HISTORIOGRAFIA MUNICIPAL DE CAMPO MOURÃO – PR
DE SUAS ORIGENS ATÉ 1970
Copyright © 2022 by Academia Mourãoense de Letras Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Capa ANDRÉ LUIZ ALVES Foto de Capa ACERVO NELSON PRADO — BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ Reprodução de fotos JAIR ELIAS DOS SANTOS JÚNIOR DÉRIK MOREIRA DA SILVA Preparação DÉRIK MOREIRA DA SILVA JAIR ELIAS DOS SANTOS JÚNIOR Revisão HERMÍNIA CAMARGO PERDONCINI Projeto Gráfico MOAI COMUNICAÇÃO Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Prado, Nelson Bittencourt Historiografia municipal : Campo Mourão – PR : suas origens até 1970 : artigos de Nelson Bittencourt Prado. -- Campo Mourão, PR : Nova História Editora e Gestao Cultural, 2021. ISBN 978-65-996023-3-7 1. Campo Mourão (PR) - Descrição 2. Campo Mourão (PR) - História 3. Campo Mourão (PR) - Política e governo 4. Campo Mourão (PR) - Usos e costumes I. Título.
21-94326
CDD-981.62 Índices para catálogo sistemático:
1. Campo Mourão : Paraná : Estado : História
981.62
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
[2022] Todos os direitos desta edição reservados à NOVA HISTÓRIA EDITORA E GESTÃO CULTURAL Rua João Teodoro de Oliveira, 171 | Parque das Acácias Campo Mourão | Paraná | [44] 99923-4760 www.novahistoriapr.com.br facebook.com/novahistoriaeditoragestaocultural instagram.com/novahistoriacm contato@novahistoriapr.com.br
NOVA HISTÓRIA EDITORA E GESTÃO CULTURAL
Artigos de NELSON BITTENCOURT PRADO
HISTORIOGRAFIA MUNICIPAL DE CAMPO MOURÃO – PR
DE SUAS ORIGENS ATÉ 1970
Campo Mourão — PR Nova História Editora e Gestão Cultural 1.ª edição
ÍNDICE 9 Apresentação - Jair Elias dos Santos Júnior 13 Introdução 17 Preâmbulo 21 1.0 - EXPEDIÇÕES BOTELHANAS 23 Campos do Mourão Dois Campos de Guarapuava 27 29 Alguns Pormenores na Organização das Expedições Os Nomes Topônimos 30 Engodo Diplomático 32 Pagamentos 34 Idade do Pessoal 34 35 Soldos Pagos nas Expedições 35 Artilharia usada nas Expedições Precauções e Punições 36 Material e alimentação fornecida ao pessoal 37 39 2.0 - PASSADO DA MESOPOTÂMIA DO PIQUIRI 40 Expedicionários Europeus 43 Presença e Ação Cultural dos Jesuítas 44 Jesuítas e Reduções 47 3.0 - BANDEIRANTES LUSO-BRASILEIROS – O ATAQUE E DESTRUIÇÃO DO ESTADO TEOCRÁTICO 51 4.0 - CAMPO MOURÃO – UMA PÁGINA DA HISTÓRIA DO BANDEIRANTISMO BRASILEIRO 52 Descoberta de Guairá 53 Domínio Castelhano
54 54 56 57 57 58 59
Os Bandeirantes Primeiras Expedições O povoamento Primeiras famílias Doação da área Comunicações Criação do município
61 5.0 - COMO DESIGNAR O HABITANTE DE CAMPO MOURÃO 67 6.0 - CAMPO MOURÃO – CAPITAL DA ESPERANÇA 69 7.0 - UMA POVOAÇÃO INDÍGENA-JESUÍTICA NOS CAMPOS DO MOURÃO 77 8.0 - POR QUE “CÁPSULA DO TEMPO”? 79 9.0 - CAPITÃO ÍNDIO BANDEIRA E O CENTRO DE TRADIÇÕES COM ESSE NOME 89 10 - ASFALTO NA BR-369 – IMPERATIVO DO CENTRO-OESTE 93 11 - ANTROPÔNIMOS PORTUGUESES NA TOPONÍMIA PARANAENSE 95 12 - EXPEDIÇÕES BOTELHANAS DO SÉCULO XVIII Restos da Vila Rica do Espírito Santo de Guairá 97 Castro ex-Sant’Ana do Tapo 99 101 13 - COMO SURGIU O FUTEBOL EM CAMPO MOURÃO
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As grandes jornadas
105 14 - TECLAS DE VIENA SOB OS PINHEIRAIS 107 15 - O PLANALTO DE PIQUIRIVAÍ 109 16 - PEABIRU — UM GRANDE CAMINHO PAVIMENTADO COM CAPIM 112 Caminhos indígenas e casas subterrâneas O Peabiru era revestido de capim 115 Um pronunciamento de mestre 116 119 17 - ...E AS LUZES BRILHARAM EM CAMPO MOURÃO 123 18 - DA GALERIA DA HISTÓRIA, 23 ANOS NOS COMTEMPLAM... 125 19 - EVOLUÇÃO SOCIAL DE CAMPO MOURÃO 127 20 - CAMPO MOURÃO – RETROSPECTO E PROJEÇÃO 129 Fundação Urbana de Campo Mourão Demografia 131 Rápida análise do aporte 132 134 Uma nova imagem de progresso 137 21 - FIXAÇÃO DA SEDE URBANA DE CAMPO MOURÃO 138 Legislação até 1940 Demarcação Patrimonial 139 140 Nova programação administrativa 141 Definitiva locação urbana
142 143
Depoimentos para a história mourãoense Novos tempos para Campo Mourão – A fundação da futura cidade De Meritis 146 Conclusão 147
149 22 - O VERDADEIRO SENTIDO DE BRASILIDADE ESTÁ NA MARCHA PARA O OESTE 153 23 - TERRITÓRIO DOS CAMPOS DO MOURÃO 154 Campo Mourão – localização Planalto de Campo Mourão 155 Triângulo solo, vegetação, clima 158 Vegetação 160 163 O campo de cerrado mourãoense 166 Vegetação Principais essenciais florestais no 167 Planalto de Campo Mourão Clima 171 Os ciclones 174 175 Riquezas minerais 176 Águas minerais Riquezas vegetais 177 O Rio Piquiri 178 O Rio Ivaí 179 180 A hidrografia regional 182 24 - DISCURSO EM 29 DE NOVEMBRO DE 1980 AO RECEBER 193 194 196 197
O TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DE CAMPO MOURÃO
Agradecimentos Notas Créditos de imagens Bibliografia
APRESENTAÇÃO
Nelson Bittencourt Prado foi um grande entusiasta da história e memória de Campo Mourão e do Paraná. Nasceu em 23 de julho de 1917, em Guarapuava (PR). Filho de João Lemos do Prado e Hugina Bittencourt Prado. Em 8 de março de 1941, casou-se com Nelly Mylla Prado em Curitiba. Da união, nasceu o filho Ubiratan. Era formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, tendo cursado de 1939 a 1943. Em 1951, fixou residência em Campo Mourão, um dos primeiros advogados do recém-criado município. Na “nova terra” fundou o jornal Correio de Campo Mourão e depois o Correio do Noroeste, que registraram em suas páginas os principais fatos da vida social e política de Campo Mourão. Aventurou-se também na seara política, eleito vereador em 1955. Com forte espírito de liderança e com uma oratória impecável, marcou sua passagem pelo Poder Legislativo. Apresentou projetos de lei criando o Escudo da cidade e Município de Campo Mourão em 1956 e o projeto para a criação do distrito administrativo de Piquirivaí, bem como, a alteração dos toponímicos de Pinhalão para Farol. Com a morte do prefeito Roberto Brzezinski em 21 de setembro de 1959, assumiu a presidência do Legislativo, em substituição ao vereador Paulo Vinício Fortes que assumiu a chefia do Poder Executivo. Além de exemplar mandato público, Nelson Prado dedicou-se à vida comunitária, participando e sendo o primeiro presidente do Lions Clube de Campo Mourão, de 1955 a 1956. Também defendeu a construção de monumentos comemorativos da história do município e da Casa da Cultura, essa criada décadas depois. Foi diretor do Serviço Municipalista do Interior — Muniter 9
atividade de apoio administrativo operacional aos municípios paranaenses, com departamento de radiocomunicação para serviço limitado e privado no período de 1962 a 1966. Em 1972, apresentou ao prefeito Horácio Amaral estudos de correções heráldicas no Brasão de Armas, resultando em novo desenho para símbolo maior do município. Também fez estudos para o novo Brasão de Armas de Peabiru, criado também em 1972 e preparou um ensaio histórico sobre Heráldica Paranista, Geográfico e Etnográfico Paranaense e estudos sobre a agropecuária paranaense no Simpósio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizado na cidade de Niterói, em 1972. Foi nomeado assistente técnico da Fundação de Assistência aos Municípios do Estado do Paraná — Famepar. Em 10 de outubro de 1980, recebeu o título de Cidadão Honorário de Campo Mourão, iniciativa do vereador Ephigênio José Carneiro. Durante duas décadas, dedicou-se à coleta de informações e dados históricos sobre Campo Mourão, reunindo farto acervo documental e iconográfico sobre a história regional. Suas pesquisas eram transformadas em artigos com temática variada, publicados nos jornais Tribuna do Interior, Folha de Campo Mourão e Folha de Londrina. Esse último, em 1980, publicou extenso artigo relatando a formação histórica de Campo Mourão. Pretendia concretizar um livro, porém, por motivos diversos, o sonho acabou não se concretizando. No final dos anos de 1979 e começo de 1980, começou a apresentar sinais de enfermidade, morrendo em 19 de novembro de 1981. Seu nome hoje é emprestado para uma das principais vias do Jardim Lar Paraná, onde possuiu terras e para uma das cadeiras da Academia Mourãoense de Letras. Com a sua morte, seu filho Ubiratan doou seu acervo para a Biblioteca Pública do Paraná. Sua irmã, Leony Prado Andrade, guardou o prelo da presente obra que, agora, 40 anos depois da sua morte será lançada, concretizando assim seu sonho. Nelson Bittencourt Prado merece ter sua memória e seu le10
gado celebrado. “Foi grande e foi nosso”, como diz um famoso escritor e homem público paranaense da atualidade. Graças ao seu trabalho de memorialista e, por que não dizer de historiador, a presente e futura gerações de paranaenses poderão conhecer “o passado que não passa, mas explica”, como no dizer de Bento Munhoz da Rocha Netto. Os méritos de Nelson Bittencourt Prado são numerosos e expressivos. Por isso, a Academia Mourãoense de Letras, numa feliz iniciativa, coloca à disposição de todos a presente obra, como respeito e admiração para com um dos maiores mourãoenses que a nossa terra acolheu. Jair Elias dos Santos Júnior Cadeira 23
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INTRODUÇÃO
Partindo do termo Mesopotâmia, usado nas descrições geográficas para denominar terra entre rios, e considerando que o PLANALTO DE CAMPO MOURÃO se desenvolve entre as duas bacias hidrográficas: o Piquiri, ao sul e o Ivaí, ao norte. O topônimo PARANAVAÍ, aglutinação de PARANAPANEMA e IVAÍ, os dois grandes cursos fluviais que delimitam grande parte do território norte paranaense, sugere outros, de origem potâmica: Piquiriguaçu, divisor de águas do Planalto de Cascavel, como bloco de terceiro planalto ou planalto de Guarapuava. Assim julgamos estar bem posta a denominação de Piquirivaí para o Planalto de Campo Mourão, na região mesopotâmica daqueles dois grandes acidentes geográficos. Essas expressões assim compostas, que identificam a penetração moderna nos respectivos territórios, facilitam o destaque da civilização que se desenvolve no sentido Leste-Oeste, com a efetiva ocupação e exploração de todo o território paranaense. Os planaltos de Paranavaí, do Piquirivaí, do Piquiriguaçu e do Uruguaçu, embalados no mesmo esforço civilizatório moderno e atual tem características específicas, desde quando começou o efetivo povoamento, sobretudo pelos fatores geoeconômicos, e apresentam hoje a liderança de suas respectivas cidades principais — cada uma delas em magnífico prestígio no conjunto dos respectivos grandes espigões, liderando a municipalização, a partir de uma linha meridional: do ponto extremo norte do Estado, na corredeira do Saram Grande, no rio Paranapanema, que aí banha o Município de Jardim Olinda, ao ponto extremo sul, no morro do Capão Doce, assinalador da divisa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, no Município de General Carneiro. A região englobada na denominação geral de sudoeste com13
portaria a definição de Uruguaçu, pela aglutinação dos potanômicos Uruguai e Iguaçu, caracterizada pela cidade de Palmas, mas parecendo dividir-se a liderança entre esta e a cidade de Pato Branco. Sendo, pois, o Piquirivaí uma região mesopotâmica em relação aos rios Piquiri e Ivaí constituiu um lapso de nomenclatura toponímica e geográfica o dizer-se Vale do Piquirivaí. Há uma distância média de 150 km entre um e outro desses dois grandes afluentes do rio Paraná, numa linha de sentido nordeste-sudoeste, que passa pela cidade de Campo Mourão. A municipalização que se estuda e desenvolve nessa região não é, toda ela, localizada somente no vale do Piquiri ou no vale do Ivaí, como não é só em relação aos vales dos rios limitantes menores — Cantu, Muquilão, Corumbataí, Goioerê e Paraná! Segundo o Dicionário Geológico-Geomorfológico de Antônio Teixeira Guerra — Fundação IBGE, 3.ª edição, Rio de Janeiro, 1969 — Vale é “corredor ou depressão de forma longitudinal (em relação ao relevo contíguo) que pode ter, por vezes, vários quilômetros de extensão. Os vales são formas topográficas constituídas por talvegues e duas vertentes com dois sistemas de declives convergentes. O vale é expresso pela relação entre as vertentes e os leitos (leito menor e leito maior e terraços)”, verbete à p. 421). Quando hoje reivindicam-se, insistentemente, obras, serviços e instituições no sentido regional, como, por exemplo, escolas superiores, tecnologia atual para as estruturas agropastoris, asfaltamento da secção Campo Mourão-Cascavel, na rodovia BR-369, a rodovia Pontal do Tigre-Ponta Grossa, de sentido e interesse interestadual, e outras reivindicações, não fica suficientemente clara a expressão Vale do Piquirivaí. Por não ser entendida a denominação errônea, talvez por isso os órgãos da administração pública e técnica dos governos centrais não tenham dado melhor atenção aos reiteradíssimos apelos das populações que formam a força dinâmica da Mesopotâmia do Piquirivaí ou do Planalto de Campo Mourão. E ficariam dispersos esses apelos se os subscrevessem sob o título de “os vales do Piquiri e do Ivaí”, porque, com justa razão, sentir-se-iam marginalizados os habitantes dos 14
demais vales, que delimitam a microrregião de Campo Mourão. Sob a liderança da cidade de Campo Mourão, sem dúvida o principal centro urbano, econômico e social que, tradicionalmente, vem identificando uma região homogênea, desenvolvem-se, atualmente, dezoito comunas, cuja extensão não se restringe apenas aos vales do Piquiri e do Ivaí. A designação mesopotâmia nos dá ideia de amplitude e totalidade; a nominação vale assinalar um único sentido de desenvolvimento, como o que ocorre em relação à depressão de forma longitudinal. Neste trabalho usaremos com frequência a expressão “Mesopotâmia do Piquirivaí”, como sinônimo regional de Planalto de Campo Mourão e de microrregião homogênea de Campo Mourão, estudada pelo Conselho Nacional de Geografia e aproveitada pela Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul — Sudesul, sempre que os fatos ou descrições não se contenham somente nos limites do Município atual de Campo Mourão.
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PREÂMBULO O passado da região denominada Campo Mourão está, naturalmente, entrosado na história do Paraná e do Brasil, a partir das primeiras penetrações portuguesas e espanholas, no segundo quartel do século XVI, pelo interior do território, hoje paranaense. As implicações resultantes do Tratado de Tordesilhas propiciaram ações de posse em nome da Coroa Espanhola, que alcançou, particularmente o território em que surgiu o primitivo município de Campo Mourão. O que a história registrou das penetrações, passagens, explorações e fundações nesse território e além estão suficientemente remarcadas em ampla bibliografia, sempre magnifica, de historiadores patrícios, cumprindo ressaltar, entre nós paranaenses, Antônio Vieira do Santos, Ermelino Agostinho de Leão, José Francisco da Rocha Pombo, Francisco de Paula Dias Negrão, Alfredo Romário Martins, Artur Martins Franco, Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo, Júlio Estrela Moreira, David Antônio da Silva Carneiro, Telêmaco Morocines Borba. Nas preciosas obras desses estudiosos da história paranaense — dois deles felizmente ainda vivos e lendo em VETERANA VERBA — estão configuradas as tradições que prevalecem desde nossas origens, no passado, religando-nos aos esforços civilizadores da atualidade. A eles nos reportamos, com a devida vênia, para haver luz em nosso obscuro esforço de reunir matéria que possa ter, monograficamente, alguma utilidade para maiores realizações na interpretação sociológica e histórica de uma das mais exuberantes regiões do novíssimo Paraná. Não sendo historiador, senão que simples documentarista municipalista, reunimos o que foi possível recolher, em diferentes fontes e locais, focalizando Campo Mourão e a região conhe17
cida por esse nome, no norte sul do Estado. Com este trabalho comparecemos às comemorações do quinto ilustro da municipalização mourãoense, sem qualquer pretensão absurda de metermos o bedelho em terreno de que entendemos muito pouco ou nada — o de escrever história. Também não engendramos ficções. O que vai publicado tem comprovantes nem só nas lições de consagrados mestres — historiadores, sociólogo, etnólogos, arqueologistas, geógrafos, jornalistas e outros —, como nos documentos de arquivos oficiais e particulares, relatórios e outros repositórios fidedignos, além de que muitos fatos, dos mais recentes, estão descritos pelos próprios protagonistas vivos, em seus depoimentos. Do nosso documentário particular, extraiu-se apenas os assuntos mais salientes, assinaladores da evolução local e regional durante esse quarto de século. O restante desse documentário, em grande maioria fruto de longos anos de permanente coleta na imprensa do Paraná — a Capital e do Interior — e também o documentário fotográfico, que não foi possível reproduzir, serão entregues à Biblioteca Municipal de Campo Mourão, sob a esperança de que ali sejam úteis. Consignamos neste passo os reiterados agradecimentos à colaboração inestimável que nos foi dada pelos corpos docentes e discente da Escola Normal Colegial de Campo Mourão, quando sob a direção da professora Hilda Brenner Dessotti, que acolheu nosso plano de levantamento biográfico dos pioneiros e líderes na comunidade de Campo Mourão, dando diretrizes às alunas, que puderem vencer as indiferenças, a desfaçatez ou as oposições totais no fornecimento de dados — investimento imponderável na capital do conceito e das tradições. Curitiba, junho de 1972.
Nelson Bittencourt Prado Rua Emílio de Menezes, n.º 296 18
Pleno interior do nosso Estado onde o que há de bom, com abundância dá, e o que há de belo à nossa voz responde: abençoados rincões do Paraná. (In Pinheiros, de Durval Borges).
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Dom Luís António Sousa Botelho Mourão (1722-1769).
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EXPEDIÇÕES BOTELHANAS
Por duzentos anos Portugal abandonara o Sul do Brasil à sua sorte. Mesmo depois da restauração de Portugal, que ficara sob o domínio de Castela no período de 1586 a 1640, nada ocorreu fazer no sul do Brasileiro para melhor garantia possessória. No final do século XVIII, quando deveriam consolidar-se as fronteiras entre as duas potências — Portugal e Espanha — foi que a Corte Portuguesa pensou útil dominar a terra esquecida ou desprezada. Compreendida pelo Marques de Pombal a necessidade de repor a capitania paulista em seu primitivo pé, foi baixado o decreto de 5 de janeiro de 1765: Sendo-me presente a grande necessidade que há de se exigir governador e capitão [...] na Capitania de São Paulo, na mesma forma e/ou mesma jurisdição que já antecedente o houve nela: sou servido restabelecer a mesma capitania a sem [...] e nomear posse governador e capa general do mesmo governo a Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, que servirá por tempo a três anos, e o mais que decorrer, enquanto lhe não nomear sucessor. Dom Luís era homem digno, altivo e de alta linhagem, que se ilustrava abatinado pela pátria entre os invasores de Trás os Montes na guerra de 1762. Dom Luís conhecera Afonso Botelho de Sampaio e Sousa quando fora da guerra de 1762. Eram parentes por dois lados e tinham ligações ainda maior, de bem servir à pátria ou ao rei. Saíram de Lisboa juntos para o Rio de Janeiro a São Paulo, em março de 1765. A 15 de julho entrou em Santos. No dia 23 de julho, Dom Luís anuncia o governo. Um ano depois, sentindo-se bem firme, Dom Luís subiu a São Paulo e estabeleceu-se no governo o Colégio dos Jesuítas, que 21
havia sido abandonado pela ação de Pombal. Em 10 de dezembro de 1766, nomeia Afonso Botelho seu ajudante de ordens, já estando tenente. Dificuldades com a defesa da povoação de Paranaguá entre ataques de consórcio francês e desentendimentos providos de imposto para abrir despesas na construção de uma fortaleza. Dom Luís mandou Afonso Botelho para aquela Vila, com a patente de capitão, assim: Designado pela experiência e certo a que minhas disposições para a obra de fortaleza de Paranaguá e povoações de Guaratuba eram inteiramente iludidas, resolvi mandar posses àquela vila ao ajudante das minhas ordens Afonso Botelho de São Payo e Souza. No Paraná, Afonso Botelho passou desde então a realizar imensas obras, todas sob sua direta administração, desdobrando-se em dilatar a perguntas das diligências: a construção da fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, em Paranaguá; abertura da estrada da Serra do Mar, com a transposição do penedo do Cadeado; fundação de vilas de Ararapirá, São Luís de Guaratuba, Santo Antônio do Registro, depois Lapa, Santa Ana do Iapó, depois Castro, Nossa Senhora dos Prazeres do Mateus do Registro, depois São Mateus, Porto União da Vitória, São Bento do Tibagi e, mais ao sul a vida e fortificação de Lages. Dá instrução e acolhe medidas para a exploração da madeira, que os pinhais imensos lhe entusiasmavam, e da erva-mate, com os ensinamentos de Dom Francisco Alzogovai.
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CAMPOS DO MOURÃO Em janeiro de 1769 recebe novas ordens: as das duas entradas ou bandeiras para o sertão, onde reconheceu e explorou o território a oeste. Realmente Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão em instruções para executar a ocupação portuguesa a oeste, depois da anulação do Tratado de Madrid (1761) (3) convinha redescobrir e incorporar a Coroa Portuguesa o vasto território abandonado pela colonização jesuítica. Em 1767 era fundado o povoado e presídio de Nossa Senhora dos Prazeres de Iguatemi “chave da serra de Moracaju...”. Temeu, porém, que os espanhóis fossem vingar do estabelecimento, atacando os ingratos sertões ou caminho da Viamão para São Paulo. Mandou então, que Afonso Botelho levasse à Comarca de Paranaguá as bandeiras necessárias para a exploração e incorporação das mesmas ao território da capitania. Cumprindo determinação de Dom Luís de Sousa, sempre pelo melhor forma, foram assinaladas dez expedições bandeiras ou entradas. Entre elas, a segunda e terceira que teriam alcançando os “Campos”, que daí em diante, passariam a chamar-se Campos do Mourão. A segunda expedição para o Sertão de Tibagi entrou no dia 20 de junho de 1769, partindo do porto de São Bento, poucos quilômetros ao sul da cidade de Tibagi, no rio do mesmo nome. Era seu comandante o capitão de auxiliares da Freguesia de São José dos Pinhais, Estevão Ribeiro Bayão (4), e pelo capelão o reverendo Frei Antônio de Santa Tereza do Espírito Santo, religioso de São Bento, conventual de São Paulo. Sob o comando de Bayão entraram 75 homens, gente de Paranaguá, São José dos Pinhais, Curitiba e dos Campos Gerais (Lapa, Palmeira, Castro e Tibagi). Do ponto de partida, no posto de São Bento do Tibagi, encaminharam-se para o centro do sertão, em rumo oeste, atravessando grandes áreas (Serra da Prata), na divisa entre atuais municípios de Reserva e Cândido de Abreu). E certa altura de sua penetração, espalhadas as esquadras ou pelotões, julgaram-se perdidos 23
nas picadas, que abriram no meio da mata, sem encontrar saída que os levasse ao ponto desejado que era, de início, encontrar o rio Ubatuba ou Ivaí. É quando a esquadra de Inácio da Motta Oliveira (que tanto serviços prestou em todas as expedições dessa região). Francisco Lopes da Silva, miliciano de Curitiba — um dos que teria chegado até os campos — daí em diante denominados do “Mourão”, voltou com a notícia de haver descoberto o rio a que denominaram desde logo, rio de Dom Luís, (rio Ivaí) (5) em homenagem ao capitão-general da província, e assim cumprindo expressas determinações suas e repetidas por Afonso Botelho, reuniram-se então, todos em só posto, em local onde estava o comandante geral da expedição, Estevão Ribeiro Bayão. Como julgaram inavegável o rio encontrado (na altura em que o acharam, devia ser em território do atual município de Cândido de Abreu). Daí se abriram picadas em direção ao rio Ivaí onde chegaram em dezembro de 1769. Aí fabricaram canoas e pelo Ivaí, desceu a esquadra de canoas e pelo Ivaí, desceu a esquadra de Francisco Lopes da Silva e o Capelão Antônio de Santa Tereza do Espírito Santo, encontrando dias depois, a barra do rio Corumbataí, a que denominaram rio Mourão, pelas mesmas razões das determinadas e retrorreferidas. Aí encontraram também laranjais e bananais que os reanimaram no prosseguimento da expedição. Afinal, descendo pelo Ivaí, transpuseram o salto, hoje chamado das Bananeiras, e chegaram ao rio Paraná, limite entre os atuais municípios de Querência do Norte e Icaraíma. Pelo rio Paraná descerram e foram encontrar os saltos de Sete Quedas, e a foz do rio Piquiri, e dali voltaram, pelo rio Paraná, até encontrar o rio Iguatemi e, por este, foram até a fortaleza do Iguatemi, construída desde 1768, com a maior insistência e grandes sacrifícios por ordem de Dom Luís. Lá no Ivaí o Capitão Bayão sentia-se muito doente, com malária, razão por que voltou para São José dos Pinhais, onde, após três dias do regresso apressado, faleceu. No posto do Ivaí ficou o pessoal encaminhado pelo Frei Ribeiro, que, em grande parte, com ele, desertou, ficando apenas alguns na esquadra ou pelotão de Inácio da Mota, que logo depois se deslocou para o Iguatemi. 24
Uma terceira expedição havia sido organizada, na esteira da segunda expedição, pois a seguir depois de quase dois meses, composta por 80 praças, pessoal recrutado energicamente em Cananeia e Iguape, sob o comando de Francisco Nunes, capitão de auxiliares da Vila Iguape. Essa companhia seguiu os mesmos rumos da expedição de Bayão, pois seguia nas picadas anteriormente abertas. Partiu em 12 de agosto de 1769 e fora encontrar o Capitão Bayão nas margens do Ivaí, fosse animá-lo e fortalecendo-lhe o pessoal, quase todos passando mal de malária, como o próprio Bayão. Francisco Nunes fez construir canoas e, onde foi possível, desceu também o Ivaí até o Paraná, onde fez uma morada e mandou explorar as redondezas. Encontraram-se, então, as canoas que vinham de São Paulo, desde o rio Tietê e pelo rio Paraná, em destino à praça do Iguatemi, para escolherem o capitão Francisco Nunes e sua gente, também gravemente enfermos de malária. Nesse ínterim, saindo de Iguatemi, o capelão Antônio de Santa Tereza do Espírito Santo e o Tenente Inácio da Mota fizeram nova expedição fosse explorada a região de Sete Quedas e o rio Piquiri, voltando novamente ao Iguatemi, onde faleceu o capitão Francisco Nunes, enquanto o tenente Inácio da Mota e o capelão Antônio, deixando o Iguatemi, navegaram o rio Paraná acima e o rio Tietê, chegando a São Paulo em outubro de 1770. Ficava assim restabelecido o grande sertão, desde o porto São Bento, no Tibagi, de onde haviam partido entre junho e agosto de 1769. Ficava, também, conhecida a comunicação desde a Vila de Curitiba, pelo Ivaí e Paraná, até a fortaleza do Iguatemi. Em 14 de janeiro de 1770 o tenente Francisco Lopes da Silva foi promovido a capitão e os elementos que sobraram da segunda e terceira expedição foram incorporados numa somente companhia que, sob seu comando, segundo ordens que lhe foram baixadas, voltou de Iguatemi ao rio Ivaí para estabelecer na barra do rio Mourão (denominação dada ao rio Corumbataí), onde em princípio de dezembro de 1769, as esquadras ou pelotas 25
sobre o comando de próprio então tenente Francisco Lopes da Silva, com a participação do tenente Inácio da Motta e do capelão Frei Antônio de Santa Tereza, haviam descoberto a barra do rio Mourão, os bananais e laranjais. Chegando à foz do Corumbataí, a nova companhia do agora capitão Francisco Lopes da Silva, em suas expedições na área circunvizinha da barra do Corumbataí, no Ivaí, a margem esquerda de ambos rios, nos arredores da hoje cidade de Fênix, descobriu em 10 de março de 1770, os fundamentos da antiga Vila Rica do Espírito Santo, que havia sido fundada pelo espanhol Ruy Diaz Melgarejo, em 1576, e sitiada, tomada e destruída em 1632, por Antônio Raposo Tavares. (1) Ali se faziam roças e principalmente estabelecimentos, que deveriam chamar-se Vila Real, numa denominação segundo as ordens de Dom Luís, e, nesse caso, denominação dada a sua cidade natal, referindo em Trás- os-Montes, Portugal. Paralelamente teriam feito várias explorações mais avançadas, em diferentes veredas em ambas margens dos dois rios e outras suas afluentes, de modo à terra descoberta como Campos (do Mourão), nome que já citadas ilustrações. E se pode deduzir, além do que está documentada, que assim tenha sido, pois, tendo regressado àquele lugar a barra do Corumbataí em março de 1770, ali permaneceram o capitão Francisco Lopes da Silva e sua companhia, até meados de junho do mesmo ano, quando recebeu ordem de ir, na sua frente, socorrer a praça militar do Iguatemi, mas faleceu em março de 1772. O descobrimento desses campos foi registrado no diário das expedições no sertão do Tibagi, mais especificamente, no final da segunda expedição, iniciada por Estevão Ribeiro Bayão e concluída pelo capitão Francisco Lopes da Silva, contando sempre com a colaboração do sargento Inácio da Motta, depois promovido a tenente, até final, este sempre “pronto a toda a hora que mandarem”, e o apoio físico e espiritual do frei Capelão Antônio da Santa Tereza do Espírito Santo.
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DOIS CAMPOS DE GUARAPUAVA Nota-se que o governo de São Paulo já tinha informações sobre a existência de um campo mais para o noroeste no sertão de Tibagi. (...) em 1756, Ângelo Pedroso realizou a exploração desse sertão e constou no mapa, desenhado por Manoel Ângelo Figueira de Aguiar, no qual se verificou a menção de dois campos de Guarapuava: um entre o Rio Grande do Registro (Iguaçu) e o rio Ubatuba (rio Ivaí), e outro entre os rios Ivaí (Ubatuba), Tibagi e Paranapanema. (2) Esse mapa, como, aliás os outros quatro referentes às expedições ou encomendadas ao Coronel Afonso Botelho, ou espontaneamente mandados confeccionar por ele para ilustrar as explicações, relatórios e inventários remetidos a Dom Luís António Sousa, apresenta várias imperfeições visto que lhes faltam, como elementos certos e fixativos, as coordenadas geográficas e, como as demais, se destina a representar geograficamente o Paraná, na sua maior parte, então, complementamente desconhecido. Assim, nesse mapa vemos o rio Tibagi, seguido em sentido norte e depois inflexionando, quase em rota para o norte, não se representa o rio Paranapanema. O rio Ubatuba ou rio de Dom Luís é dado como nascendo no centro do território da antiga comarca, seguindo de certo modo, o sentido que já lhe é próprio. Não há indicação do rio Piquiri, por certo devido ao fato de que não sendo marginal a não ser na sua última parte, antes da foz no Paraná era desconhecido, ou não parecem importantes! Faltando a representação do rio Piquiri estão assinaladas Campos de Guarapuava ao sul do Ivaí e entre esse rio e o rio Iguaçu ou de Registro, o que está certo, proporcionalmente às deficiências acima referidas. Mas há a indicação dos campos de Guarapuava nas terras à direita do Ivaí e Ubatuba, ex-rio de Dom Luiz, em posição bem mais alta que os campos ao sul do Ivaí. Em seguida, Campos de Guarapuava, à direita do médio Ivaí, certamente deveria referir-se aos campos de Guarapuava, de27
pois seriam denominados Campos do Mourão, pois, até então não estava em explicação toponímica determinada por Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão. Nessas condições, os segundos campos de Guarapuava, assinalados no mapa de Ângelo Pedrozo, deveria ser o que ficou assinalado no reconhecimento da expedição iniciada em Estevão Ribeiro Bayão e concluída por Francisco Lopes da Silva. Maiores não teriam sido as explorações desse campo, embora estivessem na cogitação dos expedicionários encontrou que os puseram em direção ao rio do Registro, conforme eram as instruções superiores, devido à malária entre o pessoal da companhia de Estevão Ribeiro Bayão, cuja doença veio a matá-lo e os dois comandantes que o sucederam, além de praça mínimo de outros auxiliares. Também as novas ordens baixadas por Dom Luís António visava maiores investidas. Acreditamos, em face do que está registrado nos diários das segunda e terceira expedições aos sertões de Tibagi, avaliando-se os dados cartográficos do mapa de Ângelo Pedroso, que os Campos do Mourão foram efetivamente definidos em mapas de 1770. Apesar da sua descoberta oficial se não fossem ocupados, como ocorreu, posteriormente, ou os de Guarapuava, pelo fato de ter sido necessário ao capitão Francisco Lopes da Silva, abandonou o estabelecimento da Vila Real ou Bananeiras, pode a iniciar plantações e fundações nas ruínas de Vila Rica do Espírito Santo possa ir socorrer a praça do Iguatemi, infestada com a malária e a reação espanhola, que inutilizou os esforços de Dom Luís na edificação e reforço tão empenhado da fortificação mato-grossense. Parece-nos evidente que, em suas incursões exploradoras aquele fato que ameaçou Ribeiro Bayão, correria explorações por todos os lados naqueles campos, de resto pouco amplos, até encontrar as matas que o cercavam por todos os lados. Por outro lado, como efeito de desinteresse pelos Campos do Mourão, estava a relativa facilidade de navegação que encontrara no rio Ivaí, para as comunicações entre o Iguatemi e a vila de Curitiba, através do roteiro que se iniciava próximo à estrada entre Curitiba e São Paulo, no posto de São Bento do Tibagi. 28
As explorações coexistentes a essas expedições não revelaram espanhóis na região do Piquiri onde a maior defesa era, como sempre, os saltos de Sete Quedas. As preocupações com a guerra do sul, também forçariam o governador e capitão geral de São Paulo a deslocar suas preocupações para o sul, ficando relegado ao esquecimento o oeste paranaense. Guarapuava, cujos campos foram descobertos e reconhecidos ainda na administração de Afonso Botelho em 1771, somente vai iniciar povoamento em 1810.
ALGUNS PORMENORES NA ORGANIZAÇÃO DAS EXPEDIÇÕES As expedições no território do Paraná estiveram sob o comando geral do Tenente Coronel Afonso Botelho, para a exploração e reconhecimento dos sertões do Tibagi, mais no Norte, e de Apucarana, mais ao sul, enquanto as expedições a Mato Grosso, especialmente para o levantamento do Fortim do Iguatemi, estivessem mais distante sobre a orientação do Capitão General Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão, por intermédio do Capitão-Mor João Martins Barros. Mas as determinações principais mescladas de estratégia, orçamentos, disciplina e regime vinham sempre diretamente de Dom Luís António, que em tudo procurava fazer e prover, não deixando, entretanto, de acolher muitas vezes, as fundações de seus auxiliares imediatos, tolerando lhe as alterações necessárias ou resultados de imprevistos. E tudo, fosse, a sua autoridade se fazer firme, enérgica e vigorosa. Também muitos pormenores de ordens e instruções se estendiam em dissimulações diplomáticas, para que sua vontade, fosse que sua vontade ou seus planos não fossem vazados, vivendo assim, a formação de elementos no direito do “uti possidetis”. Vejamos algumas dessas instruções. 29
OS NOMES TOPÔNIMOS “Já avizey q’ o r.o chamado de Ubatuba mande vmce que se chame de D. Luiz de Matheus daqui por diante; em outro ponha vmce o seu nome e em todos os nomes de nossas casas, e apelidos mais conhecidos, de sorte q’ fique bem estampada a memoria dos Auctores deste descobrimt.° para os tempos futuros; do mesmo modo fala vmce chamar os arrayaes, o principal há de ser dos Prazeres do Rg.°, os outros de Matheus, de S. Luiz, de Passos de Villa Real, dos Botelhos, dos Mourões, de Sabroza, da Cumieira, etc. tudo nomes que nos pertenção e q’ fiquem claros no conhecimt.° das gentes, p.a q’ possão resistir à fatalidade do esquecimento do tempo.” (Documentos Interessantes, vol. VI, p. 36/37, carta de Dom Luís a Afonso Botelho, de São Paulo, em 4 de outubro de 1769).
