Odontologia Viva - No Íntimo do Paciente

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Foto: Vera Donato O D ONTOLO GIA

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Cap. 5 - Mergulhando no Ă?ntimo do Paciente


C APÍ T ULO 5

Introdução à Odontologia Funcional – Novos Rumos para a Prática Odontológica. Mergulhando no Íntimo do Paciente


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Cap. 5 - Mergulhando no Íntimo do Paciente

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esse capítulo tratarei da minha experiência pessoal em três décadas de trabalho, numa especialidade bastante complexa, que pode ser vista por muitos ângulos. Desenvolvo o trabalho dissociando múltiplas facetas, otimizando-as, separada e tecnicamente, até alcançar o grau de excelência no resultado final. Vejo cada paciente como único em sua singularidade estrutural e funcional, até atingir o momento estético. Por isso, essa especialidade instiga dons criativos e foge a padrões rígidos e ortodoxos, em se tratando dos critérios da prótese e da antiga reabilitação oral.

Essa atividade solicita muito gosto e criatividade para solucionar os mais inusitados casos aparentemente insolúveis. A disponibilidade do profissional precisa ser completa. Quando examino a boca de um paciente e preparo um diagnóstico, sinto que o ideal seria que ninguém precisasse dos meus serviços. Imagino a plenitude da saúde oral.

Na realidade meu trabalho é criar formas estéticas artificiais para substituir os bens reais que se perderam, porque no decorrer da vida, houve negligência com esses órgãos preciosos: os Dentes. Essa especialidade trabalha com a consequência da doença. Os pacientes chegam mutilados, muitos em estado terminal, depois de tudo perdido, ou quase tudo. Perderam porções importantes da anatomia do dente ou perderam até o órgão inteiro. Passaram por inúmeros tratamentos. É o que costumo chamar de colcha de retalhos.

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Essas mutilações ocorreram antes mesmo do completo amadurecimento da Articulação Temporomandibular (ATM). É importante considerar que a maturidade da ATM chega em torno dos 20, 25 anos de vida. Aos 12 anos, a ATM apresenta a totalidade de sua forma típica, nessa fase, acontece o amadurecimento da eminência articular. É quando a chave dos molares se completa, auxiliada pela erupção dos caninos que, com suas guias, colocarão o conjunto articular em trabalho, se assim podemos chamar, “adulto”. O tamanho das mesas e sua anatomia distinta para cada ser complementam tamanho e forma da cavidade glenóide e a cabeça do côndilo. No entanto, o tamanho do conjunto articular se completa mais ou menos uma década à frente e temos então a explicação para o parêntese da natureza: a erupção do terceiro molar. Chegamos então à maturidade do complexo articular. É importante especial atenção a esse fator: o amadurecimento da ATM. Assim poderemos evitar transtornos severos na face, modificação no projeto original de cada ser antes mesmo da maturidade do nosso mais importante foco de trabalho.

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Cavidade Glenóide

Cabeça do Condilo

Apofise Coronoide

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Mesmo para os protesistas, a prevenção e a promoção da saúde oral precisam ser colocadas em primeiro plano. A condição de saúde é o fator primordial para a manutenção das peças dentárias na boca, esse é o objetivo primeiro da odontologia. Trabalhar para manter a saúde é um exercício muito gratificante, mas o combate à doença é necessário.

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Ao receber um paciente, questiono a periodicidade de suas visitas ao dentista. Fico perplexa ao constatar que a grande maioria não passou por uma consulta há mais de cinco anos. Meu ponto de vista pode dar a sensação de que estou na contramão da realidade. Pode ser contraditório o reabilitador negar a causa do seu trabalho. Ocorre que se fosse levada mais a sério a prevenção, não teríamos tantos casos terminais que atingem irreversivelmente o corpo e a psique do paciente. Por outro lado, houve uma época em que estudiosos e pesquisadores da Odontologia combatiam, de forma xiita, dentistas especializados em próteses e práticas outras que envolvam a dentisteria. Dentro desse conceito, só o trabalho de prevenção e saúde oral seria executado; os demais procedimentos estariam sendo relegados a segundo plano ou totalmente ignorados, já que a teoria é de preservação total dos remanescentes dentários, não usando protocolos de preparos e outras medidas que viessem a remover porções do corpo dos dentes. Medidas essas necessárias para a recuperação da integridade desses órgãos, quando atacados pela doença cárie.

