Homofobia no Ceará

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6 Reportagem Especial

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Sexta-feira

Fortaleza - CeARÁ - 16 de novembro de 2018

EDIÇÃO: CLÁUDIO RIBEIRO | claudioribeiro@opovo.com.br | 85 3255 6135

SSPDS conc houve nenhum homofobia e

Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br

Thiago Paiva thiagopaiva@opovo.com.br

“A imundiça (sic) tá de calcinha e tudo!”. “Sobe nisso aí, seu viado (sic) feio!”. “Tu tá embaçando aqui a favela, baitola”. Os gritos são ouvidos no vídeo que circulou nas redes sociais, em março do ano passado, exibindo as cenas do brutal assassinato de Dandara dos Santos, 42. As imagens do espancamento e tortura realizada por 12 pessoas, no Bom Jardim, em Fortaleza, repercutiram internacionalmente, tornando a travesti um símbolo dos crimes de ódio cometidos no Brasil. Para a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, entretanto, Dandara foi morta por motivos alheios à condição de travesti. “Nos procedimentos formalizados nos inquéritos policiais da Capital e Região Metropolitana, no ano de 2017 não houve a identificação de nenhum crime ligado à homofobia”, garante a delegada Adriana Arruda, coordenadora da Comissão de Estudo do Perfil das Vítimas de Crimes Violentos Letais e Intencionais da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). No mesmo ano em que mataram Dandara, em que arremessaram o corpo da travesti Hérica Izidoro de uma passarela na avenida José Bastos, no bairro Damas, e em que mataram um gay, no bairro Antônio Bezerra, com 53 perfurações no corpo por objeto contundente, a SSPDS afirma que não houve nenhum registro sequer de assassinato motivado por homofobia ou transfobia entre as 1.916 mortes ocorridas na Capital. “Não podemos considerar um homicídio simples, de violência urbana comum, quando a vítima é xingada com palavras de ordem LGBTfóbica. Quando o assassino, no momento dos disparos, diz ‘chegou tua hora, viado’. Quando a vítima recebe um determinado número de tiros em suas genitálias. Quando a vítima de um latrocínio recebe um emprego de violência desproporcional. Não é comum que

| 2017 | No ano em que o assassinato da internacionalmente, Secretaria aponta que mo uma pessoa tenha em média 17 perfurações por arma branca. Não podem ter desassociados do contexto de ódio casos em que a vítima recebeu mais de seis perfurações por bala”, argumenta Tel Cândido. Coordenador do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, entidade ligada à Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Cândido é um dos responsáveis pelo Levantamento do LGBTcídio em Fortaleza e no Estado do Ceará, desenvolvido pela entidade, que aponta para pelo menos 30 crimes letais com possível incidência homofóbica no Estado em 2017, incluindo a morte de Dandara. O número é confirmado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil e referência internacional para a luta LGBT. Ao lado do 0% indicados pela SSPDS, as três

dezenas impressionam. “A gente precisa olhar esses casos e entender que, por mais que dialoguem com outras dimensões da violência, por mais que todas as populações estejam suscetíveis à violência, a forma como a população LGBT tem sido vitimada e dizimada tem singularidades, tem a dimensão do ódio, do preconceito, da discriminação, e só pode ser entendida se a gente pensar de um modo mais amplo os contextos de vida que determinam lugares de desigualdade entre quem é LGBT e quem não é”, explica Tel. Confrontada com os dados do Centro Janaína Dutra, a delegada Adriana Arruda explica que o trabalho da comissão que coordena é “puramente técnico” e se concentra nas informações concretas colocadas em inquéritos policiais. “Dentro dos inquéritos, analisamos tudo, seguimos a linha do delegado de polícia.

