REVISTA DIGITAL SALTENSE DE CINEMA E ARTES AUDIOVISUAIS
#01
dez. 2014
HALL DE ENTRADA
Editorial
CADERNO DIGITAL PALMAS DE OURO
O MELHOR DO CINEMA NO MUNDO DIGITAL!
Esta união de conceitos está no espírito do caderno: falaremos de cinema como arte, mas de forma simples e descontraída. Mostraremos toda a cultura do cinema saltense, mas vamos também dialogar com as novidades importantes do cinema nacional e internacional. Queremos extrapolar a linguagem do cinema, conhecer novas experimentações, mas também revelar a história da sétima arte. Produzir todos esses conceitos parece um objetivo difícil, mas acreditamos nele, pois sabemos que o interior paulista tem plena capacidade de produzir cultura, arte e tecnologia para o Brasil e para o mundo. Prova maior disso, e fonte de inspiração para nossa redação, é o grande cineasta saltense Anselmo Duarte, que nunca teve medo de trilhar seu caminho e conquistar
o maior prêmio internacional de cinema, a Palma de Ouro, em Cannes. Anselmo é o grande artista homenageado desta primeira edição e a própria causa da existência deste caderno. Portanto, convido vocês a conhecerem a grande história de Anselmo, e também o seu legado, presente no cinema atual e no próprio caderno que vocês tem em mãos. Boa leitura! Jean-Frédéric Pluvinage / Diretor CONTATO@PALMASDEOURO.COM.BR
Foto: Erica Dal Bello
B
em-vindos à Palmas de Ouro, uma revista diferente sobre cinema! Mais que uma revista, um caderno digital, que une a tradição dos cadernos de cinema franceses com a tecnologia das publicações para tablets e smartphones.
QUEREMOS A SUA PARTICIPAÇÃO!
SUGESTÕES, DICAS, PRESS-RELEASES? Entre em contato com a nossa equipe de redação!
CONTATO@PALMASDEOURO.COM.BR
Índice
Foto: TMV Engenharia
HALL DE ENTRADA
EDIÇÃO DE LANÇAMENTO
SESSÃO ESPECIAL • ANSELMO DUARTE Gênio Indomável • Paulo Stucchi O Pagador de Promessas • Filipe Salles O cinema vivo de Anselmo • Paulo Stucchi SESSÃO ANÁLISE A música no cinema de Stanley Kubrick • Filipe Salles As naturezas de Blade Runner • Rodolfo Emili Mil vezes boa noite • Tatiani Faria Animação: bem, obrigado • Paulo Stucchi Eduardo Coutinho: a alma como instrumento • Lilian Santiago Um panorama do cinema experimental mundial • Paulo Aranha 38ª Mostra Internacional de Cinema • Rodrigo Lara SESSÃO CINEMA REGIONAL Cineastas consagrados do interior paulista • Paulo Aranha
“O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.” ORSON WELLES
HALL DE ENTRADA
Redação
Filipe SALLES Fotógrafo e cineasta, coordena os cursos de artes do CEUNSP. Diretor e diretor de fotografia, tem grande interesse nas afinidades entre som e imagem.
Paulo STUCCHI Diretor da Parla! Assessoria, atua como jornalista e redator para publicações de Itu e região. Também ministra cursos de comunicação corporativa.
Jean-Frédéric PLUVINAGE Diretor da FoxTablet, editora de publicações impressas e digitais. Escreve e ministra cursos sobre o aplicativo Adobe InDesign, editoração e storytelling.
Rodolfo EMILI Estudante de Letras no CEUNSP, estuda e pesquisa Literatura e Cinema Comparado, com especial apreço por livros e filmes de ficção científica.
Lilian Solá SANTIAGO Diretora da Terra Firme Digital, na qual produz filmes e vídeos. Professora de cursos sobre cinema no CEUNSP. Tem paixão por filmes documentários.
Rodrigo LARA Estudante do curso de cinema do CEUNSP, é diretor do documentário “Temporada de Caça”. Atua como produtor executivo e roteirista na Eora Filmes.
Paulo ARANHA Cineclubista, cineasta e multiartista, Paulo é jurado dos festivais Super-8 de Campinas, Festival Internacional de Cinema de Itu e Cine Fest Votorantim.
Tatiani FARIA Formada em Cinema, coordena unidades de negócios do Grupo Comunique-se. Produz roteiros e está envolvida em produções como a do longa “Diana”.
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SESSÃO ESPECIAL
Anselmo Duarte
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GÊNIO INDOMÁVEL
Referência no cinema brasileiro, a vida e a obra do saltense Anselmo Duarte misturam genialidade e polêmica – ingredientes que ajudaram a cunhar uma das melhores fases do cinema nacional
POR PAULO STUCCHI ascido em Salto em 21 de abril de 1920, Anselmo Duarte acumulou diferentes adjetivos ao longo de sua extensa e premiada carreira: polêmico, gênio, um homem à frente de seu tempo, entre tantos outros.
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Amado e criticado com a mesma veemência, o ator, roteirista e diretor viveu na época de ouro do cinema nacional,
e foi um dos precursores das produções verde-amarelas que se tornaram sucesso de bilheteria - algo que, depois de anos de ostracismo na época do Cinema Novo, das Pornochanchadas e das produções de baixa qualidade dos anos 60, 70 e 80, seria superado com “marcos” cinematográficos e sucessos de bilheteria, como Central do Brasil, O Quatrilho, Tropa de Elite, e, recentemente, Se eu fosse você, Cazuza, Olga, O Candidato Honesto etc.
INTERATIVO! Narração da vida de Anselmo Duarte. Fonte: Museu de Salto
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Anselmo Duarte em visita a Salto, em 1962, ano em que ganhou a Palma de Ouro Crítico atroz de Glauber Rocha e Cacá Diegues, e autointitulado “injustiçado”, Anselmo iniciou sua carreira como figurante em uma obra inacabada do norte-americano Orson Welles no Brasil, chamada It’s all true em 1942. Em 1949, trabalha no filme Carnaval de Fogo, filmado na Atlântida com direção de Watson Macedo, consagrando-se como galã. Em 1951, ingressa na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estúdio brasileiro que representou, por muito tempo, a Meca do cinema nacional fundada pelo italiano Franco Zampari em São Bernardo do Campo. Na época, o estúdio recrutou talentos europeus, sobretudo alemães, franceses, italianos e ingleses fugidos da 2ª Guerra para trabalharem como técnicos. Ali, Anselmo estrela grandes sucessos, como Tico-tico no fubá (1952) e Absolutamente Certo, do qual foi diretor, em 1957.
Cannes Prejudicada pela ausência de um sistema próprio de distribuição, a Vera Cruz começa um forte declínio no fim dos anos 50; mas a derrocada do estúdio não representa, de forma alguma, o declínio na carreira de Anselmo. Em 1962, como diretor, lança O pagador de promessas, seu maior sucesso e filme pelo qual é lembrado. Consagrado no Brasil e no exterior, a película não faturou o Oscar, mas ganhou todos os outros prêmios internacionais importantes, incluindo a Palma de Ouro concedida pelo Festival de Cannes (França). Em 1971, compôs o corpo de jurados do festival francês, algo pouco comum para um diretor brasileiro em um país com longa história cinematográfica, como a França. Em 72, ao lado de Tarcísio Meira, participou do filme Independência ou Morte. Retornaria a Cannes
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Anselmo Duarte
em 1997, quando foi convidado especial no evento Palma de Ouro – 50º Aniversário. Com a ascensão do Cinema Novo e dos cineastas da nova geração, a carreira de Anselmo começa a declinar. Contudo, nunca deixou de disparar críticas ácidas contra críticos de cinema e, sobretudo, colegas do Cinema Novo, inclusive para seu lema: “uma ideia na cabeça, uma câmera na mão”. No final de sua vida, com a saúde bastante debilitada e memória falha, Anselmo Duarte foi vítima de um acidente vascular cerebral, e faleceu em 7 de novembro de 2009. Seu nome está imortalizado no Teatro Municipal de Salto – Centro de Educação e Cultura (CEC) Anselmo Duarte – cidade em que nasceu e que, nos últimos anos, voltou a ser sua casa.
O homem por trás da biografia A rica história e obra de Anselmo Duarte tem nome... e livro! Lançado pelo jornalista Oséas Singh Junior em 1993, o livro Adeus Cinema: vida e obra de Anselmo Duarte, ator e cineasta mais premiado do Cinema Brasileiro foi um marco que mereceu enorme destaque na grande imprensa e, também, tornou-se uma espécie de obra definitiva para aqueles que querem estudar e compreender melhor o gênio polêmico e indomável que levou o nome do Brasil ser reconhecido internacionalmente no mundo da sétima arte. Oséas conheceu pessoalmente Anselmo Duarte quanto era diretor da cultura na prefeitura de Salto, em 1989. Convidado pelo cineasta para um almoço, foi apresentado, então, a um rico e inestimável acervo de recortes e registros da obra de Anselmo.