Foi um grande mal porque os nomes não pegaram e daí vem a dificuldade de estudar a geografia da região no século XIX. A preocupação em deixar assinalado os autores dos descobrimentos e das realizações em obras não deve ser entendida como mera ostentação de vaidade. As lutas políticas entre Portugal e Espanha, que vinham desde muito antes dos grandes descobrimentos, teriam reabastecimento após a queda do Tratado de Madrid e chegariam até 1770, o Tratado de Santo Ildefonso, quando se consolidaram as fronteiras entre Portugal e Espanha, na América do Sul. Neste ínterim estava vigorando entre as partes no direito internacional, a teoria do “uti possidetis”, que devia provar a efetividade da posse. Daí a grande preocupação e a enorme energia em que anteriormente Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão baixava suas ordens, e estas fundamentaram-se nas instruções que recebia da Corte, no sentido de reconhecer o mais expressa possível até teriam penetrado, em objetivo de posse, os militares espanhóis, ou os jesuítas espanhóis que, de certo modo, também representariam posse em nome da Espanha. Por outro lado, como militar e fidalgo, era justo que, em missão assim distante da metrópole, a sua vaidade pela capacidade 30
realizadora se fizesse presente, documentando trabalhos que deveriam entrar em sua folha de serviços. Vencendo toda a sorte de dificuldades e resistência do meio incipiente e paupérrimo de então, Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão diz ao seu subordinado à serviço da pátria e de El Rey Dom José I — o reformador —, Tenente Coronel Afonso Botelho de San Payo e Sousa, em carta de 17 de abril de 1769, quando este na construção da Fortaleza da Barra ou Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, em Paranaguá: Vmce ponha toda a diligência em concluir as obras da fortificação: há muito tempo que fiz partir o pedreiro e seus oficiais para facilitar o seu adiantamento. Não se esqueça Vmce de mandar por sua pedra, em que se lavrar as letras, que lhe remeto nesse papel, para q’ nos anos futuros conste quem a mandou fazer. A mim me lembra, q’ aonde se cortou a penha para ficar servindo de muralha, será lugar mais perdurável para se gravar o Letreiro, Se a qualidade da pedra o permitir. Em qualquer parte, que seja tenha vmce a advertência de q’ os caracteres das Letras sejam ao menos no Comprimentº de hum dedo e muy profundos, para q’ possão vencer as ruinas do tempo, e durar nos séculos futuros, em q’ a história se aproveita destas pequenas notícias para aclarar as verdades antigas. Mais tenho de advertir a vmce que tenha cuidad.º o Pedreiro não ajunte duas Letras as outras, nem faça breve, e Sim pelo modo, que não no papel, que remeto com esta, só com a diferença de ser em ponto mayor. Hé o que se me oferece recomendar a vmce nesta matéria. Deus guarde a vmce. S. Paulo a 17 de abril de 1769. Dom Luís António de Sousa.” (Documentos Interessantes, vol. V, p. 154). “Já lhe havia dito antes, também, de que sou o mais empenhado que durante o meu governo se consignar estes descobrimentos para a felicidade de toda esta Capitania. “(Ib., p. 21).
Numa outra oportunidade, ditava estas recomendações ao Tenente Coronel Botelho e Sousa: A vista do q’ o meu parecer hé q’ vmc.c meta novamt. hua expedição pequena pelo Rio Tibagy, ou por outro que melhor modo 31
tiver, e que posa ir desaguar abaixo dos Saltos, ou sair para outra parte, para explorarmos tudo o que ha, e esta expedição basta, que seja como a que foi pelo Rio do Registo, ou pouco mayor para nos trazer noticias certas, e individuaes do que vir, e encontrar, que assim hé que eu obrei antes de mandar a expedição grande, que foi agora p.a o Ivay, a qual, quando partio, levava já o ponto fixo de q’ havia de obrar, porq’se tinha examinado já tudo o q’ havia antecipado, cuja averiguação hé a que ainda me falta por esa parte, de que tratamos. (Ib., p. 159)
ENGODO DIPLOMÁTICO Tendo em vista a crendice do povo sobre as fabulosas riquezas do Apucarana, Capivari e Guarapuava, e servindo-lhe da Lusidade em que portava muitos acontecimentos conhecido dos aventureiros em partir fosse o descobrimento de minas, Dom Luís António de Sousa aplicou planos de verdadeira estratégia para confundir os espanhóis. Nessa época, os sucessos da guerra das missões contra os índios dos sete povos do Uruguai causaram o conflito armado entre Portugal e Espanha. Os intuitos do Margado de Mateus não era outro senão o de promover seu plano militar de ter gente pronta para invadir o Paraguai ao primeiro mando, conservando nas fronteiras as expedições mineiras que constituíram o sonho dourado dos curitibanos. Seus objetivos ao determinar a conquista dos sertões de Tibagi e Iguaçu, eram, assim os de ameaçar a província espanhola do Paraguai e de incorporar ao domínio da Coroa Portuguesa todas as estradas do mate e de São Paulo, e ocasião em que fosse celebrado o Tratado de Limites que se negociava tudo como critério de ocupação. Necessário definir a atenção e os esforços do inimigo para o Paraguai, para descongestionar o Rio Grande do Sul e 32
Santa Catarina, das grandes forças que garantiriam a ocupação espanhola. Estratégia e diplomacia: a primeira, discretamente militar, como se estivessem, ele próprio, governador da Província, a frente do Exército, no campo de lutas; a segunda porque, vencendo a dificuldade de recrutar pessoal, recrutando até entre os criminosos, conseguir formar as esquadras sob a esperança de buscar a localização de um Eldorado. Entretanto, resencadante lá estourar as instruções, concordamos com as gualontras providas pela Corte. E assim se manifestou ao Comandante Geral das Expedições no Paraná, Afonso Botelho: Alem do que a Vmc. explico na Carta antecedente, de novo lhe recomendo, q’ aos Comand.08, que forem nesta expedição devo passar as mais apertadas ordens p.a q’ nem elles, nem as pessoas de seu Comando se entretenhào com o ouro, ou com outra qualquer riqueza, em qualquer parte que se acharem ; por q’ não hó este por ora o destino a que se encaminhão, pois deve ser todo o seu iim, e todo o sou empenho o executarem o q’ recomendo na d.a Carta retro. [...] Bastará por ora, que se encontrarem cazualmente as noticias desta riqueza, as marquem e assignalem mt.° claramente, para q’ a todo o tempo se posão tornar a achar aqueles Citios; mas q’de nenhum modo se detenhão, antes vão puchando a gente, e as suas marchas para diante, até conseguirem os fins recomendados. E isto mandará vmce observar debaixo das mais apertadas ordens, por ser o que convém no tempo prezente, té que eu posa dar para a utilidade dós Povos as providencias nccessarias. Deus g.° a vmc.° S. Paulo a 2.’3 de Mayo de 1769. Dom Luiz Antonio de Souza.
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PAGAMENTOS “[...] Como tenho ocasião de pasar para esas partes o Furriel da cavalr Vicente José- de Mello, não quero perder a comodidade de enviar a Vmc. dinr. para q’ com todo o calor continue as expedições e não deixe de obrar tudo o que for preciso por esta falta, por elle mando a vmce Seis mil cruzados, a saber, cinco mil cruzados p.a gastos das expedições, e quatrocentos mil reis do dr.° dos Dizimos para as obras da Igreja das novas Povoações; e vmc, mandará conhecimt.o em forma do q’ recebeo p.a se porem as verbas necesr.’ nesta Provedoria.” (Carta de Dom Luís António a Afonso Botelho, de São Paulo, em 20 de agosto de 1769 – Documentos Interessantes, vol. VI, p. 14).
IDADE DO PESSOAL O pessoal era recrutado de todas as classes de ordenança: assim brancos, mulatos jovens, carijós, procedentes de Paranaguá — antiga Morretes — São José dos Pinhais, Curitiba, Lapa, Castro, Tibagi, Iguaçu e Cananeia, para as expedições no Paraná, e de Araritaguaba, Itu, Sorocaba, Mogi das Cruzes, Jacareí, Taubaté, Guaratinguetá, Picada Monhangabá, Jundiaí, São João da Atibaia e outros, para a expedição de Mato Grosso. “...E porque para esta diligência (a expedição de fundação e povoamento de Iguatemi) [...] vmce , que alguns d’elles me parecerão m.t0 rapazes, e outros com cara de pouca Saúde; e por q’ p.a esta delig’.a Se precizão homens de todo o trabalho, deve vmce fazer nova lista escolhendo os melhores, e Capazes, p.a o q’ não meta vmce nem rapazes menos de vinte annos de idade, nem homens que passem de cincoenta, por q’ nô os prim.ros nem os Segundos podem ser capazes do trabalho de uma Canoa, e Serviço do Certão. (Carta para o Capitão Mor da Parayba, em 16 de novembro de 1767 – Documentos Interessantes, vol. VI, p. 53).” 34
SOLDOS PAGOS NAS EXPEDIÇÕES O Comandante João Luiz Barros – 25$ 000 por mês O 2º capitão – 14$400 reis por mês Tenente e Alferes – 8$000 por mês Almoxarife – 8$000 por mês Sargento – 3$600 por mês Outros 3$ 000 por mês ou 100 réis por dia Capelão 10$000 por mês
ARTILHARIA USADA NAS EXPEDIÇÕES Grande parte da artilharia das expedições era constituída de peças de navios portugueses que apresentavam em Santos. “O Prov.°r da Fazenda Real mandará pagar ao Cap.m do Navio deLx.a, q’ se acha actualmt. no porto de Santos, quatro pesas de Artilharia de Calibre de 4, que mandei tomar no d.° Navio p.a se transportarem p.a o Yvay, as quaes pesas serão pagas a trinta mil reis cada húa, q’ hé a razão de 40 rs. o arratel, e de quatro quintaes cada pesa, conforme o ajuste, e informação, q’ se fez nesta matéria, procedendo-se com as cia rezas necesarias.” S. Paulo a 2 de Agosto de 1769.—Com a rubrica de S. Ex.°
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PRECAUÇÕES E PUNIÇÕES Aplicáveis aos elementos das expedições, em instrução, aos Capitães-mores: Porquanto a expedição que mando preparar p.a o Evay, e Suas Campanhas Se acha prompta com todo o necessário p.a Seguir viagem; Ordeno ao Prov.01’ da Fazenda Real com o Almoxarife, e Seu Escrivão passe ao porto da Araritaguaba a fazer pagamt.0 de tres mezes adiantados a trezentos o vinte homens, de que Se compoem a referida expedição inclusive Seus respectivos Officiaes, e Capellães conforme Seus venciment.0 abaixo declarados, Cujo pagamt.0 Se fará pelo dinheiro, q’ Se acha no Cofre desta junta remetido da Provedoria do R.° de Janeiro destinado p.a as Despezas da mesma expedição: e outro Sim Se pagarão do dito dinheiro as Canoas, mantimentos, e mais preparos já promptificados peLas pessoas, a quem encarreguei esta diligência, e de tudo mandará o dito Provedor fazer os assentos, e mais clareza nccessar.os no Livro Competente, e destinado p.a a matricula, e despezas deste Expediente, não Só respeito as ditas Canoas, mantimento, e mais preparos, mas também aos Soldos que vão vencendo o Comandante, e mais Officiaes, Capellães, e mais gente, de q’ se compõem toda a Tropa; a Saber: O Comandante João Miz Barros vinte e cinco mil reis por mez; o Segundo Cap.m Joaquim de Meira quatorze mil e quatrocentos reis, Dous Ten.es, dous Allf.es, c hum Almoxarife com o vencimento cada hum de oito mil reis por mez: Dous Sargt.08 do n.° a tres mil e seiscentos cada hum; dous Sarg. tos Supra a tres mil e trezentos reis; c cada bua das mais pessoas da Tropa tres mil reis por mez; e a cada hum dos dous Capellães désmil reis também por mez. O q’ tudo executará, c fará executar o dito Provedor com aquclla exacção; e Zelo, e cuid.0 devido á Fazd.a de S. Mag.° q’ Dz. g.e. S. Paulo 6 de Julho de 1767. (Documentos Interessantes, vol. VI, págs. 45 e 46).
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MATERIAL E ALIMENTAÇÃO FORNECIDA AO PESSOAL O alimento ou mantimento sempre foi a principal preocupação dos comandantes, nas extensas e demoradas diligências exploradoras e de descobrimento. Assim, quando elas deviam delongar-se, faziam-se, de espaço a espaço, roças de milho e feijão, que supriam os expedicionários muitas vezes dispersas em diferentes veredas. Ao partirem dos diferentes pontos iniciais, levavam-se rações de farinha de mandioca e de milho, feijão e toucinho, carne de porco curada e cachaça. Era previsto também o aproveitamento de frutas silvestres, por isso que as expedições no Paraná coincidiam com a época dessas frutas e sementes, como se vê neste tópico de instruções em que [...] ajuntando, e estará prompta a entrar no fim de Mayo para se aproveitar do Pinhão [...] (Documentos Interessantes, vol. IV, p. 158). Entre o material epigrafado fornecido ao pessoal,encontram-se pólvora, chumbo, ferramentas, correntes de quatro graças, em colares e grilhões para as pás, para os casos de prisão, lonas, e mais apetrechos.
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PASSADO DA MESOPOTÂMIA DO PIQUIRI
O passado mourãoense está naturalmente entrelaçado na história do Paraná e do Brasil, desde quando se assinalam as principais penetrações por civilizados na região sul brasileira. São bem conhecidas as implicações dos descobrimentos, que levaram Portugal e Espanha a comporem o Tratado de Partición Del Mar Oceano, de 7 de junho de 1494, o Tratado de Tordesilhas. A insegurança técnica da linha meridional que devia extremar as posses nos descobrimentos realizados pelas duas grandes potências de então, dominadoras das grandes navegações, propiciou condições para que o território que seria paranaense, mais tarde, fosse, de início, colocado sob a jurisdição espanhola. Daí a razão por que, na região mesopotâmica do Piquiri e do Ivaí, ocorrerá empreendimentos de posse espanhola, como Ciudad Real del Guairá e Vila Rica do Espírito Santo, próxima à foz do Piquiri, e sua margem esquerda no atual território do município de Terra Roxa do Oeste e esta, na margem esquerda do Rio Corumbataí, junto a sua foz no rio Ivaí, nos arredores da atual cidade de Fênix. A região que a partir de 1768/71 passará a denominar-se “Campos do Mourão”, conhecida, desde o segundo quartel do século XVI, como província do Guairá, de sertão do Ivaí e sertão do Tibagi, Província de Vera ou de Guairá, Sebagyba, Pirapó. Essa região foi vasculhada por patrulhas espanholas e foi bem conhecida dos jesuítas espanhóis que nela introduziram as suas formas de “reduções”. Segundo Romário Martins, a margem paranaense do rio Paraná tinha as mesmas tribos ou aldeias e embora essa região per39
tencesse ao governo do Paraguai, até toda a primeira metade do século XVI é incontestável ali o domínio dos gentios. Em 1554, porém, começou a jurisdição espanhola de Assunção e firmaram-se à esquerda do grande rio cuja transposição punha castelhano de um território imenso, aliás em seu legítimo direito de conquista limitando seu território pelo meridiano de Tordesilhas, e na possibilidade de conseguir se fixar em partes do Atlântico, de Iguape para o sul, nos paralelos do seu efetivo domínio ao ocidente. Irala, governador do Paraguai, fez fundar o “Pueblo de Ontiveros” a uma légua do Salto das Sete Quedas, iniciando com 60 espanhóis sob a chefia do Capitão García Rodríguez de Vergara, partindo-se então pelos povoadores 40 mil famílias indígenas. A três léguas de Ontiveros, fundou o governo paraguaio outro “Pueblo”, a Ciudad Real de Guayrá, na confluência do Piquiri, com o mesmo direito sobre a escravização dos índios. Em 1756, o espanhol Alonso Riquelme, com 100 soldados penetrou, em direção leste, nas matas entre os rios Piquiri e Ivaí e, com surpresa entrou em campo aberto bordado de araucárias. Assim foi descoberto o atual “Campo Mourão”. (Reinhard Maack, in Geografia Física do Estado do Paraná, Curitiba, 1968, p. 41).
EXPEDICIONÁRIOS EUROPEUS A insegurança relativamente à linha demarcatória, a qual, com os recursos existentes no século XVI, só muito dificilmente podia ser restabelecida com exatidão, foi, no entanto, que os portugueses penetraram no interior com muita hesitação, tendo-se atentado a princípio com povoamento ao longo da costa. O ponto de encontro das naus espanholas, quando em viagem para o sul, era a ilha de Santa Catarina. Partindo da costa de San40
ta Catarina, os espanhóis penetraram, mais cedo que os portugueses, no planalto e no interior do novo continente. Eles conseguiram efetuar a primeira travessia do atual Estado do Paraná, entre os anos de 1541 e 1542. Para aquela época, foi um empreendimento admirável e audacioso o do capitão espanhol dom Alvar Nuñez Cabeza de Vaca que, nomeado governador do Paraguai, dirigiu-se a Assunção por via terrestre. A expedição de Cabeza de Vaca, segundo seu próprio diário, está incorporado nas obras que tratam, especificamente, da história do reconhecimento desta parte sul-americana e brasileira. Ela representa o primeiro reconhecimento, em grande estilo, do interior paranaense, e com ela ficou aberto o caminho para os europeus para o centro do continente. Nessa extraordinária travessia, o capitão Cabeza de Vaca encontrou a colaboração dos índios por toda parte, desde a partida até sua chegada em Assunção em 10 meses de percurso. Cumpriu vários rumos de sul para norte, de norte para sudoeste e, finalmente para oeste, no território hoje paranaense, em que, por grande parte, serviu-se de tronco principal e trilhas secundárias de um grande caminho pré-colombiano, cuja denominação ficou conhecida como “Peabiru”. Assim na trajetória do “adelantado” Cabeza de Vaca, a expedição andou extraviando-se em rumo norte, até o médio rio Ivaí, na altura das divisões entre os atuais municípios de Entre-Rios e Ivaiporã. Daí retificou a marcha e desceu através do município de Pitanga, cruzando a serra desse nome, nas cabeceiras do Cantu e foi sair no Iguaçu, nas proximidades da foz do Cotegipe, atuais municípios de Salto do Lontra e Capitão Leônidas Marques. Desceu pelo rio Iguaçu, com uma parte dos seus comandados, tendo reconhecido as Cataratas, que as batizaram de Saltos Santa Maria. Outra parte desses expedicionários seguiu pelo vale do Iguaçu, atravessando as matas que hoje são reservas do Parque Nacional do Iguaçu. Chegou afinal a Assunção a 11 de março de 1542, tendo partido da baía de São Francisco a 18 de outubro de 1541. Durante essa odisseia através dos campos e perdeu-se dos 41
seus subordinados, que morreram em acidente, doenças e conflitos com índios. A expedição espanhola foi realizada por Dom Diego de Sanabria, cujo destino era La Plata e o Paraguai (entre 1550 e 1555), que também marchou na rota de Cabeza de Vaca até Peabiru, para chegar por este caminho ao Paraguai. Vindo do oeste para leste, em 1552, Ulrich Shimdel foi o primeiro europeu que atravessou o continente, tendo deixado uma interessante descrição de suas viagens a América do Sul (descobrimento do rio da Prata no ano de 1543). Marchando em sentido contrário aos rumos de Cabeza de Vaca e Sanabria, ele partiu do Paraguai e chegou a São Vicente no oeste paulista e sobre suas viagens pelo nosso interior, o falecido professor Reinhald Maack, a quem o Paraná muito deve pela extraordinária contribuição técnica-cientifica, fez minuciosas pesquisas na Alemanha, cujos dados divulgou em sua Geografia Física do Estado do Paraná, Curitiba, 1968. Esse soldado alemão, Schimidel, também se serviu dos índios para empreender sua caminhada entre Assunção e a costa brasileira do Atlântico. Tendo testemunhado a chegada de dom Alvar Nunez Cabeza de Vaca e a dos homens de Sanabria, resolveu organizar a viagem por terra, baseado no conhecimento da existência das primitivas trilhas dos índios. Teve como seus auxiliares e guias índios Carijós, que iam frequentemente no Atlântico, portanto, esses eram conhecedores dos caminhos através das matas. Sobre os Carijós, diz Schmidel textualmente em seu relato: “Este povo viaja do que qualquer outro no país rio delle Plata são também ótimos guerreiros na terra!” O problema era atingir Peabiru a partir do sul. Os viajantes vindos da costa ocidental sempre abandonavam Peabiru nas nascentes do rio Cantu (na serra da Pitanga), estando a transpor o rio Paraná acima das Sete Quedas, talvez por entrar em conflitos com outros índios indefesos com os espanhóis. Schmidel partira de Assunção dia 26 de dezembro de 1552 e, 42
após realizar trajetória complexa nos territórios do Paraguai e Argentina entrou pelo Brasil e foi alcançar Peabiru, na Serra da Pitanga e, por ele, vai a São Vicente, onde chega a 13 de junho de 1553. Havia realizado na marcha total de cerca de 2 500 km, a pé, através das selvas sul-brasileiras, meio século depois da chegada de Cabral ao Brasil. Uma primeira expedição portuguesa chefiada por Jorge Sedeño e Aleixo Garcia, em 1526, vindos do leste segundo o relato dos espanhóis, foi no território da província, quando se dirigia ao rio Paraná. Após a fundação da “Ciudad Real del Guayrá”, os espanhóis começaram a invadir o território penetrando pelos afluentes da margem leste do alto rio Paraná. Com isto não só deu início a exploração do sistema hídrico do Estado do Paraná, mas também tiveram início os litígios luso-espanhóis acerca das terras a leste do rio Paraná.
PRESENÇA E AÇÃO CULTURAL DOS JESUÍTAS Vimos que pelas viagens de Cabeza de Vaca, Sanabria, U. Schmidel, assim como pelas expedições militares espanholas sob o comando de Domingos Martins Irala, Rodrigues Vergona, Riquelnu, Ruy Dias de Malgarejo e como veremos foi feito o reconhecimento de quase todas as regiões fluviais do norte e oeste do Paraná: do rio Paraná, dos rios Paranapanema e Tibagi, dos rios Ivaí, Corumbataí e dos rios Piquiri e Iguaçu. Era a aplicação dos direitos possessórios que gratificavam seus cortesãos e mais chegados à corte, por isso que, muitas vezes, as terras a estes concedidos eram de posse indefinida, já que doadas sem que os reis tivessem a certeza de que lhes pertenciam. 43
Assim os favorecidos obtinham algo que, como posse, devessem posteriormente caracterizar e possibilitar pelos fatos concretos. Só os fatores determinados pela ação deles deviam dos direitos reais [...]. Por isso mesmo o Paraná foi um território de passagem. Inicialmente ninguém sabia e esta era parte do Brasil atual era espanhola ou portuguesa. Espanhóis e portugueses desejaram-se manter-se. Porém, ninguém se sentiam (sic) capazes de discutir a realidade dos seus direitos. Foi, entretanto, a união das duas colônias, a portuguesa e a espanhola sob a égide dos Habsburgos e Aragão, que possibilitou a ação bandeirante durante o período que vai de 1580 a 1640.
JESUÍTAS E REDUÇÕES Onde quer que os conquistadores espanhóis ou portugueses tivessem tomado posse no Novo Mundo, os padres jesuítas lhes haviam ido nas pegadas. Tratando-se de explorar regiões desconhecidas, eram eles que se ofereciam para isso. Na ocasião de firmarem Tratados de Paz ou alianças com os índios, as autoridades coloniais se voltavam para os padres, pois somente estes compreendiam as línguas dos índios e despertavam absoluta confiança junto aos chefes, e a virtude da sua atitude sempre amigável. Eram instruídos não só em letras, mas também em todas as ciências que lhes podiam ser úteis — nos conventos se haviam armazenado o melhor dos conhecimentos recebidos pelos padres copistas — os jesuítas e os discípulos não deviam pequena parte da sua influência aos conhecimentos práticos que tinham a serviço dos monarcas junto aos diferentes povos no território, com os quais viviam cooperar sábios ilustres, enriquecendo as ciências, em todos os setores em pesquisas e descobrimentos valiosíssimos. 44
A obra dos jesuítas deixou assinaladas marcas em todas as principais partes do mundo, em todos os continentes da terra, desde os impérios chineses até o recôndito das florestas norte, centro e sul-americanos. No Canadá, nos Estados Unidos, no México, no Peru, no Paraguai, na Argentina, no Brasil a sua obra ainda hoje é testemunhada. Segundo que não se pudesse conseguir em muitos anos, em grandes exércitos e enorme emprego de dinheiro, escreve o arcebispo de La Plata no ano de 1690 ao rei espanhol “realizaram-no os jesuítas em pouco tempo, sem qualquer outro recurso a não ser o seu ardor. De inimigos fazem eles amigos, dos povos selvagens e insubmissos, súditos obedientes a Vossa Majestade.
Dessa maneira, os missionários da Companhia de Jesus, com o correr do tempo, haviam aberto territórios inúmeros aos colonos brancos, como escreve um viajante do século XIX, eles conquistaram mais terra para as duas nações do que os mais famosos generais, e sabendo domar a sua peculiar bravura, até das tribos mais selvagens, criavam muitas vezes as primeiras bases do desenvolvimento da região colonial americana. Como a situação ideal, especialmente aspirada. Tudo quanto os utopistas algum dia esperança de sua organização econômica comunista, fosse aí realizada de fato. Toda a sua complexa organização foi introduzida sem nenhum emprego de violência com grande alegria dos beneficiados e o estado em que reinavam essas instituições — o modelo existiu, de verdade, por espaço de 150 anos.
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BANDEIRANTES LUSO-BRASILEIROS — O ATAQUE E DESTRUIÇÃO DO ESTADO TEOCRÁTICO
Num Estado assim edificado sobre os direitos humanos dos índios no meio de uma região colonial cujo principal necessidade da América era o mercado de escravos, deveria forçadamente causar a impressão de um desafio antevisto. O Estado Teocrático dos Jesuítas, baseado na ordenação de Felipe III, confirmada, depois, por Felipe IV, dependia diretamente da Coroa e pagava-lhe tributo. Foi criado em plena selva, como sua grande cunha e unificada entre os domínios de Portugal e Espanha, destinada a revolucionar as demarcações geográficas previstas pelo Tratado de Tordesilhas. Não podendo violar os privilégios concedidos aos jesuítas, aos brancos interessados na escravização dos gentios, deixaram o trabalho da desintegração da organização jesuítica entregue às ambições de uma nova classe que se formava na miscigenação das guerras com os índios: os “mamelucos”. Da absorção das primeiras tribos, surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os “mamelucos” audazes. O paulista — e a significação histórica, deste em abranger os filhos do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e regiões do sul — erigiu-se como um tipo autônomo, aventureiro, rebelde, liberiano, em feição à perfeita de um dominador de terra, emancipando-se, insurreto, de tutela longínqua e afastando-se, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopeia inédita das “bandeiras”. 47
Este seria o elemento que iria realizar, por via indireta, o ambicionado plano dos colonos brancos, de escravizar as populações indígenas, lhes caçando as graças de quem tanto necessitava. A morte do Cardeal Dom Henrique colocou o reino lusitano, de 1580 a 1640, sob o domínio de Castela. Os colonizadores do Brasil e da Prata, ávidos de escravos para os trabalhos da terra e das minas, formavam, então, uma frente comum contra os padres das autoridades civis locais. Aquela aliança sendo inútil, em pouco tempo, os cuidados estratégicos dos esforçados padres, que se viram, de uma hora para outra, atacados pelas “manobras belicosas e atrevidas”, os quais sob o comando de Manoel Preto, Fernão Dias e Antônio Raposo Tavares lhes destruíram, entre 1629 e 1632, as “reduções” localizadas às margens dos rios Paranapanema, Tibagi, Ivaí e Piquiri. Os ataques se revestiram de grande brutalidade máxima. Os aldeados foram levados a “ferro e fogo”. Dos 160 mil índios “reduzidos” pelos jesuítas, só cerca de 4 000 conseguiram fugir na direção sul, deixando pelo caminho tudo o que possuíam. Mais de 15 mil foram mortos e cerca de 60 mil foram feitos prisioneiros. O excesso de escravos oferecidos nos mercados do litoral brasileiro, então, foi tal, que o preço baixou de 100$000 para 20$000 por cabeça. De tudo o que ali fizeram os jesuítas, há 400 anos, não restaram mais nada, e apenas alguns vestígios das poucas povoações, ainda identificadas graças aos trabalhos realizados pelos engenheiros José e Francisco Keller, em 1865, a mando do então presidente da Província do Paraná, Dr. André Augusto de Pádua Fleury, como consequência das urgentes necessidades de comunicação do Paraná com o teatro de operação das tropas brasileiras na guerra do Paraguai. Recentemente foram realizadas investigações nas ruínas de Santo Inácio, Vila Rica e outros sítios arqueológicos, pelos professores Oldemar Blasi e Igor Chmyz, cujas notas, em parte, te48
mos a honra de transcrever, para maior clareza da matéria que compõe este capítulo: Das poucas ruínas esparsas que floresceram às margens dos grandes rios, foram encontrados as de Ciudad Real del Guairá, nas vizinhanças da cidade de Guaíra, próximo à foz do rio Piquiri, as telhas de ótima cerâmica, que foram aproveitadas para cobertura da igreja de Guaíra, com nome de Teófilo de Andrade, em “O Rio Paraná no roteiro da marcha para oeste”, 1941.
A utopia dos jesuítas nos confins da floresta virgem, criando um pleno sertão uma ditadura que seria comunista, entre as nações indígenas do Paraná, e em que davam involuntariamente, corpo e vida às fronteiras de “Ciudad del Sol”, de Campanela, fosse também a tentativa de alçar o estado mental dos aborígenes às abstrações do monoteísmo, mas que teve, afinal valor de atrair por muito tempo, até a intervenção oportunidade de Pombal, para a nossa história. Foi a empresa cruel, crudelíssima mesmo, ninguém pode negar. Teve, porém, as mais notáveis consequências para o futuro do Brasil. Não fora a ação de Antônio Raposo Tavares e a fronteira do sul seria hoje o Paranapanema. E Mato Grosso também não nos pertenceria, “hispanizado” pelas reduções dos jesuítas. (História Geral das Bandeiras Paulistas, Affonso Taunay).
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CAMPO MOURÃO — UMA PÁGINA DE HISTÓRIA DO BANDEIRANTISMO BRASILEIRO
O reconhecimento e denominação da região que constituíria o território de Campo Mourão está intimamente filiado à formação política sul-brasileira e, dentro dela, às expedições que, no século XVIII, realizaram expedições paranaenses em cumprimento às determinações do Governador da Província de São Paulo, a que se subordinava, então, o Paraná. Daí a razão por que o reconhecimento do território mourãoense e, desde 1947, desmembrado sucessivamente em vários municípios, operou-se paralelamente ao reconhecimento e conquista do território guarapuavano, a que, por mais de um século, ficaria subordinado administrativamente o Campo Mourão. Melhor compreensão pode-se ter pelo exame retrospectivo que nos leva ao conflito possessório entre Portugal e Espanha, resultando o Tratado de Tordesilhas e sua revisão posterior, pelo Tratado de Madrid. Em consequência, a formação histórica do território guarapuavanos e, nele, da região mourãoense, compreendida na mesopotâmia Piquirivaí, pode ser dividida em três períodos: 1º — Dominação Espanhola — que compreende a formação das reduções jesuíticas na frustrada instituição da República Teocrática de Guairá; 2º — Conquista e Destruição — operada pelas bandeiras pau51
listas do século XVII; 3º — Reconhecimento — pelas expedições paranaenses do século XVIII.
DESCOBERTA DE GUAIRÁ Os cronistas espanhóis atribuem a descoberta de Guairá (região entre a foz dos rios Piquiri e Ivaí) e do Paraguai ao português Aleixo Garcia, que se supõe tenha vindo ao Brasil na armada de André Gonçalves, que saiu de Lisboa a 16 de agosto de 1501, com instruções de explorar a costa do Brasil e assinalar a posse da coroa portuguesa. Admitida essa versão, nada há de estranhar que André Gonçalves tivesse resolvido mandar explorar o interior do país, e que Aleixo Garcia, valente e aventureiro soldado, se preparasse para uma empresa audaciosa. Com pequena escolta, parte do litoral paulista, (São Vicente), tendo antes conseguido a simpatia de alguns indígenas que o acompanharam e, aventurando-se ao oeste, atravessou o campo de Piratininga, chegou ao lugar onde se ergue Piratininga (Itapetininga), passou às águas do rio das Cinzas, transpôs o Tibagi pouco além da foz de Iapó e depois atravessou o sertão entre Tibagi e o Ivaí. Perto da confluência do Corumbataí, passou o rio Ivaí em direção ao Vale do Piquiri, cujo rio navegou, indo finalmente transpor o rio Paraná, perto das Sete Quedas. Estava, pois, reconhecido o vasto território do norte e noroeste paranaense.
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DOMÍNIO CASTELHANO Anos depois, outra expedição portuguesa, a de Jorge Sardenho, com 60 soldados, chegou ao rio Paraná e era ali desbaratada, morrendo nessa ocasião o desventurado comandante. Começou com este desastre o domínio castelhano, pois que também os representantes de Castela se infiltravam para a posse do território na interpretação do “uti possidetis” do Tratado de Tordesilhas. Em 1545, o “adelantado” de Assunção, Álvaro Nunes Cabeza de Vaca, parte de Santa Catarina, na altura de São Francisco em direção ao Paraguai, atravessando parte do território catarinense e do Paraná, toma solene posse do rio Paraná para a coroa de Castela. Logo depois, no final do século XVII, os jesuítas espanhóis da Companhia de Jesus, desenvolvendo uma dupla função — a de dilatar as linhas possessórias de Castela e mantê-las com a colaboração dos indígenas, estenderam “reduções” (acampamentos tendentes a fixar os índios em pontos determinados), por toda a zona compreendida entre o Paranapanema e Iguaçu, chegando até os Campos Gerais, na linha divisória do Tibagi. Surgiram, em consequência desses verdadeiros “comandos” pacíficos de evangelização e de delegação política-possessória as reduções ou “vilas florestais” de Ciudad Real de Guairá, Vila Rica do Espírito Santo, Santo Inácio de Pirapó, Santa Maria, São José, Ontiveros e outros. Sob verdadeira dominação espanhola, por um regime teocrático aplicado pelos jesuítas, que contavam com seu seio com o grande Montoya, tais reduções tiveram certo florescimento, com aproveitamento do elemento indígena em lavouras e pequenas indústrias domésticas, além de lavras esparsas.
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OS BANDEIRANTES Por um quarto de século manteve-se esse “status-quo” em todo território ocupado pelos missionários jesuítas, até que, em 1628, as expedições dos paulistas, Antônio Raposo Tavares, Manoel Preto e outros, procedentes de São Paulo, penetraram no sertão paranaense e, uma a uma, atacaram e destruíram as reduções jesuíticas-guaranis exterminando-as em 1631. Batidos e desbaratados, retiraram-se para o Paraguai e margens onde organizaram os treze povos das novas missões. (Dá-nos notícia dessas lutas naquele quartel do século o romance histórico “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo). Após aquelas bandeiras destruidoras da posse jesuítico-espanhola, o vasto sertão do oeste paranaense caiu em silêncio e abandono, ficando habitado apenas por indígenas dispersos em “toldos” ou “aldeias” de existência nômade.
PRIMEIRAS EXPEDIÇÕES Um século e meio durou esse abandono, até que a guerra entre Espanha e Portugal, durante o reinado de D. José e a ocupação castelhana ao mando de Pedro Cevallos, sobre o Rio Grande do Sul, demonstrou aos portugueses a necessidade de reconhecer e ocupar efetivamente as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Madrid. A imposição desses fatos determinou medidas que formam o Terceiro Período de penetração no território noroeste e oeste paranaense. Governava a Província de São Paulo, D. Luís António de Sousa Botelho Mourão — Morgado de Mateus — (1765/1775), fiel cooperador do Marquês de Pombal. 54
Atendendo às condições de manutenção possessória, o Morgado de Mateus determinou a seu auxiliar imediato no Paraná, então subordinado a São Paulo, Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Sousa, primo de Dom Luís António, a realização de expediente de reconhecimento e exploração do território oeste paranaense, nas regiões antes alcançadas pela penetração espanhola. Tais expedições representaram comandos de reconhecimento e conquista, visando, particularmente, atrair a atenção dos espanhóis preocupados com a ocupação da província de São Pedro no Rio Grande do Sul. Dessas expedições, determinadas por Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão, executadas por Afonso Botelho de Sampaio e Sousa, a segunda delas, sob o comando do capitão Estevão Ribeiro Bayão, destinou-se aos sertões de Tibagi e Apucarana. A expedição comandada por Ribeiro Bayão, após percorrer o rio Ivaí em toda sua extensão, reconheceu os campos que, em homenagem ao governador da província de São Paulo, que se subordinava o Paraná, então sua quarta e depois quinta Comarca, foram denominados Campos do Mourão (assim consta em mapa da Província do Paraná no ano de 1775), mais tarde simplificado para Campo Mourão. Ribeiro Bayão (1771-1772) alcançou a foz do Corumbataí e a ultrapassou, saindo, depois, pelo Paranapanema, tendo reconhecido, no Corumbataí, as ruínas de Vila Rica do Espírito Santo, uma das reduções fundadas pela Companhia de Jesus e destruída pelos bandeirantes do século XVII — em 1630, (ainda foram recentemente encontrados restos de material de construção e algumas pequenas “més”, nos vestígios de Vila Rica, contendo uma delas as inscrições “V.E.R”, ou “Viva El-Rei”.