Precisamos ter informações com base técnica, com procedência. Se a gente tratar que ‘o delegado não concluiu que foi crime homofóbico, mas eu entendo que’, a gente estaria induzindo o secretário (André Costa) ao erro. Estaria colocando minha opinião dentro daquilo que deveria ser puramente técnico. Nós não trabalhamos com suposições, nem com achismos, mas com dados concretos dos procedimentos”, explica ela sobre a estatística zerada. A Comissão de Estudos do Perfil das Vítimas, que tem caráter de grupo de estudos, foi criada para analisar o aumento expressivo número de homicídios em 2017. O objetivo é traçar o perfil das vítimas e identificar a motivação os crimes. “Cada caso é analisado individualmente pela equipe. Quando não encontramos todas as respostas dentro do procedimento, quando falta alguma informação, vamos a campo e

procuramos familiares, amigos da vítima”, esclarece a delegada. De acordo com a Comissão, 28% dos 1.916 crimes registrados em Fortaleza no ano passado tiveram ligação com disputas entre grupos criminosos. O 0% que aparece no relatório ao lado da motivação “homofobia” impressiona quem convive com a realidade de agressões e violações contra a população LGBT. No Brasil, pelo menos 387 homossexuais foram assassinados em 2017 e outros 58 se suicidaram, totalizando 445 casos de morte com possível motivação homotransfóbica. O número representa um aumento de 30% em relação às estatísticas de 2016, quando foram registrados 343 casos. Nesse cenário, a população mais fragilizada é a de travestis e transexuais - no Ceará, 67% das vítimas pertencem a esse grupo. Em Fortaleza, o Centro Janaína Dutra realizou 677 atendimentos em 2017. Foram

acompanhados 177 casos de violação e/ou omissão de direitos da população LGBT, sobretudo dos travestis ou transexuais. “Não é à toa. Elas representam o perfil identitário, entre a população LGBT, que é mais vulnerável aos mecanismos de violência. Quando você vai olhar o perfil dessas meninas, a maior parte estava se prostituindo. É uma população que não tem acesso à educação, ao mercado de trabalho, que não consegue concluir o ensino médio por conta do bullying, que não consegue apoio da família no momento da transição e que não é absolvido pelo mercado formal de trabalho. Qual o lugar da travesti na sociedade hoje?”, questiona Tel.

Leia amanhã Promotor sustenta que morte de Dandara foi por homofobia


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clui que não ma morte por em Fortaleza

a travesti Dandara dos Santos repercutiu ortes de LGBTs não foram motivadas por ódio

 PERSONAGENS Temendo a exposição e retaliações, dois personagens que seriam ouvidos para esta reportagem recuaram, mesmo diante das garantias do O POVO de preservação da imagem e identidade. Outras vítimas de violência motivada por homofobia buscadas pela equipe também se recusaram a falar.

O POVO localizou, nos registros da SSPDS, 25 dos 30 nomes apontados no relatório do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, utilizando a data do crime e iniciais do nome das vítimas. A reportagem opta por identificá-las também pelas iniciais ou nome social, conforme utilização no relatório.

Análise. Inversão

“Previamente, elas são julgadas e culpadas” A percepção da dinâmica dos crimes cometidos contras grupos considerados vulneráveis, o que inclui os negros, pobres, moradores da periferia e os LGBTs, é prejudicada pelo despreparo das polícias. A avaliação é do sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da Violência (Covio) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Geovani Jacó. “Existem procedimentos de como a Polícia deve agir, mas não existe a internalização dessa compreensão”, defende. O professor ressalta que, apesar da homofobia não ser considerada uma tipificação criminal, o direito à liberdade está previsto

em estatutos e na própria Constituição. Para ele, esse entendimento deve ser aplicado aos agentes de segurança, ainda durante a formação. Jacó considera que, ao afastar a possibilidade de homicídio decorrente de homofobia em casos como o de Dandara dos Santos, bem como de apontar o envolvimento das vítimas com drogas ou grupos criminosos como motivação para os crimes, a SSPDS peca por permitir uma condenação antecipada das vítimas. “Previamente, elas são julgadas e culpadas. São elas as violentas, elas que tomaram iniciativa de agressão e, portanto, morreram porque são culpadas.

Essa prática do Estado revela um preconceito, racismo institucional e violência estrutural que organiza a sociedade e instituições, seus conteúdos e modos de agir”, analisa. O sociólogo enfatiza que o Estado tem papel pedagógico na educação das pessoas e na desconstrução dos preconceitos, e não deve fortalecer a reprodução de violências. “Há um esforço enorme de silenciar essas práticas, de não reconhecer as motivações e características que acompanham e orientam as violências cometidas contra determinados segmentos da sociedade, estigmatizados por conta de uma longa tradição moral”, conclui.