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A inauguração do Teatro Municipal de Salto foi a maior homenagem da cidade ao artista
Entre 1989 e 1992, época em que perduraram os estudos, compilação, depuração e produção do livro Adeus Cinema, a relação entre o jornalista e ator/diretor se estreitou. “Ele me autorizou a escrever sua biografia, mas não foi fácil”, lembra Oséas. “Inicialmente, queria que eu escrevesse o que ele julgava importante, fizesse do jeito dele, mas eu neguei. Disse que o livro seria meu, e, ao final, ele concordou.”
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Ao passo que a relação entre ambos tecia laços importantes de confiança, os quais são essenciais entre biógrafo e biografado, Oséas mergulhava totalmente em seu livro. Para manter a produção, vendeu sua moto, câmera e telefone – em uma época que uma linha da Telesp tinha um alto valor.
Capa da biografia de Anselmo Duarte “Ele me mostrou uma caixa grande e, lá, havia muitos recortes de jornais sobre notícias que tratavam do trabalho de Anselmo Duarte publicadas no exterior. Tudo foi arquivado pela irmã mais velha, Áurea, fã número um do trabalho de Anselmo”, conta Oséas. Com autorização de Anselmo, o material foi minuciosamente estudado por Oséas. “Muita coisa foi apenas tirada do jornal, e não havia data. Então, foi difícil a catalogação. Mas era a amostra real da importância que o mundo do cinema internacional atribuída a Anselmo Duarte”, explica. Grande parte desse acervo serviu para a criação da Hemeroteca Anselmo Duarte, outro projeto de Oséas, instalada no Museu de Salto.
“Foi curioso. O Anselmo me ligou um dia e o telefonema caiu em outra residência. Quando me encontrou, ficou bravo, perguntou se eu havia mudado de número. Expliquei que tinha vendido meu telefone como forma de poder me dedicar exclusivamente ao livro. Então, ele me ofereceu dinheiro, e eu recusei. Foi o trato que fizemos. O livro seria meu, e, logicamente, teria o aval dele. Mas de modo algum eu estava sendo contratado por ele. E não receber dinheiro garantia a minha independência para trabalhar”, destaca Oséas. Pouco antes do livro ser publicado, ocorreu o primeiro e mais importante desentendimento entre Anselmo e Oséas. “O livro estava na gráfica e Anselmo foi até lá. Riscou vários trechos do original, principalmente, aqueles em que utilizava palavras duras para criticar algumas pessoas da época. Quando peguei o livro e li, vi que
Anselmo Duarte
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Anselmo Duarte na inauguração do Teatro Municipal de Salto, em julho de 2009 várias frases estavam diferentes, um pouco sem sentido às vezes. Depois descobri o que houve. Assim era Anselmo Duarte (risos)”, conta Oséas. Publicado pela Editora Massao Ohno de São Paulo, a obra, terminada em 1993, foi um sucesso tremendo, rendendo várias edições e matérias especiais, incluindo três publicações, por três dias seguidos, na Folha de S. Paulo (com direito a matéria de capa). Anos finais São-paulino, Anselmo Duarte não compartilhou apenas sua vida e carreira com Oséas – também dividia com ele as partidas de futebol pela tevê. “Sou corintiano e na época o São Paulo estava melhor. Anselmo gostava de me convidar para assistir
aos jogos em sua casa, sempre cozinhava algo”, diz. Foi um desses momentos, em 1999, que Oséas presenciou a triste realidade do genial cineasta. “Estava em frente à tevê e Anselmo preparava macarrão. De repente, ele, que era muito brincalhão, entrou na sala e perguntou quem eu era. Achei que era brincadeira, mas percebi que Anselmo não estava brincando quando ameaçou chamar a polícia. Ele realmente não me reconheceu. Depois, quando soube do ocorrido, ficou muito mal. Acho que fui uma das primeiras pessoas que presenciou o problema dele”, conta, referindo-se à perda de memória, problema que acometeria Anselmo e o deixaria debilitado por quase dez anos antes de sua morte, em 2009.
Injustiça?
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Questionado se a obra de Anselmo Duarte é injustiçada, Oséas responde: “Acho que Anselmo nasceu em época errada. De fato, ele foi vítima disso”, afirma. “Na época em que o Cinema Novo começou a emergir, Anselmo era um galã da Vera Cruz; por isso, sempre fora taxado de conservador, reacionário. Isso criou atritos com a geração mais jovem que começava a surgir. Depois, quando lançou O pagador de promessas, foi considerado de esquerda (risos). Muito irônico! Mas temos
que lembrar que estávamos em uma época de mudança política no Brasil, às vésperas do Golpe de 64. No mesmo ano, 64, ele estava produzindo outro filme, Vereda da Salvação, que abordava a história de um grupo de sem-terra que invade um terreno. Então, já podemos imaginar... Além disso, em 1962, ano de O pagador de promessas, havia nos Estados Unidos um sentimento de caça às bruxas em relação ao Comunismo. E os estúdios eram conservadores. Estou certo de que foi por isso que O pagador de promessas não ganhou o Oscar.”
“Rezo a Deus que esta Sala Palma de Ouro, ao ser utilizada como instrumento de excelência no enriquecimento educacional e cultural da nossa gente, materialize também a inclusão de cada um de vocês, saltenses, no exercício gratificante da sua cidadania.” Trecho do último discurso de Anselmo Duarte, proferido no Teatro Municipal de Salto
Anselmo Duarte
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O PAGADOR DE PROMESSAS Os bastidores do filme sobre um Cristo humanizado que mudou o cinema brasileiro POR FILIPE SALLES Quando eu era adolescente, lá pelos idos de 1980, minha relação com o cinema brasileiro era um tanto fria: vivíamos de um monopólio de produções politicamente corretas ditadas pela estatal Embrafilme, cuja única alternativa era um cinema marginal difícil de acompanhar, além das clássicas pornochanchadas da boca do lixo. Os grandes filmes da nossa produção dos anos 50 ou 60 estavam esquecidos nas cinema-
tecas e haviam pouco lançados em vídeo (na época, o VHS). O que nos restava: Os trapalhões e, eventualmente, algum saudoso Mazzaroppi. O cenário, que já não era dos mais animadores, ficou ainda pior com a entrada de Fernando Collor na presidência, extinguindo a Embrafilme, que era a única empresa produtora de cinema “industrial” no Brasil. Isso ocorreu em 1990, no mesmo ano em que entrei para a faculdade de cinema da FAAP.
Nesta época, existiam apenas 3 faculdades de cinema no país, ECA-USP, FAAP e UFF, e cada uma delas tinha um modo diferente de interpretar a estética cinematográfica, principalmente a nossa. Enquanto a ECA e a UFF descendiam de um claro viés intelectual que acreditava ter no Cinema Novo a grande expressão da cinematografia brasileira, a FAAP era composta basicamente por professores que trabalharam no cinema industrial paulista (como a Vera Cruz e Maristela), e, portanto, com uma visão bastante diversa. Não eram intelectuais, no sentido acadêmico, mas sim os artesãos que punham a mão na massa para realizar um cinema viável comercialmente. Devo dizer que, quando, desavisadamente, cheguei ao universo do cinema, já peguei essa briga inflamada: o cinema industrial versus cinema autoral.
E, para temperar o caldo, a querela entre os dois universos se completava com a eleição de arautos representantes de cada movimento. De um lado, Glauber Rocha, o ícone do Cinema Novo (apesar de tantos outros), que sintetizou a imagem da “câmera na mão e ideia na cabeça” através de um percalço de cenas folclóricas e filmes que desafiavam o entendimento de um público comum, e que era, curiosamente, vendido como um produto de brasileiros para brasileiros, ou “colocar a cara do Brasil na tela”, segundo o crítico de cinema Carlos Merten. E, do outro lado, espantosamente, Anselmo Duarte, o ícone do ator galã, que se meteu a dirigir, e, ainda por cima, ousou ganhar um dos prêmios mais significativos do cinema mundial, a Palma de Ouro de Cannes.
CINEMA NOVO
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O Cinema Novo foi um movimento nacional que teve como um de seus maiores representantes Glauber Rocha, diretor de filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (foto). Visava menos custos e mais conteúdo, sendo totalmente avesso ao cinema industrial da Vera Cruz e às pornochanchadas.
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Anselmo Duarte Divulgação
Nascido pobre, com uma formação acadêmica ínfima para os padrões da elite cultural que comandava o cinema, ele acabou, não obstante seu imenso sucesso internacional, sendo massacrado em sua própria casa. A informação que passaram para mim na época: Anselmo é o cinema comercial, hollywoodiano, vendido, enquanto Glauber é o cinema de expressão autoral verdadeiro, o nosso melhor cinema. Mas conforme fui adentrando com mais propriedade no mundo do cinema brasileiro, fui percebendo que a história não era assim tão maniqueísta – como queriam que, politicamente, fosse. Na verdade o movimento Cinema Novo era muito abrangente, e lhe cabiam estéticas tão diversas como as de Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e até mesmo Cacá Diegues. Aliás, conta com o próprio Anselmo Duarte, já que o termo “cinema novo” foi dado pelo cineasta e jornalista Alex Viany, em 1962, quando foi montada uma comissão para escolher quais filmes representariam o Brasil em Cannes. Após a exibição, Viany, entusiasmado com a força daquelas obras, disse aos presentes que assistiam ao nascimento de um novo cinema no Brasil – e daí o termo. Estavam na disputa, justamente O Pagador de Promessas de Anselmo e Os Cafajestes de Ruy Guerra, e, portanto, Anselmo Duarte era, inclusive, um dos motivos de ser do Cinema Novo! Apesar disso, a primeira impressão causada pelo estigma dos intelectuais que discutiam àquela altura do campeonato o futuro do nosso cinema, me afastou de qualquer tentativa de querer interagir com a obra de Anselmo. Ao contrário, acabei bebendo nas
Galã e capa de revista: a popularidade de Anselmo era mal vista pelos intelectuais fontes glauberianas, sem, na verdade, me sentir à vontade com sua estética. Apenas no final da faculdade, em 1994, que um debate promovido por nós no 1º Encontro dos Alunos de Cinema da FAAP, ECA e UFF, levantou a polêmica através de dois professores, Maximo Barro e Milton Amaral, de que o cinema industrial era mais interessante que o autoral para o sustento de um desenvolvimento estético coerente na cinematografia de um povo. A partir disso, uma nova perspectiva se abriu, e percebi que havia negligenciado grande parte da produção nacional em função de uma postura política boba.