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O POVOAMENTO O efetivo povoamento da região da mesopotâmia Piquirivaí, ou a região de Campo Mourão, foi iniciado em 1880-1881, com expedicionários guarapuavanos, que, em Campo Mourão, aplicaram um plano de criação de gado bovino para povoar as terras de campo tendo registrado posse conforme as disposições republicanas da Lei n.º 68, de 20 de dezembro de 1892, reguladas pelo Decreto n.º 1-A, de 8 de abril de 1893. Constam de registro coletivo da referida posse, requerida em 25 de setembro de 1893, em Guarapuava, os seguintes nomes: Lauriana de Paula Marcondes, Joaquim Gonçalves da Motta, Alfredo de Silveira, Domingos Moreira Gamalier, Rozendo Moreira Bahls, Pedro Jesus e Araújo, José Hilário dos Santos, Manoel Lourenço da Silva Bastos, Antônio de Oliveira Rocha, Hygino Honorato de Bittencourt, Constantino de Souza e Oliveira, Horácio Hilário Pimpão, Domingos Inácio de Araújo Marcondes, Antônio B.S. (Antônio Honorato de Almeida), Pedro Moreira Rubilar Filho, Norberto Mendes Cordeiro, Missel Damasio de Camargo, Charabim Chrispim Ayres, Guilherme de Paula Xavier, José Simões de Oliveira, Antônio José Barbosa e Bento dos Santos Martins. As declarações do referido registro coletivo, que visava extremar as terras ou sesmaria da posse e as terras devolutas, são as seguintes: “Declaramos nós abaixo-assinados, que possuímos por posse mansa e pacífica desde o ano de 1880, uma área de campos de criar no lugar denominado “Campo Mourão” neste município, onde existem casas de moradia e mais benfeitorias, assim como certo número de cabeças de vaca vacum e cavalar, cuja área tem aproximadamente a extensão de 60.000 hectares, sendo 30 quinhões com a área de 2 000 hectares cada um, que tem as seguintes divisas: das cabeceiras do arroio que têm por origem a divisa das águas, onde nasce o arroio Parichim, que lhe fica fronteiro e por este abaixo até uma barra que fica mais ou menos a meia légua abaixo da Campina do Vitorino, e desta barra rumo oeste até en56
frentar com o rio de Faxinal nas suas cabeceiras, cujo rio faz barra no Ivaí, passando no NO (N.O) de campeira que demora entre o Campo Mourão, onde se fizeram as primeiras casas, e o rio Ivaí; pelo mesmo rio de Faxinal abaixo até a barra de um lajeado que nasce no referido campo, e desta barra rumo Este até enfrentar com as cabeceiras do arroio onde começou a divisa”.
PRIMEIRAS FAMÍLIAS Data de 1903, a chegada a Campo Mourão dos irmãos Pereira (José Luiz Pereira, Miguel Luiz Pereira, Ananias Luiz Pereira e Antônio Luiz Pereira), Cesário Manoel dos Santos e Bento Gonçalves Proença, os quais, um após o outro, acompanhados de suas famílias, construíram suas casas e demais benfeitorias, dedicando-se à agricultura e à pecuária. Do plano primitivo das expedições guarapuavanas de 1880/81, somente Jorge Walter, financiado por guarapuavanos, fixou-se em Campo Mourão, nele tentando alargar empreendimentos, que, afinal, feneceram. Jorge Walter fora um russo que se aliara a fazendeiros de Guarapuava para o empreendimento da colonização em Campo Mourão. Deixou numerosa família, que através do tempo, manteve a posse da gleba que ainda hoje tem o nome dos Walter.
DOAÇÃO DA ÁREA Em 1916, pela Lei n.º 1559, foi indicado o patrimônio ou área onde deveria nascer a cidade de Campo Mourão assim: Fica concedida à Câmara Municipal de Guarapuava a área de 57
2 000 hectares de terras devolutas na Serra da Pitanga e igual área no distrito de Campo Mourão do mesmo município destinados a constituir as respectivas futuras povoações”. Art. 2.º. Estas terras serão incorporadas ao patrimônio da referida municipalidade, que as mandará medir e demarcar.
Em 1921, Campo Mourão foi elevado à categoria de distrito policial, pertencendo ao município de Guarapuava, do qual foi, mais tarde, desmembrado, passando a pertencer ao município de Pitanga.
COMUNICAÇÕES A partir de 1938, começaram as comunicações mais frequentes de Campo Mourão com a região norte paranaense, através do Porto das Bananeiras e por Vila Rica, hoje município de Fênix, na foz do Corumbataí. Tais comunicações eram caminhos de cargueiro que demandavam a Apucarana, para onde se conduziam alguns produtos agrícolas da região, inclusive porcadas. As comunicações mais frequentes, porém, se faziam com Pitanga e Guarapuava, por comitivas periódicas. Em 1944, liga-se por estrada de rodagem a Maringá e passa a receber o influxo de lavradores e criadores em busca de novas áreas para o plantio de café e para a formação de safras, ou criação de porcos em grandes roças abertas no sertão. As comunicações com Pitanga e Guarapuava melhoraram bastante, possibilitando um comércio mais frequente. A criação de uma Inspetoria do Departamento de Geografia, Terras e Colonização, em 1943, e a ligação com Maringá por estrada de rodagem, deram grande impulso ao progresso mourãoense, atraindo levas de colonos e outros interessados, abrindo um verdadeiro rush de penetração no hinterland de Campo Mourão. 58
Demarcada a cidade sobre um espigão de campina e pequenos capões de mata rala (cerrados), fixaram-se os primeiros comerciantes: Aurélio de Souza Teles, vulgo Léo Guimarães, Francisco Ferreira Albuquerque, Guilherme de Paula Xavier, Margarida Wakim, Geremias Cilião de Araújo.
CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO Pela Lei n.º 2, de 10 de outubro de 1947, Campo Mourão é elevado à categoria de município, com território desmembrado de Pitanga. A instalação e posse do primeiro prefeito e da Câmara Municipal se deu em 5 de dezembro do mesmo ano. Foi o primeiro prefeito eleito pelo povo, o Sr. Pedro Viriato de Souza Filho, vulgo Pedro Parigot. Em setembro de 1949 foi criada a hoje Comarca de Terceira Entrância de Campo Mourão, cuja instalação se deu em 28 de janeiro de 1949. A 14 de novembro de 1953, o município perdeu a metade de sua área, que passou a constituir o município de Peabiru, criado pela Lei Estadual n.º 790, de 10 de agosto de 1953. Logo a seguir perdia mais de 2 000 quilômetros quadrados de sua área, em virtude da criação do município de Goioerê (de caingangue Goio — água, Erê, campo — água que corre do campo, porque as cabeceiras mais altas do rio Goioerê estão nas imediações do campo ou campina onde se situa o Campo Mourão). A instalação do município de Goioerê ocorreu em 18 de novembro de 1956. Em 1960, perde novamente Campo Mourão outra imensa área de seu território com a criação e desmembramento dos municípios de Barbosa Ferraz, Campina da Lagoa, Fênix, Mamborê, Iretama, Roncador, Ubiratã e mais recentemente de Janiópolis (Pinhalzinho).
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COMO DESIGNAR O HABITANTE DE CAMPO MOURÃO
Não é fácil dar os gentílicos de maioria da toponímia brasileira, visto com os povos das localidades tem certas liberdade na sua feitura, mas sempre segundo os princípios da gramática portuguesa. Ademais, são vários os sufixos dos gentílicos, em se pode ver amazonense, sergipano, paulista, etc. O gentílico de Campo Mourão pode ser mouronense (não mourãonense) ou campomouronense. Confesso que não sei como lá são denominados os naturais.” (Mansur Guérios, R.F. — Divagações Linguísticas. Gazeta do Povo, dia 12.12.1971).
Quando lançamos à luz o primeiro jornal de Campo Mourão – o Correio de Campo Mourão — em 10 de outubro de 1951, já estreamos sob a dificuldade da exata designação do gentílico. Ouvia-se dizer “campomourãoense” e “campo-mourense”. De repente passou-se a simplesmente “mourãoense”, adjetivo que vem sendo tradicionalmente aplicado ao município. Crônica esportiva conhecida como “mourãoense”, a Associação Esportiva e Recreativa Mourãoense — AERM, como, por exemplo, na seguinte nota da Gazeta do Povo de 14 de novembro de 1971: “jogando sem atingirem [sic] nível dos melhores, mesmo assim, atingiu ao nível dos melhores, mesmo assim o Colorado reuniu condições normais para ganhar, com tranquilidade, do mourãoense”. Antes de concluirmos pelo gentílico dos topônimos, vejamos o que quer dizer Mourão e alguns de seus derivados: Mourão — sobrenome português. Primitivamente era nome de pessoa, depois nome geográfico, depois evolui a sobrenome, 61
como cita os documentos dos fins do século X. Mauram, do latim, mauranus, derivado de maurus. (VITÓRIA, Luiz R. P. — Dicionário Reversivo de Topônimos e Gentílicos. Organização Simões — Rio de Janeiro, GB). Maurus, i, s — próprio masculino. Sobrenome Romano. (Saraiva, F.R. dos Santos — Novíssimo Dicionário Latino Português. 7.ª edição). Mourão — s.m. Cada uma das varas grossas, que se fixavam verticalmente na formação de estacadas. Estaca para empar a videira. Qualquer estaca: “um deles tem as mãos, para se não cortar, num pano chamado nepa, por onde a corda passa, e pelo Mourão, pau saliente à proa, que chega a fazer fumo com o atrito”. Raul Brandão, As ilhas desconhecidas, p. 163. Termo da baixada. Cada um dos esteios que sustentam a verga da chaminé. Provincianismo Trasmuportano. Brasileirismo. Poste. Topo grosso fincado no solo, ao qual se prendem às vezes para a força, castração: “amarrei o cavalo na Mourão da cerca e extrai”. Monteiro Lobato, Urupês. Brasileiríssimo. Cada uma das estacas grossas e a que se fixam os tecidos de vacas, enseivas ou pavios dos currais de peixe. Mourão. Adj.: diz-se de covacho preto saropintado de graneo [sic]; é a forma aumentativa de mourão: Certo dia, estando a passear no milho… viu um padro Mourão chamando algumas falhas regozijadamente. Valdomiro Silveira. Os Caboclos, p. 21. O mesmo que moirão. Mourão. S.M. Gênero de Miriápodes que se assemelham ao bicho-de-conta. Mourão. S.M. Provincianismo beirão. Pedra que separa a lareira da pilheira. Mourão. S.M. O cavaleiro que vai à esquerda, no jogo das cercas. Mourão. S.M. Provincianismo transmontano. Planta cerejeira, de flor-amarela, e que nasce nas vinhas e serras. Mouran. V. Int. (de Mouro). Tornam-se Mouro. Proceder de 62
vestir-se como os mourons. Práticas do culto do Islamismo. Mouraria. S.F. (de Mouro). Bairro onde habitavam os mouros. Mouraz. S.M. Depreciativo antigo. O mesmo que Mouro. Mourázio. S.M. Depreciativo antigo. O mesmo que Mourar. Mourejar. V.T. (de Mouro). Trabalha muito e constantemente; lutar; lidar, esforços de para ganhar a vida. Mourescamente adv. (de mouro). De modo Mouresco. Mouresco, adj. (de Mouro). Relativo a Mouros; o mesmo que Mourisco. Mourete. (ê). S.M. (de Mouro). Diminutivo de Mouro. Mouril. Adj. (de Mouro). Demonstrativo relativo a Mouro, próprios de Mouro: “danças Mouris”. Mourisco Adj.: relativo aos Mouros, que lhes diz respeito; sendo próprio dos Mourões ou que é conforme aos usos e costumes dos Mourões; Mouvesco. Mouvisco S.M. indivíduo da Mouramê; Mouro. Mourismo S.J. (do castelhano Morisma). Gente da Mourame; os Mouros. Mouro Adj.: (do latim Maurou). Mourisco, relativo aos Mouros (substantivo). Figueira moelho: “o tom Mouro da pele”. “Fig. Não batizado: “Quem tem padrinho não morre Mouro”. Diz-se do cavalo escuro ou salpicado do Graneo e do cavalo mais escuro que o tordilho negro”. Mouro S.M. Ant. O que segue a religião dos Mouros; sarraceno; muçulmano. Natureza da Mauritânia, ou sem descendente. “Pessoa que trabalha constantemente, que se afadiga. Brasileiro do Sul. Um dos partidos nos torneios populares das cavalhadas. Espécie de jogo popular. Mourama. S.F. (de Mouro). Terra, país de Mouros. Conjunto de Mouros; os Mouros. (Morais Silva, Antônio de. Dicionário da Língua Portuguesa. 10.ª edição, vol. VII, págs. 48/50). Mourão. S.M. Fincada à margem dos rios, à qual se amarra a canoas. Pau de aramado, especialmente quando robusto. 63
Mouraria. bairro onde antigamente habitavam os Mouros, e fora do qual não lhes era permitido viver. Mourejado. Adj. Ganho, obtido, conseguido à custa de muito trabalho. F. Mourejo. Mourejo (ê). S.M. ação de Mourejão. Mouvesco (ê). Adj.: que é de Mourama, que diz respeito aos Mouros, que está em harmonia ou na moda, com o uso ou nos costumes dos Mouros. Dança Mouresca, aquela em que os figurantes estão vestidos de Mouros e trazem cobras ou emblemas, conforme usavam os Mouros. Pl. (ouviu). Arabescas ou folhagens que os ourives gravam nas obras. F. Mouro. Mourisco. S.F. variedade de uva-passa do Douro. Mourisce. (ant.) dança dos Mouros ou de indivíduos trajando à Moura. (Açores). Representação ao ar livre, em trajes apropriados ao assunto. Mourisco vetoria, antiga dança popular. Feminino de Mourisco. Mouriscada. S.F. (Açores) canção dramática popular. Mouriscado. Adj.: diz-se de telhado cujos canais de telhas se cobrem em pagamento de telha presos em argamassa, ficando pequenos intervalos. Mourizon. V. Trv. Tosaos Mouro; Mouviscon. Mouro. S.M. (ant.) o que segue a região dos Gentios; infiel; idolatra: vais-te regados de ouvir cantar coisas e coisas que aconteceram no tempo dos Mouros. (caminho). Trabalhos muito, afadigou-se por ganhar a vida. Mouvejar. Cavalo Mourisco ou cavalo cabeça de Mouro, o que tem forma da cabeça ou toda ela de cor preta a outra cor no vesto do pelame. Natural da Mauritânia. Sorrapelane. Espécie de camarão da vila de Alcino. (Fig.). Pessoa que trabalha constantemente, que se afadiga. Andor ou haver Mouro, ou Mourisos na costa, andos alguém a observara-os espionar-nos. Laboriosidade. Adj. relativo aos Mouros. Quem não tem padrinho, nosso Mouro, isto é, quem não tem projetos, nada consegue. Cavalo Mouro (bras.) o cavalo da cor escura mesclada de granco. Chouriço mouro, morcela feita com sangue, fragmento de carne de porco migada, gorduras e vinho branco. Vinho64
-Mouro, vinho puro, sem mistura de água. SM. Pl. (bras.), jolguedo popular, que representa a luta moral entre Mouros e Cristãos. F. Lat. Marcorus. Mouronada. S.F. (bras., Rio Grande do Sul), quantidade de Mourões. (Caldas Anleti — Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 2.ª edição brasileira, IV volume, Editora Delta S.A., Rio de Janeiro, Guanabara, p. 2694. Nota da transcrição: foram extraídas dos verbetes desse dicionário apenas as indicações de interesse para este livro. Morocha. Adj.: (cast.) Moseno. Vem de Mouro. Mouro. Adj.: diz-se de cor de pelo do cavalo quando é constituída de muitos de cor negra, e poucos de cor granea, dando um tom azulado, fazendo lograr o nosso granito azulado ou a ardósia”. (Novaes, Luiz Carlos de. Vocabulário Sul-Rio-Grandense. Edições Globo, 1935, p. 156). O sufixo “ense” é designativo de origem naturalidade, procedência e pertença, que entrara na formação do adjetivo gentílico.
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CAMPO MOURÃO — CAPITAL DA ESPERANÇA
Campo Mourão — outrora os “Campos do Mourão” — é o planalto mesopotâmico do Piquirivaí. Posto no quadrante centro-oeste do anfiteatro paranaense, tem como arena ou palco, os saltos de Guaíra, ou Sete Quedas, a oeste, sob vigilância imortal do Maracaju, berço do Guairacá. A sudoeste, reina o sonho de amor de Tarobá e Naipi, nos saltos de Santa Maria, ou Cataratas do Iguaçu, onde a imprensa de Montoya balbuciou e escreveu a língua dos guaranis, e onde o irisado dos rebojos são eternas mensagens tonitruantes de Paz, ditadas pelo Pico do Paraná, gigante insone que, ao mesmo tempo, examina o horizonte sobre o anil atlântico, beijando as praias, e, paternalmente, contempla os planaltos, desde os auriverdes Campos Gerais em declive, onde canta a gralha-azul à sombra das erveiras, semeando pinheirais; onde os remanses do Tibagi, escondendo diamantes no cascalho reles, indicaram as trilhas do Peabiru, para a marcha das caravanas arábicas, que levantam areias auríferas, entre coxins de algodão, bordando a exuberância das searas, nas cinzas ainda quentes do solo ubertoso, nascido em sertão soturno. Campo Mourão é pérola engastada na auriverde campina onde ainda piam, de longe em longe, as codornizes e inhambus, como ecos melancólicos das tropelias do passado, quando indômitos bandeirantes luso-brasileiros distribuíram o pavor entre índios e missionários jesuítas horrorizados, em Villa Real del Guairá e Vila Rica do Espírito Santo, confirmando a posse portuguesa e fixando as fronteiras do Brasil. Campo Mourão é afirmação de nossas tradições, que as ban67
deiras botelhanas assinalaram sob a égide de Afonso Botelho de Sampaio e Souza, lugar-tenente de Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão, na formação paranaense. Campo Mourão — que se municipalizou naquele cálido 27 de dezembro de 1947 — é hoje o encontro da civilização nacional, energizada e homogênea para o engrandecimento do país. Campo Mourão, hospitaleira e confortável, é a Capital da Esperança, aceitando desafios, que enfrenta e vence: não uma esperança eterna que se adia, nem adiantamento eterno do que se espera. Capital da Esperança, como filiação sinônima de Brasília, porque é feliz na prosperidade do Brasil Grande!
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UMA POVOAÇÃO INDÍGENA-JESUÍTICA NOS CAMPOS DO MOURÃO
Em maiores pormenorizações sobre fatos anteriores, é sabido que no século XVI os espanhóis do Paraguai — confundidos no improvisado e imperfeito delineamento com que se firmara a convenção de Tordesilhas fundaram a Leste do rio Paraná e ao norte do rio Iguaçu, na região que chamaram Província de Guairá, duas pequenas cidades: Guairá ou Ciudad Real del Guairá sobre o rio Piquiri, perto da confluência deste rio com o Paraná e Villa Rica del Guairá à margem esquerda e junto à foz do Quiribatai ou Corumbataí, afluente do Guibai. Huibaí, hoje Ivaí, nos arredores de Fênix. Em princípios do século XVII, em 1610, os jesuítas, missionários de Santo Inácio de Loyola ou da Companhia de Jesus, do Paraguai, começaram a converter os índios guaranis dessa região — a Província de Guairá — e a reuni-los em torno de toscas igrejas que iam levantando em diferentes pontos de suas missões. As primeiras dessas missões, a que eles, jesuítas, denominavam reduções, por eles fundadas foram as de Loreto (1610) e Santo Inácio Mini (1612), à margem esquerda do Paranapaná ou Paranapanema abaixo da foz do rio Pirapó, seu afluente esquerdo; depois, estabeleceram sucessivamente as de San Xavier (1623) San José (1624), sobre os dois afluentes da margem esquerda do Tibagiba, hoje Tibagi; Angeles (1624) na margem esquerda do Corumbataí; Encarnacion (1625), San Miguel (1628) e Jesus Maria (1630) sobre a margem esquerda do do Tibagiba, hoje Tibagi; Angeles (1624) na margem esquerda do Corumbataí; Encar69
nacion (1625), San Miguel (1628) e Jesus Maria (1630) sobre a margem esquerda do Tibagi e San Angeles (1624) na margem esquerda do Corumbataí; Encarnacion (1625), San Miguel (1628) e Jesus Maria (1630) sobre a margem esquerda do Tibagi e San Pedro (1627), algumas léguas a Leste de San Pablo (1627) e San Antonio (1628) na margem direita do Ivaí; San Tomé (1628) a Leste do Corumbataí e Concepcion de los Gualacros (1628) perto das nascentes deste último rio. Na margem direita do Iguaçu, junto às cataratas, fundaram a missão ou redução de Santa Maria Maior (1626). Embora os historiadores das missões não sejam unânimes quanto ao número e localização dessas reduções, pela ausência de vestígios, pelo menos uma delas — a de Santo Inácio foi arqueologicamente situada e comprovada. Mas podemos entender a localização dessas missões — muito toscas e superficiais - em sua maioria pelos relatórios que os jesuítas apresentavam anualmente aos seus superiores eclesiásticos — as Cartas Ânuas — que continham, como apresentam, na abundância de detalhes, na característica prolixidade da literatura antiga. É numa dessas cartas ânuas que vamos encontrar uma descrição minuciosa da caminhada que fez, entre 1624/25, sobre terras que seriam onde se situa o campo, que foi, em 1770 denominado Campos do Mourão vindo iniciar aí, em algum lugar desse campo, um posto índio-cristão que poderia ter sido assinalada Redução de Los Angeles. O padre jesuíta Antônio Ruiz Montoya, um dos missionários espanhóis (era peruano e fora soldado), desenvolveu imensos trabalhos de catequese e evangelização dos indígenas guaranis e de outras nações silvícolas, destacando-se entre os demais confrades pelo ardor e impetuosidade de sua ação evangélica. Por isso, ficou conhecido como o Apóstolo do Guaíra, antonomásia semelhante à que se deu a José de Anchieta, como Apóstolo do Brasil por iguais esforços que praticou desde antes da fundação do colégio de Piratininga. Ele, Montoya, desde que se iniciaram as missões na Província do Guaíra, assumira um papel de dinamizador da expansão je70
suítica nessa extensa província, percorrendo-a em poucos anos por toda parte e atraindo a amizade dos índios; com eles e o auxílio de uns poucos confrades deu início às reduções: “Chamamos reduções, dizia ele, às aldeias de índios que vivendo à sua antiga usança, em montes, serras, vales e escondidos arroios em três, quatro ou seis casas (ranchos ou cabanas), separadas uma das outras, uma, duas, três e mais léguas, foram reunidos pela diligência dos padres em povoações grandes, e reduzidos à vida política (civil) e humana”. Nessas suas andanças, pretendia atrair a simpatia dos índios, que os portugueses e os espanhóis haviam tornado indefensos aos brancos pelas investidas que realizavam para arrebatá-los como escravos, os levando para suas fazendas e plantações. O padre Montoya foi, muitas vezes, atacado e perseguido por tribos que o desejavam matar e comer. Entre os caciques temidos, por ocasião de suas entradas nas terras de diferentes nações indígenas, havia o cacique Taiaoba ou (Taiaova, Taiaobá, ou Tarobá), segundo a grafia de diferentes autores), cujos domínios se estendiam até a região hoje de Campo Mourão. É o próprio Montoya quem assim descreve este episódio: “Apenas estive 7 dias neste povoado (em San Xavier, que ficaria à margem esquerda do rio Tibagi, na foz de uns de seus maiores afluentes mais ao Norte), que os gastei em sossegar os alvoroços destes índios com os de Encarnação (que ficava mais acima, à margem esquerda do Tibagi) quando dei a volta ao rio de Vila Rica (rio Ivaí ou no rio Corumbataí, em algum lugar), aliviando meu cansaço e desejo que ardia em meu peito de ver-me com o Taiaova e ganhar-lhe para Nosso Senhor. Logo que cheguei àquele rio, tive notícia que ele (Taiaova) havia baixado de sua terra até certo posto onde estava me esperando. Com a notícia de que Taiaova saia para ver-me, moveu-se toda a gente a ir comigo. Juntaram-se muitos índios para ir ver Taiaova, como que nunca haviam esperado alcançar. Cheguei à paragem onde estava (Taiaova) me esperando, que eram muitas léguas distante de sua terra, e para que atravessasse (Montoya) o rio, fizeram 71
uma balsa muito enramada (ou trançada), tocando muitas buzinas e tambores, e no terreno levantado muitos arcos triunfais. Lançou-se logo a meus braços e a primeira coisa que me disse: — padre, aqui vim para ver-te; para que me recebas por teu filho e me ensines o que tenho de fazer. — o mesmo fez sua mulher, que era matrona, pondo junto de mim três filhos que tem até 7 anos, como outros tantos anjos. Presenteei aos pequenos tanto quanto pude e tomei o menor deles em meus braços que o que muito agradou a eles todos me disseram: — Agora, Padre, começamos a ver o que outros nos disseram do grande amor que tendes a todos nós. — A êle (Taiaova) — prossegue Montoya — e à sua mulher dei de algumas coisas (presentes) que apreciaram, a ele (Taiaova) pús os nomes me (cristão) de D.Nicolas e a ela (mulher de Taiaova) o nome de Dona Maria, para quando se batizassem e logo me pediram com muita insistência que os casasse porque não se achavam bem com a antiga vida. Consolei-os melhor que pude, deferindo para quanto soubessem o necessário. Depois que estava em sua terra, batizei a seus filhos que, entre crianças e maiores, eram 28 de diferentes mulheres, todos de bons íntimos, principalmente, o maior, também chamado Taiaova. Veio ver-me toda gente da jurisdição (de Taiaova). Só os do salto do rio Ivaí não vieram, dizendo que não vinham de vergonha por terem querido matar-me quando entrei há dois anos. Parecendo que as coisas estavam bem-dispostas escreve Montoya parti com Taiaova para sua terra (ficando nas seus os índios que chegaram para vê-lo) para dar princípio a esta redução. E fiz a viagem por terra para evitar a salto do rio Ivaí, nem ver a gente dali, devido a seus feiticeiros (inimigos de Montoya). Chegamos a um campo onde há notícia e rastros de haver passado gente do Brasil quando no princípio se povoou o Paraguai (o gripo e da transcrição), escolhi — diz ainda Montoya — para a fundação do povoado, por ser bem alto e cercado de arroios, banhado na parte de baixo (estando próximo) do rio Ivai (Huibaí). Acudiu ali para ver-me muita gente, e entre eles um famoso cacique chamado Piraquatiá, índio muito antigo e respeitado 72
em toda a região, perante muito próximo de Taiaova. Com ele vieram outros caciques de sua jurisdição. Começamos a povoação — escreve Montoya — PLANTANDO UMA MUI FORMOSA CRUZ DE 7 BRAÇAS (15,4 metros) DE ALTURA E SE PUSERAM A LEVANTÁ-LA MAIS DE 300 ÍNDIOS ASSINA LEI LUGARES E COM MUITO FERVOR DERAM PRINCÍPIO, À SUAS CASAS E EU, A IGREJA (maiúsculas e parênteses da transcrição). Maravilhava-me algum que o demônio — prossegue Montoya tivesse tanta paciência e que não se irritasse desde logo, sem sofrer no peito a raiva que se desfazia em seu íntimo de ver Jesus Cristo triunfar. Deu logo mostra até de seu de seu furor através de seus ministros, os feiticeiros. Estes convocaram a gente toda parte que estão entre Encarnação e Taiaova (duas povoações índias), e, como são estas pestes tão temidas, logo obedeceram a seu mandado e juntando-se concertaram de marta-me. Deram aviso desse alvoroço já quase à noite”. Prossegue depois, Montoya, a descrever os combates que então se travaram entre os índios seus amigos e os inimigos que vieram atacar a povoação do campo, que se iniciou, e que se dispersou após as lutas. Eu escapei — acrescenta Montoya — enfiando-me em me um matagal graças a iniciativa do bom D. Nicolas Taiaova e de seu amado filho, que ficou ferido sem gravidade. Mais adiante — é ainda Montoya descrevendo as lutas — por descuido de um rapaz, me apanharam uma imagem pintada de Nossa Senhora e um feiticeiro (pajé) rasgou-a, porque fazem zombaria de nossa adoração. Piraquatiá logo soube que se passava e imediatamente saiu ao encalço dos inimigos e matou um cacique principal e toda sua gente (muitos deles comidos na hora). Despediu-se de mim Taiaova chorando e perguntando-me o que devia fazer! DISSE-LHE – é a expressão de Montoya — QUE JUNTASSE SUA GENTE, E PIRAQUATIÁ A SUA NO POSTO EM QUE HAVÍAMOS LEVANTADO A CRUZ E COM ISTO poderíamos FICAR SEGUROS. (maiúsculas da transcrição). Essa é a narração que Antônio Ruiz Montoya deixou em seus relatórios ou cartas ânuas, uma delas datadas de 1628 e dirigida ao padre Nicolau Duran, Provincial da Companhia de Jesus, 73
e onde Montoya dá os seguintes pormenores: “Tem esta missão de Guairá oito reduções e nelas dez padres, ainda que com uma nova (redução) que agora daremos início ou duas, serão dez. A 1ª é de N.S. de Loreto, a 2ª de S. Inácio, a 3ª de S. José, a 4ª de S. Xavier, a 5ª de Encarnação, a 6ª de S. Paulo, a 7ª DE LOS ANGELES DE TAIABOA (maiúsculas da citação), a 8ª esta de Concepção dos Lanceiros Guaianás. Como se vê pelos trechos de relatórios que citamos neste comentário, a tentativa de fundação da redução de Los Angeles ou redução dos Anjos ocorreu antes da carta ânua de 1628, sendo que os fatos acima descritos, do levantamento da cruz de 7 braças no CAMPO teriam ocorrido entre 1624/25, segundo consta também das cartas ânuas de D. Nicolas Duran, uma delas escritas em janeiro de 1626, e delas escritas em janeiro de 1626, e em que este Provincial do Paraguai diz mais o seguinte: “esta é o fim da segunda entrada ao território de Taiaova e quem não pensaria que dois semelhantes apertos fizessem desistir (Montoya) de dificultosa empresa aos animais levantados. Mas como novamente o padre Antônio (Montoya) reinava o zelo tão aceso da glória divincerrava-lhe os olhos para não deixar de ver tão magnos perigos assim acometeu a terceira (empresa) com felicíssimo sucesso, escreveremos em outra carta escrita no Taiaova em outubro de 1627”. Nessa mesma carta D. Nicolas Duran, transcrevendo Montoya, diz aquele Provincial: “Dei a volta (é Montoya escrevendo a D. Nicolas Duran) de uma permissão que depois contarei ao entrar no (território do) Taiaova PORQUE ME DIZIAM QUE DEVIAM SE AJUNTADO DE NOVO E COMEÇADO A FUNDAR O SÍTIO (povoação) que lhes assinalei...”. Vimos, em determinado período das citações acima que os jesuítas e os caciques Taiaova e Piraquatiá estavam em um campo onde registra a memória (notícia). Os historiadores são unânimes ao assinalar os caminhos cruzando a altura onde se encontra o município de Campo Mourão, e os modos roteiros seguidos por diferentes expedicionários como, por exemplo, D. Alvarez Nunez Cabeza de Vaca, de origem inca, assinalam o curso ou a iria transpor passando por aqui, nos anos antes do Campos do Mourão, 150 anos, de que fossem assim denominados. Eram es74
ses caminhos, por outro lado, aplicados sobre a rota ainda mais primitiva, denominada Peabiru, “sistema de caminho indígenas”, que levavam de São Vicente, galgando a serra da Cananeia e de Santa Catarina, pela via mais rápida, aos povos espanhóis do Paraguai, e sul este rio e atravessando o Atlântico até o Peru incaico”. Esse caminho, ou sistema de caminhos, andando no campo ou nas proximidades alcançava a passagem do Paraná, acima dos saltos das Quedas, na foz do Piquiri, o ponto crucial e estratégico do Peabiru do Paraná no caminho mais próximo para Assunção. O Barão do Rio Branco, sustentando os direitos possessórios tradicionais do Brasil, em seu impecável e histórico memorial ao presidente Grover Cleveland, dos Estados Unidos da América do Norte, no ano de 1894, relaciona as reduções jesuíticas, com sua localização e itinerários perseguidos pelos espanhóis e bandeirantes, acrescenta mapas, em cujos documentos se verifica a incidência de caminhos na região que, a partir de 1770, passaria ser denominada Campos do Mourão e hoje Campo Mourão. Nos mapas que anexou àquela exposição ao presidente Cleveland a redução de Los Angeles, indicada por Montoya e Duran, localizada à margem esquerda bem distante dela, do rio Corumbataí, confirmando, apesar das imperfeições cartográficas da época, passa suposição de que Los Angeles com sua cruz de 7 braças de altura, estaria onde se encontra o distrito da sede de Campo Mourão. Assim sendo, a cruz plantada pelos primeiros povoadores de Campo Mourão nos primeiros anos deste século, no local onde se encontra uma capelinha, no Jardim ou loteamento Santa Cruz, será a segunda cruz levantada no Planalto do Piquirivaí. Ali, por todas essas considerações e pelo mais que significa ou pode resumir o local, como afirmação de história do cristianismo e de tradição mourãoense, deveria ser levantado um monumento moderno e de raízes concretas, fazendo a amarração do nosso passado americano, brasileiro, paranaense e mourãoense. Aquele local, onde se manifestaram as devoções dos primeiros povoadores, poderá representar o encontro das ordenadas que 75
assinalaram a presença da civilização ocidental neste quadrante do território do Brasil, e outras vias de comunicações rodoviárias e hoje pelo entroncamento rodoviário, sem dúvida cruzam ou derivam de Campo Mourão. Aquele local tem sido relegado! Publicado no jornal Tribuna do Interior, 12/03/1972.
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POR QUE “CÁPSULA DO TEMPO”? (...) para que possam vencer as ruínas do tempo, e durar nos séculos futuros, em que a história se aproveita destas pequenas notícias para aclarar as verdades antigas.” (Carta de 17.4.1769, de D. Luís António de Sousa Botelho Mourão a Afonso Botelho de Sampaio e Sousa. Documentos Interessantes do Arquivo de São Paulo, vol. IV, p. 151).
Tal é a finalidade desta modesta compilação em que se procurou reunir grande parte da matéria esparsa em diferentes fontes primárias e secundárias relativas à região que ficaria identificada na conjuntura paranaense como Campos do Mourão, mais tarde resumida em Campo Mourão. Nossa preocupação não foi como a dos engenheiros da Westinghouse-Eletric, que tiveram a ideia de ofertar à posteridade duas “cápsulas de tempo”, enterradas no subsolo de Nova Iorque, construídas de modo a suportar, até o ano 6965, tudo que esta terra possa oferecer em contratempos e revezes. Essas cápsulas de tempo contêm notícias que desejamos transmitir à posteridade, de modo que, algum dia, aqueles que se esforçarem por esclarecer as trevas dos passados de seus ancestrais, possam facilmente saber como estamos vivendo hoje, Preocuparam-se os engenheiros de Nova Iorque com as destruições resultantes de uma conflagração atômica, de âmbito mundial, quando deixarão de existir todas as bibliotecas do mundo, e as conquistas, que tanto nos orgulham, estarão desaparecidas, atomizadas. Partes inteiras do globo terrestre transformar-se-ão em desertos incandescentes, pois a radioatividade, durante centenas de anos, nela não permitiria a vida de nenhum vegetal. Os sobreviventes provavelmente sofrerão mutações, e das cidades ani77
quiladas nada mais terá sobrado daqui a 2000 anos. A natureza, com sua força indomável, devorará as ruínas, ferro e aço se oxidarão e se reduzirão a pó. Mais destruidora do que a atomização e as inundações nos parecem a indiferença pelos fatos da nacionalidade, naquilo que constitui o substrato de brasilidade, desde quando estejam somente sob os cuidados de eminentes e heroicos estudiosos de nossa história. As pequenas notícias aclaram verdades, que nem todos podem reunir ou conhecer nos seus pormenores, por isso, com o tempo a história muitas vezes vai-se gastando e vira ficção, enquanto a lenda, por conter força e colorido, cresce e vira realidade. Para que essas pequenas notícias de fatos, atos e de pessoas possam vencer as ruínas do tempo, reunimos uma grande porção de dados específicos, aí enfeixados nessa “Cápsula do Tempo” de Campo Mourão.
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CAPITÃO ÍNDIO BANDEIRA E O CENTRO DE TRADIÇÕES DESSE NOME Artigo escrito por Nelson Prado por ocasião da inauguração do Centro de Tradições Gaúchas – CTG.
O Índio brasileiro não é autóctone, é descendente de povos de outras regiões da terra, os quais são frutos da evolução vertebrada, que culminou na hominização, no nível primata, há mais de um milhão de anos. Uma tradição é, na história, a prova testemunhal, que só deve ser rejeitada, quando inverossímil ou em contradição com a prova documental. Que é folclore ou, mais precisamente, que é fato folclórico? ... A primeira grande reunião de nossos especialistas na matéria, reunida no Rio de Janeiro, em 1951, assim respondeu: “Constituem o fato folclórico maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação, sem influência direta do oficial ou do erudito. A mesma reunião condenou o pensamento de só se considerar como folclore o fato espiritual, visto que ele se apresenta na vida popular em toda a sua plenitude.