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Saiba mais Em 2017, foram registrados 1.979 crimes violentos letais intencionais (CVLIs) em Fortaleza, conforme a SSPDS. Destes, 1.916 foram analisados pela comissão, por se tratarem de casos de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. A Secretaria esclareceu que ficaram de fora 63 casos, sendo 29 ocorrências de latrocínio. Noutros 34 inquéritos, não havia informações suficientes para apontar a motivação do crime. Já as ocorrências contabilizadas pelo Centro Janaína Dutra foram contabilizadas por atendimento presencial ou pelo Disque-100, e por notificações do hospital IJF, via formulário do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Também foram utilizados dados do monitoramento de sites e grupos virtuais da sociedade civil LGBT organizada e de grupos de pesquisa. Notícias veiculadas na imprensa, informações obtidas durante a realização de visitas aos familiares das vítimas e contatos telefônicos com as delegacias de Polícia Civil, além de consulta a processos judiciais e dados da própria SSPDS, também foram consideradas. Conforme o estudo, foram incluídos os crimes considerados como não tendo motivação LGBTfóbica eventual e nitidamente enunciada pelas fontes, além daqueles que não tiveram as circunstâncias ou motivações totalmente elucidados pela Polícia Civil. Os pesquisadores consideram que, apesar de as investigações iniciais apontarem para outras formas de violência urbana, os crimes não podem ser “dissociados contextos de ódio”, dada as “características de extrema crueldade e as nuances simbólicas que apresentaram”, sobretudo em relação ao contextos de vulnerabilidade social decorrentes do panorama de preconceito e discriminação direcionados historicamente à população LGBT.


4 Reportagem Especial EDIÇÃO: CLÁUDIO RIBEIRO | claudioribeiro@OPOVO.COM.BR | 85 3255 6135

| JUSTIÇA | Somente na 1ª Vara do Júri, mais três casos em andamento, de crimes de homicídio contra travestis, teriam tido a motivação homofóbica

Morte de Dandara foi por homofobia, diz promotor MARIANA PARENTE - 6/3/2017

Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br

Thiago Paiva thiagopaiva@opovo.com.br

FOTO 3x4 de Dandara dos Santos: morte filmada ajudou a identificar culpados

Os doze acusados de participação no assassinato brutal da travesti Dandara dos Santos agiram por sentimento de homofobia. É o que sustenta o promotor de Justiça Marcus Renan Palácio, responsável pela acusação no caso. O processo tramita na 1ª Vara do Júri. Dos oito réus adultos, seis foram condenados e dois seguem foragidos. Somente na unidade da Justiça da Capital, segundo Renan, há mais três casos, em andamento, de crimes de homicídio contra travestis que teriam sido motivados pela condição das vítimas. “É evidente que a morte de Dandara foi motivada por homofobia. Veja como um dos acusados se refere a ela, conforme está transcrito nos autos. ‘Essa carniça está de calcinha. Tu vai morrer, viado (sic)!’ Isso não é um sentimento mais do que revelador de homofobia? Isso não é um sentimento, a mais não poder, homofóbico?”, questiona. Agredida com chutes, socos e golpes com pedaços de madeira, a morte de Dandara foi registrada em vídeo, o que possibilitou a identificação da maioria dos acusados. Dos 12 envolvidos, oito adultos e quatro adolescentes. O processo contra os dois foragidos está suspenso, bem como o prazo prescricional da ação. Os quatro adolescentes foram apreendidos e cumprem medidas socioeducativas.

Nas imagens, após ser espancada, a travesti é colocada em um carrinho de mão e conduzida por seus agressores para além do enquadramento da câmera. “Os caras vão matar o viado” é a última frase que se escuta no vídeo de 1 minuto e 20 segundos. A travesti, que tinha 42 anos, é levada para um beco e assassinada com dois tiros no rosto. Um paralelepípedo é usado para esmagar seu crânio. Para as incontáveis pessoas que assistiam ao espancamento no local, e para os grupos de WhatsApp por onde o vídeo circulou, Dandara virou espetáculo. De início, foi dito que as agressões à travesti teriam sido deflagradas por conta de um boato. Dandara teria praticado assaltos e furtos no Bom Jardim. “Isso foi rejeitado pelo Conselho de Sentença. Para os jurados, o sentimento de ódio foi o que deflagrou as agressões. Prevaleceram as teses do Ministério Público, de homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, consistente de recusa de convivência com o diferente, meio cruel o recurso que impossibilitou a defesa da vítima”, destaca o promotor. “O juiz perguntou para os jurados, na ocasião dos julgamentos: ‘O réu agiu por motivo torpe, impelido por sentimento de ódio pela condição de homossexual e travesti da vítima?’. Essa foi a pergunta formulada. E os jurados reconheceram que sim. Também reconheceram que os acusados agiram com emprego de meio cruel, consistente nos instrumentos utilizados, como chutes e pontapés, aumentando inutilmente o sofrimento da vítima”, completou Renan. Diretor-adjunto do Departamento de Homicídios e Proteção