Aceitando essa visão, perguntamos o que deveríamos fazer com pacientes com a boca danificada e, no passado, não foram orientados para nenhum tipo de prevenção das doenças que atacam a cavidade oral. Conheço inúmeros casos de pacientes que passaram por vários consultórios sem que fossem alertados sobre os fundamentos básicos de higiene oral como: escovar seus dentes, passar o fio dental e visitar regularmente o periodontista.

Esses procedimentos, realizados corretamente, certamente, impediriam que recebêssemos tantos pacientes em estado avançado de perdas, como por exemplo, ausência dos incisivos centrais, perda da dimensão vertical, padrão oclusal modificado e o consequente envelhecimento do rosto.

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Mesmo diante de quadros como esses, a grande maioria dos pacientes me procura para dizer que não está satisfeita com o sorriso, ou porque desejam clarear os dentes. O motivo é sempre voltado para a aparência. Os pacientes procuram os consultórios porque desejam ficar mais bonitos. Aqui se torna fundamental a aptidão do profissional para enxergar o paciente inteiro. Na formação integral do ser humano, o conjunto dos impulsos biológicos, sociais e espirituais interage para formar a personalidade. Cada um tem uma história de vida própria, diferenciada. Portanto enxerga a si e ao mundo de forma diferente. Para trabalhar com seriedade é necessário possuir uma visão da totalidade do paciente, observando os distintos ângulos dessa pessoa que está sob seus cuidados. Quem trabalha nessa especialidade precisa recorrer a uma anamnese que busque o estado de saúde somática e, posteriormente, se estenda à psique.

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A Odontologia funcional se extende além do sistema estomatognático, busca a personalidade para devolver ao paciente o conjunto da funcionalidade da mastigação, passando pela estética e chegando à auto-estima. Portanto, além de conhecer a compatibilidade do estado de saúde com os medicamentos necessários aos procedimentos odontológicos, com seus mais distintos e inusitados protocolos e manobras, deve-se aproximar ao máximo da forma como o paciente enxerga a si mesmo, para assim realizar o tratamento com seriedade. Prevalece então o saber e a experiência do profissional – digamos, o talento intuitivo de cada um. De pouco adianta os questionários pré-fabricados, presentes na maioria dos consultórios. O talento intuitivo é um dom que pode ser desenvolvido como aptidão. Essa é uma questão que estará em todo o meu relato, ao lado da apresentação das questões técnicas operacionais que desenvolvi e registrarei.


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Desde os primórdios da humanidade já se cogitava de maneira bastante primitiva corrigir as mutilações da cavidade oral e aparelhos rústicos eram utilizados para suprir defeitos. A preocupação do homem com o aprimoramento da beleza sempre esteve presente nas mais variadas culturas e em todos os tempos. Até mesmo nas comunidades indígenas obedecendo aos seus próprios conceitos do belo. Com a chegada do cinema a Hollywood com suas magníficas produções de cenários e figurinos impecáveis, deu-se início a uma exigência maior da perfeição do rosto. A grande revolução na estética aconteceu, estávamos então na década de 1960, e desde então a evolução tem sido grandiosa.

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gestual e a cada dia tornavam-se mais ricos o material e minhas conclusões.Porque não cuidar da saúde e ato contínuo, recuperar rostos, realçar a beleza desses, ajudar a natureza interferindo até No início das minhas mesmo no fator genético, quanpesquisas, aquelas montado este produz resultados menos gens esdrúxulas me chamabonitos e perfeitos? Assim foi. vam a atenção. Os diretores Julgo que era isso que os diretores procuravam um embelezae produtores da época imaginamento a mais na face além vam, que os dentes poderiam dar dos cosméticos, maquiagens, aqueles atores e eles não sabiam o cabelos tintos, encaracolados, caminho para alcançar esse objeolhares sedutores e muita tivo. De qualquer maneira aprecio languidez. Pensaram então muito que profissionais das nos dentes. Nasceram aí os artes cênicas tenham primeiros ensaios da estética conseguido olhar por odontológica. Tudo era mui- esse prisma e conto branco e na verdade a tra- seguir percedução dessa exigência era de ber o valor um primitivismo grandioso. das peças Foi aí que comecei a estudar dentárias rostos, formas anatômicas, o na estética facial.