A região que, a partir de 1769/70, passaria a denominar-se CAMPOS DO MOURÃO era, evidentemente, conhecida dos grupos humanos silvícolas que se movimentaram no sul brasileiro, desde há milhares de anos. Quando se processou a ocupação do território oeste, em geral, do hoje estado do Paraná, muitas tribos indígenas se haviam sucedido, nos diferentes tipos ou famílias étnicas, conforme se 79
constata pela história conhecida e pela arqueologia. Não examinaremos, nesta página ligeira, o passado que se reporta à ocupação castelhana dos séculos XVI e XVII, e seu relacionamento, contemporâneo dos pré-bandeirantes e dos bandeirantes de Antônio Raposo Tavares, Manoel Preto e outros, de que nos fala a história, e em que duas grandes famílias indígenas eram perfeitamente identificadas — os guaranis e os tupis. Após a destruição das reduções jesuíticas e fundações espanholas no território hoje paranaense, desde a margem esquerda do rio Tibagi, entre os rios Paraná, Paranapanema e Iguaçu, o silêncio da civilização por brancos europeus, puros ou miscigenados com os nativos, imperou nesse mesmo território até o início das expedições de reconhecimento e conquista do período botelhano de 1769/1772. A efetiva conquista dos campos de Guarapuava, com a fundação de Atalaia, em 17 de junho de 1810, inicia a ação catequética do Pe. Francisco das Chagas Lima — o Padre Chagas, da grande história guarapuavana —, no seio dos índios chaclans, votorões, camés e dorins, frustrada em sua maior parte pelas lutas em que, tradicionalmente, se embatiam esses habitantes das selvas e dos campos. Os trabalhos de colonização de novas terras conquistadas pelos sertanistas, desde o início do século XIX, identificaram, com elementos já paranaenses, o brigadeiro Francisco Ferreira da Rocha Loures, nos trabalhos de aproximação e amansamento de índios. Da mesma escola do brigadeiro Rocha Loures, teria saído o guarapuavano NORBERTO MENDES CORDEIRO — COMENDADOR NORBERTO, mais tarde patrono de uma das avenidas da cidade de Campo Mourão, que, por sinal, precisa ser corrigida nesse particular. Fazendeiro de gado e “amansador de Índios”, como se denominava, pelo contato que mantinha com os índios, então, tivera o Com. Norberto a amizade do cacique Índio Bandeira, que, em 1880, veio a convencê-lo para uma expedição aos “Campos do Mourão”, dele, índio, conhecidos, porque ali habitava com sua 80
gente. Já, nessa época, os guarapuavanos haviam se estendido plenamente na ocupação dos campos de Guarapuava e de Palmas, que repartiram entre si, para a exploração ambiciosa de extensiva pecuária. E sonhavam alcançar novas áreas de extensos campos, segundo informações que lhes traziam os índios aproximados, lhes referindo a existência de famosos e lendários campos do Paiquerê, que passou a ser motivo de algumas profundas explorações interiorizadas nos sertões do Oeste. Da expedição que então se empreendeu, como aceitação do convite do cacique Bandeira, o Comendador Norberto Mendes Cordeiro, em companhia de outros companheiros, todos fazendeiros pecuaristas, firmaram as iniciativas para um consórcio de fazendeiros interessados em estender pecuária aos anunciados “Campos do Mourão”, de que já existia alguma notícia, desde os tempos do Cel. Afonso Botelho de Sampaio e Souza, cuja segunda expedição nos sertões do Tibagi e Apucarana, reconheceu e denominou os Campos do Mourão. E assim aconteceu o redescobrimento dos Campos do Mourão, segundo se vê pela notícia publicada no jornal curitibano “O Paranaense”, em sua edição de 11 de dezembro de 1880, n° 126, Ano III: “IMPORTANTE DESCOBERTA NO PARANÁ” De uma carta dirigida de Guarapuava pelo major Francisco Manoel de Assis França a um respeitável amigo nosso, extraímos os seguintes trechos em referência a nova descoberta do importante Campos do Mourão, no distrito de Palmas (então subordinado ao município de Guarapuava, e que alcançava até o rio Uruguai, como limite de divisa. Parêntese da transcrição), nesta província. Desencantou-se a descoberta dos Campos do Mourão pela seguinte forma: Veio a esta cidade o cacique indígena Bandeira, e, por muitos convites que fez, conseguiu que a ele se unissem o sr. Norberto Mendes Cordeiro com treze pessoas de nossa gente e seguissem a fazer as explorações, conseguindo depois de 32 dias de marcha sair no referido campo, onde acharam para mais 81
de 500 Índios, que todos se mostraram muito satisfeitos, tratando o melhor que puderam aos exploradores, que reconheceram ser pequeno o campo limpo, que calculam em légua e meia pouco mais ou menos; porém os faxinais que passaram até chegar ali, dizem, não ter menos de dez léguas, e, do campo avistaram grande extensão de faxinais, dizendo os índios, que viajavam até as Sete Quedas, passando as ruínas da cidade Real do Guairá; que os faxinais se estendem muito para aquele lado e que do Mourão às Sete Quedas iam em três dias, e que no ponto vizinho às Sete Quedas reside um grande número de selvagens que aproveitam a abundância da caça e da pesca nos rios Paraná, Iguaçu e Piquiri. Os nossos viajantes não puderam bem explorar, por lhes faltar mantimentos e outros recursos, e muito satisfeitos se puseram de volta, chegando aqui no dia 16 de novembro, com 11 dias de viagem, dizendo que o sertão até sair nos faxinais não pode exceder de 20 léguas.” E uma breve exposição que faço a V. Exa., certo de que a Câmara Municipal desta cidade (Guarapuava) colherá as mais minuciosas informações para levar ao conhecimento do Governo. Outros trabalhos muito importantes de catequese desenvolveram no Paraná, a partir de 1855, os freis Luís de Cemitille e Timóteo del Castel Nuovo, nos Aldeamentos de São Pedro de Alcântara e do Pirapó, por iniciativa do Barão de Antonina, João da Silva Machado, com o apoio do governo imperial.
Esses aldeamentos indígenas, mantidos pelo governo e assistidos pelos referidos freis, Cemitille e Castel Nuovo, foram muitas vezes morada do cacique Bandeira, não obstante, a inconstância de seu sistema de viver, como andarilho das selvas, pouco tempo permanecendo em cada lugar, segundo lhe estivessem propícias às condições de caça e pesca, ou os recontros com seus irmãos adversários. O Aldeamento de São Pedro de Alcântara estava localizado em território hoje do município de Ibiporã, no norte paranaense, e ali foi que, pela primeira vez se plantou café no Paraná, como lavoura sistematizada, pois, antes disso, algumas plantações existiram em terras do município de Castro e Tibagi, conforme atesta o sábio Saint Hilaire francês quando de sua histórica viagem 82
pelo sul do Brasil, em 1820. Quando Frei Timóteo de Castel Nuovo estabeleceu a colônia de São Pedro de Alcântara, além da colônia militar do Jataí (hoje Jataizinho, no norte do Paraná), foi sua preocupação ter aí café que bastasse ao consumo da colônia e da redução, e isso foi realizado. Neste aldeamento foi, posteriormente, administrador o notável sertanista Telêmaco Borba, tibagiano, que deixou valiosa contribuição para a etnologia de nossas silvícolas, enfeixada em sua obra Atualidade Indígena, de 1908. Telêmaco Morocines Borba, tendo convivido com os índios coroados ou caingangues, guaranis e caiuás, por mais de 20 anos, desde 1863, lhes estudou vários aspectos, desde seu tipo, até o sistema social, habitação, usos e costumes, utensílios, alimentação, caráter moral e crenças. De suas descrições, e, especialmente, relatando a expedição exploradora que realizou em 1876, diz o seguinte: que, em viagem que realizou, no ano de 1876, desde o porto da colônia militar do Jataí, até os saltos de Sete Quedas e alguma exploração no baixo rio Piquiri, onde reconheceu os restos da primitiva Ciudad Real del Guairá, fundada por Ruy Diaz Melgarejo, em 1556 (o mesmo Melgarejo, que fundou, em 1570, em terras do hoje município de Campo Mourão, a Villa Rica del Espírito Santo, em sua primeira fundação, pois a segunda fundação, desse mesmo nome, foi em terras de hoje município de Fênix, sobre a foz do Rio Corumbataí, sobre o rio Ivaí), dessa expedição exploradora fizeram parte, além de seu irmão Nestor Borba, as seguintes pessoas: Bruno, um índio caiuá, “o melhor dos pilotos dos rios Tibagi e Paranapanema”, dois índios coroados, o cacique Bandeira e um seu caporon (qualquer coisa parecida com auxiliar de mato), um velho mulato, o Bento, ainda robusto, apesar dos seus 60 anos. Romário Martins, em sua História do Paraná, ao dar a Distribuição Geográfica das Tribos Indígenas, no Grupo 2, os Crêns, sob a indicação Camés, diz o seguinte: “Primitivamente habitantes da mesopotâmia Iguaçu-Uruguai e depois os sertões de Guarapuava”, (note-se que Guarapuava se estendeu, como Município, até o rio Uruguai e o rio Paraná, entre os rios Piquiri e Ivaí). 83
Da grande tribo Camé catequizada pelo Padre Francisco das Chagas Lima, diz Luiz Daniel Cleve (que foi Diretor dos Índios em Guarapuava e profundo indiologista) em O GUAÍRA ( jornal fundado em 1909 por L.D. Cleve e por ele conduzido durante muitos anos em Guarapuava) restam na Comarca de Guarapuava poucos descendentes. Os antigos toldos (aldeias), do Piquiri, Corumbataí e do vale do Ivaí ficaram desertos. Daí desapareceram os caciques outrora investidos do comando supremo (capitães), dos quais o último foi Jongjó. Apenas existem algumas famílias dispersas cujos chefes como Bandeira, Joaquim Cadete e outros poucas, intitulam-se caciques, coronéis, capitães e vão às vezes à presença do Governo com suas exigências e reclamações, fingindo ter sob seu comando grandes hordas quando suas famílias não vão além de 20 ou 30 indivíduos. Continua Romário Martins: Os camés foram aldeados no Atalaia (Guarapuava) pelo Padre Chagas. Essa grande aldeia se dispersou quase toda. Seu prestigioso chefe indígena, FORÂ, doutrinado e alfabetizado pelo grande missionário curitibano (Pe. Chagas), foi residir com sua gente no sertão, além do Campo-Erê. Outros catecúmenos foram para Palmas, Goio-Erê, campos de Nonoai e sertões do Piquiri (por extensão, aos campos do Mourão. Parêntese das transcrições). Os restantes, sob administração civil, foram-se degradando e extinguindo. Os caingangues, como os guaranis, se distinguem por várias denominações tribais. Assim, pertencem a esse grande grupo os chocrens, votorões, dorins, caiurucres, camés, com cujos nomes eram conhecidos os índios de Guarapuava na época das explorações oficiais desses campos e sertões pelas bandeiras de 1768 e 1771.
Desses grupos, descendiam os caciques Viri, Condá, Mendes, Jembrê e outros, alguns dos quais tiveram seus nomes fixados em topônimos municipais, ainda que com corruptela, como é o caso de Viri, que, no município, passou a ser “Verê”, sem qualquer justificativa, senão o contumaz equívoco e desconhecimento da história. Verifica-se, pois, que o ÍNDIO BANDEIRA, era da tribo ou 84
grupo dos CAMÉS, nos grupos dos CAINGANGUES. A importância de seu nome na história de Campo Mourão não resulta de qualquer mais notável procedimento do que o de ter mostrado o caminho e os campos do Mourão ao fazendeiro amansador de índios, Norberto Mendes Cordeiro e seus companheiros de empreitada, naquele ano de 1880, em novembro. Mas, atendendo a um verdadeiro culto aos legítimos possuidores da terra, no passado, como seu “habitat”, a figura do Índio Bandeira se religa, por suas origens, aos atos de posse civilizatórios nos campos de Guarapuava, desde quando, culminando a Expedição Real de 1809, levantou-se a fortificação pioneira do Atalaia. Então, nos primeiros contatos, sob as instruções do Comandante Antônio da Rocha Loures e do Padre Chagas, os brancos se irmanaram com os índios, estes de onde deve descender diretamente o índio Bandeira. A presença do nome luso-português do Índio Bandeira — já que se desconhece qual teria sido o seu apelido de tribo, tem efeito nativista no conjunto da formação mourãoense, pelas religações às tradições guarapuavanas e demais brasileiras. Não obstante, a irregularidade de suas moradias, pois é sabido que os índios eram habitualmente andarilhos das florestas, dado o sistema de vida, o seu testemunho dos primeiros atos de surgimento civilizado em Campo Mourão, deve ser perpetuado na designação do mais importante logradouro público da atualidade urbana de Campo Mourão — graças à feliz iniciativa do pioneiro e homem representativo mourãoense, Joaquim Teodoro de Oliveira, quando da primeira legislatura municipal —, como, agora, como patrono do Centro de Tradições de seu nome, por feliz iniciativa do prestante cidadão e grande líder comunitário mourãoense, Pedro da Veiga. Resta, apenas, uma palavra final sobre o substantivo “capitão” que a muitos tem feito confusão, desconhecimento da qualificação primitiva atribuída aos caciques indígenas aproximados ou em aculturação. De fato, a muitos ocorre a pergunta, diante do vistoso topôni85
mo “Avenida Capitão Índio Bandeira”. Capitão de quê? Do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, ou do Exército da Salvação? Acreditamos que o título “capitão”, para os índios, venha da organização implantada nas aldeias indígenas, desde o 7.º Governador-Geral do Brasil, Dom Francisco de Souza, no período de 1591 – 1602. Tiveram sempre em mente os governantes portugueses reunir os silvícolas em aldeias ad-instar e que com tanto êxito faziam os missionários, sobretudo os jesuítas. Assim se respeitava pro-fórmula o pendor dos indígenas pelo governo autônomo.
Em terras de São Paulo foi D. Francisco de Souza quem tentou organizar o sistema. Criou os rudimentos do aparelhamento administrativo para o governo dos selvagens aldeados, nomeando procurador o escrivão dos índios, capitão das aldeias, escrivão do juízo dos índios. Mas estes homens o que pretendiam era explorar os seus jurisdicionados. Dava-se à aldeia, explica João Monteiro Júnior, um chefe tirado dentre os índios mais velhos, ao qual dava o título de CAPITÃO (evidência e sublinha, da transcrição), mas que não tinha outra autoridade senão a de servir de “língua” (intérprete ou linguará), de transmissor de ordens dos administradores e de figurar nos atos públicos como principal. Esses Índios “aldeados”, iludidos e vítimas de usurpação, de suas terras, passavam a ter o nome de administrados, enquanto as aldeias não eram elevadas a freguezias [sic]e vilas” (Taunay, Affonso de E., História Geral das Bandeiras Paulistas. S. Paulo, 1924, Tomo I, p. 81).
Tal organização ou sistema ter-se-ia transmitido sucessivamente, com adaptações, até o corrente século, como se viu pelo relato sucinto de Luiz Daniel Cleve, diretor dos índios em Guarapuava: “Apenas existem algumas famílias dispersas cujos Eimentos [sic] chefes, como Bandeira, Joaquim Cadete e outros poucos, intitulam-se caciques, coronéis, capitães, e vão às vezes à presença do governo com suas exigências e reclamações (todas elas eram muito justas, evidentemente. Parêntese da referência e transcrição). Assim “capitão”, que se vê na denominação complementar do “índio Bandeira”, resultou da própria hierarquia convencional 86
entre os elementos da tribo ou toldo, e o índio Bandeira passou a usá-la no tratamento e relacionamento com os brancos, para significar o “chefe que era, de um grupo de famílias ou de um toldo”, o do “abarracamento” no Campo do Mourão. Quanto ao nome luso-brasileiro, ou apelido civil “Bandeira”, muitas vezes resultante de imposição, nos seus contatos com os padres, teria sido dado ou atribuído por ocasião de seu batismo cristão, e invocando-se um nome de pessoa que o batizou. Quem seria esse “padrinho de batismo”? — Teria sido o cel. Joaquim José Pinto Bandeira, um dos árbitros que decidiu o conflito entre os sócios na sociedade que se organizara para a partilha dos campos de Palmas? OMISSIS … No nativismo indianista de nossa terra, definido desde as inspirações de seu maior arauto, José de Alencar, e sobretudo para Campo Mourão, com mais razão, de um passado heroico a rememorar os grandes caciques do antigo Guairá, podemos ver, no simbolismo do Capitão Índio Bandeira, os mesmos ideais, as mesmas lutas, vitórias e resistências, que fizeram do índio GUAIRACÁ, o grande símbolo da Terra das Araucárias: “Os séculos passaram sobre os grandes dias dos seus grandes feitos, — mas para os que amam a Pátria e a Liberdade, Guairacá deve ser, ainda agora e sempre, o nume [sic] e o símbolo das defesas heroicas [sic] , a flamula [sic] condutora das grandes resistências, o clarim que conclama a grei solitária para as conquistas da Paz que somente se fazem com esforços decididos, incansáveis e superiores como os dele!” (Romário Martins, in Guairaca).
Finalmente: quantos anos viveu, onde morreu, de que morreu, onde foi inumado o corpo do Índio Bandeira? Dificilmente se saberá. Por mais que tenhamos indagado e pesquisado, encontramos somente informações muito vagas e controversas nos têm sido dadas. Teria sido sepultado numa das reservas indígenas, aí em Marrecas, no atual município de Manoel Ribas ou em Pitanga. Ninguém sabe informar. Melancólica e obscuramente desapareceu um dia o nosso Capitão Índio Bandeira, tendo certamente alcançado quase um século de existência, segundo os registros de sua presença em terras hoje paranaenses, desde meados do século XIX. 87
Pode-se e se deve estabelecer conotação histórica entre as lembranças da figura do cacique Bandeira com as dos primitivos caciques habitantes desta região paranaense, especialmente aquela de domínio do cacique Taiaobá, onde, em 1625, cerca de, por sua aquiescência, e por ação evangelizadora do Apóstolo do Guairá, o grande jesuíta de Santo Inácio de Loyola, Antônio Ruiz de MONTOYA, onde se erguera a grande cruz de cedro de 12 metros de altura, e com o esforço de cerca de 300 índios do comando de Taiaobá, na frustrada tentativa de se estabelecer, em terras hoje do Município de Campo Mourão, uma redução indo-cristã — a de LOS ANGELES, segundo a denominação espanhola de então. Por uma dessas felizes coincidências do acaso histórico, foi com a elevação de uma cruz de cedro, em 1903, no local onde hoje se implanta o Jardim Santa Cruz, nesta cidade, que se deu a posse tácita e efetiva da civilização em Campo Mourão. Uma e outra imagem se irmanam e harmonizam nos atos de edificações humanos e espiritual, mostrando que o homem se agita e a humanidade o conduz, pelas religações entre o Passado, o Presente e o Futuro.
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ASFALTO NA BR-369 — IMPERATIVO DO CENTRO-OESTE
CAMPO MOURÃO é a metrópole hegemônica na mesopotâmia do PIQUIRIVAÍ, como CASCAVEL é a líder mesopotâmica do PIQUIRIGUAÇU. O segmento natural e o seguimento lógico do asfalto entre as duas capitais regionais, na ligação definitiva, resservindo a um conjunto portentoso de municípios de prosperidade insopitável, será a anastomose oportuna à vascularização do centro-oeste paranaense, que ressentiu da civilização norte-sul, consolidada pela tradição paranaense. Desde quando a volúpia das faixas auri-negras excitara nosso poder, ao parque automobilístico, com o fluxo crescente de industrialização petrolífera, para a correção patriótica de nossas aplasias de transporte e de comunicações terrestres, porque o Paraná povoou-se subitamente em todas as latitudes e longitudes, as reivindicações de ordem rodoviária e de telecomunicações, despontando por toda a parte, sobrecarregam os órgãos governamentais, exigindo reformulação de planos e de recursos. Daí a razão de se estabelecerem certas prioridades para rodovias-tronco, na conformidade do planejamento e das obras. Entretanto, os técnicos, no Ministério e na Secretaria de Transportes, estão entrosados no sentido de que melhores estradas e super-rodovias são vitais e urgentes para o aceleramento da produtividade, para a prosperidade social e econômica e para a defesa nacional. Todas as estradas — como o sistema vascular do organismo — ajudam a construir a civilização, promovendo o encontro, a fusão 89
e a integração, libertando energias adormecidas e multiplicando, em proporções geométricas, transformando-as numa infinidade de bens materiais e espirituais em favor do homem. Deixando de lado as indagações de ordem administrativa e orçamentária, devemos considerar o valor antropogeográfico da BR-369 cujo segmento asfáltico Campo Mourão-Cascavel é de importância como óbvio ululante. Irrigando a região centro-oeste do Estado, ela é tão necessária e urgente, como foram a ligação Guarapuava-Foz do Iguaçu, Três Pinheiros-Pato Branco, Maringá-Paranavaí, Maringá-Umuarama, rumo Guaíra; tão urgente e necessária na melhoria circulatória de nossos recursos e para sua maior interação, como há de ser a Rodovia do Colono, entrelaçando o Sudoeste com as navegações do médio e alto-Paraná, ou a tangente de Pontal do Tigre, no município de Querência do Norte, alimentando Campo Mourão, Ivaiporã, Cândido de Abreu, para entroncamento em Ponta Grossa. A BR-369 completada reforçará o aquecimento socioeconômico do fluxo calibroso que, vindo de Assunción, na bifurcação de Cascavel, ou demandando de Apucarana, no estágio de Jandaia do Sul, corta os vales do Ivaí e do Piquiri, “celularizando” as Mesopotâmias do Piquirivaí e do Piquiriguaçu. Nos seus múltiplos efeitos — desde que os impulsos vitais estarão circulando e nutrindo todas as células da tessitura regional — também os valores turísticos se farão presentes, no melhor conhecimento de nossas realizações, para estímulo de potencialidades e as emoções estéticas de nossas condições telúricas. Efetivamente, muito temos para apreciar, desde o eixo dessa diretriz: quem de São Paulo queira seguir para Foz do Iguaçu, ou que de Cascavel deseja sentir a vibração dos vales do Piquiri e do Ivaí, na rota Maringá, Apucarana, Londrina, São Paulo, terá o caminho mais curto e tradicional. Como objetivo de turismo, já não considerando Foz do Iguaçu, tão somente, por ser, com Guaíra, a mais visada, temos Campo Mourão padrão, nas manifestações de seu desenvolvimento, que a distinguem das demais importantes cidades paranaenses, e em que as iniciativas particulares e empresariais, reforçadas 90
pelo trabalho de profícua administração, constrói rapidamente, para o futuro, a transição do presente. Daí, no local e pelas vizinhanças, podem-se ver e sentir as impressões e sensações das ÁGUAS TERMAIS DE IRETAMA, as emoções esculturais dendrofílicas da família MOSER, em PEABIRU, as belezas técnicas implantadas pela USINA MOURÃO e os folguedos do LAGO AZUL, cedidos, generosamente pelo salto SÃO JOÃO, os sítios arqueológicos de VILA RICA DO ESPÍRITO SANTO, nos arredores de FÊNIX, a estilizada mansão, as esculturas e telas de VIRGÍLIO ZARONI, o artista romano, no paraíso do Lago Azul, e, ainda, ouvir e saber como são as belezas e grandiosidade das Sete Quedas, ou as riquezas de Mato Grosso, na enleante narrativa do sertanista e navegador capitão RENATO ROMEIRO PINTO DE MELLO. De tudo e de muito mais estão cientes e conscientes os técnicos e os administradores, quer no Ministério, quer na Secretaria dos Transportes; na planificação severa do futuro governo paranaense, que há de ser a continuidade confirmadora dos extraordinários impulsos construtivos do atual governo, e tudo ratificado pelas reivindicações das classes conservadoras, através das mensagens leonísticas e rotarianas. Estejamos, pois, tranquilos e convictos quanto a consequência dessa inevitável interligação. Sabemos que medidas técnicas e orçamentárias estão em prática pelas diretorias de transportes, e que, dentro em breve, os equipamentos estarão operando nos espigões e travessões da mesopotâmia do Piquirivaí, implantando esse segmento asfáltico na BR-369, como imperativo que é do centro-oeste paranaense.
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ANTROPÔNIMOS PORTUGUESES NA TOPONÍMIA PARANAENSE Lendo os nomes dos atuais 288 municípios do Paraná, verifica-se que somente dois antropônimos genealogicamente portugueses compõem topônimos municipais — CAMPO MOURÃO, ex-Campos do Mourão e, — CASTRO, ex-Sant’Ana do Iapó. Examinando essa circunstância e, porque nos associamos, gratamente, às homenagens a Portugal, que KOSMORAMA retraça nesta edição, assinalando a passagem do Sesquicentenário da Independência brasileira, reportamo-nos às origens de ambos os nomes, entre nós. No caso de CAMPO MOURÃO, segundo os registros de nossa história, a origem toponímica surge com as expedições botelhas do século XVIII, mandadas realizar, na antiga comarca de Curitiba, então subordinada à província de São Paulo, no governo do Capitão General — Dom Luís Antônio de Souza Botelho MOURÃO (1765/1775). Botelho Mourão recebeu muitas instruções, ao seguir para o Brasil e, outras tantas lhe seriam dadas, posteriormente, dentro de seu governo, pela Corte portuguesa, através do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello. Para as cumprir, não lhe faltaram engenho e arte: era oficial ilustrado, dedicado a estudos de engenharia, estratégia, história militar e trazia larga experiência em campos de batalha. Dom Luís Antônio — Morgado de Mateus — veio nomeado por Dom José I, segundo o seguinte decreto: “Sendo-me presente a grande necessidade que há de se erigir governador e capitão-general na Capitania de São Paulo, na mesma forma e com a mesma jurisdição que já antecedente o houve nela” (a capitania de São Paulo existiu desde 1711 e fora extinta a 9 de maio de 1748). “Sou servido restabelecer a mesma capitania a seu antigo estado e 93
nomear para governador e Capitão-General do mesmo governo a Dom Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, que servirá por tempo de três anos, e o mais que decorrer, enquanto — lhe não nomear sucessor.” Desde que assumiu o governo, em São Paulo, entre festejos e alegria geral, enormes dificuldades lhe obstavam a ação; mas um ano depois de sua chegada sentia-se já bem firme e, daí em diante, no que diz respeito ao Paraná — então uma das comarcas de São Paulo, pelas aproximações que trazia com seu parente e ajudante de ordens, Afonso Botelho de Sampaio e Souza, militar de grande valor e de sua inteira confiança, lhe deu Dom Luís Antônio missões especiais. Entre elas a da construção da fortaleza, na barra de Paranaguá — que se chamaria fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres — capaz de defender a pequena povoação e as mais que se fundassem na baía. Botelho, desde que viera com Dom Luís Antônio, prestava bons serviços em São Paulo, e dali sai, como capitão, para assumir grandes responsabilidades em Paranaguá e Curitiba. Promovido, desde logo, a tenente-coronel, recebe, também, a ordem de inspecionar e regular os corpos de milícias, ficando, enfim, encarregado de todo o governo militar da comarca. Como lugar-tenente e ajudante de ordens de D. Luís Antônio, torna-se, em verdade, uma espécie de procurador com plenos poderes para agir no Sul da Capitania. A construção da fortaleza de Paranaguá, a fundação de povoações ou nucleação de populações, a abertura de caminhos e a organização de bandeiras exploradoras no interior do território da comarca, encontravam empecilhos e resistências entre os poucos e miseráveis moradores daqueles tempos. Mas a energia, operosidade e diplomacia de ambos os militares sobrepujavam a todos os problemas. A fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres de Paranaguá foi erigida e, pouco mais de 2 dois anos, entre 1767 e 1769, diretamente sob o comando e orientação de Afonso Botelho, e, passados até hoje mais de dois séculos de sua edificação na Ilha do Mel, sobre o Morro da Baleia, lá está aquele baluarte de solidez e estilo, que cumpriu os ditames de sua finalidade, convertendo-se em símbolo de municipalização brotada com a consolidação parnanguara. 94
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EXPEDIÇÕES BOTELHANAS DO SÉCULO XVIII
Afonso Botelho recebera instruções para realizar quatro bandeiras de reconhecimento e exploração, mas as efetivou em número de dez, movimentando, em anos sucessivos, numerosas esquadras de reconhecimento que realizaram o oeste, até o Rio Paraná, ratificando a posse fixada pelos bandeirantes luso-brasileiros do século XVII. Já se iniciara o reconhecimento dos Campos de Guarapuava, no Centro-Oeste do território, mas era preciso e urgente reforçar as operações de estabelecimento da fortificação do Iguatemi, que, desde o início do governo de D. Luís Antônio, fora sua grande preocupação estratégica para a defesa do território hoje de Mato Grosso. Era indispensável abrir caminho pelo Sertão do Tibagi e do Apucarana, até o Rio Paraná, pois D. Luís Antônio viera com instruções para aumentar a ocupação portuguesa no Oeste. Depois da anulação do Tratado de Madri (1761), convinha redescobrir e incorporar à Coroa Portuguesa o vasto território abandonado pela frustrada colonização índio-jesuítica. Assim, sem maiores considerações neste retrospecto, organizou-se a segunda expedição para o “Sertão do Tibagi”, que entrou no dia 20 de junho de 1769, partindo do porto de São Bento, poucos quilômetros ao sul da atual cidade de Tibagi, no rio do mesmo nome. Era seu comandante o capitão de auxiliares da Freguesia de São José dos Pinhais, Estêvão Ribeiro Bayão, com 75 homens, gente de Paranaguá, São José dos Pinhais, Curitiba e dos Campos Gerais (Lapa, Palmeira, Castro e Tibagi). Do ponto de partida encaminharam-se para o centro do sertão, rumo oeste, atravessando grandes serras na divisa entre os 95
atuais municípios de Reserva e Cândido de Abreu. Em certa altura de sua penetração, abrindo veredas, espalhados os pelotões, julgaram-se perdidos nas picadas, no meio da mataria, sem encontrar uma saída que os levasse ao ponto objetivado, que era, de início, encontrar o rio Ubatuba ou Ivaí. É quando a esquadra de Inácio da Mota Oliveira — que tantos serviços prestaria na exploração dessa região — comandada pelo Ten. Francisco Lopes da Silva, miliciano de Curitiba — um dos que teria chegado até os campos, daí em diante denominados “do Mourão”, voltou com a notícia de haver descoberto um rio a que denominaram, desde logo, Rio de D. Luís (de Mateus), em homenagem ao capitão-general, cumprindo, assim, suas próprias instruções no sentido de que os lugares descobertos “tivessem os nomes das nossas casas e apelidos mais conhecidos, de sorte que fique bem estampada a memória dos autores deste descobrimento”. Reuniram-se, então, todos num só ponto, em local onde estava o comandante da expedição — Ribeiro Bayão — e julgando navegável o rio encontrado (na altura em que o acharam deveria ser em território do atual município de Cândido de Abreu), se abriram picadas em direção ao rio, onde chegaram em dezembro de 1769. Ali, fabricaram canoas e, pelo Ivaí, desceu a esquadra de Francisco Lopes da Silva e o Pe. Capelão Frei Antônio de Santa Tereza do Espírito Santo, encontrando, dias depois, a barra do Rio Corumbataí, que denominaram “Rio Mourão”, pelas mesmas razões e instruções superiores. Aí encontraram, também, laranjais e bananais que os reanimaram no prosseguimento da expedição. Afinal, descendo o Rio Ivaí, transpuseram o salto, hoje chamado “das Bananeiras” e chegaram ao Rio Paraná, no limite dos atuais municípios de Querência do Norte e Icaraíma. Pelo Rio Paraná, desceram e foram até os Saltos das Sete Quedas, examinando também a foz e alguns quilômetros a montante do Rio Piquiri, dali voltando, pelos Rios Paraná e Iguatemi, até a Fortaleza construída, desde 1762, com a maior insistência e grandes sacrifícios, por ordem de D. Luís Antônio de Souza. Lá no Ivaí, o Capitão Bayão sentira-se muito doente, com ma96
lária, razão porque regressou, às pressas, a São José dos Pinhais, onde logo morreu. Uma porção de diligências foram realizadas nesse ínterim, mas, em 14 de fevereiro de 1770, o tenente Francisco Lopes da Silva foi promovido a capitão e os remanescentes das 2ª e 3ª expedições incorporaram-se numa só campanha que, sob seu comando, voltou do Iguatemi ao Ivaí para se estabelecer na barra do Corumbataí.
RESTOS DA VILA RICA DO ESPÍRITO SANTO DE GUAIRÁ Chegando à foz do Corumbataí, a nova Companhia do Capitão Lopes da Silva, em suas explorações na área circunvizinha — arredores da hoje cidade de Fênix — descobriu, aos 10 de março de 1770, os fundamentos do que fora a Vila Rica do Espírito Santo ou Vila Rica do Guairá, segunda povoação desse nome, fundada pelo capitão espanhol Ruy Diaz Melgarejo, em 1576, sitiada e tomada, em 1632, pelos bandeirantes com Raposo Tavares e Manuel Preto. OS “CAMPOS DO MOURÃO”. Ali se estabeleceram, desde logo, fazendo roças e principiando estabelecimento, que deveria ressurgir sobre os restos de Vila Rica para chamar-se Vila Real, em atenção às instruções de D. Luís Antônio, e, nesse caso, relembrando sua cidade natal, em Trás os Montes, Portugal. A povoação, entretanto, não teve prosseguimento, não obstante, estas instruções de D. Luís Antônio: Enquanto a expedição do rio de D. Luís basta que Vmce [sic], mande o Mota (Inácio da Mota com sua família a povoá-lo, estabelecendo-se naquela praça que acharem mais cômoda para fundarem povoação entre os bananais adonde [sic] puderem descobrir que foi antigamente a situação da Villa Rica, para a restaurarem, por hora não gaste Vmce [sic]. o Cabedal de El-Rex em 97
endireitar caminhos, ou fazê-los mais cômodos, basta que sirvam por aqueles mesmos que até agora se serviram; porque o tempo os mesmos povos os farão melhores.
Paralelamente, faziam-se explorações, adentrando-se em ambas as margens do Ivaí e Corumbataí e seus afluentes, em diferentes veredas, de onde teriam descoberto um campo que, pelo conhecimento que traziam dos Campos Gerais, julgarem ser, também, extensos. Registraram a descoberta e impuseram o nome de “Campos do Mourão”, sempre em obediência às instruções que possuíam. Após um longo interregno de esquecimento, os “Campos do Mourão” foram redescobertos em 1880, pela expedição de Norberto Mendes Cordeiro e seus companheiros, pondo fim a uma lenda que vinha sendo cultivada entre guarapuavanos e palmenses, em busca dos “Campos do Paiquerê”. Abreviou-se o nome, com o povoamento moderno, primeiro em “Campo do Mourão”, já no singular, e, finalmente, fixou-se o município em “Campo Mourão”. D. LUÍS ANTÓNIO DE SOUSA BOTELHO MOURÃO nasceu em 21 de fevereiro de 1722, sendo filho legítimo de D. Joana de Souza, senhora de Moroleiros, em Amarante, e de Antônio José Botelho Mourão, fidalgo da Casa Real, Cavaleiro de Cristo, Tenente Coronel da Cavalaria, Morgado de Mateus, etc, que serviu com distinção nas guerras da Grande Aliança, e aumentou consideravelmente o brilho de sua casa, tendo edificado em Vila Real o Palácio de Mateus, uma das mais nobres residências portuguesas, a dos condes de Vila Real, herdeiros do morgadio por sucessão direta. Por isso, D. Luís António de Souza Botelho Mourão era, também, Morgado de Mateus. Faleceu em 5 de outubro de 1798, sendo sepultado na capela de Mateus, em Vila Real, Portugal. O MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO (mais eufônico e tradicional seria “Campos do Mourão”) foi instalado a 5 de dezembro de 1947, e, com o de CASTRO, perpetua dois nomes da genealogia eminentemente portuguesa. 98
Os foros da nobreza que ressurtem do nome MOURÃO estão, inclusive, ostentados no brasão de armas de Campo Mourão, brasonado com fundamento no próprio brasão de armas dos Mourões, de Portugal, indiretamente, também o nome BOTELHO se configura nas armas mourãoenses, nem só pelos laços de parentesco entre D. Luís António e Afonso Botelho, mas, sobretudo, pela imortal participação deste processo de formação paranaense, onde governou de 1767 a 1774. A exaltação desses dois grandes portugueses foi realizada pelo magnífico historiador patrício, culto embaixador de nossa civilização brasileira no exterior, em tantas oportunidades, professor DAVID Antônio da Silva CARNEIRO, em magistral página de que só ele é capaz com sua veterana verba, mas, entre nós, nos municípios, talvez só em Campo Mourão se tenha, efetivamente, procurado sentir o valor dessa exaltação, pelo culto à tradição que seus nomes perpetuam.
CASTRO, EX-SANT’ANA DO IAPÓ Entre os nucleamentos populacionais do Paraná, fundados sob os auspícios do Cel. Afonso Botelho de Sampaio e Souza, o antigo “Pouso do Iapó” é um deles, que surgiu sob a invocação de Nossa Senhora de Sant’Ana e foi a Freguesia sob o nome de Sant’Ana do Iapó, em 26 de julho de 1769. Em 1777, achando-se em guerra Portugal e Espanha, também as colônias se digladiavam. Nesse mesmo ano, ocorreram grandes mudanças no governo dos dois reinos da Península (Portugal e Espanha). Com a morte de D. José I, subiu ao trono português D. Maria I, e o Primeiro Secretário de Estado, Marquês de Pombal (Carvalho e Melo) foi substituído por Martinho de Melo e Castro. A alteração nos quadros do governo português veio trazer graves consequências ao desenvolvimento da quinta comarca de São Paulo — o Paraná. Sobretudo a Freguesia de Sant’Ana 99
do Iapó sofreu muitíssimo com os acontecimentos, pois foi, logo a seguir, abalada com a passagem de numerosas tropas que iam reprimir a ação militar dos espanhóis em Santa Catarina e Colônia do Sacramento. A sangria nos bens particulares, do comércio e das fazendas chegou às raias do trágico, com aspectos do verdadeiro saque. Plantada à margem da estrada, entre São Paulo e a província de São Pedro do Rio Grande, ficou às portas da penúria. Em Portugal, acontecia fenômeno aparentemente insignificante para nossa história: O Ministro dos Negócios Ultramarinos — Martinho de Melo e Castro — fora visitar uma célebre prisão política e, ao passar pelo sentenciado Manoel Gonçalves Guimarães, este jogou-se-lhe aos pés, clamando por clemência e que prometendo, caso fosse solto, viria para certa região do Brasil, onde a faria elevar a vila, lhe dando o nome do Ministro. A vaidade de Martinho de Melo e Castro, atingida, fez libertar o sentenciado que partiu para cá, obtendo seu intento. Assim, a 20 de janeiro de 1789, foi a Freguesia de Sant’Ana do Iapó elevada à categoria de VILA NOVA DE CASTRO (em homenagem a Martinho de Melo e CASTRO). O primeiro governante de Castro foi, então, escolhido na pessoa do Juiz Presidente da Câmara — José Felix da Silva. Por lei de 26 de julho de 1854, foi criada a comarca de Castro. Posteriormente, Castro foi elevada à categoria de cidade, em 21 de janeiro de 1857. No período revolucionário de 1893/94, teve o predicado de ser capital do Estado do Paraná, pelo Decreto n.º 24, de 18 de janeiro de 1894, situação que durou apenas três meses.
