Um Amor Adolescente

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FORTALEZA - CE, QUARTA-FEIRA - 6 DE ABRIL DE 2016

LITERATURA. DIVERSIDADE

FLÁVIO PAIVA www.flaviopaiva.com.br

Cemitérios ecológicos Tem dado o que falar nas mídias de criações gráficas, meio ambiente e redes sociais o projeto Capsula Mundi dos designers Anna Citelli e Raoul Bretzel, ela venezuelana e ele italiano, que atualiza uma velha ideia positivista de uso do corpo como adubo em cemitério jardim botânico. Eles propõem um invólucro em forma de ovo, feito com material biodegradável, no qual a pessoa seria enterrada e, sobre ela, plantada uma árvore. Embora bem aceito por muitos, o projeto ainda não foi posto em prática, tendo em vista que altera um ritual bastante controlado pela moral religiosa e por interesses econômicos da cadeia de negócios funerários. Talvez a força do debate ecológico dos tempos atuais mova com mais rapidez essa solução que une reflorestamento, mudança no modo de veneração dos mortos e direito de continuar vivo na natureza. Nas décadas de 1970, 80 e 90, o saudoso escritor cearense Lauro Ruiz de Andrade trabalhou com muito entusiasmo na busca de convencer o poder público e a sociedade de que a reciclagem do corpo é um ato de lucidez em favor da vida. Com essa visão de ciclo, defendia a compreensão da morte como religião, no sentido de estado harmônico entre o espiritual, o psicológico, o ambiental e o social, desenvolvido pelo filósofo francês Augusto Comte na primeira metade do século XIX. Em uma entrevista que fiz com Lauro Ruiz para a revista Complexo B (1993), ele propugnava com veemência a importância simbólica da troca das lápides frias pelo enterro sob árvores em grandes bosques sagrados. A proposta da Capsula Mundi ainda estava longe de ser concebida e o então articulista da página de Opinião deste O POVO já pensava em como seria um sepultamento verde. Achava que poderia ser inclusive em pé, o que, segundo ele, não se configuraria um problema, já que o tradicional “descanse em paz” é uma expressão que se refere à alma e não ao corpo. A disposição do corpo em posição fetal proposta por Citelli e Bretzel era uma prática dos nossos ancestrais indígenas que, de acordo com descobertas arqueológicas, encaixavam os mortos em vasos de cerâmica para reintegrá-los ao solo. Essa relação com a natureza, descolada do agressivo caixão de defunto, tem antecedentes que merecem ser melhor estudados e compreendidos. Lauro Ruiz de Andrade, autor de livros como a novela Meridionais (1930), os contos Dunas e Penedos (1934), a ficção científica O Ano Cem Mil (1962), o romance histórico Roteiro do Eldorado (1964), os apólogos Bate-papos de João Tapuio (1980) e a fabulação filosófica de Contos Chineses (1982), dentre outros, acreditava nos avanços da consciência ambiental e via na criação de cemitérios jardins botânicos uma tendência a se efetivar no mundo, como a reciclagem e o uso de energias renováveis e limpas. Para ele, os cemitérios ecológicos deveriam fazer parte dos esforços empreendidos pela sobrevivência do planeta. Queria que todo cadáver, exceto aqueles vitimados por doenças contagiosas, fosse incorporado à terra, a fim de se tornar matéria orgânica, servir de nutriente e fonte de vida. Se vivo fosse, Lauro Ruiz de Andrade certamente estaria em campanha pela viabilização da Capsula Mundi, no que ela representa de semente na indispensável reaproximação do ser humano com a natureza. Esta coluna é publicada às

Um amor adolescente Lançamento da Fábrica 231, novo selo de entretenimento da editora Rocco, Lucas e Nicolas acompanha conflitos de um adolescente homossexual DIVULGAÇÃO

Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br

abriel Spits é o cara da ilustração ao lado. Averso a aparições públicas e estratégias de autopromoção, é difícil encontrar informações sobre ele. Fotos, então, nem pensar. Dele, só se sabe que é um “jovem escritor paulista, fã de games, HQs e faixa marrom de caratê”, de acordo com a descrição oferecida pela editora Rocco, que acaba de lançar seu primeiro romance, Lucas e Nicolas. Direcionado ao público jovem, Lucas e Nicolas sinaliza para um filão de mercado editorial que ainda encontra poucos representantes no País: o da literatura com temática LGBT pensada para crianças e adolescentes. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa o número de títulos lançados nos últimos anos deu um salto considerável em quantidade e qualidade no Brasil ainda são tímidas as iniciativas do gênero. O romance de estreia de Spits aparece como seu autor - discreto, sem fazer barulho -, mas indica ter potencial para se tornar um dos títulos fundamentais na representação das dúvidas e anseios de uma geração hiperconectada. Lucas, protagonista da narrativa, é um adolescente “como qualquer outro”, que descobre na internet o abrigo e a ajuda que não encontra na vida real. Homossexual, tímido e muito inteligente, é alvo certo da gozação dos alunos mais populares. “Os jovens buscam tudo na internet, inclusive ajuda. No caso do Lucas, ele mora numa cidade pequena, mais mente fechada. A internet é uma forma de ele conhecer gente diferente, ampliar horizontes”, explica o autor, que recheia seu texto com a linguagem virtual e abusa das referências a redes sociais, como no capítulo A Felicidade Só Existe On-line, no qual Lucas conta o número de curtidas em uma de suas postagens. A história ganha nova dimensão quando aparece Nicolas, um aluno recém-chegado da capital que é tudo o que Lucas não pode ser: bo-