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sa e sensível. Do ponto de vista dramático, os mesmos ingredientes que fizeram, por exemplo, o sucesso de um Central do Brasil. A pergunta seguinte: por que, então, Anselmo era tão desprezado pela intelectualidade acadêmica e, consequentemente, pelos realizadores imediatamente posteriores a ele? Pesquisei sua aventura na cinematografia, e constatei coisas muito interessantes.
Cartaz de “O Pagador de Promessas” Resolvi reparar o erro histórico começando justamente por Anselmo Duarte, e fui assistir ao Pagador. Balanço geral: êxtase. O Pagador de Promessas era o melhor filme brasileiro que eu já havia assistido. Sua força dramática, sua coerência estética, sua simplicidade e honestidade de propósitos, assim como a tão mal interpretada “cara do Brasil” estavam lá presentes, de forma profunda e indelével. Que me restava? Admitir que aquele cinema era a síntese do que havia de melhor na produção nacional: união dos ideais comerciais com a estética autoral puramente brasileira, realizando uma obra realmente den-
Anselmo era uma figura imponente, foi descoberto simplesmente passando na rua e convidado a fazer um teste de filmagem, apenas pela sua presença marcante. Não era tecnicamente um ator, mas foi contratado porque “não tinha medo da câmera”, e apresentava-se de forma muito natural. Além disso, um diretor italiano presente no teste o achou parecido com Marcello Mastroianni (Anselmo também era um grande contador de histórias, e nem sempre se pode dar total crédito aos seus “causos”). De qualquer forma, Anselmo se tornou em pouco tempo galã das produções nacionais, trabalhando para as maiores companhias cinematográfica da época, a Atlântida e a Vera Cruz. A diferença é que Anselmo procurava entender o cinema pela visão do diretor, e ficava atento aos bons exemplos, aprendendo com os diretores com quem trabalhava, como José Carlos Burle, Carlos Manga ou Watson Macedo. Desenvolveu um olhar mais íntimo do que o distanciamento técnico que vive o ator. Uma personalidade inquieta, utilizou os intervalos da filmagem de Arara Vermelha, para realizar o primeiro Making-Of do cinema brasileiro, um documentário sobre o próprio processo de produção do filme, chamado Fazendo Cinema.
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Anselmo Duarte
Galgou então a posição de diretor através de Absolutamente Certo!, comédia romanceada que acabou sendo um grande sucesso de crítica e público. Aprovaram-no como diretor, basicamente porque era uma estética não muito diversa das chanchadas que estava acostumado a fazer,e, portanto, com uma dimensão dramática bastante restrita com o que esperavam de um ator-diretor de seu porte. E, satisfeito com o resultado, que ele mesmo sabia ser limitado, buscou novas perspectivas de se firmar como diretor. Era, na verdade, o que ele realmente queria fazer. Absolutamente Certo! lhe rendeu um ótimo dinheiro, e decidiu investi-lo em grande parte numa formação mais refinada, e foi estudar cinema na Europa. Começou em Portugal, mas depois foi à Paris, Suíça, Espanha e Alemanha. Travou contato com a elite intelectual do velho mundo. Conheceu
a Nouvelle Vague, o neo-Realismo italiano, estudou no IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, na época a instituição mais respeitada no mundo para estudar cinema) e ficou por lá, bebericando no berço da cultura ocidental. Tentou emplacar, sem sucesso, um roteiro de sua autoria, mas o simples fato de estar lá já era motivo de satisfação. Certa feita, estando em Cannes, recebeu a propaganda de um filme hollywoodiano que estrearia logo na Europa: era um novo filme sobre a vida de Jesus Cristo, a produção de Nicholas Ray, Rei dos Reis. Anselmo ficou indignado com aquela visão estereotipada, “a maior história de todos os tempos”, mais um golpe de marketing do cinema americano. Em suas próprias palavras: “queria uma história simples e humana, (...) eu queria fazer cinema de arte. O meu Cristo contra o de Hollywood”.
“Rei dos Reis” (1961) indignou Anselmo, que queria um Cristo mais humanitário no cinema
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Em 1960, Anselmo voltou para o Brasil com este turbilhão na cabeça. Ele havia assistido ao Festival de Cannes, e pensava que poderia fazer um filme para ganhar o prêmio, e começou a quebrar a cabeça com um roteiro de um Cristo mais humanitário. Nas idas e vindas de muito trabalho, num daqueles dias que ele estava em frente da máquina de escrever, olhando para ela desoladamente sem saber o que dizer, recebe um telefonema de um amigo convidando-o para assistir a uma nova peça de Dias Gomes, o Pagador de Promessas. “Fui e tomei um choque” – conta Anselmo. “Encontrei no palco tudo aquilo que queria dizer”.
“Anjo Exterminador” e “O Eclipse” (abaixo) foram fortes concorrentes do filme “O Pagador de Promessas”
Imediatamente, negociou os direitos – não sem brigas e contratempos – e começou a produção, tirando até dinheiro do próprio bolso, do que seria sua produção mais ousada. O resto, sabemos: O Pagador de promessas chegou ao festival em 1962, sem nenhum tipo de marketing, nem publicidade, característico das grandes produções europeias e americanas, que adoravam fazer lobby com os críticos. Ninguém sabia direito quem era aquele tal Anselmo. Devia ser algum filme exótico de uma terra de bugres. Na concorrência, nada menos que o Anjo Exterminador de Buñuel e o Eclipse de Antonioni, além do Processo de Joana D´arc de Bresson e os episódios de Fellini, De Sica e Visconti para Boccacio 70. A exibição foi feita no pior horário, de manhã, pois reservavam o horário nobre para os favoritos, e só uns poucos jornalistas, com visível cara de tédio, compareceram, nitidamente para cumprir tabela e nada mais.
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Anselmo Duarte Dito e feito. Como assim? um ator metido a diretor ganha o maior prêmio? A crítica, os jornalistas e os colegas foram implacáveis.
Ao final da projeção, todos entusiasmadíssimos, aplaudiram de pé com legítimo furor, e a notícia – nada melhor que um boato num festival de cinema – se espalhou rapidamente. A sessão seguinte, para o júri, estava absolutamente lotada, deixando outras projeções (incluindo alguns dos chamados “favoritos”) às moscas. A plateia, apoteótica, aplaudia fervorosamente, e gritava “Le grand prix, Le grand prix!” (“O grande prêmio”, em francês). Os jornalistas ficaram desnorteados: “O Brasil jogou uma bomba no Festival”. A história realmente havia comovido os mais severos críticos e cineastas da Europa. O Pagador de Promessas seria o filme mais premiado daquele ano em todo o mundo.
Até o final da vida, Anselmo se ressentiu de tamanha perseguição. Em suas próprias palavras: “Foi essa vitória em Cannes que cavou o fosso que me separou do cinema novo. Até então, eu era um deles. Como não tinham muito respeito intelectual por mim, me achavam um ex-galã, um semi-analfabeto de cinema, eles agiam de forma condescendente, valorizando qualidades que, no fundo, consideravam inferiores. (...) Quando ganhei a Palma de Ouro, tudo mudou. Era inconcebível, para eles, que eu tivesse chegado onde cheguei. (...) Devem ter me visto como um usurpador”.
Anselmo voltou ao Brasil com o maior prêmio do cinema, e o que encontrou? Basicamente a inveja de seus colegas. Fellini já o havia alertado: “prepare-se, porque você será tão malhado, a partir de agora, que parecerá estar regredindo, em tudo o que fizer”.
E, de fato, Anselmo continuou por muito tempo negligenciado e pouco comentado no pequeno mundo do cinema brasileiro. Pura mesquinharia. Hoje, de certa forma, tal discussão está desgastada, bastante desatualizada, e a prática tem mostrado que os bons resultados da cinematografia brasileira são fruto de um trabalho do qual Anselmo foi pioneiro, realizando a síntese entre a expressão dramática da nossa cultura com uma narrativa clara e objetiva, a exemplo dos clássicos produzidos pela indústria.
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Anselmo e seu prêmio, a Palma de Ouro
Na realidade, a viabilidade das produções só se mostram totalmente eficazes do ponto de vista comercial quando a qualidade de uma ideia se alia à realização formal competente, e essa lição, talvez a maior que Anselmo nos deixou, ainda custa a ser aprendida.
