Jornal Avançando - Edição XIX

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JORNAL

Avançando

Jornal da Juventude Comunista Avançando | Abril de 2020 | Edição XIX | 4 jcabrasil.org | f facebook.com/jcapclcpbrasil

Coronavírus: epidemia evidencia limites do capitalismo - nota conjunta PCLCP e JCA

Cortes na CAPES: Pesquisa e ciência como alvos de ataque

56 anos dos golpe cívico-militar: para que não se repita

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NACIONAL

Em defesa da vida da classe trabalhadora: derrubar Bolsonaro e construir uma saída popular para a crise

E

m pouco mais de um mês da chegada do Coronavírus ao Brasil, o país já apresenta um quadro epidemiológico muito alarmante, inclusive se comparado com a evolução dos casos nos países mais afetados, como a Itália. São mais de 12.056 casos confirmados, outras milhares de internações hospitalares ainda sem teste e já ultrapassamos a marca de 500 mortos. Ainda não chegamos ao pico do processo de contaminação, o que torna este momento decisivo para tomar medidas de prevenção e controle. Segundo estudo recente de cientistas ligados ao Imperial College de Londres e a Organização Mundial da Saúde – OMS, o Brasil poderá chegar a mais de 1 milhão de mortos se abandonar a quarentena e tratar a Covid-19 como “uma gripezinha qualquer”. Conforme o número de casos do novo Coronavírus crescem pelo Brasil, os posicionamentos do governo Bolsonaro nos encaminham para um cenário calamitoso. O presidente tem ignorado as recomendações feitas pelas autoridades mundiais de saúde e pelas autoridades e entidades científicas brasileiras, diante do cenário que já vivem outros países até hoje (01/04), como EUA, com 3.416 mortos (175 mil casos confirmados), Espanha, com 8.189 mortos (94,4 mil casos confirmados), Irã, com 2.898 mortos (mais de 44 mil casos confirmados) e Itália, com mais de 11 mil mortos. Já são mais de 40 mil mortos na soma de todos os países, com 803 mil pessoas infectadas pela doença, sendo que a maioria dos países nem chegou no pico do número de casos. Enquanto o mundo adota medidas de isolamento so-

cial, Bolsonaro defende em seus pronunciamentos oficiais o fim da quarentena e a defesa irrestrita do capital ao custo das vidas do povo brasileiro. Nos últimos dias, temos visto o presidente combater a ciência, inclusive com o anúncio do corte de centenas de bolsas de pós-graduação, e contradizer as declarações de seu próprio ministro da saúde. A postura de Bolsonaro gerou atrito político no seio da elites brasileiras, isolando o presidente dos governadores estaduais e do Congresso Nacional. As críticas de especialistas de saúde, políticos da direita tradicional e de ex-apoiadores foram repetidas no horário nobre dos telejornais, acompanhadas de panelaços por todo país. Diante desse cenário, surgiram especulações sobre a queda de Bolsonaro articulada pela direita tradicional no parlamento, uma vez que a esquerda, sem poder tomar as ruas, tem dificuldades para articular ações contundentes nesse momento. Entretanto, as diferenças e disputas entre a extrema direita bolsonarista e a direita tradicional são profundas o suficiente para que esse confronto produza uma mudança na direção do Estado brasileiro? É importante lembrar que Bolsonaro é resultado e continuação do golpe de 2016, apoiado e alimentado pelos monopólios e pelo latifúndio, representados nos partidos, gabinetes e na grande mídia oportunista. O golpe arquitetado “com STF, com tudo” teve adesão dessa direita tradicional, assanhada com a possibilidade de retornar ao comando do executivo com uma candidatura puro sangue. Contudo, o elemento dirigente desse processo é o imperialismo dos

