público parece não se incomodar com a vergonha que passa, numa semana vai à público e diz que o crime organizado está atuando no Rio Grande do Norte, na semana seguinte, nega o que disse, motivado sabe-se lá por que tipo de sentimento tão mais forte que a vergonha de desmentir-se publicamente. Na mesma ação incorre os gestores que tentam justificar que o Estado está no limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, tentam atribuir culpa ao Governo Federal por diminuir uma determinada verba, enquanto na contramão de suas afirmações estão as arrecadações recordes, o investimento em propaganda, o pagamento de dezenas de cargos comissionados desnecessários e outros fatores que nem se faz justiça relatar. A Síndrome do Epitáfio foi assim chamada pelo significado da palavra epitáfio que quer dizer breve elogio fúnebre, pois o gestor público que a apresenta, provoca com sua atitude o crescimento do número de crimes praticados e não solucionados. No Rio Grande do Norte, no último fim de semana do janeiro de 2013 foram registrados 17 assassinatos e no fim de semana seguinte, o primeiro de fevereiro, foram mais 15 homicídios, e hoje se tem no estado uma taxa de aumento de 157% no índice de homicídios. As pessoas que foram assassinadas tiveram apenas uma breve citação de seus nomes nos jornais (as que foram citadas), num breve elogio fúnebre.
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Sem polícia para investigar esses homicídios, a Síndrome do Epitáfio que alguns gestores públicos apresentam, além de ampliarem os índices de criminalidade, somam lápides mortuárias nos cemitérios que são verdadeiros símbolos da (in)segurança pública.
______ REFERÊNCIAS: HERMES, Ivenio. Síndrome do Epitáfio: Lápides da (In)Segurança. Carta Potiguar: Uma Alternativa Crítica, Natal/RN, n 3, p.09-09, 05 mar. 2013. Mensal. ZAULI, Fernanda; JULIÃO, Valdir. RN tem registro de 17 assassinatos. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/MosFCjLR >. Publicado em: 29 jan. 2013. TRIBUNA DO NORTE (Brasil Rn Natal) (Ed.). Polícia registra 15 homicídios no primeiro fim de semana de fevereiro. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/6HLp7ZSX >. Publicado em: 04 fev. 2013. LUCENA, Roberto. Número de homicídios cresce 157%. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/jCNBAtLr >. Publicado em: 27 jan. 2013.
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Notícias Criminosas!
Com Segurança Pública Não Se Brinca
Miseráveis Lucrativos As notícias policiais nunca venderam tanto no Rio Grande do Norte, se é que podemos chamar de “notícias policiais” o que se vê nos jornais impressos, online e televisionados. A exploração de mortes violentas e crimes em geral como meio de vender notícias é uma prática nacional. Programas inteiros são usados para mostrar a miséria humana, com repórteres - que se dizem investigativos - enfiando o microfone na boca de pessoas humildes nos momentos de maior dor, a perda de um ente querido. Em outros casos, anedotizam situações que geram recordes de visualizações no YouTube, levando miseráveis sofredores a se transformam em saltimbancos num show patético que faz rir aqueles que não percebem a dor que fica após aquele pequeno trecho da vida real apresentado. Os índices de criminalidades aumentam sensivelmente e nem a imprensa comprometida com o falso jornalismo policial, que deveria ser chamado de jornalismo criminoso, consegue manter essa situação escondida. O recente levante do jornalismo potiguar somando forças com especialistas em segurança pública e jornalistas sérios, como Cezar Alves de Lima que se recusa a continuar somente divulgando números estatísticos e fala o nome das vítimas dos homicídios,
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para tentar sensibilizar a administração pública da real necessidade de investimento em segurança pública no Estado. Pleito Ressecado O pleito popular por melhores condições de sossego e paz está ressecado pela impunidade. A aridez da terra, no entanto, é regada abundantemente todos os dias pelas lágrimas intermináveis dos familiares das vítimas dos crimes sem solução no Rio Grande do Norte. Alheia a esse sofrimento, a gestão pública parece cada vez se importar menos com a dor e o sofrimento das minorias. Dois dias antes da reunião do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ser realizada em Natal com governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, a equipe de Gestão Administrativa da governadora teatralizou ações de Segurança Pública para vendar os olhos do Ministro. A denominada Operação Metrópole Segura caiu no escárnio popular quando a percepção da preocupação imediatista da Gestão Governamental ficou evidenciada, ou seja, não era a polícia e nem a população, foi o simples tapar o sol com a peneira, numa tentativa escrachada de impedir que o Ministro José Eduardo Cardozo pudesse perceber a falta evidente de políticas públicas de segurança no Estado. A Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN) foi usada pelo Governo Estadual, cuja prática em cima da corporação é comum por ser a força policial mais suscetível a esse tipo de demanda política, devido a sua estrutura militarizada. Mas esse (des)uso pareceu não ser muito aceito pelos policiais militares, pois mesmo tendo que agir de acordo com as ordens