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INTERATIVO! Slideshow com cenas do filme “O Pagador de Promessas”
Anselmo Duarte
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O CINEMA VIVO DE ANSELMO Como um desejo de Anselmo Duarte se tornou um legado para os jovens saltenses POR PAULO STUCCHI nico brasileiro e latino-americano premiado em Cannes, Anselmo Duarte não deixou como legado apenas sua obra e carreira. Para Salto, o ator e cineasta também foi o ponto de origem para a nova geração de produtores do “cinema vivo” na cidade, através do Projeto Anselminhos – Pagadores de Promessas.
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As raízes do projeto nasceram quando Marcos Pardim, atual secretário de cultura de Salto, era editor da Revista Circuito em 1993, publicação que lhe deu a oportunidade de entrevistar o ator e diretor saltense Anselmo Duarte, já aposentado e vivendo em sua cidade natal.
Foi durante essa longa entrevista, que durou várias horas, que Anselmo, sempre polêmico em suas ideias, confidenciou a Pardim que, apesar de se sentir honrado com as homenagens que constantemente recebia do município, tinha o real sonho de que Salto fosse berço da produção “viva” de cinema. Esse sonho foi a semente que o atual secretário usou para criar o Projeto Anselminhos – Pagadores de Promessas. Mas, como todo sonho, esse também não teve uma trajetória linear. “Na verdade, o Anselminhos foi um projeto que nasceu dentro de um outro projeto de cultura que desenvolvi para o então
secretário da educação Wilson Cavedem, chamado Prumos. Na época, ele me procurou para desenvolver uma ação que contivesse a evasão dos alunos do EJA. Em parceria com o CEUNSP [centro universitário com curso de cinema em Salto], criamos então o Prumos, que visava abrir as portas da universidade a esses alunos que, de outra maneira, não encontrariam essa oportunidade”, explica Pardim. “Esses alunos participavam de oficinas de jornalismo, fotografia e cinema e, dessas oficinas, muita coisa boa surgiu.” Quando o Prumos entrou em hiato, Pardim adaptou o núcleo de oficina de cinema para dar vida ao Anselminhos. “Eu tinha o projeto do Anselminhos há muito tempo. Viajei para as cidades históricas de Minas Gerais e vi que lá, principalmente em Itabira, havia um grande projeto que girava em torno de Carlos Drummond de Andrade, os Drummonzinhos. Unindo o sonho de An-
selmo Duarte aos belíssimos trabalhos que vi sendo desenvolvidos lá, criei o Anselminhos. Quando o Prumos entrou em hiato, foi a hora de tirar o projeto da gaveta.” E assim nasceu uma das mais pujantes iniciativas de produção cinematográfica do Brasil, sediado em Salto e que conta com a participação dos alunos do EJA do Semus 9 (bairro Santa Cruz), núcleo de Cinema do CEUNSP e, também, jovens de 11 a 16 anos interessados em estudar e produzir cinema. O reconhecimento não veio apenas pelos trabalhos de alta qualidade desenvolvidos pelos estudantes. Tanto o Prumos (premiado pelo Ministério da Cultura com o Tuxáua em 2010) quanto o Anselminhos (que se transformou em Ponto de Cultura pelo MinC em 2009) já ultrapassaram os limites da cidade de Salto e vêm se tornando referência na integração entre ações sociais, de educação e produção de cultura.
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Equipe do Projeto Anselminhos no dia da pré-estreia do filme Pequeno Russo
SESSÃO ESPECIAL
Anselmo Duarte
Foto: Paulo Stucchi
POLO DE CINEMA Ao entrevistar Anselmo Duarte, quando era editor de revista, o atual Secretário de Cultura Marcos Pardim ouviu do entrevistado seu desejo de transformar Salto em polo de produção cinematográfica.
“Emociona”, resume Pardim, ao falar sobre os frutos do projeto. “Ver pessoas que não teriam acesso ao cinema, se não fosse pelo projeto, produzindo roteiros e gravando, e, disso, nascendo filmes lindos. É muito emocionante.” O atual secretário de cultura também reforça que, apesar de seu papel na criação do Anselminhos, não se sente pai do projeto. “Não é um projeto meu. Eu escrevi, mas ele só ganhou forma graças aos alunos e professores que compraram a ideia e se empenharam para que tudo se tornasse realidade e desse belos frutos.” Um dos principais frutos do Anselminhos foi curta O pequeno russo, cujo roteiro venceu o edital Laboratório de Cultura Viva e que, por meio do financiamento oriundo do prêmio, tornou-se um curta-metragem. “O roteiro foi escrito pelos alunos do EJA, e, depois, a produção foi feita por eles, com a coordenação dos professores de cinema e técnicos do CEUNSP. Se você assistir o filme, ficará espantado com a qualidade”, relata Pardim.
O nome do curta, que traça uma ficção sobre o possível primeiro contato de Anselmo Duarte (criança) com o cinema refere-se ao apelido que o cineasta tinha quando criança – Russo Louco. “Num discurso, feito há muitos anos, Anselmo contou sobre sua infância. Ele era loiro e corria descalço por Salto na época, o que lhe rendeu o apelido de Russo Louco. Os alunos pegaram esse fato e, baseando-se no filme Cinema Paradiso, criaram o roteiro”, explica Pardim. Fim do projeto? Apesar de estar parado no momento, o projeto Anselminhos não acabou, conforme reforça Marcos Pardim. “Quando o projeto se tornou ponto de cultura, ele precisava estar atrelado a uma ONG com mais de três anos de CNPJ. No caso, foi a @fim. Com o fechamento da entidade, estamos trabalhando, junto à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e ao MinC, para encerrar oficialmente o vínculo do Anselminhos com a @ fim, de forma que outra entidade possa abrigar a iniciativa e dar sequência”, explica.
1º Curta Salto A maior prova de que o Anselminhos continua vivo (e forte) foi a participação do curta-metragem Cartas de Amor, produzido pelos alunos do EJA do Cemus 9, no evento do 1º Curta Salto, realizado no último dia 12 de novembro.
O documentário revelou detalhes da vida de Anselmo Duarte, sua carreira como ator e cineasta, sua premiação na França, assim como o último discurso feito pelo ator e diretor na inauguração da Sala Palma de Ouro. Barros Freire agora quer apresentar Pés Descalços no Festival de Cannes, para mostrar a história de vida do mais ilustre saltense.
O evento reuniu produções cinematográficas da agência experimental do CEUNSP, a Kimera Filmes, assim como trabalhos de conclusão de curso de formandos de Cinema. No final, ocorreu a exibição inédita do documentário Pés Descalços, do cineasta e documentarista Barros Freire.
Todas essas produções e eventos, assim como este caderno digital, o Palmas de Ouro, mostram que o sonho do cinema vivo em Salto, idealizado por Anselmo, segue realmente atuante na cidade. E, certamente, Anselmo tem muito do que se orgulhar do povo saltense.
Foto: Paulo Stucchi
1º Curta Salto exibiu duas produções do Projeto Anselminhos na Sala Palma de Ouro
INTERATIVO! Vídeo sobre o evento “1º Curta Salto” Produzido por GUIA REGIONAL EM VÍDEO
Clássico
Fotos da matéria: Metro-Goldwyn-Mayer/Stanley Kubrick Productions
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A MÚSICA NO CINEMA DE STANLEY KUBRICK Análise da simbiose perfeita entre som e imagem no filme 2001: Uma Odisseia no espaço POR FILIPE SALLES música e o cinema sempre andaram de mãos juntas, numa relação absolutamente simbiótica, e cujo paralelismo só pode ser explicado por afinidade natural, harmonia de propósitos. Numa pesquisa mais profunda envolvendo aspectos históricos, nos deparamos com a relação música-imagem desde tempos imemoriais, desde as lendas Babilônicas e semitas, os primeiros relatos e epopeias da antiguidade, sempre acompanhados de declamação musical envolvendo texto poético cuja função era traduzir em imagens uma desventura heroica. Lá estava a música, também na tragé-
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dia grega, muito tempo depois, e também nos rituais sagrados das culturas do oriente e do ocidente, na forma de mantras e cantos sacros. Depois, o teatro e os coros. Sempre a música e a imagem. Separadas, elas serviam apenas ao entretenimento e às belas artes. A pintura e a escultura sempre obtiveram patamar superior na preferência crítica dos historiadores, sendo a música mera forma de diversão em bailes e banquetes, salvo em sua função religiosa. Essa música somente se tornou digna da apreciação artística durante e depois da Renascença (entre os séculos XIII e XVI).