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COMO SURGIU O FUTEBOL EM CAMPO MOURÃO
O futebol, em padrão organizado — clube com diretoria, técnico, uniforme e elenco treinando regularmente — surgiu em Campo Mourão no início de 1952. Estava iniciado um estádio, em ruas afastadas, porém a atividade futebolística se centralizava na praça 10 de outubro, no coração da cidade que ia se formando, sendo que apenas parte da praça era usada com um campo de medidas aproximadamente regulamentares, onde se feriam as grandes pugnas domingueiras. Da fundação do clube de futebol da cidade com o nome ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA CAMPO MOURÃO (AECM), surgiu o clube oficial do futebol da cidade, numa reunião de 15 de abril de 1952, seguida de outra, a 17 de outubro, na sede do Clube Social Recreativo 10 de outubro, gentilmente cedido. Eram vinte os cidadãos presentes na reunião que assinaram a lista do histórico acontecimento, a qual acompanha este documentário, em original. Eis os nomes: Nelson Bittencourt Prado, Fioravante, Adelino M. Lima, João Bueno, Wille Bathke, Guilherme Stoffe, Lorival Monteiro, Eduardo Machado de Lima, Sebastião Lima, Antônio de Freitas Gonçalves, Augusto Tinto de Araújo, Adolfo Pinto, Gabriel, Constante Gelinski, Aldemir Bueno, Epitácio Batista Santos, Dr. Olívio Doré, Anésio Bonifácio e Ruy A. Prado. Nessa reunião de 17 de outubro de 1952, foi procedida à eleição dos dirigentes do Departamento de futebol, sendo este o resultado: para Diretor do Departamento de Futebol, Lourival Borba, com 17 votos; para Tesoureiro, Anésio Bonifácio com 13 votos; para capitão da equipe, dr. Olívio Doré com 17 votos.
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AS GRANDES JORNADAS Durante 1952, a equipe treinou regularmente no campo de terra batida da praça 10 de outubro e dentre as várias jornadas, uma das mais importantes foi a 19 de junho de 1952, quando tendo à frente o então presidente, o fazendeiro Francisco Ferreira Albuquerque, inaugurou seu primeiro jogo de camisas, meias e calções, onde predominavam as cores verde, vermelho e branco, simbolizando as várias fases da lavoura do café, desde o florescer até o amadurecimento dos grãos. Por isso, o culto ao valioso produto — porque o time tinha um padrão de jogo voluntarioso, sempre ofensivo, impondo de 3 ou mais tentos nos adversários — é que foi apelidado “O Trator dos Cafezais”. Nesse jogo inaugural do uniforme — com algumas fotos apanhadas na ocasião — gentis senhoritas da sociedade local serviram de madrinhas, e o timão da terra impôs 4 x 2 no onze de Peabiru, após 90 minutos da mais intensa vibração, com a cidade em peso torcendo pelas cores de Campo Mourão. Tivemos ainda grandes jogos, aqui, com Araruna, Engenheiro Beltrão, Goioerê, retribuindo as visitas àquelas comunidades, e indo até Maringá. Eram todos atletas amadores, vários precedentes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e que militaram em importantes equipes, e que, mesmo fora de forma, voltaram à prática do salutar esporte, tornando-se famosos na região e enchendo de alegria os apreciadores do futebol. E perdem-se de conta as comemorações ruidosas, nos bares centrais da cidade, após as renhidas pelejas — como aquela contra Araruna de 90 minutos debaixo de chuva torrencial com vitória de Campo Mourão — quando se acabou o estoque de cerveja, bebida toda na taça sofridamente conquistada.
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Francisco Albuquerque discursando na histórica partida futebolística. 1º.06.1952.
Discursando Francisco Albuquerque, presidente do AECM, 1º.06.1952.
Jogo inaugurando as camisas com a vitória do AECM por 4 a 2 sobre o Peabiru, o mais sério rival da região. 1º.06.1952.
Senhoritas da sociedade de Campo Mourao, que paraninfaram, como madrinhas, a entrega das camisetas aos atletas. 1º.06.1952.
A defesa do AECM, com um jogador de Peabiru. 1º.06.1952.
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TECLAS DE VIENA SOB OS PINHEIRAIS O Primeiro Piano em Campo Mourão Nelson B. Prado (In Correio de Campo Mourão) 02/fev/1952
Quem vive no interior, aprofundado no sertão, não sente hoje aquele isolamento que fazia outrora da vida do interior qualquer coisa semelhante ao degredo. Hoje, mesmo aparentemente isolados no sertão, são numerosos os fatores que nos aproximam à vida dos grandes centros urbanos. Um bom rádio de pilha ou acumuladores, o “jeep” e o “teco-teco” nos fazem ligados às coisas do Rio, São Paulo, Curitiba, Buenos Aires e de Nova Iorque, mesmo lá nos confins do Goioerê. Assim como, em pouco menos de uma hora, estamos em Londrina e depois em São Paulo ou no Rio, também ouvimos os noticiários da BBC, da Nacional e a interminável novela “O Direito de Nascer”... O avião fura os céus e o rádio nos conduz à imaginação numa religação saudosa. Por outro lado, o “jeep” arrebenta o sertão, desafia temporais, cruza estradas e nos leva ao asfalto das cidades. Realmente, hoje o sertão, embora ainda distanciado pela força das distâncias rodoviárias, está muito próximo dos grandes centros. Nisso há uma esperança que é sempre um conforto nos desconfortos naturais do interior. Mas… de repente, tudo parece ser um sonho, quando deparamos com uma nota fora do comum, no comum viver que nos 105
cerca. Foi o que nos aconteceu um dia destes, quando, entre a emoção estética do meio, à sombra dos pinheirais, tivemos a emoção sentimental despertada pelos sons de um piano a vibrar acordes de melodia, onde apenas os pássaros faziam melodiosas sinfonias… Ali nas Barras, quase escondido em aprazível recanto, um piano vienense fazia vibrar as cordas em sons que não esperávamos ouvir assim tão discretamente reservados. Uma indústria ali se constroe o encanto do lar daquele gerente trabalhador e industrial não quis deixar suas virtudes de mulher sem o encanto da arte. Virtudes de mulher com o encanto da arte na história musical de Campo Mourão! É o primeiro piano que pisa a linha dos trópicos no Município de Campo Mourão! Fiquem gravados para a história a artista, o instrumento e o lugar. A artista — Mme. Judith Eheke Carneiro, esposa do Sr. Evaldo Carneiro de Paula, gerente industrial e sócio da firma Indústria e Comércio Prado & Cia. Ltda., com instalação de estabelecimentos no lugar denominado Barras; o instrumento — um piano marca “Ehrbarwien”, de finíssima construção, moderno fiel dos pensadores e da fina arte com que se engalanaram as virtudes de madame Judith E. Carneiro. E aquelas teclas vibram diariamente com os sons melodiosos, que, atraindo curiosos pássaros, curiosos e intrigados, — põem notas diferentes no viver do sertão! Ao mesmo tempo, distantes e próximos, a civilização no interior não se arrefece e desanima; ao contrário, se encontra e vivifica, como nesse particular, com as teclas de Viena sob os pinheirais.
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O PLANALTO DO PIQUIRIVAÍ
Grande região de paisagem natural caracterizada pelos Campos do Mourão, na mesopotâmia dos cursos fluviais — Piquiri e Ivaí. Nelson Prado
O Dicionário Geológico e Geomorfológico de Antônio Teixeira Guerra (Biblioteca Geográfica Brasileira, IBGE, Rio de Janeiro, 1969), e a Geografia Física do Estado do Paraná, de Reinhard Maack (Curitiba, 1968), registram, como: 1. MESOPOTÂMIA — terra entre rios. 2. VALE — corredor ou depressão de forma longitudinal (em relação ao relevo contíguo), que pode ter, por vezes, vários quilômetros de extensão. Os vales são formas topográficas constituídas por talvegues e duas vertentes com dois sistemas de declives convergentes. 3. PLANALTO — extensão de terrenos sedimentares mais ou menos planos, situados em altitudes variáveis. Nas regiões geográficas naturais do Estado do Paraná, Reinhard Maack, referindo-se ao terceiro planalto ou planalto do “Trapp” do Paraná, estabelece a seguinte série de blocos planálticos: a) os blocos planálticos de Cambará e São Jerônimo da Serra; b) o bloco do planalto de Apucarana; c) o bloco do planalto de Campo Mourão; d) o bloco do planalto de Guarapuava; e) o declive do planalto de Palmas. A porção média do planalto entre os rios Piquiri e Ivaí (don107
de o topônimo regional, composto desses dois fluviômetros — PIQUIRIVAÍ), até o rio Paraná, é separado pelos vales dos rios Turvo, Cachoeira e Marrecas (no atual território do Município de Guarapuava), da parte meridional do terceiro planalto, ou planalto de Guarapuava, que se estende entre os rios Piquiri e Iguaçu (sugerindo, aí, o topônimo regional PIQUIRIGUAÇU, que proponho), assim como o grande planalto setentrional, estendendo-se a oeste do rio Tibagi, entre os rios Paranapanema e Ivaí (de que resultou o topônimo composto PARANAVAÍ, implantado pelo engenheiro Alexandre Gutierrez Beltrão), até o rio Paraná, denominado planalto de Apucarana, a que se caracteriza hoje pela cidade de Paranavaí. Ao sul do rio Iguaçu, o declive do planalto, isto é, o divisor das águas Uruguai-Iguaçu (sugerindo o topônimo composto URUGUAÇU, que proponho), caracteriza-se pela cidade de Palmas, mas onde despontam, também, na atualidade, as cidades de Pato Branco e Francisco Beltrão, disputando a primazia progressista.
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PEABIRU — UM GRANDE CAMINHO PAVIMENTADO COM CAPIM
Não são unânimes os historiadores quanto ao significado de “PEABIRU”, palavra de origem guarani, composta — PE caminho. ABIRU. batido, moído, amassado — incorporado à toponímia brasileira. A expressão foi conhecida desde as primeiras penetrações portuguesas e espanholas no território do hoje Estado do Paraná, no século XVI, e ligava-se a um sistema de caminhos pelos campos e sertões, usados pelos indígenas: caminhos esses que se entrosavam num tronco principal e que se desenvolviam em rumos certos. Parecendo ser um sistema de comunicações permanentes entre o litoral atlântico e a cordilheira dos Andes. (1) Romário Martins (História do Paraná, edição Ed. Guaíra Curitiba s/d) informa que “O Piquiri o seu vale constituía parte do primeiro caminho do extremo ocidente americano a costa do Atlântico desde tempos pré-colombianos. Esse caminho, também chamado Peabiru e de S. Tomé, era uma longa traça que da foz do Piquiri se projetava em outros longos rumos para o Ocidente e do alto Tibagi ia até Piratininga e atingia a costa de São Vicente em vários pontos”. Diz ainda, Alfredo Romário Martins: Chamavam os índios Peabiru a um caminho pré-colombiano que se estendia por mais de 200 léguas. Da costa de São Vicente ao rio Paraná, atravessando os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri, por onde os povos indígenas se comunicavam com o mar e com as regiões mais distantes do ocidente. Ao poente do Paraná o caminho pros109
seguia, atingindo o Peru e a costa do Pacífico. Os bandeirantes utilizavam-se do caminho de Peabiru em todas as direções da linha tronco e dos seus ramais. Se vinham pela linha tronco, o itinerário era São Vicente, Piratininga (São Paulo), Sorocaba, Botucatu, Tibagi, Ivaí, Piquiri. Se vinham pelo Tietê, atravessavam o Paranapanema próximo à foz do Pirapó, subiam pela margem deste em direção ao Ivaí, que atravessavam pouco acima do seu afluente então denominado rio da Guia, margeando à esquerda o rio principal, até ao atual Campo do Mourão. (2) A igual distância do Ivaí e do Piquiri, o caminho que se bifurcava para o sul ia ter ao Iguaçu no ponto em que este rio, na sua margem esquerda, recebe o Santo Antônio. (Mapa da Capitania de São Paulo, de Rodrigues Montezino, nº 19 A, da Coleção do Barão do Rio Branco).
Por esse caminho, ou por parte dele, transitaram, no século XVI, numerosas pessoas e expedições, das quais, em 1541, Cabeza de Vaca e seu séquito militar, em direção ao Paraguai (Assunção); Johann Ferdinando, vindo de Assunção com a missão de incrementar o cultivo da mandioca em Santa Catarina, para o suprimento dos navios castelhanos, em 1549; os companheiros de Hans Staden (“a maior parte dos nossos”, diz o autor das Viagens e Cativeiros entre os Selvagens do Brasil, que em 1551 deliberaram seguir por terra à Assunção; Ulrich Schmidel, em 1553, vindo do Paraguai para São Vicente; o grande missionário Padre Leonardo Nunes, quando pretendeu reunir em aldeia crianças indígenas para as educar; os Irmãos Pedro Correia e João de Souza, pacificadores dos Carijós do ocidente e vítima de sua abnegação apostólica; Juan de Salazar de Espinosa, Cipriano de Góes e Ruy Diaz Melgarejo, governador de Vila Rica do Espírito Santo, no Guaíra, aos quais as autoridades vicentinas negaram licença para seguirem para o Paraguai, por terra, e que não somente o fizeram, em 1556, “sin hacer daño a la tierra ni a cosa della”, como levaram 12 soldados (do séquito de Salazar) e 6 portugueses (do de Góes), as esposas de Salazar e de Góes e duas cunhadas do primeiro. (Taunay — História Geral das Bandeiras Paulistas, vol. 1. 2061: Diogo Nunes na sua viagem ao Paraguai e ao Peru; Braz Cubas e Luís Martins, que em 1562 vararam trezentas léguas de 110
sertão, etc, tudo isso antes e após haver Tomé de Souza, em 1552, mandado obstruir o caminho que da costa de Santa Catarina ia ter ao Rio da Prata (Assunção) e que era um dos ramos da linha tronco de Peabiru. Gentil de Moura, em comunicação feita ao Instituto Histórico de São Paulo, em 1910 (O Caminho do Paraguai a Santo André da Borda do Campo), identificando o itinerário seguido por Ulrich Schmidel, o alemão que regressou de Assunção em 1553, onde, como militar serviu aos governos de Fernando Mendonza, Irala e Cabeza de Vaca, — dá do caminho de Peabiru as melhores informações dentre as de todos os autores: Partindo de Assunção, desceu o Paraguai e subiu o Paraná até a barra do Iguaçu; daí seguiu pela margem direita até a altura do Cotegipe (no território do atual município de Capitão Leônidas Marques, fronteira aos atuais municípios de Realeza e Salto do Lontraem seguida atravessou os rios Piquiri, Cantu e outros afluentes desses rios transpôs a serra da Esperança; passou pelas cabeceiras do Corumbataí e foi cruzar o Ivaí nas proximidades de Terezinha (hoje Tereza Cristina). Depois, em rumo de sudeste, foi passar nas cabeceiras do Tibagi, onde deixou o caminho para Santa Catarina, pelo qual subiu Cabeza de Vaca. Ali, tomando à esquerda, pendeu às matas do vale do Assungui, passou pela aldeia dos Bilreiros e de Cariesebas, onde logo adiante encontrou a encruzilhada do caminho que descia para a Cananéia. Prosseguindo, porém, sempre à esquerda, deixou o vale do Assungui e foi sair nos Campos de Faxina, Capão Bonito e Itapetininga, pelos quais seguiu até as proximidades de S. Miguel Arcanjo, deixando outra encruzilhada que servia para ligar Cananeia à região de Piratininga”. Desse ponto, diz o autor citado, pelos campos de Sarapuí e de Sorocaba, foi sair em Biesais, mais tarde Maniçoba ou Japiuva e hoje Itu, donde procurou o rio Tietê por cujas margens seguiu até as proximidades do rio Jurubatuba. Descansou três dias na aldeia desse nome até que finalmente chegou a Santo André.” Após a entrada dos padres jesuítas no território de Guairá (1610) o caminho de Peabiru foi dado como sendo o trilho percorrido pelo apóstolo São Tomé em sua peregrinação na América 111
e passou a denominar-se caminho de São Tomé. A versão da vinda de apóstolos ao Novo Mundo, era, aliás, corrente entre os índios da região atravessada pelo Peabiru e mesmo em sertão não visitado ainda por missionários. Não somente no Brasil e no Paraguai, mas em toda a América do Sul era corrente entre os indígenas a notícia de que um homem extraordinário por aí andara pregando o Evangelho; que fora ele quem ensinara como se podia utilizar a Mandioca e a Erva-Mate, que depois disso se tornaram a base da alimentação geral; que predissera o fastígio e a destruição do Guaíra; que anunciara a vinda de missionários que lhe haviam de dizer as mesmas coisas que ele dizia. Numa rocha à margem do Piquiri diziam haver as pegadas de Sumé ou Zumé, ou Tomé e que os trilhos que percorreu de uma à outra costa do continente (do pacífico ao Atlântico) nunca mais se fecharam. Que esse trilho era o Peabiru”. O cônego Fernandes Pinheiro sugere que “a tradição de S. Tomé é obra e invenção dos jesuítas” (grifos da transcrição) (ib. p. 89).
CAMINHOS INDÍGENAS E CASAS SUBTERRÂNEAS O prof. Igor Chmyz, do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná, em sua NOTA PRÉVIA SOBRE PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS DO VALE DO RIO PIQUIRI, Curitiba, 1972, refere-se, em vários pontos, aos caminhos indígenas e ao Peabiru, como resultado de suas observações em sítios arqueológicos, dizendo: “Pesquisas arqueológicas efetuadas pelos vales dos rios Paraná, Paranapanema e Ivaí atestam a movimentação de grupos humanos na região Noroeste [do Paraná] desde 5 000 anos A.C. (Laming & Emparaire, 1959 Chmyz, 1969:95). Prosseguindo informa: Os trabalhos desenvolvidos especialmente em setembro de 112
1970 e maio de 1971 abrangeram os municípios de Campina da Lagoa, Ubiratã e Corbélia, os dois primeiros situam-se à margem direito do rio Piquiri, e o último à margem esquerda do mesmo rio. O trecho prospeccionado atingiu partes de três regiões estabelecidas para o cadastro de sítios arqueológicos: PR RO, PR UB e PR CO, respectivamente. As duas primeiras estão delimitadas pela estrada de rodagem que parte do Porto Vera Cruz, no Rio Piquiri, passa pela sede do município de Campina da Lagoa e continua em direção a Campo Mourão. Ambas são separadas da CO pelo curso do rio Piquiri.
Noutro ponto, do mesmo trabalho, informa o Prof. Chmyz: Os sítios prospeccionados nas três regiões, em número de 23, variavam quanto ao aspecto. Entre eles, arrolamos: casas subterrâneas, galeria subterrânea, aterros, sítios, habitações, sítios-acampamentos, sítios-oficinas e restos de um caminho indígena.
Descrevendo as observações sobre os caminhos indígenas, diz o Prof. Chmyz: Os primeiros vestígios desta trilha foram constatados nas proximidades de Campina da Lagoa. Segundo a tradição oral, o caminho corresponderia ao movimento das tropas paraguaias durante o conflito entre o Brasil e Paraguai. Existem, mesmo, na Prefeitura Municipal de Ubiratã, algumas peças bélicas que foram encontradas em vários pontos do seu território e atribuídas àquele conflito e a outro, mais recente, conhecido como a ‘Coluna Prestes’ (1924). (3) No transcorrer das pesquisas, novos trechos do caminho foram sendo encontrados. Foi possível, inclusive, traçar por quase 30 km a sua orientação geral SO-NE. A primeira extremidade está orientada para o rio Piquiri, alguns quilômetros abaixo da foz do rio Cantu. A outra aponta para as sedes dos municípios de Campo Mourão e Peabiru. Nos trechos de mata, os vestígios do caminho eram perfeitamente visíveis. A trilha media 1,40 m de largura e 0,40 m de profundidade. Os seus restos desapareciam completamente nos terrenos desmatados ou lavrados, para novamente aparecerem nos trechos protegidos pela vegetação. Não constatamos nenhum re113
vestimento de seu leito. A terra apresentava se compactada. Ao longo do caminho, encontramos, espaçadamente, sítios arqueológicos: exclusivamente aterros, casas subterrâneas e a galeria subterrânea.
Para as escavações — relata, ainda, noutro ponto, o Prof. Chmyz - escolhemos duas casas subterrâneas, um lado sudoeste e outra no lado noroeste do sítio, ambas com 5,00 m de diâmetro”. Em suas “Considerações Parciais”, da citada Nota Prévia, informa o Prof. Chmyz: Entre 1872 e 1875 o vale do rio Ivaí foi explorado por uma comissão liderada pelo engenheiro inglês Thomas P. Bigg-Wither. Já no primeiro ano de atividade da comissão, Bigg-Wither constatou, no alto rio Ivaí, ‘entre Campinas Belas e a Colônia Tereza’ vestígios de uma estrada atribuindo-lhe [sic] uma antiguidade maior que a época do descobrimento. Avaliando o porte das árvores que tomavam conta da estrada, em 1872, julgou que a mesma já estava abandonada 25 anos antes da descoberta. Comentando as cidades (povoações) construídas pelos espanhóis e (reduções) jesuítas nos séculos XVI e XVII, nos vales dos rios Ivaí e Paranapanema e por ele visitados, afirmou, com convicção, que tais estabelecimentos nada tinham que ver com a estrada observada (Carneiro, 1942:8/9’.”(grifos da transcrição). Novamente, encontramos coincidência entre o esboço do Peabiru e uma construção relativamente recente. Percebe-se que alguns trechos do Peabiru ou de seus ramais, continuaram em uso nos séculos seguintes à sua descoberta, adaptadas às novas necessidades. Exemplos marcantes são os caminhos das tropas do Brasil Meridional, nos séculos XVIII e XIX. (Machado, 1963: mapa). Concluindo, queríamos frisar ainda, que há necessidade, em futuras pesquisas, de esclarecer como era praticável um sistema de caminhos, como o Peabiru, atravessando regiões ocupadas, segundo dados históricos, por indígenas portadores de culturas diversas. Somente no atual território paranaense, os elementos fornecidos pela arqueologia indicam uma razoável heterogenei114
dade populacional, já muitos séculos antes da chegada dos europeus. (4)
O PEABIRU ERA REVESTIDO DE CAPIM O aspecto mais curioso com que se descreve o Peabiru, encontra-se em Ramon I. Cardozo, “professor de história en los colegios de 2.a ensenanza del Paraguay”, em sua obra “EL GUAIRA - História de La Antigua Província – 1554-1676, Libreria Y Casa Editora Jesús Menéndez, Buenos Aires, 1938”. Discorrendo sobre o aspecto em geral da Província do Guairá, diz aquele historiador paraguaio: A Província do Guairá compreendia dentro de seu perímetro outras de [...] naturais, célebres na conquista, tais como a de Y pambusú, nas imediações da desembocadura do Pirapó, a de Tucuty na nascente do Itaangu-a, a de Tayaoba ou Tayaoty na do Iñee-y, a de Nuatingüy na do Huybay e a de Ybytyrembetá, muito a oriente, a Caí-yú ou Guarayrú ou Cabelludos de onde se eleva majestosamente o morro Ybytyruna em meio à solidão da planície. Prosseguindo, o referido autor guarani, acrescenta: “Lozano (in História de la conquista del Paraguay, por el P. Lozano, Ed. Lamas) conta que pela província de Tayaoba cruzava o caminho dos guaranis chamados PEABIRU (grifo da transcrição) de 200 léguas, de São Vicente, costa do Brasil, ao Paraná com uma largura de oito palmos e coberto de um pasto muito miúdo. O mesmo diz que na província de Nuatingüy há um morro proeminente do mesmo nome onde os naturais tinham um oratório em que veneravam o cadáver do pagé (feiticeiro ou médico dos indios [sic] Uroboli ou Urubu morotín (corvo branco)”. (5)
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UM PRONUNCIAMENTO DE MESTRE Ainda recentemente, nos honrando com sua atenção, o Prof. Rosário Farani Mansur Guérios nos respondeu à consulta que lhe fizéramos, no sentido de que, em suas magníficas DIVAGAÇÕES LINGUÍSTICAS, informasse sobre o verdadeiro significado de PEABIRU. Em sua valiosíssima coluna inserta no jornal “Gazeta do Povo”, de Curitiba, edição de 25 de junho de 1972, esclarece o grande mestre: PEABIRU era o nome dado pelos índios guaranis a “um caminho pré-colombiano que se estendia por mais de 200 léguas, da costa de S. Vicente ao rio Paraná, atravessando os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri, por onde os povos indígenas se comunicavam com o mar e com as regiões mais distantes do Ocidente. Ao poente do Paraná o caminho prosseguia, atingindo o Peru e a costa do Pacífico. (Romário Martins). A esse nome está ligada a tradição do estranho aparecimento de São Tomé (Pay Zumé), como o primeiro apóstolo da América, fato já citado em 1508 ou 1510 na célebre gazeta alemã NEWE ZEUTUNG AUSZ PERSILANDT (nova Gazeta da Terra do Brasil).
Segundo um anotador da “História del Paraguay, Rio de La Plata y Tucuman”, do Pe. Guevara, S.J., Buenos Aires, 1836, o nome de que tratamos é PEABEYÚ, e, em guarani, quer dizer “por aqui passa o caminho antigo”: PE “caminho”, ABE, “antigo” e YÚ “ir e voltar”, aludindo, diz o anotador, a uma pegada que há na região, e aparece como uma faixa coberta de erva miúda e baixa, muito diferente da que cresce em suas vizinhanças. Esse vestígio, segundo diziam os jesuítas, é o mesmo que deixou São Tomé, quando veio pregar o Evangelho nessas regiões. Desembarcou São Tomé, diz o Pe. Catalino, S.J., nas costas do Brasil, e atravessando o rio de Tibajiba [sic] (Tibagi), Huybay [sic] (Ivaí e daí até o Piquiri, e então não sabem para onde foi. Dizem os índios que nas imediações deste rio estão as pegadas desse apóstolo impressas em uma pedra, e que o caminho por onde a traves116
sou [sic] estes campos, está, todavia, aberto, sem ter-se nunca fechado, nem ter crescido ervas, embora estando no meio do campo e ser caminho nunca percorrido pelos índios. O nome PEABEYÚ foi dado também aos índios de Guairá, localizados principalmente em Tayaoba.
Segundo penso, PEABEYÚ é deformação de PEABIRÚA, e provavelmente queria dizer “PE”, caminho, e “APIRU”, ralo, porque as ervas não cresceram por onde caminhou PAY ZUME Ou, então, de PIA (outra forma de PE) “caminho” e PYRU “pisado”, i.e., “pegada de caminho” ou ainda “sina”, marca (BIRU) do caminho (PIA) As “divagações” informativas do erudito linguista vêm corroborar os dados relatados sobre o PEABIRU, notadamente no que tange à sua etimologia guarani, aproveitada com rara felicidade pelo Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Paraná, quando sob a administração do engenheiro Antônio Batista Ribas, para o toponímico da localidade fundada em 1941 pelo engenheiro civil Sady Silva.
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... E AS LUZES BRILHARAM EM CAMPO MOURÃO “A 17 do corrente, sem qualquer lembrança que fosse além de poucos comentários privados, transcorreu o quarto aniversário da iluminação elétrica em Campo Mourão. Sim, em 17 de agosto de 1950, o Sr. Moysés Lupion, no centro da praça, hoje praça 10 de outubro, ligava, pela primeira vez, o comutador que estabelecia o circuito elétrico de nossa iluminação. As águas do rio da Várzea e o salto São João ecoaram jubilosos no céu do Paraná Maior, e Campo Mourão, a esse tempo, um núcleo diminuto, ficou em festas. Era a confirmação do grande plano hidroelétrico que, um dia, porá o Estado em sua posição de gigante. As águas rolaram, depois, em bilhões e bilhões de metros cúbicos, perdendo-se com a energia secular, no desespero dessa parada angustiosa. A pequena usina auxiliar está quase estourando hoje; a cidade evoluiu; hoje não é suficiente. O Paraná parou no seu plano hidrelétrico; Campo Mourão cresce, mesmo sem eletricidade. As águas rolam e o potencial energético de nossos cursos d’água exclamam eternamente: não me deixem rolar, inutilmente, para o oceano! Dar-lhe-ei luz, força e conforto. Caminharei a seu lado na evolução! Sou a energia mais barata do mundo! Não me despreze, não se descuide, ó Administração!”
Hoje, são decorridos 20 anos daquele acontecimento. Ali mesmo, na praça que, então, era denominada “10 de outubro”, e que reduzida pela metade, é agora a praça Getúlio Vargas; ali mesmo, no local histórico da primeira ligação, com a presença de numeroso público em euforia, autoridades e elementos representativos locais, discursaram, à “noitinha”, emocionados, discursaram Pedro Viriato de Souza (Pedro Parigot), ex-primei119
ro prefeito eleito, e Francisco Ferreira de Albuquerque, um dos líderes políticos então. Naquele pequeno bosque de copaíbas e aroeiras, remanescente do primitivo campo de cerrado, e preservado, carinhosamente, pelas Irmãs do Instituto Santa Cruz (como condição solene da permuta que lhes deu a área onde está o estabelecimento e dependências), e onde a Prefeitura completou primoroso ajardinamento, na área que alcança o acesso dos ônibus na Estação Rodoviária; ali tivemos um dos melhores acenos para o progresso mourãoense, hoje interligado ao desenvolvimento do Paraná, graças à recuperação dos planos energéticos paranaenses pela COPEL. Hoje, quando Campo Mourão transmite energia para o Município e para a região, desde a usina Mourão, aproveitando integralmente o caudal do rio da Várzea (ou da Vargem, a mesma coisa), e quando a cidade brilha sob iluminação abundante, que a distingue no altiplano; quando os motores eletricamente acionados, por toda parte, silenciaram quase todos aqueles melancólicos apitos, no resfolegar das caldeiras famintas — trazendo saudades e, agora, saudades deixando hoje, entre as meditações sobre os fatores econômicos de uma inevitável transição, devemos acelerar medidas para que a eletrificação rural se amplie, rapidamente, e vá servir e acelerar a tecnologia dessa população laboriosa e sofrida do interior municipal, reforçando lhe os impulsos de produtividade, tão indispensável quanto URGENTE, na reformulação da infraestrutura geratriz das riquezas. Vinte anos após aquele notável evento, quando as luzes brilharam no coração dos “CAMPOS DO MOURÃO”, dando um sinal verde para o progresso, temos um sinal vermelho de ADVERTÊNCIA E ATENÇÃO para o PRESENTE, o FUTURO, bem que poderíamos fixar o acontecimento, sem maiores promoções e comentários, denominando a moderna e modelar estação rodoviária, de ESTAÇÃO SÃO JOÃO, ou, ainda, de ESTAÇÃO DA LUZ… No primeiro caso, seria a filiação dos fatos ao acidente primordial do salto São João, que se alimenta no tributário canho120
to do rio Mourão, antes conhecido por rio da Várzea, e cedeu o seu vigor energético às técnicas hidráulicas, espraiando-se no encantador Lago Azul... Estaria ligado, também, às nossas tradições folclóricas, nos festejos de São João que são sempre cheios de luz, pelos efeitos pirotécnicos e das fogueiras festivas e de sortilégios… No segundo caso, porque estaria revivendo sempre as gratas emoções daquela noite memorável, de 17 de agosto de 1950, em que os anseios da população nascente) começaram a ser atendidos, estabelecendo-se o ponto de partida nas funções do desenvolvimento que, entre os mourãoenses, propiciam os órgãos técnicos do governo, hoje tão eficazmente representados pela Companhia Paranaense de Eletricidade S.A. — COPEL.
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DA GALERIA DA HISTÓRIA, 23 ANOS NOS CONTEMPLAM…
O PAÇO MUNICIPAL 27 DE DEZEMBRO, uma das pedras preciosas que se engasta no moderno urbanismo do planalto, traz, entre outros méritos, da sede administrativa, a função de CENTRO CÍVICO MUNICIPAL. Centro do comando, onde as elucubrações do Legislativo e do Executivo ativam as energias do desenvolvimento, como organismo funcionando higidamente em sua gradação sinérgica, tem o Paço Municipal também o efeito de reunir documentação e símbolo dos fatos evolutivos de nossa terra. Assim, entre os órgãos da municipalidade e da edilidade ali concentrados, estritamente destinados à administração da comuna, inserem-se em seus recintos os documentos de nossa história, fontes de instrução, ilustração e cultura, de levantamento e computação de recursos materiais, humanos e a afirmação dos compromissos de cidadania, sob o símbolo do Cruzeiro do Sul e a vigilância do pavilhão nacional farfalhando à brisa do Brasil, no altar da Pátria. No Paço Municipal 27 de Dezembro, em poucos minutos, o visitante sente e tem consciência da integração dos valores que compõem nossa presença como célula vivificante do País. Verdadeiro Centro Cívico, pela contiguidade de outros órgãos de administração regional e nacional, de comunicação e de circulação da riqueza, o Paço Municipal é o polarizador do fluxo e refluxo das ações comunitárias, cumprindo, funcionalmente, com belo estilo, aquele desejo pressentido em administrações anteriores, desde quando se objetivava ocupar toda a quadra central para o sediamento dos mais importantes e mais nobres 123
serviços da administração pública. Engalanada a metrópole nesta antevéspera do Jubileu, e quando autoridades e povo se congregam efusivamente para o assinalamento de outro marco na diretriz afirmativa e confirmadora da civilização brasileira, é momento oportuno para estereotiparmos, nesta página memorável, com respeito, veneração e reconhecimento, de sua solene investidura no conspícuo ambiente que lhes resguarda — o próprio gabinete de despachos do Executivo para que o povo melhor posse revê-los, sentindo a responsabilidade da mensagem que, permanentemente, expressam, nascida de sua efetiva, contribuição cívico-patrióticos. Vinte e três anos nos contemplam nessa galeria da História Municipal, aí estereotipada em seus dignos personagens, que nos repetem austeramente: “SÓ SE PODE COMPREENDER REALMENTE O PRESENTE, COM ALGUMA PROFUNDIDADE QUANDO ESSE PRESENTE, TRAZ AS RAÍZES DO PASSADO. ESTE, JUSTIFICATIVA E EXPLICAÇÃO, SOMENTE COM A SUA PRESENÇA, DA EXISTÊNCIA E DAS REALIZAÇÕES FUTURAS”. Nota dos Organizadores: Apesar de citado o nome do prédio da Prefeitura de Campo Mourão, como Paço 27 de Dezembro, esse nome acabou não sendo oficializado. Somente em 1975, por projeto do vereador Zamir José Teixeira, que o Paço Municipal recebeu a denominação de “10 de Outubro”.
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EVOLUÇÃO SOCIAL DE CAMPO MOURÃO
As leis sociológicas, que regem a todos os grupamentos humanos, repetem-se sempre, porque, sendo leis naturais, imutáveis, não ficam ao sabor das vontades individuais quaisquer. O homem pode, quando muito, prejudicar a velocidade de verificação dessas leis; os fenômenos sociológicos, entretanto, processam-se naturalmente. Daí a força e eterna verdade deste princípio: “o homem se agita e a humanidade o conduz”. A influência dos homens sobre os fenômenos sociológicos pode ser útil ou perniciosa, segundo o sentido prático de sua ação, ou melhor, do seu sentido convergente. E isto se confirma no tempo e no espaço, mesmo que a dissolvência metafísica da transição revolucionária do ocidente nos de quase sempre a impressão de que existem sempre homens providenciais… Estas considerações positivas servem bem para definir aquilo que chamamos a Evolução Social de Campo Mourão. Por certos antecedentes, pela fama que criou e pela propaganda negativa de numerosos elementos precipitados, Campo Mourão era tido no Paraná como a Meca dos criminosos, o paraíso de todos os maus elementos do Brasil; onde chegaram a dizer que era “slogan” — “mata-se; paga-se pouco” ou só pelo prazer de matar, livre e impunemente. Essa injusta propaganda ganhou curso e chegou a atemorizar muita gente que desejava vir para Campo Mourão ou que tinha parentes na região. Embora possamos ler nos jornais e ouvir pelo rádio, as notícias de crimes horrorosos, diariamente, em todas as cidades e Municípios do país e de outros países, Campo Mourão gozava o privilégio de ser tido como a Meca dos criminosos; paraíso de todos os maus elementos do Brasil. Tamanha injustiça vem sendo desmanchada dia a dia, para demonstração de que nem todos os maus elementos vieram 125
ou vêm para cá. E se maus elementos aqui chegaram, poderiam ter se apresentados em quaisquer outras cidades onde melhor se sentissem homiziados. E se maus elementos aqui chegaram, também vieram os bons elementos, que estão construindo sozinhos a grandeza do município e a sua felicidade pessoal. E com estes bons elementos têm vindo e está chegando, dia a dia, a evolução social do Campo Mourão. O registro policial é testemunho seguro desta afirmativa e qualquer estatística que se faça provará a mesma coisa. Ainda agora, por ocasião das eleições municipais de Peabiru, corriam os mais desencontrados comentários sobre a possibilidade de surgir fogo em certos lugares do novo Município, recém-desmembrado de Campo Mourão, portanto, levando a fama do pai... Vejo o pleito, fez-se a votação, realizaram-se as apurações e não se soube, até agora, de qualquer conflito ou ato criminoso. Território que está sendo povoado por elementos provindos de todos os pontos do país e muitos do estrangeiro, mostra disciplina e ordem social, para desmentir a fama injusta. Os bandidos que acaso ainda não estão recolhidos ao xadrez, já estão identificados perfeitamente, como todo mundo sabe, e só não foram segregados do convívio social por certas deficiências que não devem ser comentadas aqui… Sem o apoio decisivo que as administrações deveriam trazer à comuna próspera e rendosa aos cofres públicos, sente-se, com o progresso material da região, o seu desenvolvimento social inevitável. Mesmo sob a agitação e efervescência da política partidária, terreno tão propício a conflitos, Campo Mourão entregou, com serena tolerância, a maior parte do seu território e assistiu tranquilamente à eleição do primeiro prefeito de Peabiru. Nem um tiro, nem uma facada, nem uma bordoada, tudo para negar a fama injusta. Acreditamos na evolução social de Campo Mourão, como cremos, sinceramente, na continuidade de seu progresso em todos os sentidos, mesmo que não queiram assim as inércias conhecidas que nos cercam...