G

Sem revelar detalhes sobre sua identidade, o autor Gabriel Spits aborda no recém lançado Lucas e Nicolas os conflitos adolescentes sobre temas de sexualidade e aceitação nito, atlético e popular. Péssimo nos estudos, começa a ter aulas particulares com o CDF do colégio, Lucas, e é a partir desse contato que nascem os conflitos da narrativa em relação a temas de sexualidade e aceitação. “Como eu estava tratando o tema na adolescência, com um personagem que é inclusive virgem, a questão do afeto aparece antes do sexo. É uma fase em que está mais se discutindo o primeiro beijo”, justifica o autor, que em outra oportunidade afirmou que seu livro fala mais sobre homoafetividade e menos sobre homossexualidade. Apesar das características básicas que distinguem os personagens e os separam em polos opostos do imaginário adolescente - o típico “loser inteligente” versus o “bonitão popular” - o livro de Spits ainda ganha pontos por estabelecer que a solidão e o sentimento de inadequa-

ção são universais, independendo de orientação sexual e estilo de vida. Se Lucas busca refúgio e compreensão nas relações virtuais, Nicolas esconde sua fragilidade atrás da imagem de fortaleza que exibe. Pouco a pouco conhecemos sua família desajustada e as dificuldades de adaptação que enfrenta. “Você vê os casos de homofobia que surgem por aí? São jovens apanhando de outros jovens. Então, pode até ser uma nova geração mais mente aberta, mas ainda não aberta o suficiente”, afirma Spits para destacar que seu livro, apesar de ter sido escrito para o público adolescente, pode ser bem aproveitado por pais e professores. Para uma provável continuação, que já está sendo preparada, pretende abordar questões relacionadas ao contato com a família e cuidados durante o sexo.

Lucas e Nicolas De Gabriel Spits 272 páginas Fábrica 231 Preço: R$ 29

O POVO online Veja entrevista completa com o autor em: goo.gl/VNnJi5r

quartas CONFIRA ESTA E OUTRAS COLUNAS EM: www.opovo.com.br/colunas

BREVE

CONFERÊNCIA . Começa hoje a 6ª Conferência Municipal de Cultura, que tem como tema “Fortaleza no contexto do Sistema Nacional de Cultura”. No evento, será discutida a importância dos Conselhos, Planos e Fundos de Cultura para as políticas públicas do setor. A abertura será às 19 horas com a palestra “Sistema Cultural como mecanismo de garantia de direitos culturais”, de Germán Rey Beltrán (foto), pesquisador da Universidade Javeriana (Colômbia). A conferência segue até sábado, 9, no Teatro Carlos Câmara (R.Senador Pompeu, 454 - Centro). Informações: www.fortaleza.ce.gov.br/cultura

ESTANTE

A ESTANTE traz uma seleção de quatro títulos que representam a literatura de enfoque LGBT que vem sendo produzida para jovens leitores.

AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL Stephen Chbosky

SOBRE GAROTOS QUE BEIJAM GAROTOS Enrique Coimbra

AMOR ENTRE MENINAS Shirley Souza

DOIS GAROTOS SE BEIJANDO David Levithan

Construído com as várias cartas escritas pelo protagonista, o livro - que deu origem ao filme de mesmo nome - retrata os conflitos e o amadurecimento que adolescentes enfrentam durante o período escolar, com as ameaças e opressão que lhe são características.

Enzo, o protagonista deste livro, é um jovem que pratica o desapego: não gosta de relacionamentos fixos nem de nada que represente monotonia. Tudo muda quando ele conhece Ian, o ficante hétero de uma amiga, com quem viverá uma peculiar experiência amorosa.

Com uma abordagem leve e dinâmica, considerando as ideias de experimentação e autoconhecimento, a autora esclarece dúvidas e procura romper preconceitos em relação ao amor entre duas meninas.

Do mesmo autor do bestseller Will & Will - também de temática homossexual o livro aborda os conflitos de vários personagens com o reconhecimento de sua sexualidade. Um deles tem medo de não ser aceito caso assuma sua transexualidade.

Preço médio: R$ 29 224 páginas Editora: Rocco

Preço médio: R$ 29 96 páginas Editora: Casa da Palavra

Preço médio: R$ 8 (ebook) 88 páginas Editora: Panda Books

Preço médio: R$ 29 224 páginas Editora: Galera Record


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