Onde então, a música e a imagem coexistiram na história, considerando didaticamente a história moderna do homem? Primeiramente, no teatro e na ópera, cuja diferença dramática era apenas dos objetivos. O teatro utilizava a música como acompanhamento, e a ópera utilizava o texto na mesma razão. Nada disso foi “inventado” no sentido de alguém ter desenvolvido uma ideia própria e inédita; antes, música e imagem já faziam parte do cotidiano popular, nas feiras e companhias de teatro itinerantes. Pulando alguns séculos, encontramos, na pós-revolução industrial, o mito do inventor, sintetizado na figura de Thomas Edison. E novamente a questão música-imagem: Em 1877, Edison inventa o fonógrafo, aparelho que, pela primeira vez, registra o som e possibilita sua reprodução. Após o sucesso do invento, conta-nos o próprio Edison, que o fato de ouvir sons gravados suscitou-lhe a vontade de ver imagens para acompanhar estes sons. Daí a “invenção” do cinema, motivada, nada menos, que pela invenção do som gravado. Mas
também não é bem uma “invenção”, seria antes uma descoberta, na medida em que os elementos já existiam, foi necessário apenas alguém que os juntasse. A essa junção de mecanismos diferentes, aperfeiçoados por vários outros autores, deu-se o nome de “cinema”, cuja descoberta a rigor é coletiva; incluem-se nomes de Le Prince e dos irmãos Lumière. E desde esse tempo, o cinema foi sonoro. A princípio, com a música ao vivo, e, depois de 1927, através dos sistemas de sonorização sincronizados, o Vitaphone e o Movietone. Muito provavelmente a afinidade entre a música e a imagem esteja na sua dimensão temporal de existência, pois a imagem estática da pintura e da escultura não registram historicamente instalações simbióticas entre estas e a música. Mas no plano dinâmico, em que o eixo de desenvolvimento não é o espaço, é o tempo, a música reinava junta ao teatro soberanos, até a invenção do cinema, e por consequência, do que veio a se chamar, nos dias de hoje, audiovisual.
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Neste quesito, a arte de unir música à imagens é arte nova, mas cuja carga é arquetípica, pois já houve o registro de como e onde a música deveria se misturar em harmonia com as imagens (toda a herança da tragédia grega, do teatro, as sombras chinesas e da própria ópera). Pensar uma música para certa imagem (como faz uma trilha sonora) ou pensar imagem para certas músicas (como faz o videoclip) é apenas vanguarda, se considerarmos o suporte como decisivo; neste caso o cinema, que é arte do século XX. Mas, se tomarmos de maneira abrangente a razão que determina a união entre som e imagem, a harmonia de frequências, então é uma das mais antigas artes que se tem notícia. A própria Bíblia indica, no Antigo testamento, relações entre cores, perfumes e sons para funções rituais. Hoje temos disponível um repertório abrangente de imagens sonoras ou sons visuais que o cinema nos oferece; tantas ce-
nas antológicas do cinema que foram imortalizadas por músicas e vice-versa. Um dos exemplos mais contundentes é a do filme 2001: Uma odisséia no espaço. Stanley Kubrick, mais que um diretor, é um artista, consciente do potencial arquetípico que há na união som-imagem, realizando assim um dos mais cultuados filmes de todos os tempos. Muito desse sucesso, se analisado separadamente (o que é um recurso meramente didático, mas vá lá), vem da extrema maestria em que Kubrick seleciona as músicas para seus filmes, em especial no 2001. A grande arte dos compositores que criam músicas para imagens, seja no cinema, teatro ou qualquer outra mídia, é a de tecer uma compatibilidade harmônica entre o visual e o sonoro, em vários graus de sofisticação que determinam o teor do que a música quer expressar em conjunto com a imagem. Isso significa que a música tem uma função adjunta à imagem, seja como reforço, como contraponto, como comentário ou mesmo como antítese, pra citar as formas mais comuns.
No caso de 2001, houve um compositor, Alex North, incumbido de escrever sua trilha. Mas Kubrick recusou-a, e a música que hoje ouvimos não é original (composta especialmente para o filme), e sim retirada do repertório clássico (clássico no sentido literário) musical de compositores que provavelmente não pensaram suas músicas para uma imagem. No caso, a introdução do poema sinfônico Also Sprach Zarathustra de Richard Strauss, a valsa O Danúbio Azul de Johann Strauss II, (que não tem parentesco com Richard) um trecho de Gayaneh, balé de Aram Khachaturian e por fim György Ligeti, com Lux Aeterna, o Requiem e as Atmosphères. São músicas muito diferentes, de caráteres muito diversos, que se harmonizam plenamente nas telas, o que equivale a dizer que Kubrick “compôs” sua própria trilha através da música de outros compositores, mas que funcionam tão bem (a ponto do Zarathustra virar cult e fenômeno de vendas, e Ligeti se tornar internacionalmente conhecido), que é como se fossem músicas originais.
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Observemos então o impacto da música sobre as imagens, ou vice versa. Podemos perceber, por exemplo, na cena em que a nave se dirige a uma estação espacial, em que se ouve o Danúbio Azul, o quanto a música é muito mais do que simples acompanhamento, muito mais do que simples reforço ou redundância da imagem; antes, ela é tão narradora quanto a própria imagem, tanto que, se separadas, a música tem significado independente, e a imagem certamente perderia grande parte de seu impacto. Aliás, este é um ponto crucial na habilidade de Kubrick em engendrar música e imagem: ao poupar grandes sequências de música, quando ela aparece, seu impacto é muito maior. Percebemos o silêncio presente em enormes passagens (como na longa cena em que o personagem tenta desligar o computador rebelde HAL9000), silêncio este que, para a trilha é absolutamente necessário, e para a narrativa, dramaticamente fundamental.
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2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO DIREÇÃO: Stanley Kubrick PRODUÇÃO: Stanley Kubrick ROTEIRO: Stanley Kubrick | Arthur C. Clarke 1968 | 142 m. | Inglês PAÍS: Estados Unidos | Reino Unido ESTÚDIO: Metro-Goldwin-Mayer | Stanley Kubrick Productions ELENCO: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Douglas Rain ORÇAMENTO: 10,5 milhões RECEITA: 190 milhões
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Percebemos que a música neste caso não está relacionada com a pura e simples redundância das imagens porque em várias passagens não existe um “sincronismo” direto entre o ritmo da imagem e o ritmo da música, eles alternam-se, e por vezes se casam, mas nem sempre. No caso de uma trilha construída, o clima é reforçado, por assim dizer, exaltando as tensões e as folgas dramáticas. No caso deste filme, as tensões são o silêncio. A música é uma exaltação muito mais poética que retórica, um engendramento mais espiritual que funcional, e por isso a trilha só intervém em momentos específicos e cruciais, que faz, se comparamos este aspecto, Guerra nas Estrelas virar uma novela de televisão. O uso da música em 2001 foi marcante como todo o filme; ele influenciou toda uma geração de cineastas e causou enorme impacto no público. Antes de mais nada, um filme filosófico. Que música expressa filosofia? Qualquer uma, sob critérios pessoais ou subjetivos. Sob critérios objetivos, o poema sinfônico de Richard Strauss é baseado na obra homônima de Friedrich Nietzsche, Assim falou Zarathustra, o que, trocando em miúdos, significa que Kubrick utilizou num
filme filosófico uma música com intenções filosóficas. Mas não qualquer trecho, e sim, a introdução, grandiosa, que intercala as tonalidades de “si maior” e “dó maior” no conflito homem-natureza proposto por Nietzsche, e que muito a propósito vem a ser o conflito homem-máquina presente no filme. Mas há também o conflito homem-homem, que no final parece declamar: quem sou? O reluzente triunfo do “dó maior” sobre o “si maior” é o apogeu do triunfo da humanidade sobre a máquina e sobre ela mesma. O Danúbio Azul, música galante da alta sociedade vienense do século XIX, a valsa, está representando o grande baile do universo. Dentre centenas de compositores de valsas, Johann Strauss II é seu maior e melhor porta voz, compositor de sutilezas e requintes magníficos se considerarmos a valsa como música popular. Musicalmente, podemos dizer: a valsa, depois de Strauss II, se tornou música elevada. No Danúbio Azul a música conduz à dança; e o movimento do universo como uma grande dança (novamente a simbologia da dança do universo, utilizado até mesmo como título de livros científicos) é de uma beleza visual realmente marcante.
E por fim, o conflito, o enigmático monolito, que parece estabelecer um ponto de estrangulamento; depois dele, a história muda, radicalmente. Este ponto de conflito é extremamente criativo, o caos grego, a explosão das infinitas possibilidades, a própria evolução. Por isso, Ligeti e sua técnica singular de composição, que superpõe diversos timbres e diversas alturas, em tempos diferentes, uma sobre a outra, criando harmonias espessas, densas, que ao mesmo tempo são caóticas, ao mesmo tempo perfeitamente dispostas. Uma textura musical que traduz a sobreposição de todas as possibilidades – o caos da origem. E então, um breve interlúdio, no meio do filme, ocorre entre grandes silêncios, e é destacado pela música suave mas misteriosa de Khachaturian.
E temos o ciclo se fechando ao final, com o monolito que aparece novamente instaurando o conflito, mas a renovação da vida e o triunfo da humanidade: eis novamente o Zarathustra, imponente e grandioso, fechando o ciclo narrativo de uma humanidade que luta para buscar sua origem e sua razão de existência. Poucas vezes o cinema foi tão convincente, tanto estética como filosoficamente. Conclusão: Kubrick sabia o que estava fazendo, a tal ponto que nos parece que todo o peso de uma herança cultural milenar, que passa por todas as formas artísticas de traduzir ideias na dimensão som-imagem, desembocam neste filme. A apoteose de uma arte em processo, de um desenvolvimento histórico cultural que nós, habitantes deste século, tivemos o privilégio de conhecer.
