Pesca de espinhel versus peixes de bico

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meio ambiente

Será o fim das

ESPÉCIES DE BICO? POR: ANA CARLA MOLINA, JANAÍNA QUITÉRIO E ROBERTO VÉRAS l FOTOS: ARQUIVO PESCAVENTURA l ARTE: PAULA BIZACHO

A pesca de espinhel — uma das modalidades mais agressivas de atividade comercial no segmento — em parco espaço de tempo já aniquilou parte significativa dos peixes de bico em mares da região Sudeste brasileira. As consequências? Além da degradação ambiental, caso não sejam tomadas medidas eficazes e urgentes, também será o fim da pesca esportiva dessa espécie

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uando um barco com pescadores esportivos alcança o alto-mar na região Sudeste da costa brasileira, leva a bordo não só a expectativa de proporcionar muita adrenalina com a captura dos cobiçados Sailfishes (Istiophorus albicans) e Dourados-do-mar (Coryphaena hippurus), mas também a possibilidade concreta de geração de emprego e renda para marinheiros, estaleiros, hotéis, empresas aéreas, fabricação de equipamentos e todo o arsenal de logística que ronda o segmento. Na região de Cabo Frio, por exemplo — principal polo turístico da região dos Lagos, no Rio de Janeiro —, apenas a saída de cada barco para aventurar-se com o pesque e solte do Sailfish (a 40 milhas da costa) injeta 2 mil dólares no desenvolvimento desse “turismo esportivo”. Para os aficionados, não se trata de um peixe qualquer. Também conhecido como Agulhão-bandeira ou Agulhão-vela, trata-se de uma das espécies de bico mais cobiçadas em todo o mundo e requer técnica e concentração daqueles que desejam fisgá-lo. Considerado um dos mais velozes do oceano, chega às águas

brasileiras por meio da Corrente do Brasil — fluxo mais importante ao longo da costa do país, que flui na região do talude rumo ao Sul.

Momento mais aguardado, quando o Sailfish emerge para iniciar suas incríveis acrobacias

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Espinhel, o vilão dos sete mares

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o contexto da degradação marinha, vários fatores influenciam: as gigantescas redes de arrasto — que varrem os ecossistemas mais profundos —, os países violadores de leis, as cotas, constantemente ignoradas pelas frotas pesqueiras, e as novas e violentas técnicas. Uma delas, considerada devastadora, é o espinhel — artefato para pesca tanto de superfície como de fundo formado por uma linha grossa e comprida chamada longline, com várias linhas curtas presas a ela em intervalos regulares, cada uma com um anzol e uma isca na ponta. Essa ‘modalidade’ é classificada em duas categorias: uma delas é o espinhel pelágico ou americano, o qual, segundo dados do Projeto Albatroz, é feito por frotas espinheleiras nacionais e arrendadas, focadas nos portos das regiões Sul, Sudeste — Santos-SP, Itajaí-SC e Rio Grande-RS — e Nordeste — Recife- PE, Cabedelo-PB e Natal-RN. É voltada para a captura do Espadarte (Xiphias gladius) — peixe com grande valor comercial —, mas também fisga outras inúmeras espécies. Ocorre em período de imersão noturna e utiliza, geralmente, Sardinhas e lulas como isca, anzóis tipo “J” e atratores luminosos. Embora no litoral brasileiro, especialmente na região Sudeste, o espinhel tenha como meta a busca pelos Espadartes e Dourados — além do Atum, violentamente caçado em diversos lugares do globo para abastecer os mercados mundiais de sashimi —, o Sailfish sofre com a perseguição intensa das traineiras. “Esses barcos menores possuem cerca de 20 toneladas de arqueação bruta com autonomia de 15 dias de mar. A pesca é feita basicamente com isca viva de Sardinha, e o espinhel fica lançado na

água por 12 horas ou mais, mede até 10 quilômetros e tem, em média, 600 anzóis”, detalha Eduardo Pimenta. Entretanto, essas embarcações, em sua grande maioria, não têm licença especial emitida pelo Ibama para pescarem com Sardinhas vivas durante seu Defeso, tampouco poderiam aventurar-se por essas águas devido a restrições de sua classificação junto à Capitania dos Portos e, ao contrário do que manda a lei, jamais reportam as posições de seus espinhéis — o que se justifica pelo fato de serem ilegais. Como consequência, esses barcos não recebem o alerta dos riscos de navegação chamado ‘Aviso aos Navegantes’, lançado pelo boletim diário dessa instituição, o que também compromete a segurança de seus tripulantes.

