Art'escama

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ART'ESCAMA Ilha da Pintada


Ilha da Pintada A Ilha da Pintada integra, com outras dezesseis ilhas, o bairro Arquipélago, da cidade de Porto Alegre, criado em 1959 e a área de preservação ambiental do Parque do Delta do Jacuí, formado por 30 ilhas e porções continentais de matas, banhados e campos inundados, no encontro dos rios Jacuí, Gravataí, Caí e Sinos. Com a Lei Estadual nº 12.371/05, foram definidos os limites desse Parque e criada a Área de Proteção Ambiental Estadual Delta do Jacuí, como unidade de uso sustentável (APA) - o único núcleo urbano intensivo reconhecido legalmente dentro do Parque Estadual é a Ilha da Pintada, que tem na origem de sua estruturação urbana uma vila de pescadores. Até o final do século XIX as ilhas do bairro Arquipélago abasteciam o centro da capital com hortaliças e peixes, a partir de então, a pesca artesanal passou a ser a atividade principal. Em 1921 foi fundada, na Ilha da Pintada, a Colônia de Pescadores Z-9 (posteriormente a denominação foi alterada para Z-5) para disciplinar, fiscalizar as atividades dos pescadores de vários municípios, além de prestar assistência a esses pescadores. Já a transferência do Estaleiro Mabilde, fundado 1896 no centro de Porto Alegre, para a Ilha da Pintada em 1912, exigiu uma série de interferências e alterações no novo espaço e entorno. Foram necessárias obras para aterro, construção de dique, construção de dois molhes na entrada do canal. Mais tarde vieram as construções de casas para os trabalhadores e de escola para seus filhos, assim como a estruturação de serviços de assistência médica, armazéns de secos e molhados e associação esportiva. A partir dos anos 1950, com o fortalecimento do transporte rodoviário, a diminuição do transporte fluvial, a construção da Travessia Régis Bittencourt (compostas pelas pontes do Guaíba, do Canal Furado Grande, do Saco da Alemoa e do Jacuí, todas entre Porto Alegre e Eldorado do Sul) e o consequente acesso facilitado à região das ilhas, houve um rearranjo da população,




principalmente, nas ilhas da Pintada, dos Marinheiros, das Flores e do Pavão, com a migração de grupos oriundos do interior do Estado e das camadas mais pobres de Porto Alegre. O resultado foi uma alteração na relação entre a Ilha e o Continente, implicando em novas relações entre ilhéus e não ilhéus. Embora não seja mais uma referência no fornecimento do pescado para a cidade, a Ilha da Pintada é conhecida pelo saboroso peixe na taquara – iguaria local que faz sucesso aos domingos no Restaurante da Colônia Z-5 e durante a Semana Santa, em feira, no Centro de Porto Alegre. E o artesanato em escamas e couro de peixe também divulga a Ilha em feiras regionais, nacionais e internacionais. São elementos que apresentam uma faceta da diversidade cultural da cidade e seu imbricamento com a paisagem.

ART'ESCAMA A Art’Escama é uma Associação, formada por artesãs, em sua maioria, residentes na Ilha da Pintada, que se une com a expectativa de realizar uma atividade sustentável e relacionada ao cotidiano local como meio de renda – o grupo desenvolve uma produção artesanal que utiliza escama e couro de peixe como matéria-prima. Para realizar essa atividade, primeiro, foi necessário resgatar uma antiga técnica açoriana que não fazia parte do cotidiano dessas mulheres. Através dessa técnica, elas passaram a produzir bijuterias, bandejas, capelinhas com santos e peças de vestuário, bordadas com as escamas, entre outros produtos, que são comercializados na própria Ilha e em feiras de artesanato tanto nacionais como internacionais – o trabalho já foi exportado para Europa e Estados Unidos. Posteriormente, as artesãs passaram a utilizar, também, o couro de peixe.




Com essa produção, que se consolida na Ilha da Pintada através da Art’Escama, as artesãs buscam inclusão social e econômica através de um fazer que ao mesmo tempo promove o reconhecimento social e o fortalecimento da identidade local. No final de 2012, foi inaugurada, em local cedido pelo CTG Madrugada Campeira e com recursos de projetos, a sede da Associação. Esse espaço conta com atelier, para realização de cursos e produção do artesanato, loja para a comercialização dos produtos desenvolvidos e um museu, para registro e divulgação da cultura local e das trajetórias do grupo. A Art’Escama teve seu início como grupo originário de um curso de artesanato em escamas de peixe, ainda no final dos anos 1990. Enquanto grupo participou de feiras de economia solidária e também disseminou a técnica em cursos pelo interior do Estado e pelo litoral. Hoje o empreendimento possui CNPJ, está organizado sob a forma de associação, tem projetos, conta com uma rede de parceiros, participa de redes de economia solidária e tem endereço próprio. Além disso, em 2013 recebeu selo de reconhecimento de tecnologia social. Toda essa conquista é mérito das artesãs que acreditaram em seu trabalho e na possibilidade de desenvolvimento local e sustentável, mas principalmente na solidariedade e na cooperação. Endereço: Rua Salomão Pires Abrahão nº 160, bairro Arquipélago, Porto Alegre, RS. Blog: artescama.blogspot.com.