à Pessoa (DHPP), o delegado George Monteiro afirma que nas investigações da especializada há um “protocolo”. Sempre que o alvo é identificado como LGBT, a possibilidade de que o crime tenha sido motivado por ódio, em razão da condição da vítima, é considerada. “A partir daí, vem toda a investigação. Tudo é analisado, mas nenhum fato é analisado de forma isolada, dentro de um contexto, para se aferir as motivações. A gente analisa a materialidade do crime, as circunstâncias, os motivos e a autoria. E os motivos fazem parte de um contexto da investigação”, descreve. Para o delegado, a falta de uma tipificação para os crimes de homofobia também pode comprometer essa identificação. “Como não há uma legislação específica, a gente enquadra com o motivo torpe, como bem fez o Judiciário no caso da Dandara. Não participei da investigação e não posso afirmar que se houve a tipificação por motivo torpe no indiciamento, já que o crime de ódio entra como qualificador do homicídio”, ressalta. Monteiro reconhece, contudo, que as investigações podem não ser conclusivas. “Nem o juiz nem o MP ficam adstritos à interpretação literal do que foi feito em sede de investigação policial, embora ela seja importante e norteadora, sendo seguida na maioria das vezes. O MP e o magistrado podem entender que há elementos que não foram vislumbrados pelo inquérito”, afirma. O delegado defendeu a decisão da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) de incluir o campo de crime por homofobia no estudo, embora não exista essa tipificação penal. “Acredito que a intenção era tratar da forma mais cuidadosa possível, e identificar possíveis ocorrências de homofobia, justamente para ter uma atenção especial para esses crimes e traçar políticas públicas para entendê-los e coibi-los”, concluiu.

Para entender Segundo o promotor Marcus Renan, quatro casos de homicídio contra travestis, que teriam sido motivados pela condição das vítimas, tramitam na 1ª Vara do Júri. No caso da travesti Beyoncé, ocorrido em 25 de fevereiro de 2017, o acusado Josimberg Rodrigues de Abreu já foi denunciado. A última movimentação do processo foi uma audiência de instrução. Já o crime de Hérica Izidoro, travesti que foi arremessada de uma passarela na avenida José Bastos, em 12 de fevereiro de 2017, e morta no dia 13 de abril seguinte, continua sendo investigado. A última movimentação foi um pedido de diligências. A morte da travesti Rayca, registrada em 10 de janeiro de 2014, continua em fase de investigação. A última movimentação foi o deferimento de um pedido de quebra de sigilo de dados e interceptação telefônica requerido pelo MP.


Reportagem

A importância de chamar pelo nome | TIPIFICAÇÃO | Pesquisador da Universidade de Brasília usa o caso Dandara para defender a necessidade de legislação penal específica sobre LGBTcídio O pesquisador Anderson Cavichioli, da Universidade de Brasília (UnB), conheceu a história de Dandara dos Santos pelo vídeo que mostrava seu espancamento. “Ao iniciar um dia absolutamente comum, o vídeo com as imagens do martírio de Dandara fez tudo parar”. Cavichioli começou a investigar o crime por conta própria, conversando com jornalistas e ativistas que pudessem auxiliá-lo na busca por informações. Chegou ao promotor de Justiça responsável pela acusação, Marcus Renan Palácio, que passou a informá -lo do andamento do processo. Em março deste ano, veio a Fortaleza para acompanhar o julgamento de cinco acusados do assassinato e para dar continuidade ao seu trabalho de investigação. Também deu de cara com levantamento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará que apontava a completa ausência de casos de assassinatos por homofobia no Estado em 2017. Chamava atenção que, como negativa a essa estimativa, os acusados do crime tivessem sido condenados pelo Tribunal do Júri com o reconhecimento de sua motivação transfóbica. O reconhecimento da incompatibilidade o levou a formular uma pergunta - “quais os significados da disputa sobre a nomeação de um crime