Segundo o biólogo marinho Eduardo Pimenta, vários cardumes de peixes aproveitam as águas tépidas dessa corrente para reprodução e desova. O percurso feito pelo Sailfish compõe uma verdadeira saga migratória no imenso oceano Atlântico Sul: o trajeto parte do Sudeste brasileiro e segue para o leste até a costa do continente africano. Em seguida, o peixe retorna Boias rudimentares indicam as extremidades dos espinhéis — para fechar o ciclo. “Ele frequenta, sazonalmente, os que podem ultrapassar 10 km de comprimento estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo e pode chegar até Cabo de Santa Marta, em Santa Catarina. Mas, no Rio e em São Paulo são os lugares onde está registrado o maior número de áreas de desova. Acreditamos também que habite, por mais tempo, o Nordeste do Brasil”, esclarece Eduardo. No entanto, toda essa sagaz movimentação para multiplicar a espécie pode ser infrutífera: de acordo com estatísticas do governo brasileiro, foi assinalado o declínio de 80% nos estoques de muitas dessas espécies devido à exploração excessiva, irregular e sem critérios. “Os recursos estão na sua capacidade máxima de exploração ou já a ultrapassaram. Isso vale também para as capturas acompanhanEssa é uma das formas de iscar a Sardinha viva, artifício que tes”, alerta o biólogo marinho. vem dizimando os cardumes de Sailfish na época da desova 68 l PESCAVENTURA

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Os prejuízos para a pesca esportiva Há cinco anos, os praticantes da pesca oceânica no Estado do Rio de Janeiro constatam a redução alarmante das espécies de bico, que se intensificou, sobretudo, após a prática da utilização de iscas vivas nos espinhéis. Esse fato não é novidade no país: em Vitória-ES, há alguns anos, o Agulhão-branco sofreu uma redução desenfreada, a tal ponto de desaparecerem. Entretanto, com a migração da técnica predatória para Cabo Frio-RJ, a captura naquele Estado recuperou-se: hoje se observa a liberação de 12 a 15 espécies por saída e embarcação. O exemplo é relevante: além do fato de nada ser capaz de justificar a predação em período reprodutivo, os peixes de bico, quando vivos, agregam maior valor do que quando estão mortos. Isso porque, mesmo que a carne dos Sailfishes seja comercializada de forma traiçoeira como se fosse a de Atuns para servir de sashimi — o que faz aumentar o seu preço de R$1 para R$5 o quilo — se considerarmos um peixe de 20 quilos, seriam necessários matar quase 40 espécimes para igualar a quantia que um barco destinado à pesca esportiva injeta no turismo a cada saída.

Conclusão: o Brasil perde em diversos aspectos, seja no deslocamento de recursos para outros países, seja na extinção de espécies importantes para a manutenção dos mares. Assim, surgem as perguntas: quantos pescadores esportivos terão de migrar para o turismo de pesca esportiva estrangeiro até as autoridades programarem medidas de combate a essa matança indiscriminada? O que farão os pescadores comerciais quando o iminente desaparecimento dessas espécies secar a sua fonte de sobrevivência? PESCAVENTURA l 69

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No sentido de tentar enganar a fiscalização, os pescadores cortam o bico e a cauda do Sailfish. Estas terríveis imagens mostram o desembarque dos peixes no porto de Cabo Frio-RJ

Eles também afogam as aves

A

mortalidade de aves oceânicas, especialmente de albatrozes e petréis, associada aos espinhéis tem sido reconhecida como uma grave ameaça para a preservação dessas e de outras espécies. Capturada de forma incidental e, ao mesmo tempo, irresponsável, boa parte dessas aves está em risco, já que as iscas boiando são um convite a uma refeição fácil e mortal. De acordo com Tatiana Neves, coordenadora do Projeto Albatroz, atualmente existem 22 espécies de albatrozes registradas, 19 estão ameaçadas de extinção, algumas das quais já se encontram em um grau mais elevado de perigo, números que são potencializados por essa atividade criminosa. Segundo órgãos internacionais, como a CCAMLR (Comissão para Conservação dos Recursos Vivos da

Antártica) e a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), várias medidas alternativas podem diminuir a mortalidade. Tatiana destaca algumas: a largada do espinhel durante a noite, quando a maioria das aves não está acostumada a pescar, é uma delas. Ampliar os pesos das linhas secundárias para aumentar a velocidade de afundamento, de forma a deixar as iscas por menos tempo disponíveis para elas, também ajudaria. Outra medida eficaz e de baixo custo é o toriline — um espantador de aves já testado, que já se apresentou como viável solução. Saiba mais sobre o Projeto Albatroz pela página eletrônica: www.projetoalbatroz.org.br *Fonte: Projeto Albatroz

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Latitude

Longitude

Para continuar sendo do nosso bico Como forma de tentar conter a escassez imposta pela sobrepesca a muitas espécies nos oceanos, o ideal seria isolar grande parte dos ecossistemas marinhos até que os estoques estivessem completamente recuperados. Segundo o cientista e biólogo norteamericano Daniel Pauly, a salvação dos peixes pode estar na criação de zonas oceânicas supervisionadas adequadamente. O cientista afirma que deveria ocorrer o desenvolvimento de reservas marinhas — que teriam como principal função proteger e fiscalizar o que acontece em grandes áreas aquáticas. Porém, enquanto isso não acontece, biólogos e pesquisadores se organizam para tentar encontrar uma alternativa. No Brasil, em reunião realizada por pescadores esportivos do ICRJ (Iate Clube do Rio de Janeiro) e por cientistas especialistas na área marinha, o tema discutido foi o futuro das espécies de bico. Nesse encontro, que contou com a presença do presidente da ICCAT (Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico), Fábio Hazim, foram debatidas práticas importantes, como: a proibição da

pesca e da comercialização nessa região e, por que não, a fiscalização de restaurantes.

Poder observar os saltos do Sailfish é um momento que marca para sempre a memória do pescador esportivo PESCAVENTURA l 71

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