EUA. O movimento golpista foi impulsionado, desde 2013, por “novos atores políticos” como o MBL, Vem Pra Rua e outros fantoches dos monopólios estadunidenses, bem como por um discurso extremista contra os partidos e outras instituições. O ambiente político gerado nesse processo era propício a uma candidatura extremista de um outsider como Bolsonaro, ou seja, um candidato que era oposição ao PT e, ao mesmo tempo, não era uma figurinha repetida da direita tradicional. Além do trabalho prévio, teve um peso decisivo o uso das tecnologias de manipulação de massa através das redes sociais, articulado pelo fascista Steve Bannon. O péssimo resultado eleitoral da direita tradicional não se responde apenas pelo péssimo candidato Geraldo – picolé de chuchu – Alckmin, mas também por um enfraquecimento geral de todo esse setor. No Congresso Nacional, houve recuo de todos os principais partidos da direita tradicional no número de deputados e senadores eleitos em 2018, com exceção apenas do DEM. O golpe unificou a direita em torno de um programa de privatizações, retirada de direitos e entrega do patrimônio nacional. Por essa razão, até o momento, as divergências entre bolsonaristas e membros da direita tradicional se apresentaram apenas na chamada “pauta dos costumes”. Quando a política econômica entra em debate, a disputa gira em torno de provar quem é mais eficiente na aprovação das reformas, Congresso ou Executivo. Entretanto, há consenso no ataque à nova república, expresso na destruição da Constituição de 1988, especialmente no que tange aos direitos do povo. A diferença entre essas frações burguesas está, sobretudo, no projeto político extremista de Bolsonaro, que anuncia e trabalha “em aproximações sucessivas” por um golpe dentro do golpe, enquanto a direita tradicional busca preservar sua hegemonia dentro das instâncias de Estado democráticas burguesas existentes. A disputa travada pela direita tradicional contra Bolsonaro é uma disputa por espaço da estrutura de Estado e na condução do programa do golpe. Bolsonaro age completamente alinhado aos interesses dos EUA, ao exemplo de seu retorno ao Brasil, após jantar com Trump, quando radicalizou a convocação das manifestações do dia 15 de março, proclamando o fechamento do Congresso. Os planos dos EUA para as grandes disputas da geopolítica mundial envolvem o acesso irrestrito às riquezas do Brasil. Pouco importam à potência imperialista nossa produção industrial, o mercado interno e

os níveis de vida do povo brasileiro. Para os EUA, o petróleo, a água, as terras, os minérios, a biodiversidade e a posição do Brasil no continente oferecem reservas de recursos fundamentais e garantias de super lucro, já que o país conta com a infraestrutura necessária para extração dessas riquezas. Dentro dessa lógica, a desvalorização da Petrobrás e a quebradeira da economia viram liquidação, e o caos político justificativa para que o presidente assuma plenos poderes sobre a nação. A direita tradicional representa setores das classes dominantes ligados ao mercado interno, monopólios associados e submetidos ao capital estadunidense, mas cujo lucro depende da economia doméstica. Essa fração burguesa não tem projeto próprio, nem intenções de romper com os sócios majoritários do norte, ao contrário, esperam ansiosos pelo aprofundamento do seu vínculo com o capital financeiro e por sua parte na liquidação das riquezas nacionais, mesmo sabendo que isso implica na destruição de vários ramos da economia brasileira, como têm demonstrado os dados sobre crescimento econômico, desemprego, retração da produção industrial e super valorização do dólar. Esses setores das classes dominantes estão impacientes com a condução de Bolsonaro, pois as reformas e privatizações, que serviriam de compensação pelos prejuízos no mercado interno, não estão sendo entregues no ritmo desejado. A aprovação das medidas econômicas é constantemente adiada em favor da disputa em torno do projeto fascista de golpe dentro do golpe. Isso tem levado o presidente a combates ideológicos contra China, povos árabes e outros parceiros comerciais importantes, e a choques constantes contra o Congresso. Num momento de crise econômica mundial, agravada pela pandemia, as contradições se agudizam pelo pavor da burguesia com a queda do lucro. Os monopólios, o latifúndio e os bancos certamente têm trabalhado nos últimos dias para selar acordos espúrios em reuniões reservadas, tanto com o Congresso, quanto com o presidente, com o objetivo de garantir os recursos do Estado para salvarem seus negócios. As alfinetadas que observamos na mídia, nas declarações de Bolsonaro, Rodrigo Maia e dos diversos governadores são dirigidas à disputa da população em geral (estamos em ano eleitoral), e da grande massa de pequenos e microempresários espalhados pelo país. Enquanto o Congresso debatia e preparava medidas para socorrer o capital e fornecer mínima assistência para parte da população mais pobre, Bolsonaro saiu na frente na defesa incondicional do capital, defendendo o fim da quarentena, custe quantas vidas custar. As ordas do bolsonarismo foram ativa-