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The Ladd Company, Tandem Productions, Sir Run Run Shaw
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AS NATUREZAS DE BLADE RUNNER Ao questionar a humanidade dos robôs, filme se tornou referência na ficção científica POR RODOLFO EMILI lade Runner – O caçador de Andróides (Blade Runner, 1982, EUA) com direção de Ridley Scott, é um filme “chave” da década de 80. A história ocorre no ano de 2019, uma Los Angeles cheia de arranha céus com multidões nas ruas, chuva ácida e lúgubre. Onde a avançada engenharia genética faz com que os seres humanos comecem a povoar outros planetas, e criar os Replicantes, androides feitos à imagem e semelhança do homem, porém muito mais resistentes às diversas condições do espaço, e ainda, com tempo determinado de duração de
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vida. Buscando sua sobrevivência, esses androides voltam à Terra para adquirir mais tempo de vida. Eis que são designados policiais especiais, os Blade Runners, para capturar os Replicantes e “aposentá-los”. Diversas versões Mas antes, temos que lembrar que há duas versões oficiais do filme. Uma que é a original (1982) e outra que é a versão do diretor (1992), além de Blade Runner : Final Cut (2007), ou seja, três versões no total. E as diferenças são significantes.
Na versão de 1982, há cenas emprestadas do filme O Iluminado, de Stanley Kubrick. Cena esta, que foi retirada na versão de 1992. Já na de 1992, do diretor, foram adicionadas cenas de um sonho de Deckard (personagem de Harrison Ford), o Blade Runner, que seriam fundamentais para a compreensão do filme. Esta cena, por não estar na versão original de 1982, deixa dúbio o entendimento completo do filme. Na versão de 1982, há também a narração em “Off” de Deckard (Harrison Ford), que foi retirada na de 1992. Na realidade, há inúmeras outras versões, que nem foram liberadas para o público geral, apenas para alguns cinemas, na Europa e nos Estados Unidos. Como uma cena em que Rachel (personagem de Sean Young) despe-se e mostra os seios, outra, na qual a perseguição final é mais longa e tensa. Esperamos que um dia, ainda cheguem todas essas versões e cenas extras ao público.
Do livro para o filme Esta obra prima, baseada no livro de Philip K. Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep? (Androides sonham com ovelhas elétricas?). O filme é bem diferente do livro, porém, este é muito mais detalhado que o filme e possui histórias paralelas não mencionadas. E, por causa disso, as filmagens e o roteiro foram muito criticados pelo autor e passaram por várias revisões até a entrada do roteirista David Peoples, até se chegar a um resultado no mínimo, plausível. O autor, infelizmente, faleceu devido a um AVC antes de ver o filme por completo. Por meio desse filme abriram-se as portas para outros baseados ou inspirados nas obras de Philip K. Dick, como Minority Report: A Nova Lei de Steven Spielberg, O Vingador do Futuro de Paul Verhoeven e tantos outros.
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Phillip K. Dick e seu livro que deu origem ao filme
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Além disso, o filme passou por vários percalços, entre eles: a data de lançamento (1975/1976) - adiada para a década de 1980, atores que não combinavam entre si, o diretor que não gostou do filme, orçamento estourado. O importante é que o filme alcançou o patamar de “Cult Movie”, e possui inúmeros fãs ao redor do mundo. A obra possui um visual trabalhado com efeitos especiais que não deixam a desejar até hoje em dia. Enormes prédios que lembram Metrópolis, de Fritz Lang, além, é claro, da fusão da estética futurista com o gênero “Film Noir” (filmes policiais dos anos 40 e 50). Tal mistura chama-se “Retrofit”, muito vista no clássico dos quadrinhos “Heavy Metal”, inspiração declarada do diretor. Filosofia Blade Runner não é apenas um filme de ficção científica, vai muito além. É inexoravelmente um filme existencial. O personagem de Harrison Ford é encarregado de encontrar e “despachar” androides. Eles são
supostos robôs que possuem uma inteligência artificial, com memorias implantadas por humanos, mas Deckard começa a se questionar sobre a natureza dos Replicantes depois que se relaciona com a androide Rachel (Young), o que o força a tomar uma decisão protegê-la ou eliminá-la. Ele começa então a pensar sobre os motivos que levam ele a caçar pessoas (androides) que sem saber o que são e o que fizeram para serem eliminados. A cena em que Deckard se encontra com Roy Batty (personagem de Rutger Hauer), cena em que a fala foi improvisada pelo personagem de Hauer, é impressionante. Pois conta as experiências que Roy teve no espaço, experiências que vão desaparecer depois que o androide terminar seu funcionamento, sua “morte”, revelando a sua profunda angústia e decepção por não ter adquirido mais “vida” ou o seu prolongamento. E que ainda, sua última atitude foi uma boa ação e não uma má ação. A expressão de Deckard (Ford) é visivelmente de inconformidade diante da situação em que se encontra.
Será que não deveríamos nos encontrar na mesma posição de Deckard? Deveríamos pensar duas vezes antes de tomar uma atitude na vida, e pelo menos, ver os dois lados de uma história antes de julgar. É preciso questionar a natureza das coisas, determinar a causalidade que leva a determinados fatos. E principalmente observar o outro, pois a natureza humana também se encontra em nosso relaciona-
mento com outras pessoas. Por fim, o que é mais artificial, um androide que questiona sua existência e mortalidade ou um caçador de androides que exerce sua função sem questionar as razões e objetivos de suas ações? Blade Runner não é apenas um filme de ficção científica e de reflexão, é para fazer uma introspecção do ser humano.
FICHA TÉCNICA BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDROIDES DIREÇÃO: Ridley Scott PRODUÇÃO: Michael Deeley ROTEIRO: Hampton Fancher | David Peoples 1982 | 117 m. | Inglês PAÍS: Estados Unidos ESTÚDIO: The Ladd Company, Tandem Productions, Sir Run Run Shaw ELENCO: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, Daryl Hannah ORÇAMENTO: 28 milhões
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Contemporâneo
Fotos da matéria: Nordisk Film Distribution
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MIL VEZES BOA NOITE O conflito de uma fotógrafa dividida entre a vida familiar e a sua responsabilidade social POR TATIANI FARIA Quem despretensiosamente adentra a sala de cinema para assistir Mil Vezes Boa Noite, se depara com algo muito além da ideia de romantismo propagado por seu título e por seu cartaz. Erik Poppe, norueguês que, neste filme, assina como roteirista e diretor, conseguiu trazer 117 minutos de pura tensão para o espectador com o drama da personagem Rebecca [Juliette Binoche], uma grande fotojornalista em zonas de conflito que consegue com seu trabalho a atenção do mundo para inúmeros genocídios que muitos não veem. O fato desse trabalho colocar em risco sua vida faz com que ela praticamente todos os dias se
despeça de sua família, ao dar boa noite por telefone. Então, ao ficar gravemente ferida em Cabul no Afeganistão, enquanto registrava a preparação de uma jovem “mulher bomba”, ela retorna para casa tentando se afastar de seu trabalho e enfim se dedicar a sua família. Um personagem denso e cheio de conflitos no qual seu trabalho soa como que uma compulsão, um vício que a família não aceita conviver. Mas seu papel enquanto profissional supera qualquer expectativa e mesmo que o espectador torça para que ela enfim dê paz para a sua família, fica claro o quanto o que ela faz é importante para uma minoria oprimida.
Cada locação do filme vai dando apoio ao drama e às sensações que Erik quis transpor para o espectador. Rebecca se classifica como alguém que tem raiva, uma inquietude que só consegue dispersar através de suas fotos e, enfim, se vingar daqueles que estão mais interessados na vida de Paris Hilton, pois ao abrirem o jornal e se depararem com suas fotos ela deseja que “eles cuspam os seus cafés da manhã”. Com muitos closes, planos de detalhe e câmera na mão, o diretor opta por limitar a visão do espectador para que ele não se desvie do que ele quer realmente mostrar. Ele se arrisca ao transpor a monotonia de Rebecca em sequências lentas das situações cotidianas da família, como o café da manhã, e também se arrisca ao abrir o filme com a sua melhor sequência. E ainda abusa do silêncio, pois para ele, as imagens bastam. O que seria uma grande discussão com sua filha mais velha é apresentado com ela acionando o disparador da câmera contra a mãe, travando um pa-
ralelo com a ideia de “tiro”, exaltando sua revolta neste simples ato e que faz Rebecca chorar. Há ainda mais elementos para serem discutidos e, por isso, digo que Mil Vezes Boa Noite é realmente um filme que vale a pena ser assistido, há ainda muito mais para se apreciar!
FICHA TÉCNICA MIL VEZES BOA NOITE DIREÇÃO: Erik Poppe PRODUÇÃO: Finn Gjerdrum | Stein B Kvae ROTEIRO: Harald Rosenløw Eeg 2013 | 117 m. | Inglês PAÍS: Irlanda | Noruega ESTÚDIO: Nordisk Film Distribution ELENCO: Juliette Binoche, Nikolaj Coster-Waldau, Maria Doyle Kennedy, Larry Mullen Jr, Mads Ousdal ORÇAMENTO: 8,5 milhões
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Animação
Imagem: Peixonautas | Tv Pinguim
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ANIMAÇÃO: BEM, OBRIGADO! Animação nacional deixa de ser utopia, galga novos postos e, finalmente, destaca-se na programação de TV e cinema. Sonho? Não! Realidade! POR PAULO STUCCHI m dos sonhos mais marcantes de minha infância era poder viver de desenho. Isso mesmo: criar minhas histórias em quadrinhos, e, depois, animá-las, tornando-as sucessos nas tevês brasileiras.