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emanadas, deram sinais de que estavam descontentes, realizando a reunião de planejamento no dia seguinte ao início da operação, uma demonstração de que algo não estava correto no cronograma operacional. Além disso, os PMs também escancararam seu descontentamento com a falta de diárias pagas em tempo e suas condições de convocação e de trabalho. O resultado foi o esperado, a operação que deveria se chamar Ministro Seguro não viu o sol raiar do segundo dia após a partida do signatário de retorno para Brasília. Mesmice Midiática A segurança da população potiguar que vêm sendo esquecida diuturnamente desde o início do atual Governo. As políticas de Segurança Pública de iniciativa do Governo do Estado têm sido deste porte, meramente midiáticas, cujo objetivo principal é encher os tabloides de notícias de prisões e apreensões, causando uma falsa impressão de segurança durante alguns dias para depois voltarem ao costumeiro crescente índice de violência. E foi com essa premissa que na segunda-feira após o fim de semana da visita do Ministro da Justiça ao Estado Potiguar que a Governadora foi entrevistada num telejornal local em uma pauta pré-definida sobre a segurança pública, onde a gestora divulgou números contraditórios aos índices baseados em fontes sérias de pesquisa. Os números imaginários divulgados pela Governadora passaram a ideia de que a violência no Rio Grande do Norte foi reduzida mesmo em pleno crescimento.
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Os “assessores” da governadora imaginaram que em 2011 iriam acontecer 1033 homicídios e que em 2012 seriam 1202. Como em 2011 aconteceram 901 homicídios e em 2012 foram 959, os “assessores” de Rosalba estão comemorando por que o que eles sabem realmente não aconteceu. Falso Jornalismo Para sociedade e para o Ministro da Justiça foram apresentadas quedas nos índices de homicídios no RN, resultando do grande investimento em viaturas, mera reposição do efetivo da polícia judiciária, e a fragmentação da força da Polícia Civil propagandeada sob o nome Interiorização, que só teria sentido se houvesse aumento de efetivo e jamais somente com reposições. A verdade se divulga com números reais e uma constante busca de soluções, mas o Governo de Rosalba Ciarlini contribui para índices de uma de guerra civil em dados divulgados pelo próprio governo e que não são reais, pois os números reais são bem maiores do que estes divulgados. O falso jornalismo policial devia se recusar a divulgar informações assim. Suas matérias deveriam ser pautadas em bases reais para tentar romper a inércia dessa administração falaciosa. Enquanto isso não ocorrer, essa imprensa que ajuda a iludir o povo deveria inaugurar uma nova coluna, no lugar de jornalismo policial, ela deveria escrever: Jornalismo Criminoso!
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REFERÊNCIAS: HERMES, Ivenio. Luto na Segurança Pública do RN. Disponível em: < http://www.iveniohermes.com/luto-naseguranca-publica-do-rn/ >. Publicado em: 21 mar. 2013. HERMES, Ivenio. Fórum Nacional da Segurança Pública e Sistema Penitenciário. Disponível em: < http://www.iveniohermes.com/forum-nacional-da-segurancapublica-e-sistema-penitenciario/ >. Publicado em: 18 mar. 2013. LOURENÇO, Iolando. (Brasil DF Brasília). Agência Brasil. Câmara convoca comissão geral para debater propostas relacionadas à segurança pública e violência no trânsito. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/201303-18/camara-convoca-> ou < http://db.tt/UaFSFD5z >. Publicado em: 18 mar. 2013. DIÁRIO COMÉCIO INDÚSTRIA E SERVIÇO (Brasil DF Brasília). Agência Brasil. Ministro defende que segurança pública seja tratada como problema de Estado. Disponível em: < http://www.dci.com.br/materia/exibe=337326> ou < http://db.tt/AObIi3zY >. Publicado em: 19 mar. 2013. BRESCIANI, Eduardo. (Brasil BA Salvador). Agência Estado Portal A Tarde. Cardozo defende flexibilização para construir presídios: SEM ACORDO Sindicato reagirá se PMs passarem a fazer trabalho de escrivão nas DPs. Disponível em: < http://atarde.uol.com.br/materias/imprimir/1491538 > ou < http://db.tt/RnTYPJBv >. Publicado em: 19 mar. 2013. SINCOR-GO (Brasil GO Goiania). Presidente Joaquim Mendanha acompanha debate sobre segurança e violência no trânsito. Disponível em: < http://www.segs.com.br/index.php?view=article&catid=45:catseguro... > ou < http://db.tt/qSbMMgRF >. Publicado em: 20 mar. 2013.