das, as posições do presidente, manifestos públicos de empresários e carreatas fizeram ao menos três governadores recuarem (MT, RO e SC), ainda que o governador catarinense já tenha desistido de sair da quarentena. Não podemos esquecer do consenso da direita quanto ao programa econômico do golpe. Metade dos/das trabalhadores/ as já são forçados/as a se expor à doença e infecção para poder sobreviver, devido a sua condição de informalidade, sempre presente em nosso país, mas especialmente induzida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e pela Lei das Terceirizações (Lei 13.429/2017). O sistema de saúde irá colapsar, e a crise sanitária e suas consequências nos próximos anos não serão resolvidas enquanto perdurar a Emenda Constitucional 95, do teto de investimentos públicos. A realidade do contágio tende a se impor contra o discurso genocida de Bolsonaro, tal qual aconteceu na cidade italiana de Milão. Mas que preço o povo brasileiro terá que pagar? A direita tradicional participou ativamente do golpe e atua pela destruição da Nova República. Se impõe alguns empecilhos ao avanço fascista de Bolsonaro, não tem um projeto político próprio que dispute com os interesses dos EUA. Está buscando unificar o capital através de importantes monopólios da mídia, como o grupo Globo, e da gestão de parte dos recursos da União, aprovando pacotes de socorro ao capital, mas não é capaz de conformar base social de massa e, ao que tudo indica, não tem bases sólidas no comando das Forças Armadas. Ainda que Bolsonaro fique apagado na gestão efetiva da crise do Coronavírus, sua queda articulada pelo Congresso é improvável, pois implicaria em desafiar os EUA e, o que é mais importante, a derrota de seu programa, o que não é objetivo da burguesia. Nesse momento, as forças populares são as únicas interessadas em derrotar Bolsonaro e, ao mesmo tempo, seu programa de destruição nacional, uma vez que este é encampado também pelo Congresso e pela direita tradicional. A precarização da vida do povo é também a precarização das lutas populares, é necessário que os trabalhadores e trabalhadoras tenham condições mínimas de sobrevivência antes de tudo. Nesse momento, com a pandemia se espalhando especialmente entre as camadas mais fragilizadas da sociedade, que já sofrem com falta de saneamento básico, condições de moradia dignas e acesso à saúde de qualidade, é urgente a defesa da vida dos/das trabalhadores/as. Precisamos defender a manutenção da quarentena, com garantia legal de estabilidade do emprego durante todo o período, amparando trabalhadores/ as – assalariados/as e autônomos/as – e de-

sempregados. É necessária a intervenção estatal para socorrer as micro e pequenas empresas, que representam mais da metade das vagas formais de emprego (57%), segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia, em 2019. Essas empresas foram responsáveis por 75% das novas contratações realizadas no ano passado, cerca de 670 mil empregos. A defesa dessas empresas vai na contramão do que faz o governo e o grande capital, que têm priorizado a manutenção das taxas de lucro dos monopólios e bancos. Aliado a essa medida, deve-se aplicar o imposto sobre grandes fortunas – previsto na constituição e nunca executado – e taxar os bancos privados, cobrando percentual de seus lucros referentes a 2019. O dinheiro deve ser direcionado ao financiamento exclusivo do SUS e das pesquisas referentes ao enfrentamento do Coronavírus, e o Estado deve garantir a aquisição imediata de EPIs e equipamentos indispensáveis para o enfrentamento da pandemia. Ademais, o Estado também deve garantir o desenvolvimento da capacidade de produzir esses materiais dentro do próprio país, com vistas a se tornar autossuficiente, além de contratar profissionais da saúde, melhorando as condições de trabalho dos profissionais que hoje enfrentam intermináveis plantões, em nível de esgotamento físico e emocional. É necessária a revogação imediata da EC 95 e a suspensão do pagamento e realização de auditoria da dívida pública, que toma mais de 1 trilhão de reais do orçamento público federal todos os anos, recursos que, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, “[…] se encontram reservados apenas para o pagamento de uma questionável dívida que nunca foi integralmente auditada, em benefício de um sistema financeiro que se nega a cumprir suas funções constitucionais […] como consta do art. 192 da Constituição Federal”. Bolsonaro já deixou claro qual a prioridade do seu governo nesse momento: favorecer o grande capital financeiro, nem que para isso precise instaurar num novo golpe, abertamente fascista. Essa pandemia evidencia que é a classe trabalhadora quem produz a riqueza e move o mundo. Nesse momento de dificuldades e ameaças, todos os perigos pesam sobre nosso povo. A solidariedade de classe e a unidade das organizações populares são nossa maior arma para garantir nossa sobrevivência dia após dia, e preparar nossa resposta nas lutas que virão. Se as vidas dos/das trabalhadores/as forem colocadas em risco, se formos obrigados/as a trabalhar em condições de morte, façamos greves em defesa da vida!