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CAMPO MOURÃO — RETROSPECTO E PROJEÇÃO
Neste século, a partir dos anos 20, a demanda por terras devolutas no Paraná agitou agricultores, pecuaristas e extrativistas das regiões sul e sudoeste do País, e estimulou a programação administrativa do governo, através de seu órgão especializado — o Departamento de Terras e Colonização, hoje Instituto de Terras e Cartografia. A emulação despertada pelos sucessos colonizadores da Companhia de Colonização Norte do Paraná (Londrina, 1929) tumultuou grandes áreas no Estado, e o próprio governo, em certo período, notadamente na década de 30, viu-se quase obstado em sua programação, face às dificuldades surgidas como consequência do exercício do direito de propriedade decorrente de falsos documentos de posse e domínio, alteração toponímica e de localização de acidentes geográficos, dilatação de limites territoriais originários, compondo os famosos “GRILOS” de terras. Deles, infelizmente, ainda não nos livramos, pois, o Paraná se vê envolvido na defesa de seus direitos sobre mais de 80 mil hectares na região norte de Guaraqueçaba, invadida e reivindicada por grupos paulistas acobertados desde um grilo de terras fronteiriças que havia sido plenamente decidido por memorável laudo presidencial. Aqueles grilos eram a continuidade de um aprendizado ilícito em terras de São Paulo, onde a extrema confusão possessória nas regiões alcançadas pela colonização imigrante e a abertura das ferrovias chegaram a dominar regiões maiores que vários países europeus, dividindo-as em glebas pequenas vendidas a prestações… 127
No território em que se originaria o município de Campo Mourão (1947), desmembrado de Guarapuava/Pitanga, os “grilos” mais destacados foram: o do “Corumbataí”, que teve base numa falsa introduzida no arquivo da Delegacia Fiscal do Tesouro Federal em São Paulo, comprovado em processo regular que pôs os autores fora de combate… No mesmo território, surgira outro grilo, o de BANDEIRANTES, que ultrapassava o rio Ivaí e entrava pelo território do primitivo município de Londrina, depois desmembrado em diversos outros municípios, entre os quais os de Itambé, São Pedro do Ivaí, Floresta, Ivatuba e Doutor Camargo. Ainda no mesmo território mourãoense, surgira o grilo GUAVIROVA, ou Guabiroba, também desmantelado, a conivência e cumplicidade de serventuários da Justiça, e cujo “grilo” esteve a ponto de ser adquirido por grande colonização suíça, em 1935, conforme relata o escritor FELIX MOESCHLIN, em sua premiada obra “ICH SUCHE LAND IN SUD BRASILIEN”. Alberto Müller Verlag, Zürich und Leipzig, 1936. A entidade suíça recebera, em 1935, de um corretor de imóveis no Brasil, proposta expressa e improrrogável, válida por 70 dias, de venda de 400 mil hectares, ao preço de Cr$ 100,00 o hectare, câmbio de então. A enorme gleba de terras fantasticamente ferazes, revestidas de matas e florestas milenares, sobretudo de imensos pinheirais (Araucaria angustifolia), no coração do grande Estado sul brasileiro do Paraná, a meio caminho dos portos marítimos do Atlântico e fluviais do rio Paraná, em comunicação com a Argentina. O mensageiro suíço, MOESCHLIN, tomou o primeiro Graff Zeppelin (dirigível fabricado na Alemanha), e acabou vindo percorrer o sertão, a cavalo, tendo mesmo visitado moradores em Campo Mourão. Voltou decepcionado, mas, enfim, agradecido pelo vexame, pois se salvara de um desastre econômico e conceituoso. O espaço que contém hoje a microrregião de Campo Mourão (Comcam- 19 municípios sobre 12 508 km²) era totalmente abrangido pelos grilos denominados CORUMBATAÍ (216 000 128
alqueires de 24 200 m²), GUAVIROVA (171 000 alqueires), RECONQUISTA (446 280 alqueires), BANDEIRANTES (403 740 alqueires), SÃO MANOEL (71 000 alqueires), e formavam uma área contínua, desde a Serra da Pitanga, até os rios Paraná, Ivaí e além, totalizando 1 308 320 alqueires. Ainda, na história dos “grilos”, segundo dados da antiga Divisão Administrativa do DGTC (D-2), eram 20 os “grilos”, todos anulados judicialmente, totalizando 2 444 567 alqueires, ou 59 158 km² — área correspondente a mais de 1/4 do território paranaense 200 000 km². Em alguns dos volumosos processos, onde brilharam páginas de sublime literatura forense, as perícias técnicas mostraram, claramente, o absurdo e a total falsidade documentária dos inescrupulosos “grileiros”. Nessas perícias, teve destacada atuação o emérito paranaense, engenheiro civil FRANCISCO GUTIERREZ BELTRÃO (18751939), cujo nome está perpetuado nos municípios de Francisco Beltrão e Engenheiro Beltrão, e em outras referências honoríficas. Estudando a situação jurídica dos imóveis objetos dos “grilos”, o Dr. Beltrão, com a dedicação e critério que lhe eram peculiares, como técnico e homem público que sempre soube servir ao Estado e ao País, apresentou sugestões capazes de resolver esses casos, nos princípios de equidade e justiça, servindo-se dos próprios elementos constantes dos autos ou processos. Com esses memoráveis pareceres evitaram que o Paraná e muitos proprietários a justo título fossem lesados e esbulhados.
FUNDAÇÃO URBANA DE CAMPO MOURÃO Prosseguindo nos planos do Departamento de Terras e Colonização, o 7.º Comissariado de Terras, sediado em Guarapu129
ava, então sob os cuidados de JOÃO LEMOS DO PRADO (1891 – 1955), desenvolvia trabalhos técnicos demarcatórios na região de Campo Mourão, onde um dos contratantes era o agrimensor EUGÊNIO ZALESKI, com larga experiência de colonização. Dada nova organização administrativa ao Departamento de Terras e Colonização, assumiu a 5.ª INSPETORIA DE TERRAS (ex-70. Comissariado), em 1939, o engenheiro civil SADY SILVA, (1908), de grande conceito profissional e prestígio funcional. Nas primeiras diligências a Campo Mourão, o inspetor de Terras fizera, com a colaboração de João Lemos do Prado, trilhando dificuldades de acesso ao enorme distrito, que se tornara, desde o início do século, o paraíso bucólico e venatório das famílias PEREIRA, CUSTÓDIO DE OLIVEIRA, WALTER, MORAES, PADILHA, MARTINS, TAVARES, PAULA XAVIER, RODRIGUES MONTEIRO e outras poucas, na maioria originárias de Minas Gerais e São Paulo, com estágio preparatório de penetração interior em Guarapuava e Pitanga. Nessa esteira de pioneirismo, todo o adensamento posterior a interferir na programação fundiária. Entre as prioridades administrativas e técnicas, o inspetor de Terras assumiu as tarefas de fixar em definitivo a sede urbana do DISTRITO DE CAMPO MOURÃO, dirimindo discrepâncias que, de longa data, atritam os moradores ribeirinhos àquela campina. Efetivamente, o bairrismo que nasceu entre os próprios habitantes havia sido razão de dois projetos anteriores para a sede distrital — um, em 1924, à margem direita do rio 119, executado por ordem do Comissariado de Terras, com trabalhos técnicos de EDMUNDO ALBERTO MERCER e a colaboração de CARLOS COELHO JÚNIOR; outro, em 1929, originado da mesma jurisdição comissária, esboçado por ANTÔNIO ALVES DE MELO FEITOSA, no espigão divisor dos rios 119 e 123, à margem direita da Boiadeira. Ambos projetos tinham fundamento na necessidade de demarcar a área de 2 000 hectares para formação do patrimônio da Vila de Campo Mourão, concedidos à Prefeitura Municipal de Guarapuava, desde 1920. Decidida a localização, no coração do divisor dos rios 119 e do Campo, aí foram demarcados os primeiros quarteirões do futuro núcleo urbano, onde hoje estão a praça Getúlio Vargas, a Esta130
ção Rodoviária Municipal, o Instituto Santa Cruz de Ensino, a Telepar e a área municipal remanescente. As condições de revestimento do terreno e sua topografia pareceram suficientes para o projeto urbano, a desenvolver-se no centro do cerrado de 10 mil hectares — Os “mui hermosos” campos de CUARACIBERÁ, bordados de pinheiros, onde o capitão espanhol RUY DIAZ MELGAREJO (1509-1602) veio fundar, pela primeira vez (1570), a lendária e “andariega” VILLA RICA DEL ESPIRITO SANTO, depois transferida (1575) para a foz do rio Corumbataí, sobre o Ivaí (hoje arredores de Fênix). Destruída em 1632 pelos bandeirantes, andou tentando raízes em outros locais do Paraguai, afinal firmando-se, em definitivo, desde 1683, sob o mesmo e simbólico nome, onde está, como capital do Departamento de Guairá, sob a vigília argêntea do imortal MELGAREJO, no portal de Icuá-Pytá… Os inconvenientes inerentes ao traçado ortogonal em grelha só não se agravaram, porque as unidades-padrões da malha urbana, propostas e executadas, a partir do dia 6 DE OUTUBRO DE 1940, pelo topógrafo EUGÊNIO ZALESKI (1893-1957), condicionaram o lançamento de amplas avenidas longitudinais e largas ruas transversais à linha do espigão divisor. Lamentavelmente, não havia tempo, então, para maiores previsões e planificações de um urbanismo ideal como na “VILLE RADIEUSE”, e os vícios do sistema ficaram para acarretar extraordinários e irremediáveis gastos públicos e privados, aos efeitos da erosão, que a morfologia do solo laterítico favorece, alimentada, nas áreas de expansão urbana, pela imprudência e agressão às regras conservacionistas.
DEMOGRAFIA A interligação rodoviária no eixo norte-sul, precária que fosse, e a expedita abertura das glebas, colônias e lotes rurais, agitavam enorme fluxo humano e de equipamentos de penetração 131
aos soturnos sertões de então fizeram surgir a cidade de Campo Mourão, logo elevada a sede municipal com autonomia assumida pela lei n.º 2, de 10 de outubro de 1947, seguida da instalação da primeira Câmara de Vereadores, em 5 de dezembro daquele ano, e posse do primeiro prefeito eleito (candidato único, PSD), cidadão de grandes tradições no Paraná, PEDRO VIRIATO DE SOUZA FILHO, PEDRO PARIGOT (1903-1980). O Censo de 1940 assinalou para o Distrito de Campo Mourão a população de 11 964 habitantes, toda ela vivendo na área rural, pois não existia a sede urbana. Já o Censo de 1950 verificou, no mesmo território (24 910 km²), antes do desmembramento em outros 40 municípios, compondo duas microrregiões — a de Campo Mourão e a de Umuarama — a população de 32 675 habitantes, dos quais, na sede municipal de Campo Mourão, apenas 831 pessoas residentes.
RÁPIDA ANÁLISE DO APORTE Os planos rodoviários, sucessivamente aperfeiçoados, enlaçam Campo Mourão num poderoso entroncamento no PLANALTO CENTRO-OESTE DO PARANÁ, retomando o sentido natural geopolítico-econômico que se firmara nesse território, desde as trilhas indígenas do Peabiru pré-colombiano e das jornadas bandeirantes seiscentistas. A posição geográfica e os valores de uma economia regional diversificada, das mais robustas do Estado do Paraná, elevam e consolidam-no como POLO DE DESENVOLVIMENTO. Mudança radical vem ocorrendo no panorama rural e fez surgir dificuldades na geração de recursos para atender a demanda de equipamentos, de infraestrutura e serviços, exigidos por migrações rurícolas sucessivas expulsas pela tecnologia agrícola e movidas pelo justo desejo de melhores níveis e qualidade de 132
vida; tudo a exigir, dia a dia mais, que a provisão de recursos e as funções administrativas se realizem sob planejamento racional. O crescimento da população urbana e o fluxo do tráfego pesado, que a circulação da riqueza impõe acarretam graves e urgentes problemas na malha viária urbana. Novos contingentes populacionais inserem-se na paisagem periférica, interferindo no comportamento social, e provocando o fenômeno do crescimento inorgânico da urbe, pela formação de bairros e vilas menos favorecidos, que a administração municipal terá grandes dificuldades em atender, segundo a demanda de bens, serviços e equipamentos plenos, condicionantes ou qualitativos da habitabilidade no espaço urbano. Situada no divisor da mesopotâmia Piquiri/Ivaí (PIQUIRIVAÍ), Campo Mourão é a capital da microrregião gerada do sucessivo desmembramento nos atuais municípios de ARARUNA, BARBOSA FERRAZ, BOA ESPERANÇA, CAMPINA DA LAGOA, ENGENHEIRO BELTRÃO, FÊNIX, GOIOERÊ, IRETAMA, JANIÓPOLIS, MAMBORÊ, MARILUZ, MOREIRA SALES, NOVA CANTU, PEABIRU, QUINTA DO SOL, RONCADOR, TERRA BOA e UBIRATÃ. O processo de desenvolvimento regional, com a predominância da exploração agrícola, pecuária e extrativa vegetal na estrutura produtiva de sua economia, e o adensamento demográfico atraíram investimentos importantes no setor terciário, quer para manutenção da população, quer para a comercialização das produções. Tais fatos estabeleceram condições para concentração de pessoal qualificado em vários níveis, exigida pelo desenvolvimento global e o surgimento de várias categorias de equipamentos econômicos, físicos, sociais e políticos, aí polarizados. À planificação revisada desde a conceituação em MUNICÍPIO-MODELO, nos anos 60, acudiram políticas administrativas de melhorias urbanas estruturais. E mais: o crescimento regional do comércio, com funções modernas de agilização; a ampliação dos sistemas de ensino de 1º e 2º graus e a implantação do ensino superior; o progressivo volume das instalações hospitalares e assistenciais; a regionalização de repartições e serviços 133
públicos estaduais e federais, e, ainda, o reforço de sua força de trabalho ao nível médio e superior, tudo compôs os insumos fundamentais que hoje lhe remarcam o ímpeto e o conceito de METRÓPOLE REGIONAL.
UMA NOVA IMAGEM DE PROGRESSO Novos fatores de qualidade e complexidade impulsionam a consolidação contínua nessa posição: acessibilidade e integração à rede de primeira classe do sistema viário nacional, pelo enlace rodoviário básico da estratégia geopolítica econômica regional; a ampliação da produção e da produtividade agropecuária, pela sistematização, cooperativista; a instalação de novas unidades de processamento industrial. Na conjuntura atual, a revisão reivindicatória de ligação ferroviária e linhas aéreas, viabilizando o respectivo aporte, tudo a ampliar a inserção microrregional nos planos, projetos e programas estaduais e nacionais, como está a ocorrer. Outros valores, de natureza econômica, social e cultural, revigoram as potencialidades da portentosa região, onde não falta a liderança de uma Diocese pioneira, religadora e vitoriosa, no seio dos demais agentes espirituais. Aquela frágil fixação da comunidade, resultante do espírito especulativo e aventureiro, impulsivos quase só pelos interesses da lavoura, da extratividade predatória e exauriente, da especulação imobiliária rural e a prestação precária de serviços ambientais, esses são efeitos que já agora parecem dissipar-se, concentrando novos estratos culturais urbanos, mais estáveis, mais operosos, mais harmoniosos, pois, mais positivos e simpáticos. O fluxo e refluxo de valiosos recursos humanos e de capital tornou-se menos crítico e a própria plástica arquitetônica indica 134
firme propósito de permanência e continuidade, justificando a coragem para novo plano de vida, tanto mais persistente quanto maior a unidade, a convivência e a convergência comunitária, na cordialidade que irmana. Posição central e intermediária ao mesmo tempo, no grande oeste paranaense, participa dos extremos cuja ligação opera, deles sofrendo as defasagens ou lhes fruindo os benefícios. De qualquer forma, porém, como unidade energética nesse conjunto orgânico, resolutamente avança, segura e compatível, na vocação e destinação, pela diretriz da senoide que o tempo de desenvolvimento traçou. Publicado no jornal Folha de Londrina, na edição de 10/10/1980, p. 8.
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FIXAÇÃO DA SEDE URBANA DE CAMPO MOURÃO
No ano de 1980, Estefano Schnner enviou correspondência à Câmara Municipal de Campo Mourão, solicitando estudos para a construção de monumento para fixar data, local e os participantes na decisão da localização da sede urbana do então Distrito Judiciário e Administrativo de Campo Mourão. No dia 14 de julho de 1980, o presidente da Câmara, vereador Ephigênio José Carneiro pediu um estudo a Nelson Bittencourt Prado, que respondeu ao requerimento com várias informações explicativas sobre o histórico acontecimento. Curitiba, 10 de outubro de 1980. Exmo. Sr. Professor Ephigênio José Carneiro Digníssimo PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES CAMPO MOURÃO, PR ASSUNTO: FIXAÇÃO DA SEDE URBANA, PLACA COMEMORATIVA, Senhor Presidente: Em atenção à honrosa consulta formulada por Vossa Excelência em ofício nº 663-79/80, de 14 de julho do corrente ano, com cópia de documento montado pelo senhor ESTEFANO SCHNER, me apraz informar e esclarecer; a) — preliminarmente, cumpro o dever de lhe comunicar, em reiteração, que a dilação entre a data do recebimento do citado 137
ofício e a resposta que ora subscrevo, deveu-se a prolongado período de doença, com internamento hospitalar e afastamento desta capital, o que só agora encontro-me em relativa condição de trabalho. b) — quanto ao documento formulado pelo Sr. SCHNER, objetivando fixar data, local e os participantes na decisão da localização da sede urbana do então Distrito Judiciário e Administrativo de Campo Mourão, passamos a relatar. 1. LEGISLAÇÃO ATÉ 1940 DECRETO n.º 82, de 3 de fevereiro de 1916. Cria o distrito policial de Campo Mourão, com as seguintes divisas: principiando na barra do rio Corumbataí, por este acima até a sua principal cabeceira; desta, a rumo direto à principal cabeceira do rio Cantu; por este abaixo, até a sua foz no rio Piquiri; por este abaixo até a sua foz no rio Paraná; por este acima até a foz do rio Ivaí e por este acima até a barra do Corumbataí, onde principiou. LEI n.º 1589, de 28 de março de 1916. Concede à Prefeitura Municipal de Guarapuava a área de 2000 hectares de terras devolutas na Serra de Pitanga e no Campo do Mourão, destinada a constituir futuras povoações, ficando incorporada ao patrimônio municipal, LEI n.º 1750, de 19 de março de 1918, altera as divisas do distrito Judiciário de Palmeirinha, no Município de Guarapuava, criado pela Lei no 1679, de 17 de março de 1917, abrangendo os distritos de Campo Mourão e Pitanga. LEI n.º 1980, de 5 de abril de 1920. Cria o distrito judiciário de Campo Mourão, com as divisas do distrito policial (cf. Decreto, nº 81, supra). DECRETO N° 3026, de 21 de março de 1922, Autoriza a cessão às Câmaras Municipais, para constituição do patrimônio das sedes distritais e municipais uma área de 2000 hectares, respectivamente, LEI n.º 2240, de 15 de março de 1926. Cria o distrito judiciário de Pitanga. DECRETO FEDERAL n.º 311, de 2 de março de 1938. Regula 138
e manda fazer nova organização territorial do País, subordinada às instruções gerais baixadas pelo Conselho Nacional de Geografia, DECRETO n.º 6667, de 1 de março de 1938. Manda demarcar, no prazo de 60 dias, os quadros urbano e suburbano de cidades e vilas. (Trabalhos preparatórios ao Recenseamento Geral do Brasil, de 1940 (19 de setembro de 1940). DECRETO n.º 6985, de 8 de junho de 1938. Prorroga por mais 60 dias o prazo concedido para delimitação das áreas urbana e suburbana, conforme determina o Decreto n.º 6667, de 31 de março de 1938. DECRETO MUNICIPAL n.º 20, de 13 de julho de 1938. Delimita áreas urbana e suburbana de Palmeirinha, Pitanga, Campo Mourão, Marrecas e Faxinal dos Hias (Não poderia ser aplicado em relação a Campo Mourão, cuja sede urbana ainda existia, apesar da medição de seu patrimônio e respectivo Título de Domínio n.º 13, expedido em 19.9.1925). (Parêntesis da transcrição). 2. DEMARCAÇÃO PATRIMONIAL Reportando-nos à legislação de criação distrital, atendendo a necessidade da efetiva demarcação, a Prefeitura Municipal de Guarapuava obtivera do 79 Comissariado de Terras, sediado naquela cidade, a demarcação da área patrimonial, conforme processo administrativo, jurídico e técnico, sendo afinal expedido o respectivo Título Definitivo de Domínio Pleno, sob n.º 13, de 19 de setembro de 1925, registrado sob n.º 8222, livro 3-D, fl. 127, em 24 de agosto de 1926, do Registro Geral de Imóveis de Guarapuava. A esse processado corresponde a planta ou mapa anexados, por cópia, como doc. n.º 1 (um), por onde se vê que a localização pretendida do patrimônio seria ao norte da atual zona urbana de Campo Mourão, na altura onde se desenvolve o loteamento JARDIM SANTA CRUZ. Esse processado fora desenvolvido pelo agrimensor e sertanista EDMUNDO ALBERTO MERCER, tendo como auxiliar CARLOS COELHO JÚNIOR, ambos que, anteriormente, haviam realizado outros trabalhos de campo na região, notada139
mente o levantamento de traçado para um picadão objetivando a passagem de boiadas trazidas do sul de Mato Grosso, picadão esse que partira da margem esquerda do rio Ivaí, na altura do salto UBÁ (hoje em área do Município de Jardim Alegre), até Campo Mourão (Cf, PELAS SELVAS E RIOS DO PARANÁ, COELHO JUNIOR. Editora Guaíra Limitada, Curitiba, 1946). PERFIS E PANORAMAS, COELHO JÚNIOR. Empresa Gráfica Paranaense, Curitiba, 1940). No ano de 1929, ainda por determinação do 7.º Comissariado de Terras e sob contrato com o engenheiro civil ANTÔNIO ALVES DE MELLO FEITOSA, procedeu-se a outra medição e divisão de uma área destinada ao patrimônio de Campo Mourão, sem que do respectivo processado conste o motivo determinante de nova medição, mas, sabe-se hoje, que foi por proposta da Prefeitura guarapuavana de então, visando harmonizar interesses e situações locais. Na primeira medição, o patrimônio compunha-se de um perímetro, configurando polígono irregular de 24 056 m², em dois quinhões, sendo um de 1 400 hectares e outro de 600 hectares, perfazendo os 2 000 hectares. O terreno patrimonial era servido pela estrada-tropeira Paraná-Mato Grosso, que estava a 20 km da estrada ALICA, e daí ao rio Paraná, no porto Artaza (hoje Santa Helena) e permitia o trânsito de automóveis, sendo conveniente a ligação dessa via ao bairro, concluía a descrição do imóvel (In Síntese do Processado do Patrimônio de Campo Mourão, subscrito pelo Comissário “ad-hoc”, Edmundo A. Mercer, em 20 de outubro de 1924). Na década de 1920, desde 1922, ocorreu uma grande perturbação político-administrativa em todo o Estado do Paraná, como consequência da Revolução que movimentou forças militares legalistas e revolucionárias. Posteriormente, ocorreu o período revolucionário de 1930, que também afetou profundamente o andamento dos trabalhos e organização da Diretoria de Terras da Colonização. 3. NOVA PROGRAMAÇÃO ADMINISTRATIVA Finalmente, em 1939, tendo assumido a 5.ª Inspetoria de Ter140
ras, que recebera o acervo do extinto 7.º Comissariado, o engenheiro civil SADY SILVA devia executar extenso programa de abertura de glebas devolutas na jurisdição, abrangendo a Colônia Mourão. Entre as tarefas encetadas pela Inspetoria de Terras estava a de implantar, efetivamente, a sede urbana do distrito de Campo Mourão, cujo patrimônio, embora demarcado exemplo: 1920/5, não tivera desenvolvimento. Tratava-se de matéria para URGENTE DECISÃO, tendo em vista que a Prefeitura Municipal de Guarapuava, a que se subordinava o distrito mourãoense, devia atender às recomendações do Conselho Nacional de Geografia e os da Delegacia Nacional do Recenseamento (Censo de 1940), a prioridade local era a demarcação da área urbana (cf. Decreto-Lei Federal n.º 21, de 2.3.38, combinado com os decretos n.º 6667 e 6895, do mesmo ano, citados acima, além de instruções e atos específicos posteriores da Delegacia Nacional do Recenseamento. Cf. Também recorte do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, edição do dia 6.12.1940, anexo por cópia xerográfica, como doc. n.º 2). Campo Mourão, naquele ano de 1940, ainda não tinha nenhuma condição urbana, e seus moradores, dispersos pela borda da campina, em moradas ribeirinhas, mantinham as referências familiares de sua representatividade pioneira: MIGUEL LUIZ PEREIRA, JOSÉ CUSTODIO E MIGUEL CUSTÓDIO DE OLIVEIRA, LUIZ PEREIRA DA CRUZ, JOSÉ PEREIRA DA CRUZ, etc. Moradores mais recentes, incorporados naquela comunidade, viviam a política da boa vizinhança. 4. DEFINITIVA LOCAÇÃO URBANA Entre as prioridades administrativas e técnicas, o Inspetor de Terras assumiu o encargo de fixar a sede urbana do distrito de Campo Mourão, dirimindo discrepâncias que, de longa data, atritavam os moradores. Nascera, entre eles, um acendrado bairrismo polígamo de devoções religiosas e, assim, haviam sido levantadas, no decurso dos anos, pequenas e toscas capelas desses oráculos, que viviam quase sempre ao abandono e até servindo de estábulo, para suprema humilhação e revolta dos sacerdotes 141
visitadores, Essa situação parecia insinuar-se no momento da decisão administrativa e técnica do Inspetor de Terras, que devia responder também a outros interesses coincidentes. Todavia, a responsabilidade do Inspetor de Terras frente ao imenso programa administrativo, tendo em vista a abertura das glebas, medição das colônias e demarcação de lotes rurais e coloniais, não poderia ficar à mercê daquele bairrismo que verdadeiramente sedimentou, dividindo as opiniões e repercutindo sobre a administração municipal guarapuavana. Já anteriormente foi o Inspetor entre os moradores de Campo Mourão e pôde verificar as condições que enfrentaria. Fizera sua segunda viagem de automóvel no dia 3 de outubro de 1940, em comitiva, de que participavam o prefeito de Guarapuava e o delegado de polícia de Pitanga o encontrara na estrada. Entre Pitanga e Campo Mourão, em trabalhos missionários, o padre Aloysio Jacobi e o Prelaz Monsenhor Manoel Koenner, ambos a cavalo, convidados a participar da decisão de locação a que vinham, Sady Silva, o Prefeito e o Delegado. 5. DEPOIMENTOS PARA A HISTÓRIA MOURÃOENSE Quando, a partir de 1970, levantaram-se dados biográficos de amostragem sociológica em Campo Mourão, entrevistamos também os srs. dr. SADY SILVA, Pe. ALOYSIO E ESTEFANO SCHNER. Do Pe. Aloysio Jacobi, recebemos uma cópia autêntica extraída do Livro Tombo da Paróquia de São José, por ele fundada e conduzida durante largo tempo, que ele convertera em verdadeira memória historiográfica, por ele próprio datilografada com todas as feições e características de sua expressão profundamente carregada da semântica e da sintaxe idiomática natal alemã. Essa memória foi por nós adaptada sob forma popular, de modo a torná-la mais compreensível, sem, contudo, alterar o sentido dos acontecimentos e personagens ali registrados ou referidos, como valiosas e fidedignas informações que poderão, a qualquer tempo, ser conferidas naquela referida fonte primária, 142
em poder da Diocese de Campo Mourão. Do Sr. Estefano Schner, recolhemos pessoalmente farto e franco depoimento sobre numerosos pormenores coetâneos à sua estada em Campo Mourão, no período de 1940 até fins de 1942, quando no exercício de funções policiais. Do Dr. Sady Silva, ex-Inspetor de Terras, também obtivemos pessoalmente dados, relatórios e fotografias relativas aos principais fatos e caminhamentos de suas tarefas, diligências, etc, que vieram compor documentário alusivo aos trabalhos a realizações na Colônia Mourão, desde sua posse naquela inspetoria. Detalhando, eis, em texto corrido, tópicos do memorial deixado pelo Pe. Aloysio Jacobi, primeiro vigário de Campo Mourão, contemporâneo e, na maioria dos casos, participe dos fatos que se deseja retraçar. 5. NOVOS TEMPOS PARA CAMPO MOURÃO — A FUNDAÇÃO DA FUTURA CIDADE [...] No mês de outubro de 1940, fez o novo administrador apostólico, Monsenhor Manoel Koenner — nosso bispo, então comigo, a primeira viagem apostólica de sua vida a sua primeira viagem a Campo Mourão. No terceiro dia, 3 de outubro, em Vorá (localidade entre Pitanga e Roncador, junto ao rio Vorá), encontramos uma grande comitiva de autoridades: o Sr. Prefeito de Guarapuava (Dr. Mário Pimentel de Camargo), já muito conhecido, o Dr. Sady Silva, do Departamento de Terras de Curitiba e outras pessoas que, pela primeira vez, iam de automóvel, num velho Ford, para Campo Mourão, com a finalidade de marcar o lugar do patrimônio. Turmas de serviço de estrada havia semanas e semanas preparado a estrada. Fomos convidados a estar presentes na escolha do local do patrimônio, pois — diziam — nossa opinião seria de grande importância. Mas, só pudemos chegar uma semana mais tarde, pois, nesse meio de tempo, um raio incendiara a igreja matriz em Pitanga, à noite (e os sacerdotes lá estiveram para atender). Regressando a Campo Mourão verificamos que o povo não estava contente com a escolha do local para a sede do patrimônio. Como dissemos antes, (são expressões do Pe. Aloysio), o povo brigava há anos devido à localização de patrimônio: uma parte 143
da gente queria localizá-lo para os dados do rio do Meio (rio dos Papagaios); outra queria no Sertãozinho. Por causa dessas brigas chegava a comissão de Guarapuava. Ouvidos ambos os lados concordaram que a sede tivesse lugar num ponto intermediário, que seria, aproximadamente, onde está hoje o Cemitério Municipal (São Judas Tadeu). Entretanto, ainda assim havia certa política, e certo dia (naqueles primeiros dias de outubro de 1940), estando o povo naquele local, aguardando com foguetes para saudar a comissão que ali devia chegar para o ato da locação, de repente vem alguém correndo informar que o local do patrimônio já havia sido determinado onde está hoje. As [sic] nada existia, além de uma raia para corrida de cavalos, que partia de um ponto onde depois construí a primeira igreja. Nesse tempo, já era grande a disputa por compra de terras do Estado, e as pessoas locais de maior prestígio eram: José Ferreira Lopes, sogro de Antônio Teodoro de Oliveira e de João Mateus (Martins) Tavares, morando no rio 131; João Xavier Padilha, morando no Sertãozinho, juiz de paz e encarregado da Prefeitura de Guarapuava; Laurindo Borges, escrivão do Registro Civil; Miguel Custódio de Oliveira, o verdadeiro representante das primeiras famílias; Francisco (Ferreira de) Albuquerque, negociante, que tinha como principal fornecedor Joani Grande, o principal comerciante de Pitanga; Alfredo Senger, com armazém, tendo como principal fornecedor José Grande (comerciante estabelecido em Borboletinha, próximo à Pitanga, na saída para Roncador); Teodoro Metchko, que construiu, com extraordinário sacrifício, a primeira serraria no rio do Campo; o agrimensor Eugênio Zaleski, e um ferreiro, Miguel Scharam. Dos velhos moradores — Pereiras, Miguel Luiz Pereira, proprietário do título de domínio em fase final de processo) de uma parte de campo; Bernardo Dutra e Juiz Silvério, para os lados do Sertãozinho…”
Das cadernetas de apontamentos do Dr. Sady Silva, ou de suas próprias expressões, no que se refere ao MÊS DE AGOSTO DE 1940. Consta a viagem de automóvel, durante cinco dias entre Pitanga e Campo Mourão, já na estrada que estava sendo registrada por turmas de moradores. Não há referência sobre uma reunião de diversas pessoas no bosque ou no capão da futura praça central. 144
Consultado, recentemente, sobre o tema da proposta de Estefano Schner, o Sady Silva foi categórico ao negar aquela referida reunião, na forma descrita por Schner, pois, diz o Dr. Sady Silva, a decisão da locação partiu dele, Sady, baseado na lógica topográfica do campo, embora confirme que havia resistência de alguns moradores quanto ao local escolhido. Da mesma caderneta de apontamentos, consta a anotação relativa ao DIA 6 DE OUTUBRO DE 1940: “DEU-SE INÍCIO À DEMARCAÇÃO DO QUADRO DA PRAÇA (primeiro quarteirão). Trabalhos de campo a cargo do agrimensor Eugênio Zaleski”. Como consequência da efetiva localização urbana e nova demarcação da área patrimonial de 2 000 hectares, foi posteriormente anulado o primitivo Título de Domínio Pleno n.º 13, de 19/09/1925, retro referido, e expediu-se outro Título de Domínio, que tomou o n.º 75, registrado no Tribunal de Contas em 10 de julho de 1952 (Cf. doc. n.º 3 — Planta do Patrimônio de Campo Mourão requerido a Título de Concessão. 30 de novembro de 1944). Dos apontamentos ou anotações resultantes de entrevista com Estefano Schner, resumimos os seguintes dados principais, alusivos ao assunto em exame: “Em agosto de 1940, Dr. Sady Silva fora incumbido de locar convenientemente, ou obedecendo a determinadas instruções... Então houve uma comemoração no capão (depois abrangido na área da praça central, aberta sobre dois quarteirões ou quadras contíguas). Presentes: Sady Silva, Albuquerque (Francisco Ferreira de), Geremias (Cilião de Araújo), Schner (Estefano), João Schner, professor, Cesário Rosa, subdelegado de polícia, Eugênio Zaleski, agrimensor, Antônio Teodoro (de Oliveira) e mais os soldados do destacamento policial (sem indicar o respectivo número de pessoas e seus nomes). Nesse lugar (o capão acima referido) a futura sede do patrimônio atingia a raia, que era o ponto vital de diversões do povo, onde se corria a cavalo e a pé, à troca de maços de rapadura. A cabeceira da raia era no local onde hoje está a Catedral de São José, e se desenvolvia numa extensão de 500 metros, aproximadamente (dois trilhos ou pistas limpas, em linha reta, paralelas, afasta145
das uma da outra por espaço de um metro, aproximadamente, e medindo cerca de quatro quadras de 132 m (cento e trinta e dois metros), muito frequentes como extensão das pequenas raias de corridas equestres na zona rural do sul brasileiro). Nos primeiros 150 metros, aproximadamente, ao lado da raia, existia (o mesmo que ainda lá está, um tanto reduzido em seus principais exemplares, parcialmente cercado dentro do terreno do Instituto Santa Cruz, em atenção à cláusula obrigacional na escritura de permuta havida entre o Município de Campo Mourão e a Mitra Diocesana), um belíssimo capão de árvores frondosas (com predominância de copaíbas), onde se preparavam os animais para as carreiras. Aí compareciam também os feiticeiros, tratadores, pessoas com certas atribuições aceitas pela crendice, que faziam ganhar as corridas, como, por exemplo, mediante a aplicação de graxa de onça na traseira dos animais, etc.” Esses os dados das entrevistas e depoimentos, “ipsis verbis”. 6. DE MERITIS Balanceando agora os dados recolhidos naqueles depoimentos ou entrevistas e os do memorial do padre Aloysio Jacobi, chegamos à seguinte conclusão: 1 — Ou o Dr. Sady Silva não atribuiu maior valor à comemoração do dia 16 DE AGOSTO DE 1940, indicada por Estefano Schner, por isso nada anotou referentemente, ou a sua memória cerebral não é tão privilegiada quanto a do Sr. Schner... 2º — O padre Aloysio Jacobi não participou da comemoração, por não ter sido convidado, por estar ausente (pois ainda não residia, efetivamente, no distrito), ou por não ter ocorrido a festividade. Deduz-se, finalmente, que prevaleceu o ponto médio entre as pretensões de locação, mas segundo a decisão do engenheiro Inspetor de Terras, isto é, sem se atender propriamente às pretensões do grupo de Sertãozinho, ou as do grupo do rio dos Papagaios, ou, ainda, as do grupo de Miguel Luiz Pereira, na saída para as Barras (hoje saída para Goioerê). A sentença chantou o marco ponto de partida (0 PP) no local que foi o vértice de ângulo da primeira quadra demarcada por Eugênio Zaleski. O lançamento do marco naquele local e data, foi como a expressão e gesto do cacique tindiquera, ao fincar uma 146
vara de cedro no outeiro entre os riachos Belém e Ivo, exclamando para seus acompanhantes, colonos portugueses e índios de sua nacho tinguí, “AQUI” quando da definitiva localização da Vila de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais de Curitiba, nos meados de século XVII, em 1652! O marco zero ponto de partida do primeiro quadro urbano da futura Vila e depois cidade de Campos do Mourão estava na equidistância que melhor serviria a todos, então, atendidas as condições físicas e topográficas do terreno... “et tollitur quaestio!” O nomeado “capão dos cafudeiros” (sic), ou mandraqueiros, ou capão das copaíbas (Copaifera langsdorffii), após o legendário acontecimento decisório, de resto, IRRELEVANTE, como fato histórico, foi palco de outros acontecimentos circunstanciais posteriores e sucessivos, que constam da crônica mourãoense. 7. CONCLUSÃO O valor preservado que se atribui a esse remanescente bucólico e fitofisionômico da primitiva flora campestre em extinção, em que a árvore de tipuana (Tipuana tipu), citada por Eugênio Schner, é personagem vegetal exótico, introduzido na paisagem pelos irmãos Farhat (Elias, Feiz e Jorge) durante o comodato que lhes outorgava o Município pela construção do prédio da primitiva estação rodoviária; o maior valor do “capão” é de natureza ecológica, paisagístico-tradicional, e está sujeito à transitoriedade dos seres vivos, sobretudo quando se conhecer novos projetos urbanísticos que se aplicarão no logradouro público contíguo, que podem deturpar e até extinguir a sacralidade subjetiva e estética daquele local. Se houvéssemos de assinalar novos documentos em bronze ou qualquer outro material permanente, comemorativo da sucessão de fatos, que se viessem juntar aos já implantados no local, e todos, data vênia, sem as grandes razões que justifiquem plenamente a perenidade metálica ou granítica, estaríamos no caso de criar grande tumulto no entendimento dos contemporâneos e das gerações futuras, pela profusão de cultos cívicos a que estariam, obrigados, apesar do possível equívoco ou omissão 147
na relação de homenageados trazidos à coleção..., não obstante, a solenização dos endossos... E ainda, “last, but not least”, entre as mensagens de um tal documento, não deixaria de estar a execranda lembrança dos proscritos pelourinhos — testemunhos de absolutismo — a dizer de execução de humilhante pena ou “disciplina” composta por sumaríssima sentença exorbitante, extraprocessual e extra competência “ratione materiae”, que configurou gesto prepotente e brutal de um verdadeiro personagem de Nikolai Gogol! É, pois, totalmente irrelevante para Campo Mourão e seu povo, como fastos e gestas, a circunstância de haver ocorrido em qualquer tempo e situação física de campestre a decisão locativa da sede urbana, que aí se estenda magnífica, feliz e auspiciosa, em novos tempos de desenvolvimento.