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Rumos da Polícia Potiguar
Sob um Cetro de Inverdade
Um Estado de Insanidade Há pouco menos de uma década o Estado do Rio Grande do Norte era um dos mais seguros de se viver. Embora ainda não havendo policiais suficientes para a demanda populacional, havia uma ordem, os agentes encarregados de aplicar a lei possuíam respeito por parte dos criminosos e os índices de criminalidade estavam contidos num freio real. Evitando que as polícias crescessem além do controle do executivo, que continuava vendo nessa força um braço para suas imposições e um meio de contenção para as manifestações populares, os governos começaram a deixar de investir na contratação de novos agentes e de manter os que estavam na ativa em constante motivação através da capacitação continuada, da aquisição de equipamentos e armamentos necessários para contrapor o crime que começava a crescer sem controle. Vitimizados pela inação governamental, policiais militares e civis, abandonados à própria sorte e até por seus gestores diretos, começaram a investir em seus próprios treinamentos (nem sempre tão adequados à evolução da sociedade), aquisição de equipamentos e armamentos (nem sempre atendendo ao conforto para o exercício profissional provocando perdas de saúde a curto e médio prazo), e buscando ajuda na experiência mútua para vencer os percalços profissionais (nem sempre adequadas para uma solução), e assim chegando ao álcool, drogas, violência laboral e
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doméstica, além de outros comportamentos atípicos para a função policial. Sem perceber que sua função social, de proteger e servir, estava se desassociando de seu comportamento, policiais civis e militares se tornaram menos eficazes e alguns até se viram respondendo processos administrativos e recebendo punições quando achavam que estavam agindo da forma correta. A sociedade deixou paulatinamente de acreditar nos seus guardiões e a vê-los como perpetradores dos desmandos dos poderosos, e neles concentrar toda sua revolta pelas ações invisíveis do Estado Soberano que ferem a população hipossuficiente. Em pleno século 21, vários estados continuam a praticar esse ato ofensivo contra o seu povo, com destaque para o Rio Grande do Norte que divulga inverdades em cadeia de televisão e precisa da mão forte do judiciário para tentar deter a consolidação desse notório estado de insanidade. Verdades Não Divulgadas
01 Polícia Militar Sendo usada em diversas frentes pelo governo estadual, a Polícia Militar do RN não é tão privilegiada quanto alguns costumam comentar e nem seu efetivo tão incapaz como muitos querem que seja. Fazendo frente ao crime em diversos batalhões, a polícia ostensiva do estado não pode obter melhores resultados porque tem grande parte de seu efetivo utilizado em desvio de função fazendo o trabalho inclusive de agentes penitenciários. Na rotina de trabalho, encontram distribuídos em viaturas sem suporte de rádio, sem
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equipamentos de comunicação extra, sem armamento e sem colete balístico para todos. Sem critério, são acionados para atenderem demandas para as quais não foram treinados ou para estarem em locais que não possuem conhecimento prévio, precisando de minutos extras e até de horas para atender a uma ocorrência. Contudo, esses homens que sofrem diuturnamente com o olhar de descrédito da população, são convocados para estarem em grandes festas demandadas por empresas privadas e cumprem escala adicional sobre a promessa de uma diária que só é paga após manifestações. Esses policiais também são usados como massa de manobra ou a mão forte do governo quando os quer para impedir manifestações populares, mas quando é a população que se volta contra eles, vendo neles a representação dessa força subjugadora do estado, o governo se cala e os abandona à própria sorte. A presença da Polícia Militar é facilmente utilizada para dar uma falsa sensação de segurança, pois a visão ostensiva que ela oferece ao povo dá a impressão de que afugentará os criminosos. Todavia, em sua ousadia, os bandidos estão assaltando e matando policiais uniformizados mostrando que suas presenças já não mais inibe o crime. Embora eles tentem combater o crime de sua forma ostensiva, a falta de equipamento e material, e até de efetivo é substancialmente determinante para seu insucesso. A PM/RN também sofre com a falta de efetivo. Os praças da ativa não podem obter progressão devido à falta de soldados e os oficiais pela falta de novos oficiais na corporação. E para impedir mais ainda o insucesso de suas ações, a falta de Polícia Civil no estado é preponderante para impedir que as
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prisões e operações deflagradas por essa força ostensiva obtenha seguimento num inquérito policial que efetive o ciclo da ação policial. O belo uniforme perde sua pompa quando valiosos homens e mulheres deixam de ter seu potencial utilizado de forma correta pelo Estado Gestor, que apenas faz o mínimo para manter a aparência de uma polícia ostensiva atuante e operacional.