EDUCAÇÃO

DITADURA

Sem bolsa, sem pesquisa:

pela revogação da portaria 34

N

o dia 18 de março, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) publicou a Portaria 34, que dispões sobre uma nova forma de distribuição das bolsas de pós-graduação nas universidades brasileiras. O novo modelo orienta o remanejamento das bolsas de mestrado e doutorado, suspendendo vagas nos programas com as menores notas e justificando isso com uma ampliação das vagas nos cursos com as maiores. O problema é não só uma questão de concepção produtivista da educação, usando o argumento de “menores notas, menor utilidade”, mas também um ataque direto à ciência e à permanência estudantil das centenas de pós-graduandos que perderão o auxílio das bolsas remanejadas. Sob o pretexto de investir em cursos mais “úteis” para o combate à pandemia do Covid-19, o Governo Federal aproveitou o momento de crise social e econômica do país para aprovar medidas extremamente prejudiciais à educação pública - as menores notas são de cursos na região Norte e no Nordeste, e não se leva em conta que essas Universidades e Institutos Federais foram construídos a menos tempo e, logo, têm menos estrutura. Desde que Bolsonaro assumiu, a pouco mais de um ano, já passaram 3 ministros da educação por seu governo. Abraham Weintraub vem se mostrando seleto sobre os gastos com a educação e não hesita em cortar e contingenciar os repasses para o setor. No ano de 2019 diversas UFs e IFs do país sofreram um ataque direto, não recebendo verba o suficiente para funcionar durante todo o período letivo, com as argumentações que seriam apenas “contingenciamentos” . A política do governo Bolsonaro para a educação

em todos os níveis vem sendo o sufocamento dos investimentos públicos e o aprofundamento da precarização da vida estudantil. No núcleo duro do governo Bolsonaro orbitam três tendências principais facilmente identificáveis: o obscurantismo, o reacionarismo e as privatizações. A área da educação não se afasta desse conjunto, sendo constantemente atingida e deslegitimada. Embora responsáveis pela maior parte da produção de ciência do país, as Universidades e Institutos Federais (IFEs) continuam atingidos pelos ataques criminosos dos governos federais, acentuados após o golpe de 2016, especialmente, com a EC 95 ou a chamada Lei do Teto de Gastos. Está claro o papel que esses ataques tão brutais cumprem nessa agenda de maldades do governo Bolsonaro, com apoio da direita tradicional, em sua total subserviência ao imperialismo estadunidense, destruindo ao mesmo tempo a produção científica nacional, uma das frentes de emancipação intelectual das classes despossuídas, um dos bastiões na resistência ao seu projeto fascistizante e de quebra proporcionando uma presa gorda aos monopólios da educação. Os cortes de bolsas chegam nesse cenário já dificultado à sobrevivência das IFEs, impondo mais uma barreira à permanência estudantil além do desfinanciamento de outras importantes políticas de democratização do ensino superior, como o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Os resultados desse projeto de miséria para a educação são o aumento da evasão estudantil,a queda na qualidade do ensino e do aprendizado, com estudantes sem bolsas e sem Restaurantes Universitários, tendo que escolher entre estudar ou trabalhar

para sobreviver, a abertura ainda maior para a iniciativa privada na educação pública, através do programa Future-se lançado no ano passado e a desvalorização da ciência e da pesquisa. As bolsas são essenciais para a maior parte dos estudantes de pós-graduação das instituições públicas, uma vez que os bolsistas não podem ter qualquer vínculo de renda e muitas vezes precisam se dedicar de forma integral às pesquisas, dependendo exclusivamente da bolsa gastos que englobam alimentação, moradia, transporte, materiais e livros, viagens de pesquisa e congressos e outros. Os programas de pós-graduação espalhados pelas IFES de todo o país são, hoje, grandes responsáveis pelo desenvolvimento de conhecimento e tecnologia nas mais diversas áreas, e no momento em que as políticas de assistência ao povo devem ser ampliadas e fomentadas, o Governo Federal opta por precarizar ainda mais a vida dos estudantes e as condições de fomento à pesquisa e a ciência. Além disso, esta mudança na forma de concessão das bolsas é uma forma evasiva de priorização de cursos em que já possuem notas altas e altos rendimentos para o capital, trazendo a ideia de que o ensino deve ser rápido e eficaz, sendo medido pelos números e não pela qualidade e de que os cursos de humanidades “não servem para nada”, não há interesse para o país investir nessas áreas ou estão corrompidas por “um bando de maconheiros”. Essas palavras já foram fundamento e ainda são para o novo modelo de ensino médio técnico, de onde foi retirada a obrigatoriedade de matérias de ciências humanas, ainda no Governo Temer, com a Lei 13.415/17 ou a chamada Contrarreforma do Ensino Médio. O projeto segue o mesmo: a dicotomia entre o ensino superior, para quem pode pagar, formando as elites dirigente do nosso país, e o ensino técnico-profissional, onde a educação pública, gerida pelo setor privado, é uma uma ferramenta para a formação de mão-de-obra barata, para os filhos da classe trabalhadora, aprofundando a exploração em nosso país. O buraco que se abrirá ainda mais com esta nova readequação tende a trazer números bem maiores na falta de qualidade do ensino, de vida e da economia onde estas universidades estão inseridas. É inegável o projeto de sucateamento do ensino, e o Governo Bolsonaro continua sendo completamente irresponsável aprovando contingenciamentos que afetam a pesquisa, a ciência e a vida de muitos estudantes que dependem das bolsas. Deve ser imediata a revogação da Portaria 34, com ampliação dos investimentos em pesquisa e na quantidade de bolsas de pós graduação.