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Greta Garbo recebeu coroas no maxilar superior, com o objetivo de reformular a estética do sorriso.A técnica então engatinhava; o efeito era muito artificial. 111


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Até aqui, já se passaram três décadas de pesquisas e muitos resultados fantásticos, que vão da correção de uma protrusão sem usos de aparelhos, ou manobras cirúrgicas, passando por apinhamentos de dentes, mordida cruzada, mordida aberta, perda de dimensão vertical, ausência total das peças dentárias, até resgatar muitos anos de juventude, sem um único artifício cirúrgico, recuperando a juventude facial, a auto-estima e o prazer pela vida.

A natureza em sua plenitude. 112

Foto: Acervo Pessoal


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Essa técnica tem como base principal examinar, conversar, conhecer profundamente cada paciente, sentir suas dificuldades e ir passando do terapeuta comportamental ao ato final, quando me transformo ou, melhor, incorporo o personagem do dentista convencional. Assim inicio o protocolo, conquistando resultados excepcionais a cada paciente submetido a essa filosofia de trabalho. É a Odontologia do futuro, quando o profissional consegue penetrar em cada caso, chegando facilmente à psique dos pacientes que se sentem tão seguros; nós podemos conduzi-los a novos caminhos, a mudanças de comportamento, atitudes e grande gosto pela vida! Todos que trabalhamos com gente precisamos, a cada dia mais, atuar desse modo. É certo que, nem sempre, com tanto gosto será possível. No entanto, todos podem avançar muito.

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Fala-se exageradamente em estética. Particularmente, não gosto do termo aplicado assim, especialmente na Odontologia. Gosto, sim, da função, do movimento do corpo e assim inicio tudo. A partir daí, a estética surge e vêm os frutos – segurança, poder, aquela força da alma que se sente plena. Nossos dentes trazem todo o código do nosso ser e, quando o dentista consegue interpretá-lo, ele devolve todas as perdas; vale mais que dez anos de análise. Gosto de dar um exemplo prático e simples: nossa pele é a roupa que protege nosso corpo. Se corrigimos o posicionamento do único osso solto da face, a mandíbula, vem junto a correta posição da musculatura, a seguir dos tecidos e, por fim, a pele encaixando-se no corpo como uma roupa de corte perfeito, sem rugas no pescoço, lábios na posição correta, bochechas levantadas, pirâmide nasal alinhada, olhos mais vivos e melhor posicionados. É muito para a Odontologia? Não. É uma técnica, uma filosofia de trabalho – é o futuro que pratico há três décadas. 113


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A Anatomia é o fundamento primeiro da minha técnica para reconstrução das peças dentárias e harmonização das estruturas da face e do pescoço. É uma ciência que se relaciona com todos os ramos das especialidades odontológicas, servindo de base aos princípios científicos das mesmas. Elas estão intimamente ligadas às distintas especialidades, uma vez que seu fundamento científico requer apurado conhecimento de detalhes anatômicos e funcionais. Do ato de anestesiar, passando por protocolos complexos e sofisticadas cirurgias, dentisteria, prótese, periodontia, tratamentos endodônticos, implantadontia e ortodontia, o cirurgião-dentista não caminha sem os conhecimentos de anatomia. O aspecto da arquitetura do crânio e da face, a cronologia da erupção das peças dentárias, as articulações e os tecidos que revestem nosso esqueleto só poderão permanecer saudáveis e com aspecto jovial se os limites articulares permanecerem preservados. É necessário termos em mente que a calota craniana e o maciço facial formam um conjunto semi-rígido, as suturas formadoras desse complexo possuem um pequeno movimento ocasionado pela força de trabalho da malha muscular, possibilitando, assim, minúsculas movimentações.