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O VERDADEIRO SENTIDO DE BRASILIDADE ESTÁ NA MARCHA PARA O OESTE Entre os milhares de problemas que o Brasil tem de resolver, nos diferentes departamentos de sua existência político social e econômica, está incluso o grande problema do Brasil-Oeste, que, suficientemente conhecido por quem deve provê-lo, com o concurso de todos os cidadãos da pátria, está perfeitamente definido na feliz expressão do Dr. Getúlio Vargas, “o verdadeiro sentido da brasilidade está na marcha para o oeste!”. É a propósito dessa afirmação que vamos referir-nos aqui à obra de colonização e assistência que o Departamento de Geografia, Terras e Colonização vem executando no Estado, através de suas inspetorias de terras. Particularmente e individualizando essa obra, mencionamos a 5ª Inspetoria de Terras sediada na cidade de Guarapuava, à frente da qual se encontra o ilustre, probo e competente engenheiro civil Dr. Sady Silva que, com eficiência sistemática, realiza, entre outros importantes serviços públicos, a colonização da Colônia Mourão, no distrito de Campo Mourão, município de Pitanga. Quem teve oportunidade de percorrer a zona referida, há alguns anos, e tem ensejo de realizar agora o mesmo itinerário da sede municipal de Pitanga à sede distrital de Campo Mourão, desde logo observa a profunda modificação operada, graças aos diferentes trabalhos já efetuados. Iniciando-se a análise pela condição atual da referida rodovia, nota-se o grande número de obras sendo realizadas, que vieram, 149
ao par do contínuo monitoramento da faixa de rolamento, aumentar consideravelmente a capacidade e a segurança do transporte, para benefício de toda a região. Como, porém, a principal função daquela inspetoria está na organização e assistência às colônias sob sua jurisdição é nesse setor que vamos deparar com maior vulto e importância da atividade desempenhada por aquela secção do DGTC e especialmente deparamos com a natureza e qualidade funcional do Dr. Sady Silva. A vila de Campo Mourão está distante 240 km da cidade de Guarapuava e se enquadra nessa faixa de terras ubertosas do famoso norte do Paraná. Campo Mourão — ponto de referência estreitamente ligado à história dos corajosos de transportes de boiadas de Mato Grosso para o Paraná, através do sertão, levados a efeito pelo bravo saudoso Manoel Mendes de Camargo —, Campo Mourão é o decantado nome que já nos habituamos a ouvir como indicativo de uma zona de vasta riqueza inexplorada, isolada no longínquo oeste paranaense e onde a vida da sociedade humana, representada por reduzido número de famílias, só não pereceu porque aquela gente traz em si esse extraordinário elemento de progresso — a coragem e a persistência na luta contra a natureza. Quem hoje, com relativa facilidade, assoma àquelas encantadoras paragens sente que a sociedade humana ali se reanima e se reconforta, agitando-se na esperançosa promessa de melhores dias que se aproximam. A exuberância inefável da vegetação que se nos antolha naquela região, é um eterno convite à luta com a natureza. Sabemos, entretanto, quanta energia e quanta força se faz “mister” para o embate, considerando-se os elementos de que se dispõe e o meio em que se age. Rasgar estradas e erguer habitações naquele setor é travar cruenta batalha com a vigorosa terra cheia de energia que os séculos acumularam. Por isso é que, quando, percorrendo confortavelmente as estradas lá abertas, atingimos a nascente vila de PEABIRU, situada à nordeste de Campo Mourão, medrada do seio da mata virgem vencida e abatida pelo braço do homem, paraíso, é que, dizía150
mos, somos desde logo levados a externar nossa admiração pelo ânimo forte, pela coragem e, sobretudo, pelo acendrado civismo que semelhante conquista exterioriza. Peabiru (palavra de origem guarani, que significa “caminho do sertão”), núcleo populacional que surge no âmago do oeste paranaense, não é apenas a sede administrativa de uma colonização: é o estandarte vitorioso do bandeirante contemporâneo. Peabiru é mais uma célula de civilização que se forma no solo pátrio. Seu conjunto de casas bem acabadas, a simetria do traçado de suas ruas e de sua praça permite vislumbrarmos a estética de uma futura cidade moderna, delineada pela maravilhosa engenharia. O desenvolvimento de Campo Mourão, que já agora sentimos, e o nascimento robusto e vigoroso de Peabiru está íntima e definitivamente ligado ao nome do Dr. Sady Silva. É a ação do Estado que por lá se sente, mas é a probidade e convergência cívica do seu funcionário, que se verifica. Os trabalhos daquela colonização prosseguem conforme os planos sistemáticos que, vitalizados pelo seguro apoio econômico governamental, nos darão, dentro em breve, excelentes resultados. Assim, por exemplo, dentro de poucos meses, será feita a ligação rodoviária de Campo Mourão e Peabiru com os municípios de Apucarana e Londrina. Quanta coisa pode-se prever, com essa ligação no sentido da evolução econômica e social daquela região! E é com ansiedade que aquela gente olha a prossecução da estrada. Basta dizer que, faltando ainda cerca de 30 km para estabelecer-se o contato da rodovia que avança de Apucarana e Peabiru, respectivamente, habitantes locais, tendo aberto uma picada, cruzam o sertão com carroças e cargueiros, transpondo o rio Ivaí, no salto das Bananeiras, por uma pequena balsa, numa ânsia incontida de comunicação com aqueles municípios de intensa atividade comercial. Dada a intensidade e extensão, a velocidade e força com que avança a imigração nacional no norte do Estado, bem é de ver qual será o resultado da ligação definitiva já rudimentarmente estabelecida. Campo Mourão distancia-se de Apucarana, extremidade da 151
ferrovia do norte, apenas 120 km, de sorte que, acrescentando-se as relativas facilidades de transporte existentes entre Apucarana, Maringá, Marialva, Mandaguari (ex Lovat), em pouco Peabiru e Campo Mourão estarão anastomosadas para o desenvolvimento do mesmo labor. São, pois, populações que revivem, que evoluem para maior grandeza da pátria. Um dos maiores problemas do Brasil e, ao mesmo tempo, um dos seus maiores males — a deficiência de comunicações e de transportes — vai sendo, pouco a pouco, solucionado e curado. Disse Stefan Zweig, no seu também burilado: “Brasil, país do futuro. Esse gigante (o Brasil), pois continua a sofrer de uma constante perturbação circulatória: o sangue não percorre uniformemente todo o seu organismo, e partes importantes dele são inteiramente aplásicas”. Assim, por estes despretensiosos comentários, vemos que um dos maiores problemas nacionais e um dos seus grandes males vai sendo provido e sanado. É o majestoso, e alcandorado esforço da nacionalidade, que se acentua, também, na “marcha para o Oeste”, na assistência ao Brasil-Sertão e, ao Brasil-Interior. Dezembro de 1944 Nota dos organizadores: artigo publicado no jornal “O Dia”, edição de 10 de dezembro de 1944, número 6544.
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TERRITÓRIO DOS CAMPOS DO MOURÃO
O território que se denomina Campos do Mourão estava predestinado, desde antes do descobrimento, a ser uma região de entroncamento de vias de comunicação. Primeiro foram as trilhas pré-colombianas do Peabiru, que cruzavam seu território, e foram aproveitadas pelos portugueses pré-bandeirantes no início do século XVI. Depois foram os espanhóis que atravessaram pela primitiva província de São Paulo, desde São Francisco do Sul, transpondo a Serra do Mar, os campos gerais e campos que integravam a Província do Guairá. Os jesuítas portugueses e espanhóis, depois também fizeram seus caminhos passando pelos campos de Guarapuava e de Taiaobá, onde hoje se desenvolve o [...] Campo Mourão. Os bandeirantes paulistas do século XVII só espionavam o trânsito por essa região, como por ali o acompanhavam há bastante tempo. Nessa mesma rota andaram os viajantes como a história registra: Alvar Nunez Cabeza de Vaca, Ulrich Schmidel e outros, nota destacada pelo Barão do Rio Branco, acompanhada por Romário Martins e modificada por A. E. Sancioz. Durante o século XIX, várias estradas para a implantação de Javorriz e Modoziz, delinearam passagem pelos Campos do Mourão, conforme se vê pelos mapas de 1896 do engenheiro Carlos Tathy. Já em nosso século (XX), o grande sertanista e agrimensor Edmundo Alberto Mercer costeou com seus homens, desde Pitanga às margens do Ivaí, vindo de certo do Paraná, por conhecer os Campos do Mourão e vai ao rio Paraná. Esse mesmo sertanista alcança novos rumos e propicia a 153
abertura do picadão Paraná-Mato Grosso, que pelos trabalhos de João Rodrigues Monteiro, o João Bento, se converte na Estrada Boiadeira de Manoel Mendes de Camargo, fazendo comunicação à margem esquerda do Rio Paraná, no Porto Camargo, e bifurcação [...] de Tuneiras do Oeste, ia ao Porto São José. Posteriormente, vieram os planos rodoviários estadual e federal, que produziram modernas BR e PR sobre Campo Mourão.
CAMPO MOURÃO — LOCALIZAÇÃO A região de Campo Mourão está situada na parte sul do quadrante noroeste do Estado do Paraná. O Estado do Paraná integra a região sul do Brasil que se compõe dos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A área do noroeste paranaense cobre cerca de 50 000 km² o que corresponde a quase a quarta parte do território do Estado do Paraná, cuja área é definida no limite de 20 000 km². O noroeste do Paraná localiza-se na Bacia do Rio Paraná, aproximadamente entre 51º a 54º de longitude oeste e 22° 30’ a 24° 30’ de latitude sul. A topografia do noroeste é plana e ligeiramente modulada e dividida por inúmeros tributários dos três rios principais: Paranapanema, Piquiri e Ivaí. O clima do noroeste do Paraná é úmido mediterrâneo e subtropical com verões chuvosos e invernos relativamente secos. Nesta área, aparecem duas formações litológicas principais: a) derramamentos basálticos da formação da serra geralmente exposta em estado desgastado a leste; b) Arenito eólico da formação Caiuá revestidos os escorrimentos basálticos em uma massa contínua a uma profundidade de até 150 m a oeste, e como reminiscentes esparsos de erosão mais severa ocorreu nas áreas desta última formação. 154
Os solos da região foram classificados em três grupos principais: a) Latossolo Roxo, solos derivados de rochas de formação geral; b) Latossolo vermelho-escuro, solos desenvolvidos sobre a formação do arenito; c) solos aluviais, ocupando pequenas áreas ao longo de alguns trechos dos canais de drenagem naturais. O intenso padrão dendrítico do sistema de drenagem natural e a boa distribuição da precipitação atmosférica de aproximadamente 1400 m contribuem para seu suprimento de água superficial adequado que se encontra de fácil acesso para a maior parte da área. Qualquer sobra das formações geológicas é grande aquífero. A vegetação natural consistia principalmente de florestas densas, úmidas e semidecidual.
PLANALTO DE CAMPO MOURÃO Posição, limites e extensão O território do Município de Campo Mourão localiza-se na região sul do Brasil, a que pertence o Paraná, a 24° 2’ 38’’ de latitude sul e 52° 22’ 40’’ de longitude oeste a Greenwich. Está contido na faixa tropical e subtropical, pois a cidade de Campo Mourão desenvolve-se na superfície norte do município, na altitude de 630 metros sobre o nível do mar, estando em ponto culminante no centro da quadra W35, entre as avenidas Capitão Índio Bandeira e Irmãos Pereira e as ruas Mato Grosso e São Paulo. Os pontos extremos do Município estão, ao norte, na confluência do rio Km 123 com o rio do Campo, dividindo com o município de Peabiru; ao sul, no rio Tricolor, dividindo com o município de Nova Cantu; a leste, no rio Chupador, dividindo com os municípios de Iretama e Barbosa Ferraz; a noroeste, na confluência do alto rio Goioerê em Riozinho, dividindo com os municí155
pios de Araruna, Cruzeiro do Oeste e Janiópolis. A distância máxima entre extremo norte-sul é de 65 km, e a máxima distância entre os pontos extremos leste- oeste é de 70 km. O atual município configura-se em forma poligonal irregular. Os limites do município são, atualmente, os seguintes: Ao norte Com os municípios de Araruna pelo rio Claro e linha seca: Peabiru, pelo rio-123 e linha seca. Ao leste Com os municípios de Barbosa Ferraz pelo rio Mourão e linhas secas: Iretama, pelos rios e linhas secas. Ao sul Com os municípios de Iretama, pelo rio Formoso; Roncador, pelo rio Formoso, linhas secas e rio Tricolor; Nova Cantu, pelo rio Tricolor; e Mamborê por linhas secas. A oeste Com os municípios de Mamborê, por linhas secas: Boa Esperança, pelo Riozinho; Janiópolis, pelo Riozinho, e Araruna, pelo rio Goioerê e linhas secas. A área do município de Campo Mourão é atualmente de 2089,9 Km, segundo os dados do DGTC e a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga em certas publicações a área de 2068 km do município. Sobre a superfície do Estado, de 199 060 km, segundo o IBGE, ou de 200 995 km, de acordo com outros critérios técnicos, a área ocupada pelo atual município de Campo Mourão corresponde a pouco mais de 1%. No território estadual, o Município surgiu em 1947, com a área de 16 830,0 km², e se desmembrou, sucessivamente, em vinte e nove outras unidades municipais, conforme se vê pelo quadro nº 1. Aquela primitiva área de 16 830,0 km² está, na maior parte, 156
contida na divisão da microrregião homogênea adotada pelo IBGE, assim marcada: Microrregião de Campo Mourão (286). Caracteriza-se pela transição de clima tropical para subtropical, e por diferentes categorias de vegetação: a mata tropical, a de araucária e os campos cerrados. Na década de quarenta, entrou em nova fase de ocupação. As densidades demográficas fracas. Há ainda muita mata a ser explorada, sendo pequena a área ocupada com lavouras e pastagens. As culturas principais são: café, algodão, feijão, milho (para engorda de porcos), soja e arroz. (In Sinopse Preliminar do Censo Demográfico — VIII — Recenseamento Geral — 1970, IBGE, 1971, p. 22). Compõe-se dos seguintes municípios: Araruna, Barbosa Ferraz, Boa Esperança, Campina da Lagoa, Campo Mourão, Engenheiro Beltrão, Fênix, Goioerê, Iretama, Janiópolis, Mamborê, Mariluz, Moreira Sales, Nova Cantu, Peabiru, Quinta do Sol, Roncador e Ubiratã (Ib., p. 36). Entre as 24 microrregiões do Paraná, em 1970, a microrregião de Campo Mourão ocupa o terceiro lugar, em extensão e o segundo lugar na população, como se vê pelo quadro do anexo II. Segundo a divisão administrativa e o recenseamento de 1970, ocupava o 9º lugar em população, com a densidade demográfica ficava em 43,76 por km². Sob a liderança de Campo Mourão, os 19 municípios dessa microrregião continham, em 1º de outubro de 1970, a população de 534 698 habitantes, sendo 278 013 homens e 256 685 mulheres. Vivem nas sedes municipais ou cidades, 50 492 homens e 50 666 mulheres, totalizando 101 458 pessoas de ambos os sexos. Habitavam nas zonas rurais 227 521 homens e 206 019 mulheres, perfazendo 433 540 pessoas. A grande maioria da força lucrativa na microrregião é constituída por 49 678 por habitantes agrícolas. O município de Campo Mourão se destaca com a população de 77 141 habitantes, sendo 39 550 homens e 37 591 mulheres. Excluídos os moradores da sede municipal e da sedes dos distri157
tos a população agrícola era 49 308 habitantes. Nota dos organizadores: Por ocasião da edição do presente livro, em 2022, o município de Campo Mourão tem somente um distrito com o nome de Piquirivaí. Possui limites municipais ao norte com o município de Peabiru; ao sul com Luiziana; a Leste com Corumbataí do Sul; a oeste com Farol e Mamborê; a noroeste com Araruna; e a nordeste com Barbosa Ferraz. Pela lei estadual n.º 8549, de 25-09-1987, é desmembrado do município de Campo Mourão o distrito de Luiziana, elevado à categoria de município pela lei estadual n.º 9283, de 05-06-1990, é desmembrado do município de Campo Mourão o distrito de Pinhalão para formar o novo município de Farol. Segundo dados do IBGE, a divisão territorial datada de 1º de junho de 1995, o município é constituído de 2 distritos: Campo Mourão e Piquirivaí. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 14-05-2001.
TRIÂNGULO SOLO, VEGETAÇÃO, CLIMA A superfície do Paraná é parte integrante do denominado Planalto Meridional em que se subdivide o planalto brasileiro. Como região parcial do espaço brasileiro, entendendo-se entre os estados de São Paulo e Santa Catarina, e devido aos grandes rios limítrofes e lineamentos orográficos, o Estado do Paraná tem limites nítidos e, dentro dessa região, zonas naturais de paisagem. A divisão destas zonas baseia-se na posição das escarpas, vales de rios e divisões de água, assim como no caráter fisiográfico unitário das paisagens dentro de tais limites naturais. Em virtude da escarpa de falha e da serra marginal do complexo cristalino, assim como pelas escarpas de estratos do devoniano e do triássico-jurássico, distinguiam-se no Estado do Paraná cinco grandes regiões de paisagens naturais: 158
1) o litoral; 2) a serra do mar; 3) o primeiro planalto ou planalto de Curitiba; 4) Segundo planalto ou Planalto de Ponta Grossa; 5) o terceiro planalto ou planalto de Trapp do Paraná, ou de Guarapuava. (MAACK, Reinhold – Op. P. 135/136). Apesar da uniformidade na conformação da superfície do terceiro planalto, limitado a para leste pela serra da Boa Esperança, ou escarpa Triássico-Jurássica respectivamente, observe-se uma divisão em vários blocos devido aos grandes rios que percorrem o planalto. Além disto, o terceiro planalto, devido a sua posição em latitude e altitude, estende-se sobre várias zonas climáticas. A posição média do planalto de Trapp, entre os rios Piquiri e Ivaí, o bloco planáltico de Campo Mourão (zona 5-C), é separado pelos vales dos rios Turvo, Cachoeira e Marrecas da parte meridional do terceiro planalto, ou planalto de Guarapuava (zona 5-d), que se estende entre os rios Piquiri e Iguaçu. (Ib. p. 137). O bloco médio — o planalto de Campo Mourão (650 m) — mede 1 150 m na testa da escarpa da Serra de Boa Esperança, inclindando-se em percurso de 265 km até 225 m nas margens do rio Paraná. (Ib, p. 487). A constituição geológica da extensa região do terceiro planalto é relativamente simples. Sobre o pedestal areno-argiloso da escarpa mesozóica, constituída ainda em toda a extensão pelos horizontes alternadamente coloridas das formações Esperança e Poço Preto do grupo rio do Rastro, começam os depósitos eólicos do deserto “mesozóico”, os arenitos São Bento Inferior ou Botucatu, em paredes íngremes protegidas pelos derrames de rochas básicas como diabásios, meláfiros vesiculares, espelitos, toleiitos, vitrófiros com os lençóis finais de diabásio porfirítico e augita-andesita-porfirito. Na base o arenito Botucatu revela regionalmente um fácies fluvial-lacustre correspondente ao fácies Pirambóia, ou Santa Ana respectivamente, do Estado de São Paulo. Os espessos derrames de Trapp atingem espessuras visíveis de 450 a 650 m, entretanto, perfurações da Petrobras em Apucarana, Campo Mourão e Laranjeiras do Sul revelaram as espessu159
ras de 1199, 1157 e 1025 m. (Ib. p. 314/315). No bloco central, o arenito São Bento Superior ou Caiuá evidencia a mesma espessura entre os cursos inferiores do Ivaí e Piquiri, estendendo-se para leste como uma longa faixa sobre os derrames de Trapp. As capas de Arenitos Vermelhos terminaram numa atitude de 599 m s.n.m, aproximadamente a 8 km a leste de Campo Mourão. Todavia, ocorreram ainda a sudeste e sudoeste, cobrindo inúmeros platôs e pequenas mesetas entre os rios Cantu e Goioerê com uma espessura de 20 e 60 m. (Ib. 490). O bloco médio do Terceiro Planalto, de Campo Mourão, é caracterizado por mesetas e longos platôs na vertente de águas entre os rios Ivaí, Cantu e Piquiri, sendo profundamente entalhado a sudeste, formando as mesetas da serra de Pitanga em altitudes de 900 a 950 m e Cantu em 950 a 1050 m. As mesetas prologam-se do oeste até o rio Veado em 620 a 710 m. na zona de distribuição de Arenito. (Ib. p. 491). O terceiro planalto representa a região dos grandes derrames de lavas básicas do vulcanismo gondwânico do pós-triássico até eocretáceo [sic]. As possantes massas de lavas ascendem através das fendas tectônicas de tração, que atualmente cruzam os planaltos rumo NW como diques de diabásios. O arenito eólico Caiuá, que se estende sobre os derrames de Trapp no setor noroeste e oeste dos blocos planálticos de Apucarana e Campo Mourão, documentada num clima árido descrente a era mesozóica do Triássico Superior até o e o cretáceo [sic]. (Ib., p. 493).
VEGETAÇÃO Dada a importância de que se reveste, no enquadramento climatológico da microrregião de Campo Mourão, algumas das mesmas advertências e verbalizações do prof. Reinhold Maack sobre a velocidade e extensão da destruição absoluta que está sendo praticada, prontamente, no Estado, sobre as nossas flo160
restas e a destruição das selvas por indivíduos. Adiante, matéria relatando e divulgada pela imprensa, e pela qual se antevê, muito próximo, a catástrofe que estamos preparando para as gerações futuras em nosso país. A vegetação é a primeira linha à expressão do clima em relação à latitude e altitude. Na classificação climática e respectivas tabelas deduz-se que no Estado do Paraná se deve esperar chuva em todos os meses do ano. A mata conquistou a maior parte da área do Estado. Os fatores climáticos predominantes na climatério recente. Ainda no climatério antigo, os campos limpos ou cerrados revestiam grande parte do Paraná, como vegetação clímax de seu clima alternamente semiárido e semiúmido. Sob as condições climáticas alternantes em precipitação abundantes durante o quaternário recente. A mata propiciou a dominação dos campos a partir dos declives das escarpas e dos vales dos rios. O Estado do Paraná é demais rico em matas do Brasil até poucos decênios. Atualmente ainda se encontra em pequenas ilhas de campos cerrados na região das matas e extensos campos limpos. No XX Congresso Internacional de Geografia, realizado no Rio de Janeiro em 1956, foi aceita unicamente a hipótese de que no Brasil os campos constituíam a formação vegetal primitiva e mais antiga, desenvolveu-se as matas somente no término do Pleistoceno, fato esse que pode ser documentado geologicamente através dos depósito de janglomesadas e isertusações do climatério antigo e dos solos extintos sob as matas. A intervenção humana impediu o avanço das matas através das regulares queimadas anuais dos campos, que ocasionaram na delimitação cada vez mais acentuada entre a mata e estepe. Finalmente, as roçadas e queimadas das florestas fosse este fim, se deu a inversão da ocorrência natural. A mata desapropria cada vez uma maior escala, não fosse dos lugares às estepes gramíneas leixas, campos limpos, campos cerrados ou estepes arbustivas, aparecendo um lugar destes inicialmente a tiguera como formação consequente da desmatação e seguida a capoeira. Após sucessivas roçadas e rotação da terra, o carrascal, isto é, campo sujo, apoderou-se da primitiva área da mata. As pteridófitas ou samambaias cobria frequentemente extensas áreas de terra, enquanto não era praticada a agricultura intensiva por meio de arado, adubação e 161
cultivação. (grifos da transcrição). Assim, o samambaial deve ser considerado como formação florística final, em virtude da desmatação e marca como associação natural das estepes de gramíneas baixas ou campo limpo respectivamente. A paisagem primitiva do nosso Estado está de tal maneira modificada atualmente que viajantes, que há 30 anos conheceram o Paraná, não reconhecem mais as regiões que outrora palmilharam. (Ep. P. 193/194). A amplitude da devastação das matas efetuada pelo homem no Estado do Paraná é indescritível. (Ib.,p. 195 — grifos da transcrição). Segundo nossos levantamentos desde o início da colonização do Paraná até o ano de 1930, isto é, num espaço aproximadamente de 35 anos, foram desmatados apenas 38 800 km² por meio de queima e aproveitamento da madeira. Até 1955, portanto no mesmo período de 25 anos, foram destruídos 98 688 km² e de 1955 até 1960 mais 13 500 km². Os dados para o quinquênio de 1961 a 1965 são incertos em virtude da falta de novos levantamentos exatos e do grande incêndio florestal de 1963. Segundo dados das estatísticas de 1963, aproximadamente 964 000 ha ou 9 649 km² foram atingidos pelo fogo, recaindo a maior parte sobre matas secundárias e reflorestamentos. Dos primitivos 167 824 km² a mata virgem foi derrubada 119 688 km² de mata pluvial tropical-subtropical até 1965, sendo 79 888 km² destruídos apenas nestes últimos 30 anos. É fácil de constatar que os 38 204 km² restantes de mata pluvial e os 15 932 km² de mata de araucária desaparecerão amplamente dentro de 20 anos ou a expansão das plantações de café e o crescente consumo de madeira. O Paraná se transformará então de um estado exportadora de madeira para importadora. Perobas, cedros, pinheiros, imbuia e outras madeiras de lei se tornarão raridades botânicas, se o Estado não preservar o mais depressa possível as reservas florestais. Estas reservas também são necessárias para facilitar o reflorestamento das espécies mais importantes de madeiras em outras regiões. (Ib., 1971).
As consequências das desesperadas advertências e estudos do benemérito prof. Reinhard Maack, como, aliás, as de tantos 162
outros estudiosos desse problema da devastação brutal do solo agricultural vão sendo sentidos, dolorosamente, dia a dia. Não obstante as medidas oficiais e de estímulo já em prática no país, muito há que se praticar imediatamente, diariamente e em todas as horas, fosse mostrar e educar nosso povo no sentido de corrigir a brutalidade de lesa-pátria tirar que temos, em grande maioria, dilapidado o imenso patrimônio de milênios. A marcha da devastação pode ser amparada pelos aspectos aerofotográficos que reproduzimos.
O CAMPO DE CERRADO MOURÃOENSE Segundo a definição de R. Maack, Os campos são formas de relicto do antigo clima semiárido pleistoceno. Consequentemente, constituem a formação florística mais antiga ou primária do Estado do Paraná. As matas somente conquistaram os primitivos campos a partir das matas de galeria, capões, nascentes e matas de encostas das escarpas, durante um clima constantemente úmido e rico em chuvas do neoquaternário ou holoceno. Contrastando com as áreas livres de gramíneas dos campos limpos, em capões em depressões úmidas ao longo dos córregos, arroios e rios, o campo cerrado (grifo da transcrição) se caracteriza pela forte distribuição de arbustos das árvores. Às vezes, os arbustos e árvores se unem de tal forma que chegam a constituir um complexo ou ilhas de mata, denominadas cerradão. De modo geral, o campo cerrado é formado por uma vegetação arbustiva facilmente transponível em todas as direções, denominado no vernáculo “este arbustiva aberta”. A maior parte dos campos cerrados do Paraná se estende no curso superior do rio das Cinzas rumo NE até o rio Itararé, abran163
gendo aproximadamente 1740 km². Desenvolve-se de lentamente a partir das áreas livres de campos limpos, nas atitudes de 730 a 1100 metros s.n.m. As cidades de Jaguariaíva e Sengés localizam-se em meio destes campos cerrados. (Como é o caso de Campo Mourão – parênteses da transcrição). Na parte sudeste de Monte Alegre e a oeste de Tibagi, entre Conceição e o rio Imbaú na latitude de Corino, encontram-se ilhas menores desta formação florística. Na mata tropical-subtropical entre Sabáudia e Astorga estuda-se nessa área de 40 km² e em Campo Mourão 10 km² de campos cerrados como forma de relicto do quaternário antigo. Campo Mourão localiza-se em 629 s.n.m na zona limítrofe entre a mata de araucária e a mata pluvial-tropical. Os componentes da associação florística dos campos cerrados no Paraná correspondem ao revestimento vegetal dos campos de oeste e São Paulo e do planalto central do Brasil. Entre as gramíneas e ervas baixas registram-se associações de arbustos e árvores baixas e altas, denominadas leguminosas. Os exemplares mais importantes dessa família são conhecidos vulgarmente de barbatimão, representado no Paraná por uma espécie única Stryphnodendron barbatiman Mart. As espécies Piptadenia falcata Benth, e Piptadenia incuriale var. em virtude de seu teor em tanino. Entre as árvores características da associação dos campos distinguem-se ainda as leguminosas sapuva-do-campo (Machaerium Stipitatum) [DC.] e canafístula (Peltophorum sp.); bignoniáceas: carorinha-do-campo (Jacararanda oxyphylla.) e piúva ou piúna (Tecoma chrysotricha Mart.); apocináceas: peroba-do-campo (Aspidosperma tomentosum Mart.); anonáceas: marolo ou maruleiro (Anonadioica St. Hil.); bombacáceas: embiruçu (Bombax endecaphyllum Vell.), uma das maiores árvores. Citam-se ainda: açoita-cavalo (Tiliácea Luehea sp.), cambuí (mirtáceam, Eugenia vellosiana Berg.), capororoca (mirsináceam, Rapanea brasiliensis A.D.C.) fruta-de-lobo ou lobeira (solanácea, Solanum grandiflorum. B) pau santo (gutífera, Kielmeyera coriácea e variabilis Ternstr.), pau de vinho em flores amarelas (voquisiácea, vochysia sp.) e maçaranduba miúda. Todas estes arbus164
tros e árvores de 3 a 8 metros de altura exibem troncos e galhos tonturosos e duras em cascas grossas, moles e porosas. As folhas são predominantemente alongadas e muitos grandes na lobeira, lixeira e peroba do campo. A cobertura de gramíneas estende-se sem delimitação especial desde os campos limpos para dentro dos campos cerrados. As espécies são as mesmas, predominando Panicum versicolor e olyroides, Paspalum plicatulum, Eragrostis bahiensis (capim-assis), Andropogon tener (capim-mimoso), Andropogon macrothrix, (pluma-branca), Aristida pallens e laevis (barba de bode, que cresce principalmente ao longo das estradas), Aristida megapotamica (capim-flexa), Heteropogon villosus (capim-do-talo-roxo) e inúmeras outras espécies de Andropogon e Panicum. Entre as palmáceas dominam as palmeiras-anãs, como Gyagrus sp. Diplothemium campestre, observadas principalmente em Campo Mourão. As palmáceas altas são representadas unicamente pela Arecastrum romanzoffianum.
Cumpre ressaltar, como observação de leigo em botânica — sendo o compilador deste trabalho — a presença de numerosas outras espécies vegetais, pequenas plantas, algumas delas rasteiras, que, durante quase o ano todo, apresentam-se floridas, altamente, esparsas pelo campo. Essas plantas, cujos nomes não apresentamos por desconhecê-las, mas, evidentemente, classificados cientificamente, formam o conjunto de “flores-do-campo”. São eles roxas, amarelas, brancas, lilases, vermelhas, de cores mescladas, algumas em aspecto de cactos, duram estas últimas um mês após colhidas. Sendo que a urbanização avança e o povo em sua fome invertida tudo destrói, sem piedade e sem qualquer preocupação com os elementos naturais do meio, seria conveniente, porque urgente que o Horto Municipal de Campo Mourão cuidasse da preservação e formação de viveiros desses belíssimos espécimes que poderão ser perpetuados nos jardins residenciais e nas duas únicas praças existentes e em outras que futuramente hão de ser formar na ampla cidade. Há, ainda, entre essas flores, algumas semelhantes às que co165
lhemos nos arredores do Brasil, já famosas que poderiam constituir matéria de especial cuidado da direção do Horto Municipal, pelo valor botânico e estético, emprestando a Campo Mourão certa semelhança fisionômica de ambiente e religações da Capital da Esperança Mourãoense com a maravilhosa Capital da Esperança do Brasil.