02 Polícia Civil Sem dúvida a mais esquecida do Rio Grande do Norte, a Polícia Civil deixou de ser eficaz há muito tempo no estado. Suas ações de sucesso são pontuais e dignas de elogio pelo desprendimento da equipe ou pelo inusitado da ação. Os agentes, numa referência a todos os policiais civis, sejam eles delegados, escrivães ou agentes, trabalham em condições precárias de instalações, de material, de equipamento e de número de membros de uma equipe. Há anos sem ter o refrigério da entrada de novos policiais, quando finalmente houve um concurso onde que se viu a solução para o problema, a administração Estadual vem evitando fazer convocação e nomeação dos concursados, fracionando esse ato administrativo baseado nos limites prudenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal, gerando um problema caótico para a Segurança Pública. Em 2012, os restantes 1.482 policiais civis que estão na ativa ficaram responsáveis por toda a demanda investigativa do estado. Somente homicídios foram, em estatísticas oficiais, 440 crimes para 162 delegados, 149 escrivães e 1.171 agentes darem conta.
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Mas esses números não são perfeitamente absolutos, pois algumas delegacias têm mais crimes, outras têm menos policiais, e ainda concorre para o insucesso o fato de que muitos já completaram seu tempo de serviço e estão solicitando aposentadoria. São as aposentadorias (já concedidas), os casos de exoneração e os de falecimento que geraram as vacâncias que têm sido usadas para a nomeação fracionada pelo Governo do Estado. Ou seja, as vagas do edital e as surgidas após ele não foram realmente preenchidas, sendo apenas substituídas. Com esse grau de desrespeito à entidade policial, sindicatos, policiais e concursados têm procurado sensibilizar o governo e a sociedade dessa situação. Ultimamente, os concursados e suplentes, que agora têm chance maior de serem chamados, afinal as vagas até agora preenchidas não são as do concurso, procuram se mobilizar bastante e mais recentemente buscam a mídia para expor para a população aquilo que a gestão administrativa tenta mascarar, ou seja, que não tem havido melhorias na Polícia Civil. A Administração Estadual através da Procuradoria Geral do Estado demonstra que não se importa com a decadência da Polícia Civil, pois tem recorrido sucessivamente das decisões da Justiça. Na última, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, Bruno Lacerda Bezerra, determinou que o Estado do Rio Grande do Norte efetue a nomeação dos cargos previstos no edital do Concurso da Polícia Civil realizado em 2010. Com isso, o Executivo está obrigado a convocar, pelo menos, 68 delegados, 107 escrivães e 263 agentes. Por enquanto, policiais civis de todo o Estado Potiguar continuam se expondo ao perigo e à desvalorização de sua função, que também vai perdendo a credibilidade da sociedade. Não conseguem reivindicar melhores salários, melhores condições de
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trabalho e nem tampouco realizar um trabalho digno que promova sua instituição. Um Horizonte Incerto É difícil prever os atos da administração estadual em relação à Segurança Pública. São dezenas de homicídios e outros crimes sem solução que ocorrem todos os meses. São muitas famílias desmembradas e injustiçadas em decorrência da falta de ações estratégicas de Segurança Pública. O que se pode esperar de uma administração que: Falta com a verdade em relação ao investimento na Polícia Civil em Rede de Televisão; Que sabendo da situação de seus Policiais Militares não investe na capacitação para que seus homens prestem um serviço de melhor qualidade; Não busca viabilizar meios para que os Policiais Militares possam evoluir dentro da instituição procurando admitir novos soldados e novos oficiais; Induz a população a pensar que está contratando novos Policiais Civis e os enviando para o interior para melhorar as condições de trabalho nas regiões para onde eles são enviados; Fraciona o chamado e a contratação de novos policiais alegando o limite prudencial da LRF sendo que o Estado esteve acima desse limite nos últimos 12 meses, sem mencionar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já esclareceu que concursado tem o direito subjetivo a nomeação e não apenas uma mera expectativa de direito;
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Que recorre de decisões judiciais enquanto deveria utilizá-las para fazer as nomeações. As polícias estaduais sofrem com o rumo incerto que cada governo adota para suas corporações. Cada nova administração possui uma forma de gerir políticas públicas de segurança que não levam em conta as opiniões dos especialistas. No meio dessa inabilidade de cuidar de um assunto tão importante, policiais civis e militares e população são postos frente à frente em lados antagônicos e não em cooperação mútua em busca de uma sociedade melhor. Realmente não há muito o que esperar. Se a sociedade potiguar continuar sob o jugo do cetro da inverdade nos atos da Administração Pública, não somente a Segurança Pública, mas também vários outros segmentos importantes para a preservação de nossa sociedade estarão comprometidos e o horizonte não aparenta ser promissor.