56 anos do golpe civil-militar

DITADURA NUNCA MAIS!

N

o dia 1º de abril, o povo brasileiro rememorou os 56 anos do golpe que deu início à ditadura civil-militar (1964-1985). Não só no Brasil, as décadas de 1950, 60 e 70 foram marcadas por sucessivos golpes na América Latina: no Uruguai e na Guatemala em 1954, no Chile e no Uruguai em 1973, na Argentina em 1976, entre diversos outros. E o que esses golpes tiveram em comum? A participação do imperialismo estadunidense, em termos não só de articulação e intervenção direta ou indireta, como de apoio militar, financeiro e tecnológico. As forças imperialistas, principalmente os Estados Unidos, precisavam assegurar que a correlação de forças na geopolítica internacional estivessem a seu favor. Não somente para garantirem a dominação e o controle geopolítico sobre a região que consideram “seu pátio traseiro”. Mas, principalmente, para expropriar as riquezas e recursos naturais e materiais dos países periféricos, e agravar as tendências do desenvolvimento desigual e combinado, em que a modernização e industrialização promovidas servem às dinâmicas das economias capitalistas do centro. Sob o domínio do capital monopolista, vivemos um processo de contrarrevolução permanente em escala global, e as dita-

duras na América Latina em nada podem ser confundidas com “revoluções”, como alegam muitos revisionistas e reacionários por aí afora. Ao contrário das tarefas revolucionárias ou reformistas das revoluções burguesas ou democráticas clássicas, o golpe civil-militar de 64 no Brasil expressou a constituição de um Estado burguês que nada tinha de democrático, como escreveu Florestan Fernandes (1984), mas sim, autocrático. Com o domínio internacional do capital financeiro, num país de capitalismo dependente como o nosso, o fascismo tem características distintas do fascismo de Hitler ou Mussolini. Aqui, a fração dominante do bloco de poder é o imperialismo. E luta de classes é tão exacerbada, que em momentos de crise - e quando há necessidade por parte dos países imperialistas de garantir seu domínio e o roubo de nossas riquezas - não há espaço suficiente para preservar traços de democracia em nossas repúblicas autocráticas. Então, as ditaduras fascistas na América Latina, levadas a cabo pelas Forças Armadas e a burguesia associada ao imperialismo, revelam-se de maneira muito mais brutal e violenta. Já a partir do início da ditadura, rapidamente foi erguida uma poderosa estrutura de espionagem, inteligência, repressão e

tortura, que contou inclusive com diversos sítios clandestinos de tortura e prisão, como a Casa da Morte, em Petrópolis/RJ e a Fazenda 31 de Março, em Parelheiros, zona sul de São Paulo. Uma semana depois do golpe, os militares decretaram o 1º dos Atos Institucionais, seus principais instrumentos normativos para tornar “legais” quaisquer atos do poder Executivo, inclusive a suspensão de direitos fundamentais. O AI-1 derrubou a Constituição de 1946; instituiu o Comando Supremo da Revolução, formado por ministros militares; suspendeu a imunidade parlamentar; instituiu uma lista de cassações e suspendeu os direitos políticos de 100 cidadãos brasileiros. Entre eles, o primeiro da lista era o grande comunista e revolucionário Luiz Carlos Prestes, seguido pelo até então presidente João Goulart, o ex-presidente Jânio Quadros, o governador de Pernambuco Miguel Arraes, o ministro da Casa Civil de Jango, Darcy Ribeiro, e outras dezenas de pessoas. Com sua poderosa estrutura de repressão e inteligência, que contava com agências como o Sistema Nacional de Informações (SNI), os Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS), a Operação Bandeirantes em São Paulo (Oban), as polícias militares e, alguns anos depois, os Destacamentos de Operações de