U
Claro, no meu caso, tudo ficou no âmbito do sonho. Mas, para vários artistas e desbravadores do extraordinário e desafiador mundo da animação no Brasil, o sonho está se tornando realidade. Graças à globalização da indústria de entretenimento e interligação entre estúdios brasileiros e internacionais, assistimos, de bom grado, novos projetos saírem do pa-
pel (ou dos programas de animação) e se tornarem sucessos. Hoje, nossos filhos (ou mesmo nós, não é?) podem se deleitar com seriados como Peixonauta (e a sequência Peixonáuticos), Meu Amigãozão (animação brasileiro-canadense), e seriados ainda de baixa expressão, mas que são realidade nos canais a cabo ou por assinatura, como Tromba Trem (2011, transmitido pelo Tooncast), Turma da Mônica (TV Globo, Tooncast e Cartoon Network), Gemini 8 (com episódios de 10 minutos transmitidos pelo Cartoon Network), Gui & Estopa (Cartoon Network), Historietas Assombradas (TV Cultura, TV Brasil e Carton Network) e Carrapatos & Catapulas (Cartoon Network).
Desbravador Até 1996, o segmento de animação nacional era limitado, praticamente, a esporádicas e tímidas tentativas. Maurício de Souza ensaiou, ainda nos anos 80, alguns longametragens da Turma de Mônica que, apesar de terem marcado a infância de muitos, apresentavam uma qualidade bem inferior ao padrão norte-americano e seus poderosos estúdios. Porém, isso começou a mudar quando a tecnologia digital e seus softwares, paulatinamente, dilapidavam os altos custos (e grande equipe) da animação em acetato. No mundo digital, o Brasil deu um passo pioneiro quando, em 96, anunciou o lançamento do longa Cassiopeia. O filme conta a história do planeta Ateneia, localizado na constelação de Cassiopeia, que um dia é atacado por invasores do espaço que começam a sugar sua energia vital. Um sinal de socorro é enviado para o espaço sideral pela astrônoma local, Lisa, e recebido por quatro heróis que viajam através da galáxia para salvar o planeta. A criação ficou por conta do estúdio NDR Filmes e foi totalmente realizado em computador.
Ainda que longe dos padrões atuais (e mesmo inferior aos padrões da época), Cassiopeia foi um marco. Suas imagens, geradas por computação gráfica, sem digitalização ou vetorização, foram sem dúvidas uma inovação – ainda mais em um país não habituado a configurar entre os destaques da animação mundial. Sua finalização custou quatro longos anos e o resultado não rendeu o retorno financeiro esperado – mas sem dúvidas cravou seu espaço no mundo dos desbravadores para os amantes do desenho animado.
Cenas da animação Cassiopeia: 100% criada no computador
Imagens: NDR Filmes
Obviamente, a chamada “indústria da animação” encontra-se em um estágio embrionário no Brasil – bem distante de realidades que fariam qualquer fã de desenho animado pular, como nos EUA e Japão. Contudo, tanto o Brasil, como outros países como França, China, Espanha e Argentina, assistem às suas respectivas fatias de mercado crescerem, sobretudo nos canais por assinatura, desvinculados da interdependência com anunciantes e publicidade.
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Animação
Futuro Agora, tudo parece ser diferente e o horizonte aponta para novas conquistas. Pela primeira vez em sua história, o Brasil contou com um desenho animado entre os pré-finalistas do Oscar com Uma história de amor e fúria. Dirigido por Luiz Bolognesi, o longa, voltado ao público adulto, conta a história de um índio imortal e sua amada. Ambos desnudam a história do Brasil, desde a colonização, passando por outros momentos marcantes, como o Golpe de 64 e um futuro desolador. A escolha dos dubladores também foi caprichada. Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro fazem parte do elenco.
Outra produção estreiando agora é Até que a Sbórnia nos separe, dirigido por Otto Guerra e Ennio Torresan, baseada em uma comédia musical sobre um país fictício chamado Sbórnia. O longa conta até com game no facebook. Se os primeiros lugares no pódium ainda estão distantes para a animação nacional, é fato que o desenho animado brasileiro já está com as mangas de fora e acena para um futuro promissor, caindo no gosto da audiência e, claro, gerando o retorno financeiro esperado através de linhas de brinquedos, camisetas e outras franquias. E quem disse que sonho de infância não se realiza?
Divulgação | Buriti Filmes. Bullani, Europa Filmes
Uma História de Amor e Fúria, animação premiada em 2013, na França, em um eventos mais importantes da área, o Annecy Animated International
Muita animação no interior paulista
A
nimação de qualidade e gratuita! O Dia Internacional da Animação é um evento realizado sempre no dia 28 de outubro, dia em que Émyle Reynaud mostrou a primeira projeção de imagens animas ao público, em seu teatro óptico no Museu Grevin, em Paris, França. O evento é organizado pela Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA), que exibe sua mostra anual para mais de 230 cidades pelo Brasil.
histórias com críticas sociais como A pequena vendedora de fósforos ou de grande lirismo como Guida. Para Paulo Aranha, o público do evento tem aumentado, prestigiando a importância dessa variedade de formatos e estilos. Destaque para a exibição de Frivolitá (imagem abaixo), uma das primeiras animações brasileiras, realizada em 1930, no Rio de Janeiro, por Luis Seel.
A exibição deste ano revelou um evento de grande diversidade e criatividade. Com animações nacionais e internacionais, foi possível presenciar
Arquivo
Aqui na região, o cineclubista, cineasta e multiartista Paulo Aranha organizou seguidamente este evento na cidade de Itu, sendo que 2014 foi a sua 9ª exibição seguida.
Foto: Jean-Frédéric Pluvinage
Éri Cóx (esq.) e Paulo Aranha (dir.) durante exibição do Dia Internacional da Animação
Documentário
Foto: Divulgação | Tv Globo
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EDUARDO COUTINHO A alma como instrumento Eu tento entender o outro à partir da minha vida. O intelectual diz que a religião é o ópio do povo. Se a religião é o ópio do povo, a utopia é o ópio do intelectual. Eduardo Coutinho
POR LILIAN SOLÁ SANTIAGO duardo Coutinho, nascido em 1933 e falecido recentemente, é um dos maiores expoentes do cinema brasileiro. Seu trabalho como documentarista é pautado por sua grande sensibilidade e capacidade de ouvir os entrevistados. Essas são qualidades infelizmente raras, que dependem de um espírito forte, moldado a se irmanar mas não sentir pena do outro. Quando sentimos dó, piedade, colocamo-nos sutilmen-
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te acima do outro, o que impede uma relação horizontal. O mesmo acontece quando temos uma atitude irônica diante do outro. Um dos maiores ensinamento de Coutinho, a meu ver, está nessa atitude de igual para igual diante do entrevistado. Coutinho estudava documentário em Paris quando Jean Rouch e Edgard Morin engendraram os procedimentos do cinema verdade no final dos anos de 1950, e
De volta ao Brasil, entra em contato com o Cinema Novo e engaja-se no movimento estudantil, integrando-se ao CPC – Centro Popular de Cultura, da UNE, onde foi gerente de produção do longa-metragem em episódios chamado Cinco vezes favela, o que evidencia sua capacidade de planejamento. Cabra marcado para morrer, que seria seu primeiro filme, foi pensado como uma obra de ficção com procedimentos documentais. A ideia era reconstituir o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, com os próprios camponeses do Engenho Galiléia fazendo o papel deles mesmos no episódio. Essa experiência fílmica foi tragicamente interrompida com o golpe de 1964.
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Abaixo: cena de “Edifício Master”, acima: cartaz de “Cabra marcado para morrer”
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conviveu tanto com os avanços tecnológicos nas áreas de captação de som e imagem, quanto com a militância audiovisual.
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Documentário
Durante a década seguinte, Coutinho dedica-se às ficções como diretor e corroteirista. Contribuiu no roteiro de importantes filmes brasileiros, como A falecida, de Leon Hirszman (1965), que nos apresenta o talento de Fernanda Montenegro, e o grande sucesso de público Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto (1976). A partir de 1975, integra a equipe do programa jornalístico Globo Repórter, da TV Globo. No início dos anos 80, Coutinho entra em contato com o material que considerava perdido do Engenho Galiléia e decide retomar o projeto, desta vez no registro puramente documental. Ele permanece no Globo Repórter até 1984, ano de lançamento do
seu primeiro documentário para cinema, o metafilme Cabra marcado para morrer, que arrebanhou mais de 12 prêmios internacionais, inaugurando um período de 30 anos em que Coutinho nos brindou com suas excelentes produções. Vemos que sua obra é marcada por grandes períodos de gestação, de aprendizado, que construíram seu ponto de vista artístico único. Podemos enxergar nela ecos da militância política e cinematográfica dos anos 60 - na horizontalidade das relações com os personagens, na exclusividade dos temas ligados ao homem comum, no exercício de revelar o extraordinário no ordinário do dia a dia.