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Posfácio A Vítima na Gaveta A percepção de insegurança pode variar de acordo com a realidade social em que uma pessoa está inserida, entretanto, após a leitura atenta e observadora deste livro ninguém mais poderá continuar a se atrelar às cadeias sociais e não perceber o mundo ao seu redor. Foram enfatizados nos textos, que há diversos tipos de crimes sendo praticados assim como diversas ações e omissões que ajudam na manutenção firme da ação criminosa. Os arquivos onde as gavetas abarrotadas de crimes sem solução, de crimes que foram arquivados por insufiência de provas, ou aqueles que não tiveram resultados positivos pela falta de produção correta de evidências, estão cada vez maiores e mais numerosos. Quando Aramis Fraino produziu a capa desse livro ele o fez captando a essência da situação que é descrita no livro e a transformou numa expressiva e arrebatadora arte. A vítima está deitada esquálida na gaveta do arquivo, prestes a ter nele sepultado seu corpo ferido de morte. A despeito de ser grande demais para caber no pequeno espaço destinado a ela, forças, aparentemente invisíveis, intentam em jogá-la no ostracismo. A Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte pode ser representada pelo corpo pálido da arte de Aramis, que vem padecendo de inanição e morrendo diariamente, até que alguém escolhe dar o golpe final e a mata. Contudo, há uma instituição de polícia melhor representada pelo corpo na gaveta.
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Essa instituição padece a olhos vistos e está sim, morrendo por inanição. E quem a mata esconde-se atrás de uma falsa legalidade, ou seja, um legalismo premeditado que visa impedir que a vítima a investigue e exponha seus podres. Ocorre que a vítima na gaveta não é um ser humano cujas famílias amargam a injustiça pelo resto de suas destroçadas vidas, pelo convívio diário com a falta de um de seus membros que fora perdido (pela inação da Administração Pública) para o crime, para a vingança, para os grupos de extermínio, etc. A vítima é uma entidade que pode ser morta que, porém, pode ser ressuscitada. Ela pode ser ressuscitada pelas vozes dos idelistas, daqueles que tem bocas e clamam! Dos elementos humanos formadores da entidade, que a mantém através de viverem os ideiais por ela apregoados. Você, caro leitor e cara leitora, pode evitar a morte da vítima na gaveta e assim como eu, dar voz ao clamor reacionário que não aceita mentiras nem subterfúgios para nos enganar. Está na hora de usarmos nossas principais ferramentas de reação: nossa voz e nossa inteligência. Não esqueça, a vítima na gaveta da arte de Aramis Fraino representa uma instituição, mas a nossa inércia em reagir, pode levar um ser vivo que conhecemos a ocupar o lugar dela. Que essas palavras sirvam como um último chamado para aqueles que ainda temem a livre manifestação do pensamento.
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Ensaios Fotográficos 7ª DP
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9ª e 12ª DPs
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Manifestação na Inauguração da Escola de Governo
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Manifestações na Assembleia Legislativa
Greve Pela Convocação dos Concursados
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Publicações Livros A Chita (1991 e 2013) Vítimas da Luz (1999 e 2013) Crise na Segurança Pública Potiguar (2013) Um Convite à Reflexão (2013) Crimes de Gaveta (2013) Artigos Notórios Lei Maria da Penha: Evolução na Segurança Pública Proteger e Servir: Polícia e Cidadão Síndrome do Epitáfio (Incluído nesta obra) Notícias Criminosas (Incluído nesta obra) Análise da Incorporação dos Direitos Humanos na Segurança Pública: a perspectiva do nascimento de uma polícia cidadã
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Biografia Ivenio Hermes escreve por vocação e por isso vencedor de prêmio literário. O autor concilia a área de ficção com sua dedicação à realidade de uma sociedade que precisa de seus talentos. É estudioso e pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial, além de ser um profundo observador do comportamento humano. Sua primeira graduação foi a Arquitetura e Urbanismo, hoje é graduando de Direito. É Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, mas traz em sua bagagem acadêmica mais de vinte outros cursos na área de Segurança Pública. É membro do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É Filho, irmão, pai e amigo.
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