MUSEU DA ILHA Para a constituição de um museu o grupo de artesãs contou com o apoio do Curso de Museologia da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através de um programa que alia ensino, pesquisa e extensão. Essa parceria entre a comunidade e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nasce em 2012 como uma iniciativa de gestão






participativa, integrada aos interesses e necessidades da comunidade local, fundamentada nas teorias da Museologia Social. O projeto Ilha da Pintada, Mulheres, Trabalho e Desenvolvimento Sustentável, reflexo da parceria e da relação dialógica, chegou a ser contemplado com o Prêmio Universidade Solidária em 2013. Com o objetivo de melhor conhecer a comunidade e sua cultura e propor alternativas em sintonia com demandas específicas foi necessário buscar tanto a história, quanto a memória coletiva dos ilhéus. E, das conversas e entrevistas com os moradores da Ilha, das rodas de memórias com os mais idosos, das oficinas de Educação para o Patrimônio com os mais jovens, das pesquisas e das demandas locais nasceu o Museu da Ilha da Pintada. O Museu da Ilha da Pintada surge, então, na tipologia de um economuseu - um museu que agrega história, memória, território, ecologia e economia. Sua ênfase é a geração de renda, o crescimento com sustentabilidade e a valorização da cultura local.

As MULHERES As mulheres da Art’Escama apostam na solidariedade e na sustentabilidade como força motriz da geração de renda na Ilha da Pintada. São artesãs que lutaram por um espaço de produção, por qualificação profissional e que continuam lutando por inclusão econômica e reconhecimento social. Elas são esposas, mães, avós, que viram no artesanato um ofício. São mulheres que acreditam no seu trabalho. Hoje esse grupo de artesãs tem uma loja, um atelier, projetos, parcerias e participa da rede de economia solidária. As artesãs têm na Associação que criaram mais que um lugar de trabalho. A Art’Escama representa uma vitória da auto-organização, da solidariedade e da cooperação. Mas, além disso, representa também um espaço de mulheres, um espaço no qual fica demonstrado que elas podem ter


um ofício, podem lutar por melhores condições de vida, por qualificação e podem ter o tempo necessário para criarem a sua arte e dirigirem as suas vidas. Um espaço de autonomia. Algumas das artesãs da Art’Escama como a Eny, a Nanci, a Clélia e Jóia, nasceram na Ilha. Elas, assim como a Lisa, que ali chegou ainda bebê, ou a Joana, adolescente quando a família trocou Canoas por Porto Alegre e ali se estabeleceu, recordam de outro Guaíba. Um lago de águas limpas e com uma variedade de peixes que atualmente não se vê. Lembram com alegria das brincadeiras na proximidade de casa, dos passeios nos caícos, dos bailes na Colônia ou das festas no Estaleiro. E, com tristeza, lembram as dificuldades que os ilhéus passavam durante as enchentes. Outras como a Flor, a Soleni ou a Vera, chegaram à Ilha pelo casamento. Essas mulheres aprenderam a amar a paisagem insular e o olhar aprendeu a deter-se e admirar o voo das aves sobre as águas. Elas criaram raízes na comunidade, ao mesmo tempo em que formavam novos núcleos familiares. Já a Irmã Marenice e a Teresinha aportaram no bairro Arquipélago através do trabalho. A primeira pela congregação do Sagrado Coração de Maria e a segunda como educadora popular. Isso foi pelos anos 1980 e até hoje elas, de uma forma, ou de outra, seguem trabalhando pela comunidade local. A “Tere” até mudou-se para a Ilha da Pintada. Como disse a Clélia: quem bebe da água da Ilha não vai embora daqui! A Sales reside em Eldorado do Sul, mas também participa da criação e produção na Art’Escama – criou o vestido de noiva com corpete em pele de peixe e saia bordada em escamas. Entre as artesãs existem algumas que são também pescadoras. Acompanham os maridos ou os filhos na pesca. São mulheres que além de saberem confeccionar uma rede, sabem como utilizá-la. Outras são exímias costureiras ou doceiras. O certo é que elas trabalham e muito. Mas contam com uma trajetória comum que as une e, também, com muita criatividade.



Foram referência para o texto sobre a Ilha da Pintada: GOMES, José Juvenal, et al. Arquipélago: as ilhas de Porto Alegre. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura UE/SMC/Porto Alegre, 1995. Centro de Pesquisa Histórica, Coordenação de Memória Cultural da Secretaria Municipal de Cultura. História dos bairros de Porto Alegre. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usudoc/ historiados_bairos_de_portoalegre.pdf Porto Alegre. Lei 2.022/1959. Rio Grande do Sul. Decreto nº. 24.385/1976. Este catálogo integra, como produto final, a dissertação Memória e cotidiano de um grupo de mulheres artesãs da Associação Art’Escama, Ilha da Pintada, Bairro Arquipélago, Porto Alegre/RS, elaborada por Helenice Maria de Morais Christaldo, sob a orientação do Prof. Dr. Lucas Graeff. Fotos: Helenice Maria De Morais Christaldo Design e Diagramação: Jean Dorgan • www.dorgan.com.br Textos e pesquisa: Helenice Maria De Morais Christaldo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais Centro Universitário La Salle - Unilasalle


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