VEGETAÇÃO O planalto de Campo Mourão abrange três categorias de matas: mata pluvial, tropical, subtropical e a formação de araucária ou pinheiro. A mata pluvial da parte norte do terceiro planalto e de seus vales pluviais desenvolve-se sobre os férteis solos de terra roxa, provenientes da decomposição das lavas básicas da camada de Trapp. A constituição diversa, a imponência gradativa da transição para o caráter subtropical relaciona-se à atitude. Ao sul do divisor de águas Piquiri-Ivaí, a mata pluvial tropical transforma-se gradativamente em subtropical sem linha climática ou biológica nítida. A formação de araucária constitui numa forma especial da mata pluvial subtropical, cujo desenvolvimento se relaciona intimamente com a altitude. Baseando-se nos interessante dados da geografia física do Estado do Paraná, de Reinhald Maack, cuja obra constitui o mais externo, profundo e atualizado estudo de nossa geografia, a bem da concisão, devemos a seguir, apenas a relação das principais florestas que foram a maravilha de nossas matas. Propositadamente, marcamos o verbo ser no pretérito, pois, inebriado na propositora riqueza acolhedora de nossos sertões, o homem cuidou exclusivamente de “si próprio”. 166
Como Midas embriagado, procurou obter riqueza o mais depressa possível, realizando num espaço irrisório de tempo, mas extremamente no território do Paraná, no norte e no oeste, como no sul e no leste, a mais formidável devastação dos recursos naturais, cujos crimes, tantas vezes apontados, por isso, foram evitados. Daí porque as expressões de desespero de Reinhold Maack, o cientista e técnico que após tantas demonstrações e advertências ao povo, aos administradores de empresas, e aos homens da administração pública mais alta, cumprindo o seu dever de iluminatividade, deixou entre outras, com as angústias do seu sofrimento de sábio especialidade de sua existência, essa imortal acusação: “a amplitude da devastação das matas efetuada pelo homem do Estado do Paraná é indescritível”. Principais essências florestais no Planalto de Campo Mourão Nome popular — denominação científica — uso principal: Palmito – Euterpe edulis – construção rudimentar – alimento Peroba – Aspidosperma polyneuron – carpintaria e marcenaria Guatambu – Aspidosperma parvifolium – carpintaria e marcenaria Cedro – Cedralta – marcenaria simples, rústica e compensados Canela – Nectandra puberula – marcenaria e carpintaria Canela amarela – Nectandra lanceolata – marcenaria e carpintaria Canela sassafrás – Ocotea pretiosa – marcenaria e óleo essencial Louro – Cordia alliodora – marcenaria Guajuvira – Patagonula americana – marcenaria 167
Guavinina – Metrosideros vera ou Eugenia – marcenaria Guabiroba – Campomanesia xanthocarpa – marcenaria Guanandi – Calophyllum brasiliense – marcenaria Guaçatonga – Casearia sylvestris – marcenaria e medicinal Ipê – Tabebuia – marcenaria e medicinal Maçaranduba – Manilkara huberi – marcenaria e medicinal Jutaí ou Jatobá – do gênero Hymenaea – carpintaria Monjoleiro – Acacia polyphylla – carpintaria ou marcenaria Angico – Piptadenia rigida – marcenaria e carpintaria Cabreúva – Myrocarpus frondosus – marcenaria Amarelinho – Cassia multijuga – carpintaria e marcenaria Aroeira – Myracrodruon urundeuva – marcenaria Aroeira vermelha – Schinus terebinthifolius – marcenaria Aroeira branca – Lithraea molleoides – marcenaria Alecrim – Holocalyx glaziovii – marcenaria Araribá branco – Simira viridiflora – marcenaria Araribá preto – Arariba viger – marcenaria Araribá rosa ou vermelho – Centrolobium robustum – marcenaria Caviúna – Machaerium scleroxylon – marcenaria Jacarandá – Machaerium sp. – marcenaria Bálsamo – Myrocarpus frondosus – marcenaria e medicinal Pau d’óleo – Copaiba officinalis – carpintaria, marcenaria e óleo essencial Guaiçara - Luetzelburgia guaissara Toledo – marcenaria Arapoca – Raputia magnifica – marcenaria Pau d’alho – Gallesia gorarema – marcenaria Palmeira jerivá – Syagrus romanzoffiana – construção rudimentar e alimento Macaúba –Acrocomia aculeata – construção rudimentar e ali168
mento Aleluia – Tibouchina sellowiana – Marcenaria e arborização Figueira branca – Ficus crassiuscula – marcenaria e arborização Laranja silvestre – Citrus sinensis – alimento e marcenaria Taquaruçu – Chusquea gaudichaudii – construção rudimentar e artístico Embaúba – Cecropia spp. – construção rudimentar e papel Canafístula – Peltophorum – construção rudimentar e papel Sapuva – Machaerium stipitatum Timbaúva – Enterolobium contortisiliquum Canjerana – Cabralea canjerana Araticum do Mato – Rollinia sylvatica Açoita cavalo – Luehea divaricata Esporão de galo – Celtis iguanaea Maria Mole – Vitex polygama Taquara – Merostachys sp. – artefatos de trama Pinheiro ou Araucária – Araucaria angustifolia Imbuia – Ocotea porosa Erva Mate – Ilex paraguariensis Samambaiaçu – Dicksonia sellowiana Paineira – Ceiba speciosa Ravenna Fumo bravo – Solanum mauritianum Urtiga – Urticaceae Buriti – Mauritia flexuosa Uvarana – Cordyline dracaenoides Pente de Macaco – Pithecoctenium dolichoides Maracujá amarelo – Passiflora alata Curtis Amora – Rubus rosifolius 169
Barba de pau – Tillandsia usneoides Orquídeas – Orchidaceae Barbatimão – Stryphnodendron barbatiman Indaiá – Diplotheminan campestre Lobeira – Solanum grandiflorum Peroba do Campo – Paratecoma peroba Angico do Campo – Anadenanthera macrocarpa Sapuva do Campo – Machaerium stipitatum Carobinha do Campo – Jacaranda pteroides Ipê Roxo de Bola – Handroanthus impetiginosus Marolo ou Maruleiro – Annonaceae (família) Embiruçu – Pseudobombax grandiflorum Jasmim verdadeiro – Psychotria vellosiana Benth Capororoca – Rapanea ferruginea Lixeira – Curatella americana Pau-santo – Kielmeyera coriácea Massaranduba miúda – Chrysophyllum Pau de vinho – Vochysia magnifica Capim – Pamina e Andropogon Capim Assis – Eragrostis bahiensis Capim pluma grossa – Andropogon tener Capim Barba de Bode – Aristida pallens Capim flexa – Aristida megapotamica Capim do talo roxo – Heteropogon villosus Capim limão – Cymbopogon citratus Vassouras Vassourinha preta – Piptocarpha axillaris Vassourinha – Blepharocalyx lanceolatus 170
Dormideira – Mimosa pudica Carrapichinho – Aeschynomene falcata Urinária - Zornia diphylla Mio-mio – Baccharis cordifolia Carqueja – Baccharis sp. Samambaia – Pteridium aquilinum Caraguatá - Eryngium horridum Guabiroba do campo – Campomanesia aurea Bracatinga – Mimosa scabrella Gurucaia – Parapiptadenia rigida Tuna - Cereus hildmannianus Criciúma – Chusquea meyeriana Guaimbê - Philodendron bipinnatifidum Imbé - Philodendron imbe Pitanga – Eugenia uniflora Caúna – Ilex microdonta Dama da noite (cacto) – Cestrum nocturnum Pessegueiro bravo - Prunus myrtifolia
CLIMA Segundo Wladimir Koepper, como clima compreendemos o estado médio e o decurso comum do tempo num determinado lugar. É uma dupla abstração que nos conduz ao conceito de clima, a saber, das variações do tempo e de outro lado dos diversos elementos meteorológicos para um aspecto geral. Muito embora instalada numa Estação Meteorológica e Sinótica, em Campo Mourão, em cooperação com o Ministério da 171
Agricultura, serviço público em que surgiu em 1957, sendo dedicada aos lotes urbanos nº 1 e 2, da quadra 69 da planta da cidade, são desconhecidas as observações ali realizadas. Os dados gerais que podemos apresentar são os seguintes: O planalto de Campo Mourão está contido no clima da classificação CJA – zona subtropical úmida e quente, mata pluvial e acima de 500 m S.N.M, mata de araucária e geadas noturnas. A cidade de Campo Mourão, por estar plantada sobre a nova meseta revestida de campo cerrado, terá, necessariamente, características climáticas peculiares, na constituição de seu microclima, segundo, além disso, as influências decorrentes do desmatamento regional, que perturbou não só o ciclo normal da água, como também motivou a imprevisível deslocamento dos elementos climáticos entre zonas de disjuntos categorias de clima. (1) Conforme a posição do sol muda durante o dia, várias vezes, em consequência da topografia e do revestimento florístico. Todavia, as predestinações de expressar nitidamente durante o ano, correspondendo à migração das regiões setentrionais da pressão baixa e ao avanço meridional. As linhas de deslize de ar frio são acompanhadas bem proeminadas nos três planaltos do Paraná, documentadas na natureza pela distribuição das associações florísticas climáticas nas áreas, ainda persistente a mata virgem onde já procedem o mato semanário mais antigo. Estas linhas de deslize formaram-se pela inversão da temperatura durante a noite. Após o aquecimento máximo ao meio-dia, o solo esfria com maior rapidez que o ar. Origina-se na camada de ar frio ainda do solo. Enquanto durante o dia o calor diminui ainda o aumento da altitude, em vista de que o solo não pode existir as radiações de calor em suficiente rapidez para as camadas superiores o ar quente e mesmo porque em ascensão o ar quente esfria, nota-se durante a noite o processo inverso. Com o aumento da altitude, a temperatura do ar também aumenta nas camadas superiores. O ar frio, que se forma acima do solo esfriando mais rapidamente nas chapadas, espigões ou cristas de serras, acompanha determinadas linhas 172
topográficas do terreno e desliza para os vales. Por esta razão, as regiões mais altas são mais quentes durante a noite. Em toda a região do Estado do Paraná, janeiro é o mês mais quente do ano, retardando-se raras vezes o ponto culminante da temperatura até o princípios de fevereiro. O período das temperaturas mais elevadas são cerca de 3 a 4 semanas após a imediação valor vertical no horto do Paraná ou 2 a 3 semanas após início da nova migração do sol rumo norte, a partir do trópico de Capricórnio. Somente após fevereiro verifica-se nova queda sucessiva da temperatura, de forma que o outono se torna mais quente que a primavera. Consequentemente, também, as médias máximas mais elevadas correspondem ao mês de janeiro. Entretanto, devido à seca o máximo absoluto de temperatura pode ser verificada já em outubro ou novembro, sendo possível um atraso até março. As temperaturas mais baixas observam-se em julho, quando são esperadas geadas noturnas prováveis. Registram-se, em segundo lugar, enquanto os mínimos absolutos verificaram-se após os dias de chuva em agosto ou setembro. No Paraná, as geadas ocorreram sempre após os dias de chuva, pois devido ao vento sul o céu torna-se claro e o ar frio da frente polar avança em direção norte, Paraná adentro. As geadas noturnas hibernais na zona mais fria do Paraná distribuem-se normalmente sobre os meses de maio até setembro, mas frequentemente já começaram em abril, podendo ser prejudiciais para as culturas ainda em outubro. As geadas tardias de frio de agosto até o mês de setembro são as mais terríveis, porque os prejuízos que acarretam podem ser catastróficos. Quanto às geadas noturnas periódicas, é importante mencionar que a entrada destruidora da frente polar na região cafeeira em 1918 procedia de São Paulo. Exatamente 35 anos mais tarde, em 1953, outra geada devastadora atingiu até além do Trópico de Capricórnio, destruindo 220 858 339 cafeeiros em plena produção no Paraná. Tal entrada de ar frio repetiu-se em 1955, destruindo 100% das plantações novas e 240 000 000 pés mais velhos que estavam em produção. Na noite de 30 para 31 de julho 173
de 1955 registraram-se temperaturas de -5 °C e -9 °C na área entre Arapongas e Maringá. Em Apucarana (870 m), o autor mediu -2,5° C e 8,5 °C nos vales. A temperatura anual em toda a região do Estado oscila de 7° a 9 °C, de acordo com a latitude e a proximidade do litoral. Apenas algumas estações evidenciaram nova amplitude anual um pouco maior, em Palmas (9,8 °C), Tibagi (10°) e Foz do Iguaçu (11,3°). A oscilação média absoluta da temperatura alcança 15,6 °C na zona litorânea, aumentando em latitude semelhante com o afastamento da costa. Todavia, a temperatura também se modifica conforme a altitude sobre o nível do mar, sua oscilação absoluta aumenta e diminui em pouco com o aumento da mesma s.n.m.
OS CICLONES No início do ano, em janeiro, a região equatorial de baixa pressão das massas de ar tropical localiza-se sobre a área do Estado do Paraná, como consequência do afastamento do sol do Trópico de Capricórnio, rumo ao Equador. Nesta época do ano, as isóbaras cruzam a área do Estado mesmo SW-NE, diminuindo a pressão atmosférica do litoral para o interior do continente. Este fenômeno corresponde, por um lado, ao fato de que decresce o dia, no interior do Paraná é mais aquecido do que a orla marítima, ocasionando uma baixa pressão e, por outro lado, a localização de uma região de pressão baixa das massas de ar equatorial continental quente, cujo centro da depressão do Paraná, na região limítrofe com a Bolívia e Mato Grosso. Trata-se da região, na qual durante o verão, verificam-se os ciclones com chuvas e ventos do norte e noroeste sobre o Paraná. Acompanhando a posição de sol, nesta região, a pressão baixa desloca-se lentamente para a costa. 174
A aproximação das massas subtropicais de pressão alta do anticiclone do Atlântico Sul já é bem presenciada em março, por ventos procedentes dos quadrantes sul e leste. Com a migração do sol em direção sul e com a aproximação das massas e com tropicais-marítimas, a média da pressão atmosférica baixa nascente, de mês a mês, atingiu seu ponto mínimo em janeiro. Força considerável têm os ciclones do tipo furacão que ocorrem nos meses de abril e maio, no período de transição, durante o avanço dos anticiclones do Atlântico Sul e no aceno das mesmas em tropical de baixa pressão. Em algumas ocasiões atingem proporções catastróficas como em maio de 1957, quando a ação de um tufão com ventos de 300m a 400m atingiram as fazendas de Guarapuava até Cascavel, destruindo celeiros e casas. As ventanias gravaram uma trilha delimitada nas matas, onde as árvores e copas das araucárias se curvaram sobre as outras. Tais tufões também podiam ocorrer em setembro e outubro durante o avanço das massas de ar de baixa pressão. O último tufão destruidor acompanhado de trovoadas ininterruptas e forte chuva com ventos de 50 km, atingiu o norte do Paraná, entre Apucarana e Maringá, na noite de 9 de julho de 1965. Pitanga, Marialva e Manoel Ribas foram fortemente atingidas. Ocorrência dessa natureza foi registrada durante a viagem de Jorge Walter entre Pitanga para Campo Mourão, na primavera de 1910, conforme descrição dada por Manoel Silvério Pereira e em fato confirmado por uma das filhas de Jorge Walter, nos dados biográficos relativos àquele pioneiro do povoamento.
RIQUEZAS MINERAIS A microrregião é desprovida de riquezas minerais, que não sejam rochas graníticas e basálticas para a compra de materiais de 175
construção civil, hidráulica e rodoviária. Areias aluviais são extraídas do leito dos rios Ivaí e Piquiri e de alguns seus afluentes e até mesmo do toluídeo nas estradas da região do arenito Caiuá. Essas areias, por serem muito finas e contendo abundância de matéria orgânica e detritos, são impróprias para a construção, mas foram grandemente utilizadas na primeira fase de edificação na região, por ser de qualidade inferior, que se podia verificar nas construções, em muitas casas influenciando até mesmo nas estruturas. A qualidade das edificações, inclusive das obras na Usina Mourão I e diversas obras públicas, não precisa de areias trazidas dos rios Paranapanema e Tibagi, a mais de duzentos quilômetros de distância. Por isso, proporcionalmente à quantidade usada, a areia é tão cara nas construções quanto a pedra britada. A argila de barro é utilizada em cerâmicas e olarias, que geralmente, por deficiência de equipamento e técnica, produzem telhas e tijolos de qualidade inferior. As indústrias desse setor que melhor se agrupam sempre têm produção inferior ao consumo, razão porque a maioria dos telhados provém de outras regiões do Paraná e de São Paulo.
ÁGUAS MINERAIS Nenhuma outra ocorrência de origem mineral, de uso industrial, é conhecida na atualidade, a não ser as fontes hipertermais do Rio Formoso, no município de Iretama.
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RIQUEZAS VEGETAIS Estas riquezas, representadas pela remanescente das matas, e pelas áreas ainda revestida de pinheiros (Araucaria angustifolia), conhecidas no processo de extração, sem medida de procedência, sendo a característica mais brutal da depredação indiscriminada, praticada pelas derrubadas, roças e indústrias extrativas da madeira. As imensas florestas de maior procura do Paraná, como a de cedro, a peroba, o pau-marfim e outros estão se extinguindo rapidamente e dentro de alguns anos mais, não haverá madeira de lei significante até mesmo para a construção de jardins e outras obras rurais. O palmito foi inevitavelmente destruído, com aproveitamento mínimo e fará parte do elenco dos extintos. O reflorestamento e florestamento que se veem, fará parte da lei, não decorrerá por ser necessidades futuras, por serem praticadas com previsão para aproveitamento a curto prazo de papel e celulose, tendência das capitais privilegiadas que obrigatoriamente, estão sendo aplicadas nessas operações. O colapso da indústria madeireira possui fim inevitável, dentro de alguns poucos anos, segundo as previsões de Reinhard Maack: Os engenheiros de escolas e florestas, cercados na aerofotogrametria, calcularam em 1966 uma área de 1 567 759,5 hectares, ou 15 677 km², de matas de araucárias remanescentes, confirmando os levantamentos efetuados pelo autor. Considerando-se que os cálculos do Inventário do Pinheiro do Paraná basearam-se em cifras de 1963, o resultado do autor ainda parece otimista. Já se pode prever que, com o atual ritmo de produção das serrarias, as últimas reservas de Araucaria angustifolia se esgotarão no máximo em 15 anos. Há decênios, o autor já advertiu sobre este perigo, entretanto, nunca lhe foi dado crédito. A indústria madeireira para exportação, confecção de móveis e construções, de tão grande importância econômica para o Esta177
do do Paraná, está se autodestruindo. O crime já se manifestou. Não se deixaram reservas de matas suficientes para obtenção de sementes das diversas madeiras de lei, garantem o reflorestamento de elementos necessários de araucária, imbuias, cedros, perobas, das diversas espécies de canelas e de muitas outras madeiras preciosas. A Araucaria angustifolia é uma das árvores mais belas e raras do globo terrestre e indiscutivelmente deve ser conservada. Mesmo que se inicie o reflorestamento imediato em grande escala, não haverá quantidade suficiente de Araucaria no ano de 1980 para suprir as necessidades de exportação, construção e confecção de móveis. A Araucaria necessita de 60 a 80 anos para atingir o diâmetro de 30 a 36 centímetros. Caso se faça o reflorestamento de Araucaria em mata mista até 1970, apenas nos anos de 2030 a 2050 os componentes estarão aptos a fornecer vigas e tábuas boas. Se não forem tomadas as medidas necessárias que equilibrem o consumo de madeira e o crescimento da nova geração, o Estado do Paraná se verá obrigado a importar a madeira tipo pinho durante 50 a 60 anos. Eucaliptos e as espécies estrangeiras de pinos que crescem rapidamente poderão ser usadas como paliativo por suas indústrias até que cresçam as madeiras preciosas das matas paranaenses, mas jamais deverão predominar no quadro paisagístico.
O RIO PIQUIRI O rio Piquiri é indicado com a extensão de 485 quilômetros e sua bacia abrange 23 431 km². As nascentes do rio Piquiri localizam-se na serra São João (1237 metros s.n.m). Que representam o divisor de águas em forma de rosetas entre os rios Piquiri, Ivaí e o sistema do rio Jordão. No desenvolvimento de seu curso existem seis saltos principais, mas, na seção em que esse rio passa pelo território da mi178
crorregião de Campo Mourão, não ocorre nenhum acidente de maior importância. Nessa mesma seção fluvial como os seus principais territórios, está uma parte final do sistema do Rio Cantu, e os sistemas dos rios Goio-Bang ou Tricolor, Comissário, Água Branca, e Goioerê, todos em dezenas de afluentes — ribeirões, arroios e córregos — e a grande maioria apresentando quedas ou saltos que estão sendo ou podem ser aproveitados para pequenas hidrelétricas e outras instalações hidráulicas de força. São assinalados os seguintes saltos em alguns desses afluentes do Piquiri, na seção da margem direita. 1- No salto de seis metros no rio Goio-Bang (Tricolor), em sua vazão média de 20 m³/seg. Sua potência em volume normal de água é de 12 000 cavalos, aumentando até 200 m³/seg, ou 12 000 cavalos no período das enchentes é disseminado até 3 m³/seg., ou 480 cavalos em volume mínimo de água. Esse salto, a pouca distância da foz do Goio-Bang, no Pìquiri, apresenta matizes coloridas na separação sobre a cachoeira. 2- O salto Erê, em desnível de 20 metros no Rio Goioerê. Em sua vazão média de 7 m³/seg. Fornece uma potência de 1 400 m³/ seg. A capacidade aumenta até 28 000 cavalos, diminuindo até 600 cavalos em vazão mínima de 3 m³/seg.
O RIO IVAÍ O rio Ivaí abrange, num percurso total de 685 quilômetros, uma bacia hidrográfica de 35 845 km². Formam suas nascentes o rio dos Patos a 1 120 metros s.n.m., próximo de Inácio Martins, na serra da Boa Esperança, e o rio São João a 1 125 metros s.n.m., ao norte e nordeste de Bananas, no terceiro planalto. O nome do rio Ivaí aparece nos mapas apenas após a junção desses dois rios. O principal curso de origem é o rio dos Patos no desenvolvimen179
to de seu curso, existem diversos saltos ou quedas principais, mas na seção em que esse rio banha a microrregião de Campo Mourão destaca-se, como mais importante, o salto das Bananeiras, com uma potência total de 18 020 cavalos ou 24 155 Kw, com um volume médio de 340 m³/seg. O rio Ivaí recebe na sua bacia hidrográfica mais de 100 afluentes, nos quais existem uma infinidade de pequenas precipitações ainda não registradas e medidas. Na seção de sua margem esquerda, que banha o rio da microrregião de Campo Mourão, os principais são: sistema do rio Corumbataí, com os rios Vorá, Muquilão, Formoso e Rio das Lontras. Sistema do rio Mourão, alimentado por dezenas de ribeirões, arroios e córregos, com três saltos de grande altura: conjunto São João, de 54,3 metros de desnível e vazão de 60 m³/seg., Natal, de 59,5 metros de desnível e 15 m³/seg de vazão média; um conjunto de 646,6 metros de desnível e 3 m³/seg. de vazão média, ou 5 701, 8 925 e 4 389 cavalos respectivamente. A primeira queda, ou salto São João, está integralmente aprovada no conjunto da Usina Mourão I. Sequência dos sistemas do rio Ligeiro, rio dos Índios, rio Tapiracuí, em mesmos territórios, entre ribeirões, arroios e córregos.
A HIDROGRAFIA REGIONAL O território de cada um dos municípios componentes da microrregião de Campo Mourão é irrigado abundantemente por sistemas hidrográficos que alimentam os principais cursos fluviais examinados. Como devemos estudar mais profundamente o município de Campo Mourão, referimos apenas que não existe uma só propriedade bem situada, em qualquer destes municípios, que não forme uma ou várias nascentes próprias e então são as que po180
diam realizar aproveitamento de cursos da água para uso industriais ou de benefícios de suas atividades agropecuárias e as da lavoura. O uso das irrigações é nulo embora grandemente necessária para as estiagens que se verificam em todos os rios, prejudicando algumas lavouras. Todavia, já se observam numerosos incentivos para a construção de açudes ou tanques, especialmente destinados à piscicultura, provendo-se esses reservatórios com as espécies mais comuns de carpas e tilápias. Todas as citadas da microrregião se abastecem de mananciais próprios. O município de Campo Mourão é irrigado por quatro sistemas hidrográficos: o sistema do rio Mourão é alimentado pelas seguintes principais afluentes, todos eles recebendo a centralização dos mesmos ribeirões, arroios, córregos ou águas: 1- rio do Campo, rio Ranchinho, rio dos Papagaios, rio São João, rio Serena, rio Sem Passo, rio km-119, rio km-123. Os rios do Campo, dos Papagaios e do km-119, abastecem a cidade de Campo Mourão. 2- Sistema do rio Corumbataí: rio Chupador, rio Laranjeiras e rio Formoso. 3- Sistema do rio Goiobang ou Tricolor: rio São Domingos; 4- sistema do rio Goioerê: Riozinho; 5- sistema do rio Claro. No sistema orográfico o planalto de Campo Mourão, particularmente considerado seção microrregião não existem acidentes de maior destaque. O rio Mourão é o que apresenta um aspecto mais acidentado, no entanto, sem oferecer nenhuma notoriedade.
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DISCURSO EM 29 DE NOVEMBRO DE 1980 AO RECEBER O TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DE CAMPO MOURÃO
Eu quase que diria como aquele patrício índio velho, lá de Guarapuava, lá do Serro Verde, que: “vóis meceis me deixaram mais “atrapaiado” do que “cego em tiroteio’” neste Faxinal de confusão. Como advogado, quase que pediria ao Meritíssimo Juiz, que convertesse o julgamento, em diligência, porque não tenho a certeza de que a decisão que tomaram a respeito deste humilde cidadão mourãoense, tenha alcançado realmente o filão da verdade. Na realidade, o homem se agita e a humildade o conduz, e no dia em que nós aportamos a CAMPO MOURÃO pela primeira vez, nos idos de 1943, conduzidos pelas mãos de meu saudoso pai João Lemos do Prado, numa diligência que não era de vilegiatura, porque já era trabalho propriamente advocatício que se realizava. Sentia as primeiras pulsações, daquele que seria hoje, a hoje portentosa e querida CAMPO MOURÃO. Aqui, comecei a conhecer os pioneiros, essas famílias, cujos representantes, estão aí com seus jovens a dignificar e honrar as gerações. Sabíamos, já por algum conhecimento da história regional, que algumas famílias paulistas de origem mineira e paulistanas, paulistas mesmo, haviam adentrado desde o princípio do Século XX, no antigo sertão de CAMPO MOURÃO. Aqui viemos encontrá-las, firmes nos seus postos, com aquelas condições, com a têmpera, que forja o rumo verdadeiro e a segurança dos bandeirantes paulistas que adentrando dilataram num sistema pragmático, as fronteiras do Brasil que derruíram, tacitamente, o Tratado de Tordesilhas. 183
Dali em diante, parece que eu havia sido mordido pelo inseto de um civismo especial, porque tratava de um núcleo de população, em fase quase que, praticamente embrionário, porque há apenas três anos se dera início à sede urbana. Até então viveu na discussão de propostas diferentes, para uma outra condição. Quem sabe, em 6 de outubro de 1940, o ponto onde se desenvolveria o centro urbano, crescia rapidamente e era o Paraná todo, que estava conquistando as suas fronteiras do oeste, e nos levávamos no nosso entusiasmo de moço a segurança de que esta seria realmente uma nova Canaã para o Paraná. Naquele ano de 1943, era o início de minha atividade profissional de advogado, pois a 19 de dezembro eu colaria grau em bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e teria que enfrentar o batente. Natural que fosse procurar, nas garantias guarapuavanas, o início de uma segurança profissional, mas não era bem isso o que eu queria, parece que eu estava já acometido definitivamente por uma doença adquirida em 1940, na filosofia extraordinária, de um grande sociólogo brasileiro municipalista, Dr. Mário Augusto Teixeira de Freitas, dele ouvira as primeiras afirmações, sobre as necessidades da revitalização municipal brasileira. Eram tais, e tão encantadoras as suas pregações, que não houve maneira como pudéssemos rejeitá-las ou não entendê-las, e através de serviços de estatísticas, no qual nos profissionalizamos, praticamente, demos, início a este trabalho de ser peão para a interiorização brasileira, na revitalização da célula principal. Todos aqueles que residem no interior conhecem perfeitamente quais e quantas são as dificuldades com que lutam para se desenvolverem, para desempenharem os diferentes compromissos que lhes são próprios, tendo em vista o crescimento populacional, tendo em vista o subdesenvolvimento generalizado no País, e tantas outras circunstâncias. Mas, aquele aprendizado de Mário Augusto de Freitas surtiria um resultado final, novamente, quando em 1951, por opção muito natural e por um convite muito especial, de meu saudoso pai, viemos sentar na praça no Foro de CAMPO MOURÃO, que havia acolhido num escritório modesto, da casa do Sr. Manoel Silveira Pereira, do Manoel Mineiro. 184
Demos início às atividades profissionais como o primeiro advogado residente. Já vimos que os serviços seriam muito grandes, nem só da parte profissional advocatícia propriamente dita, como particularmente nos diferentes serviços públicos, serviços sociais, de que tanto necessitava a localidade. Foi assim que aos poucos, no dia a dia, fomos acendrando a nossa disposição cívica de brasileiro, de paranaense, já então de mourãoense, para assumir dentro de nossas limitações, os compromissos e as atividades que nos fossem dirigidas. E, chegamos um dia à condição de Vereador, numa coligação partidária esquisita então: UDN e PSD. Não havia nisso qualquer discrepância, porque não éramos políticos de partido, éramos uma coligação, e a necessidade de completar uma chapa. Produzimos bem ou mal nosso trabalho durante esses quatro anos, e tivemos o ensejo de realizar alguns projetos, que de certo modo, foram aproveitados. Pudemos representar modestamente, mas com muita lealdade, o nosso Município, no VI Congresso dos Municípios, realizado em Pernambuco. De lá para cá, circunstâncias da vida nos levaram de volta a Curitiba, em 1968. Mas já não era possível esquecer, deixar de nossas lembranças, de nosso entusiasmo, de qualquer capacidade realizadora que tivéssemos, que deixássemos de lado, a lembrança querida de CAMPO MOURÃO. Hoje, quando recebo com a maior honra, este laurel de Cidadão Honorário de CAMPO MOURÃO, eu devo penitenciar-me, por aquilo que eu não tenho podido realizar. Ninguém nasce sem defeitos, portanto, dentro das minhas limitações, esses defeitos da minha incapacidade que não sejam entendidos como indiferença ou qualquer outra defecção. Sempre procurei dar o melhor que foi possível da minha capacidade de trabalho, segundo estas limitações. A emoção, evidentemente, nos trai, além de um precário estado de saúde, tem tornado bastante difícil para um homem que já é além de sexagenário. A velhice vai chegando e nós aos poucos vamos ficando mais amolecidos, com menos velocidade em nosso entendimento. 185
Mas, de qualquer forma, eu regresso a Curitiba, levando aquela gratidão que tem de ser própria dos filhos que amam sua terra, como diria um troiano diante dos muros de Tróia, por três e quatro vezes felizes, aqueles cidadãos troianos, mourãoenses, que antes de morrer, podem contemplar os muros de Tróia, nos campos. Mourãoenses, agradeço a todos, pela honrosa presença e mais uma vez à Câmara, pela lembrança que teve, mais ver-se-ia converter em diligência. Meu muito obrigado.
Festividade no Clube 10 de outubro, casais Aurea Margarida e Ephigênio José Carneiro, Nelson Prado e sua esposa, Nelly.
Posse do prefeito Roberto Brzezinski e dos vereadores eleitos em 1955. Da esq: Arino Borges, Joaquim Teodoro de Oliveira, Paulo Vinício Fortes, Ivo Mário Trombini, Roberto Brzezinski (prefeito), Januário Pinheiro, Nelson Prado, Reinaldo Silva e João Otales Mendes.
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Escritório de Advocacia e redação do jornal Correio de Campo Mourão, de propriedade de Nelson Prado, ao lado do juiz de direito, Dr. Illian Vellozo. 21.02.1952.
Nelson Bittencourt Prado, retrato na galeria dos presidentes da Câmara Municipal de Campo Mourão.
Nelson Prado (direita) com o pioneiro Lázaro Emídio (ao centro).
Nelson Prado e amigos no Farol das Conchas, Ilha do Mel, na extremidade leste da Ilha do Mel. Foi projetado pelo engenheiro cearense Zozimo Braulio Barroso, em 1870, por encomenda do baiano João Maurício Wanderley, quando Ministro da Marinha. Foi instalado, em 1872, com módulos vindos da empresa escocesa P&W Maclellan.
Nelson Prado, com o filho e amigos, na Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel. 29.12.1977.
A Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres. Construída entre os anos de 1767 e 1770, a mando de Dom José I, rei de Portugal, com o objetivo de proteger a Baía de Paranaguá dos ataques de piratas e espanhóis.
Nelson Prado, de camisa amarela, com filho e amigos, na Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres. 29.12.1977.
Manuscritos deixados por Nelson Prado. Tencionava escrever um livro sobre a história de Campo Mourão, porém, não chegou a ver seu sonho concretizado.
Nelson Prado autografando livros que foram doados para a Biblioteca Pública de Campo Mourao. Da esq: Iracy Ferrari, Horácio Amaral (prefeito), Nelson Prado e Munir Karam (vice-prefeito).
No Encontro de Integraçao Municipal, em Apucarana (PR), em 27/09/1974. Nelson Prado (o segundo da esquerda), ladeado pelo prefeito Renato Fernandes Silva.
Recebendo das mãos do prefeito Augustinho Vecchi, o título de Cidadão Honorário de Campo Mourão, em 1980. Ao lado, o presidente da Câmara de Vereadores, Ephigênio José Carneiro.
Nelson Bittencourt Prado, em dois momentos, no final dos anos de 1970.
AGRADECIMENTOS Consignamos neste passo os reiterados agradecimentos a quantos nos acolheram nas pesquisas e, especialmente, aos corpos docente e discente da Escola Normal Colegial de Campo Mourão, quando sob a direção da professora Hilda Brenner Dessotti. Igualmente reafirmamos o reconhecimento aos senhores prefeitos e respectivas dignas equipes dos municípios abrangidos nesta despretensiosa compilação, sem o que não chegaríamos ao mínimo que aí está, certos de que CADA UM PODE FAZER DE QUALQUER COISA UMA PARTE APENAS, NÃO UM TODO, PRESCINDINDO DE COOPERAÇÃO E DE ALVITRES CONVERGENTES.
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NOTAS EXPEDIÇÕES BOTELHANAS 1. Abril, aos 7 foi para Fortaleza dos Prazeres na Ilha do Mel, ver o que se tinha feito na sua ausência, e demorando nela recebeu as partes da expedição do Rio de Dom Luís de se ter achado os fundamentos de uma grande povoação que se entende ser a antiga Villa Rica destruída pelos paulistas, a mais de 80 anos (na realidade já haviam decorridos 138 anos), situada nas margens do rio de Dom Luís, e boca do rio Mourão. (Documentos Interessantes do Arquivo de São Paulo, 1896, v. IV, p. 56). 2. Planta de uma grande parte do sertão do Tibagy eu se acha descoberto – Letra E pertencente ao n.º 4 – Fac-símile por O. Ribeiro – 1927. 3. O Tratado de Madrid foi o convenio que fixou os nossos limites das possessões portuguesas e espanholas (1750), traçando a linha mestras da política internacional, em todo o Novo Mundo, foi declarado sem efeito pelo convênio de El Pardo (1761). Barsa, vol. 15, p. 301. 4. São José dos Pinhais tem origem numa capela edificada sob a invocação do Senhor Bom Jesus dos Perdões, em 1690, destruída, posteriormente, ignorando-se quando foi criada e instituída, canonicamente, a Freguesia de São José, que, todavia, reorganiza-se, como Paróquia, em 1757. 5. [...] Uma das bandeiras que entrou no Tybagy, seguiu hum rio q’ descubrio no sertão a que fiz dar o nome de Rio Dom Luís”. Nota do Autor: é o rio Ivaí, onde estavam Vila Rica, São Tomé, Los Angeles e outras missões dos jesuítas espanhóis, destruídas pelos paulistas sob as ordens de Antônio Raposo Tavares em 1630, 1631 e 1632. (Documentos Interessantes, vol. VI, p. 91). PEABIRU – Um grande caminho pavimentado com capim 1. O prof. Júlio Moreira, profundo pesquisador da história dos Caminhos na província do Paraná, embora sem penetrar a fundo no exame dos caminhos indígenas, considera que o Peabiru deveria ser, realmente, uma trama de trilhas pelos sertões e campos. Chega, mesmo, a gesticular, explicando, com as mãos, o que seriam essas trilhas, dando a entender que elas se espalhavam, desenvolviam e intercomunicavam pelo território do Paraná, sem, contudo, obedecerem a um tronco principal. Por isso estranha a maneira categórica com que o prof. Reinhard Maack, deixou afirmada a opinião quanto à realidade e sentido em que se desenvolvia o Peabiru, propriamente dito. 2. O prof. Reinhard Maack, que, entre outros imensos serviços prestados ao Paraná e ao Brasil, realizou extensas e profundas pesquisas sobre a existência e rumos do Peabiru, encartou em sua GEOGRAFIA FÍSICA DO 194
ESTADO DO PARANÁ, Curitiba, 1968, a reconstituição do “Itinerário de Uirich Schmidel de sua viagem à Assunção e São Vicente, de 26 de dezembro de 1552 a 13 de junho de 1553”. Segundo seu esboço, o “rio da Guia” corresponderia, hoje, ao “rio Mourão”, mas a sua posição nesse esboço melhor identifica o curso d’água hoje denominado Corumbataí. 3. Não obstante a informação resultante de tradição oral recolhida pelo dedicado prof. Igor Chmyz, acreditamos que os vestígios de trilhas ou caminho não seria, propriamente, resultante do movimento de tropas paraguaias durante o conflito entre o Brasil e o Paraguai (1864-1870), pois as forças paraguaias não chegaram a penetrar em território paranaense. A história da Guerra do Paraguai revela, apenas, no que se refere a movimento de tropas, a contigentes brasileiros em postos policiais militares nas margens paranaenses do rio Paraná – do Visconde de Guarapuava e do Brigadeiro Ribas. Os restos de armamento (facões, espadas, fuzis e cartuchos) que tem sido encontrados esparsadamente na região de Ubiratã, Campina da Lagoa e outros locais, seriam, efetivamente, remanescentes dos movimentos ocorridos durante a Revolução de 1924, nos locais alcançados pelas forças legais em perseguição a Coluna Prestes. Nota-se, por outro lado, que no primeiro quartel deste século, companhias argentinas e paraguaias haviam obtido do governo paranaense e da União, concessão de grandes áreas, em território do Paraná, à margem esquerda do rio Paraná, para colonização, mas sobretudo, para exploração de madeira e erva-mate. Nesse afã e ultrapassando, de muito, os limites das respectivas concessões, a exploração chegou até proximidades da hoje cidade de Campo Mourão. A penetração de elementos assalariados a administradores paraguaios se fez aproveitamento parte das trilhas dos índios e se desenvolveram, ultrapassando o rio Piquiri e afluentes de ambas as margens, numa linha de penetração em que os “mensus” vieram constatar com os primitivos moradores de Campo Mourão e vizinhanças, de que adquiriram produtos alimentícios, mediante troca em espécie, de bem que houve tentativas de transações com moeda estranha à nacional. Vários acampamentos se instalaram aquém da margem direito do Piquiri, sendo que o mais distante deles era o de Mamborê, que, em Guarani significa isso mesmo – “último acampamento” ou “mais distante”, e onde hoje se desenvolve a cidade desse nome. A presença dos paraguaios ficou testemunhada em várias modalidades. Alguns daqueles “mensus” (mensalistas), escapando, por qualquer motivo, à sanha dos capatazes ou administradores, verdadeiros algozes, incorporaram-se aos primitivos moradores de Campo Mourão. E há várias denominações, sobretudo, potomográficas que foram dadas em nosso território, pelos paraguaios, naquele período antes da Revolução de 1924, como, por exemplo, o rio Tricolor, ex-“Três-colores”, ou Goio-bang, devido à cachoeira irisada que existe quase à sua foz no Piquiri. 4. Além dos vestígios de caminhos indígenas, os trabalhos arqueológicos do prof. Igor Chmyz e sua equipe do CEPA revelaram a existência de “casas subterrâneas” dos índios. Em pesquisas para a historiografia municipalista 195
que realizamos recentemente a área do município de Campo Mourão, colhemos informações sobre vestígios na região, de ambos fatos arqueológicos. Assim é que visitando o Sr. Floriano da Rocha Walter, em sua fazenda Santa Albertina, no distrito de Luiziana – pioneiro ele próprio e o filho de pioneiro de desbravamento da região -, dele recolhemos seguros informes quanto à existência de visíveis sinais de um velho caminho, margeando o rio Sem Passo, afluente do rio da Vargem ou Mourão. Esses vestígios, de resto encontradiços em vários outros pontos, nos municípios de Campo Mourão, Roncador e Nova Cantu, além daqueles citados pelo prof. Chmyz, apresentando-se como um valo pouco profundo, na largura comum de quase dois metros, sempre em linha reta, demandando rumos que coincidem com os dados revelados pelos cronistas e historiadores, além das características apontadas pelas pesquisas arqueológicas. Por outro lado, o Sr. Joaquim Teodoro de Oliveira, um dos mais ilustres representantes da família mourãoense, como pioneiro e líder, informou-nos com absoluta segurança, existirem em sua fazenda, à margem direita do rio Mourão, alguns quilômetros distante da cidade de Campo Mourão, vários buracões, encobertos pela vegetação, que, na forma descrita pelo prof. Chmyz, poderão ser vestígios das “casas subterrâneas” dos índios, tais as características de semelhança com aqueles sítios arqueológicos. 5. Na tradução dos trechos transcritos, da obra do prof. Ramón I. Cardozo, os nomes guaranis grifados foram reproduzidos tal como o autor apresentou. CLIMA 1. Segundo os princípios da teoria mecânica do calor, o ar seco ascendente esfria 1ºC em cada 100m de altitude em consequência do aumento do volume. Entretanto, tratando-se de ar saturado em vapor d’água, o resfriamento é consideravelmente menor considerando a medida relativa do ar, é de aproximadamente 0,5º o índice de resfriamento por 100m de altitude. (Maack, Reinhard, Geografia Física do Estado do Paraná).
CRÉDITOS DAS IMAGENS - Museu Municipal “Deolindo Mendes Pereira”, Campo Mourão - PR - Acervo Nelson Prado, Divisão Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba - PR. - Acervo fotográfico da Nova História Editora e Gestão Cultural. 196
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