DITADURA

Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), a ditadura exilou, perseguiu, sequestrou, torturou, prendeu, desapareceu e assassinou milhares de homens e mulheres, militantes organizados ou não, que eram identificados pelos algozes do regime como “subversivos”. Em nome da Doutrina de Segurança Nacional, desenvolvida nos Estados Unidos para combater a “ameaça comunista”, as garras do imperialismo avançaram sobre a estrutura de repressão das ditaduras latino-americanas. Além da formação na Escola Superior de Guerra (ESG), muitos agentes do Estado brasileiro foram treinados na Escola das Américas, mantida no Panamá pelos Estados Unidos; e outros receberam treinamentos da CIA e do FBI, mas também na Alemanha, França e Israel, para auxiliar na implantação de uma rede de espionagem, inteligência e repressão que culminou na criação da Escola Nacional de Informações do SNI. E a terrorista Operação Condor, que estabeleceu uma avançada rede transnacional de inteligência, repressão organizada (estatal e paraestatal) e transmissão de informações entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai? Não só não conseguiria ser organizada e operada sem o apoio estadunidense, como sua origem pode ser traçada desde a convocação da 1ª Conferência dos Exércitos Americanos - a convite dos Estados Unidos - logo após a Revolução Cubana, em 1959. A ditadura não só aprofundou a dependência do capitalismo brasileiro em relação aos países do centro, por meio da promoção de uma verdadeira abertura do nosso país aos grandes monopólios estrangeiros e expansão do agronegócio; como avançou por cima de diversos outros setores, promovendo contrarreformas na educação, saúde, previdência social, entre outros. Isso tudo, garantido a partir da já mencionada estrutura de repressão que tentou - ainda que não raras vezes sem sucesso - abafar qualquer tipo de resistência, seja no campo, nas cidades, na cultura e nas artes, no movimento sindical ou estudantil. A ditadura chega ao fim em 1985, após pelo menos 10 anos de distensão e abertura controladas. Havia uma crescente pressão do povo contra as políticas criminosas de fome, miséria, censura e repressão, e havia também a necessidade de reciclar o regime que apresentava muitas instabilidades. Claro, com a garantia de que fossem mantidos intactos os interesses dos monopólios e latifúndios, reorganizando e estabilizando o país, sobre o qual a contrarrevolução permanente continuaria por outros meios. A política reacionária da ditadura civil-militar

brasileira foi garantida por seus continuadores: Sarney, Collor, Itamar/FHC. De verdade, memória, justiça e reparação, nosso povo pouco viu. Como disse Prestes, em 1985, “a Nova República já nascera velha”. Perguntamos: por que não foram presos os torturadores e assassinos dos filhos da nossa pátria? Onde estão os corpos dos homens e mulheres desaparecidos para que suas famílias deixem, finalmente, de procurá-los? Onde estão os arquivos sob posse das Forças Armadas? Quais foram todos os centros clandestinos de tortura e prisão? Quais os nomes dos mortos que não constam nas listas oficiais? São milhares de perguntas e poucas respostas. Ainda que tenha sido fundamental para tentar respondê-las, o esforço da Comissão Nacional da Verdade, Comissão da Anistia e Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. O povo brasileiro não acertou as contas com a ditadura e seus algozes. E não pode-

mos nos iludir que o pacto de 1985/88 tenha representado qualquer ruptura com a autocracia burguesa, muito pelo contrário. O fascismo sempre esteve presente nas estruturas e na organização do Estado brasileiro e suas instituições, ele só estava menos evidente. Hoje, se ao Ministro da Defesa do governo Bolsonaro é permitido fazer alusão ao “Movimento de 64” como um “marco para a democracia brasileira”, é porque o fascismo corre solto. Se hoje, ao presidente da República, é permitida a implementação de uma política bárbara de miséria, fome e desemprego, é porque seu governo é inegavelmente fascista. E, assim como o fascismo não foi extirpado de nosso país com a transição de 1985, ele não será enquanto as amarras dos monopólios, latifúndios e do imperialismo vigorarem em nossa Terra. Contra a barbárie e em memória daqueles e daquelas que lutaram contra a ditadura. Para que nunca mais se repita.


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