Esse conjunto é completado pelo único osso livre, solto - a mandíbula –, fixado pelo aparato muscular. Logo, se assim se apresentar, possibilita-nos trabalhar essa situação, dirigindo as proporções craniofaciais, conservando a juventude. O aparato calota craniana e maciço facial está diretamente atrelado à formação e ao amadurecimento das estruturas da Articulação Temporomandibular (ATM). A memória adulta do côndilo começa a ser desenhada aos seis anos de vida, com a erupção dos quatro primeiros molares permanentes, formando a guia de molar. Assim, o sistema nervoso central recebe a informação da presença da oclusão. Concomitantemente aos primeiros molares, erupcionam os incisivos inferiores e superiores permanentes. Essa fase é concluída aos sete anos de vida. Aos 11 anos erupcionam os segundos molares permanentes e os caninos, formando este, as guias caninas. A essa altura, o complexo articular apresenta as dimensões definidas. Por volta dos 18, 21 anos, erupcionam os terceiros molares. Coincidentemente, nesse período, acontece a maturidade do complexo articular.

É de nossa responsabilidade manter e preservar a saúde de todo o sistema estomatognático em condições ótimas de estabilidade e função. 114


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Osso Frontal Glabela Osso Próprio do Nariz

Margem Supraorbitario

Osso Zigomático Margem Infraorbitario Vômer

Maxilar Superior Espinha Nasal Anterior

Mandíbula

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O desgaste das peças dentárias provocando aspecto de envelhecimento nas estruturas craniofaciais.

O enfraquecimento visível das fibras musculares, ocasionado pelo desgaste das peças dentárias, provocando, assim, o aspecto de envelhecimento nos tecidos.

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Crânio apresentando estruturas corretas.

A malha muscular posicionada corretamente.

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Protrusão

Correção sem uso de aparelhos ortodônticos ou manobras cirúrgicas, conseguindo o posicionamento dos côndilos na cavidade glenóide com a recuperação das dimensões faciais. Abertura dos arcos com o uso de coroas de jaqueta metalocerâmicas. (Nesse protocolo de recuperar a dimensão vertical, a mandíbula é projetada para a frente, já que deslocamos os côndilos da posição excessivamente retrusa na cavidade glenóide. Esse tipo de trabalho incorreto da ATM, desde a puberdade, formou esta protrusão – reforçando assim minha teoria quanto aos cuidados, desde a infância, com a ATM.)

No ato de recuperar a dimensão vertical, cria-se o espaço necessário para a distribuição das peças dentárias. Desse modo, conseguimos uma dentadura nos padrões do que podemos chamar de “normalidade”, já que foi possível equilibrar perfeitamente, diferentes forças oclusais, assim como dar ajuste e colocação perfeita de força e pressão nos tecidos moles. Foram necessários 26 meses de tratamento. Toda a movimentação foi possível com perfeito equilíbrio e distribuição da força. 118


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Perda de Dimensão Vertical Reconstrução total da boca. Recuperação das dimensões faciais da forma dos arcos redesenhando a curva de Spee. Balanceamento completo, redefinindo todo o trabalho das peças dentárias.

Usamos aqui coroas metalocerâmicas. Na bateria, aprimoramento do design desses dentes com escultura e acabamento em resina fotopolimerisável.

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Apinhamento

Todo o meu trabalho é baseado na Articulação Temporomandibular e na distribuição perfeita da força e seu equilíbrio. Recuperando a dimensão vertical, buscando espaço para distribuir as peças dentárias, esculpindo e alinhando os dentes.

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Mordida Cruzada

Abertura do arco com o uso de coroa de jaqueta. Balanceamento oclusal de todas as peças para buscar a distribuição correta da força, procurando a compatibilidade com o eixo das raízes.

Observar o trabalho incorreto desviando a força do eixo original, produzindo claramente este cruzamento de mordida.

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Desdentado Total Observar a singularidade dessa prótese, com a reconstrução de toda a anatomia da maxila, de todo o rebordo e dos tecidos moles. Notar também que a região de tuberosidade foi construída na prótese.

Essa é a minha forma de ver a confecção de uma prótese total: devolver ao paciente o máximo possível das estruturas da cavidade oral.

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