“Quero discutir como o Estado não se importa com algumas vidas e refletir sobre por que ele não se importa” Anderson Cavichioli,

pesquisador da UnB

como transfóbico?” - que se tornou o mote para a pesquisa que vem desenvolvendo. Uma história de extermínio transfóbico no Brasil: a disputa de nomeação do assassinato da travesti Dandara dos Santos é a investigação que assumiu desde então dentro do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB. “O que constatamos foi essa invisibilização dos assassinatos. Eles acontecem, mas essa invisibilização compromete a promoção de políticas públicas que pudessem fazer frente a essa violência específica contra a população LGBT. Quero discutir como o Estado não se importa com algumas vidas e refletir sobre por que ele não se

importa”, explica Cavichioli em entrevista ao O POVO. O pesquisador também é secretáriogeral da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI (Renosp). Cavichioli reconhece o atraso em nossa legislação no reconhecimento de crimes de ódio motivados por homofobia. “O raciocínio da polícia é técnicoformal, se baseia no Direito Penal, no qual propositadamente não há tipificação. Isso gera ausência de dados”, argumenta ele, que cita o reconhecimento da motivação homofóbica pelo Tribunal do Júri e volta a usar o termo “proposital” para se referir a essa ausência. “Todos os projetos que visam tipificar a homofobia e o LGBTcídio são paralisados por uma ala conservadora do Congresso. O poder legislativo há anos se mantém omisso, não toma nenhuma providência nesse sentido”, explica. No último dia 7, Cavichioli e a Renosp apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entidade ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), um detalhado informe sobre as violações de direitos humanos da população LGBTI no Brasil. Além do relatório, debateram a completa ausência de legislação específica sobre o tema e a ausência de políticas públicas efetivas no combate à violência extrema. (Jáder Santana e Thiago Paiva)

Sem retorno Apesar de concluir que nenhum dos homicídios registrados em Fortaleza, no ano de 2017, foi motivado por homofobia, a SSPDS, por meio da Comissão de Estudo do Perfil das Vítimas dos CVLIs, não informou qual motivação foi atribuída nos casos de morte de LGBTs. No último dia 31 de outubro, O POVO enviou à pasta a relação com nomes de vítimas cujas mortes denotam possível incidência homofóbica, segundo o Centro Janaína Dutra. Somente no último dia 9, a SSPDS informou que não foi possível localizar todos os nomes, pois havia muitos homônimos. O POVO, então, reencaminhou a relação, incluindo a data das ocorrências. Ainda assim, a secretaria não deu retorno sobre a demanda.

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Ponto de vista

As dolorosas e silenciosas mortes de pessoas LGBTI+ DIVULGAÇÃO

LUIZ Fábio Paiva

Os sofrimentos das pessoas LGBTI+ são desconhecidos por outras que ignoram as diferenças de gênero que constituem a sociedade brasileira. É verdade que a população cisgênero sofre com estupros, torturas e assassinatos. O problema é que quando isso alcança as pessoas LGBTI+ o estupro, a tortura e o assassinato ganham novos contornos. Sem que tivesse cometido qualquer crime, Dandara foi linchada aos olhos de uma população que preferiu não se envolver. Cada paulada que recebeu era seguida de uma ofensa moral referida ao seu gênero. Em casos de assassinatos de pessoas LGBTI+, verifica-se o uso de armas de fogo e armas brancas, igualmente, como nos crimes contra heterossexuais. O problema é que os crimes contra homossexuais retratam agressões morais e acusações de que a pessoa “vai morrer porque é viado”. Nenhum crime contra uma pessoa cis acontece por causa da sua condição de gênero. Ninguém diz “vai morrer porque é macho”. Outro dado importante, na hora de analisar o crime, é ver a quantidade de balas e facadas desferidas. Em geral, as balas atingem a face de quem não pode apenas morrer, mas precisa ser completamente desfigurada, apagada e expurgada da sociedade. Os números, portanto, não traduzem o ódio contra as pessoas LGBTI+ e a falta de boas informações colabora para a continuidade das violências que as atingem.

Luiz Fábio Paiva

Sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC


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