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SANTO FORTE 1999 Católicos, umbandistas e evangélicos de uma favela carioca expressam suas crenças.
EDIFÍCIO MASTER 2002 Registro do dia a dia dos moradores do tradicional edifício de Copacabana.
PEÕES 2004 Depoimentos de membros do movimento grevista de 1979 e 1980 do ABC Paulista
Do exercício de dramaturgia podemos detectar em sua obra o trabalho conjunto da razão e da emoção. Ele cria um ambiente controlado, estrategicamente planejado, para que surja o descontrole no entrevistado, de forma que consigamos apreender seu estado de espírito, muito além do discurso falado. Essa busca por transmitir um “estado de espírito” é caro às ficções, mas via de regra desconsiderado no fazer documental. Do período em que Coutinho esteve ligado ao Globo Repórter destaca-se a habilidade de falar com grandes plateias, assim como o exercício constante da entrevista, redação, execução e edição, atividades que o ajudaram a desenvolver o talento nessa área.
O caminho traçado pela utopia de Eduardo Coutinho, de entender o outro a partir de sua própria vida, oferece-nos um rico material sobre a alma humana a partir de um privilegiado ponto de vista. Seu rigor metodológico, enriquecido por suas experiências de vida, construiu uma obra única, que é capaz de reproduzir estados de espírito e de ampliar nossos horizontes internos. Por meio de seu trabalho, tocamos e somos tocados pela solidão, alegria, dor, esperança, loucura, medo, amor e uma série de sentimentos comuns a todos nós, de uma forma que nos irmanam e que nos ligam à grande comunidade humana.
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O FIM E O PRINCÍPIO NA TERRA DO FIM DO MUNDO 2006 Encontro no sertão com pessoas com histórias para contar
JOGO DE CENA
AS CANÇÕES
2007 Atrizes interpretam a seu modo histórias de vida contadas por mulheres comuns
2011 Pessoas comuns cantam canções que marcaram a sua vida
Experimental
Arquivo | Star Film
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Um panorama do CINEMA EXPERIMENTAL MUNDIAL De George Méliés e seus primeiros experimentos com a linguagem cinematográfica às animações de Roberto Miller: um histórico da exploração do audiovisual POR PAULO ARANHA or muito tempo, excepcionais produções cinematográficas de extrema originalidade artística foram esquecidas. O chamado Cinema Experimental surgiu nas efervescentes vanguardas do século 20, e este gênero pouco visto e pouco apreciado pelo público conquistou grandes estudiosos e pesquisadores do mundo todo. Esta efervescência de produções são realizadas em vários países, como França, Estados Unidos, Alemanha, Argentina, Brasil, Japão, Espanha, Rússia, entre
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outros. Um dos mais importantes gêneros do cinema inspirou futuras gerações de cineastas artistas, os chamados experimentalistas. Evidentemente que o trabalho pioneiro do cineasta George Méliés deu um passo importante para o inicio das experimentações cinematográficas. Mostrarei um pequeno panorama dos vários períodos que compõe o cinema experimental brasileiro e internacional, os cineastas e suas obras expressivas e originais.
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As vanguardas
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Nos dez anos compreendidos entre 1921 e 1932, tivemos importantes produções de cineastas de vários países. Na Alemanha, ocorria o crescimento criativo do cinema expressionista, dos cineastas Robert Wiene, Fritz Lang e F. W. Murnau. Mas três pintores, Viking Eggeling, Hans Richter e Walter Ruttmann, ostensivamente fizeram obras extremamente criativas com continuidade plástica, rítmica, abstrata, com isso desenvolveu-se um movimento artístico totalmente independente na cinematografia alemã. As principais obras alemãs foram: Rhythmus 23 (1923) de Richter, Diagonal Symphony (1921) de Eggeling, Opus (1921-1925), Uberfall (1929) de Erno Metzner, Colorature (1931) de Oskar Fischinger (foto abaixo), dentre outras.
Na França, tivemos uma fase borbulhante de grandes produções, o pesquisador e cineasta Jacques Brunius classificou a escola vanguarda francesa em três fases. A primeira fase limitou-se a um único indivíduo, Louis Delluc, que dirigiu três curtas. O seu primeiro trabalho foi Fiévre (1922 - foto acima à direita). Delluc também se dedicou às criticas cinematográficas e aos roteiros cinematográficos.
A segunda fase continha filmes narrativos de origem literária, Germaine Dulac dirigiu La Souriante Madame Beudet (1922), Marcel L´Herbier dirigiu Feu Mathias Pascal (1924), Jean Epstein dirigiu La Chute de La Maison Usher (1928) baseada em uma serie de historias do escritor Edgar Allan Poe. Outros diretores que também foram incluídos nesta fase são Claude Autant-Lara, Jean Renoir, Abel Gance e Dimitri Kirsanov. A terceira fase da vanguarda francesa teve cineastas que alternaram entre as produções comerciais e as experimentais. O primeiro grupo inclui os cineastas Alberto Cavalcanti, René Clair, Luis Buñuel, diretores se tornaram bastantes renomados. O segundo grupo incluiu artistas, fotógrafos e pintores como Fernand Léger, Man Ray, Marcel Duchamp e Jean Cocteau. Na Rússia, tivemos dois importantes cineastas Dziga Vertov e Sergei Eisenstein. Vertov estabeleceu o ponto de vista do olho câmera, o chamado Cine-Olho, com a sua liberdade em controlar o tempo, espaço e conteúdo. Uma das suas obras mais importantes é o filme Um Homem com uma Câmera (1929) e produziu vários filmes documentais e de propaganda.
SESSÃO ANÁLISE
Experimental
Eisenstein deixou o teatro para dedicar-se a fazer filmes, sendo seu primeiro trabalho, Greve (1924), e depois filmou o seu mais famoso trabalho, que introduziu o estilo da técnica da montagem, o filme O Encouraçado Potemkin (1925), e, em seguida, fez Outubro (1927) e A Linha Geral (1929). Nos Estados Unidos a vanguarda iniciou-se com os trabalhos totalmente independentes, Manhatta (1921) dirigido pelos cineastas Charles Sheeler e Paul Strand, 24 Dollar Island (1925) de Robert Flaherty, H2O (1929) de Ralph Steiner, Lot in Sodom (193334) de James Sibley Watson, entre outras. Em outros países tivemos destaques dos cineastas, Len Lye, da Nova Zelândia, que dirigiu Tusalava (1928) enquanto residia em Londres, Kenneth Mac Pherson da Inglater-
ra dirigiu Foothills (1929), Joris Ivens dirigiu muitos trabalhos na Holanda, o pintor belga Francis Brugiére dirigiu Light Rhythms (1930). No Brasil, os filmes mais importantes neste período são: Rien que dês Heures (1926) de Alberto Cavalcanti, realizou este filme em Paris no período onde estudou, Tesouro perdido (1927) de Humberto Mauro, Fragmentos da Vida (1929) do sorocabano José Medina, São Paulo a symphonia da metrópole (1929), dos imigrantes húngaros Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny, Lábios sem beijos (1930), de Humberto Mauro, Limite (1930), de Mário Peixoto, este longa foi um marco no cinema experimental na América Latina, a cópia totalmente restaurada e exibida em Cannes (2007), causou impacto aos europeus no saber que o Brasil existia um filme totalmente vanguardista.
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Cena do carrinho de bebê nas escadarias de Odessa, em “O Encouraçado Potemkim”
Cinema Underground e Cinema Marginal
inclusive, no ano passado, o Brasil recebeu a maior mostra de seus filmes. Também ativo aos 81 anos, Ken Jacobs recentemente lançou um novo trabalho exibido na 38º Mostra de São Paulo. Já o mago do cinema experimental completa 82 anos - o senhor Kenneth Ager ainda está na ativa, divulgando seus trabalhos do passado e presente. E outro cineasta, com seus 72 anos, Mike Kuchar, continua a propagar seus trabalhos realizados juntamente com seu irmão gêmeo, o falecido George Kuchar, que infelizmente nos deixou em meados de 2012.
O movimento do Cinema Underground ou cinema subterrâneo surgiu nos Estados Unidos no final dos anos 50 por dois cineastas visionários Robert Breer e Stan Brakhage, e depois seguiu para os anos 60 e 70, um período efervescente de produções experimentais nos Estados Unidos. As obras mais importantes deste período foram Dog Star Man de Brakhage, Flaming Creatures de Jack Smith, Blonde Cobra de Ken Jacobs, Lúcifer Rising de Kenneth Ager, Re-Entry de Jordan Belson, Goldmouth de Robert Branaman, Cosmic Ray de Bruce Conner, Dance Chromatic de Ed. Emshwiller, A Town Called Tempest de George Kuchar, Guns of the Trees de Jonas Mekas, Sleep de Andy Warhol, entre outras produções que constam em uma lista interminável de expressões artísticas marcantes e independentes.
Nos anos 60, no Brasil, uma nova safra de diretores, como Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha - imagens abaixo - e A mulher de todos), Julio Bressane (Matou a família e foi ao cinema e O anjo nasceu), João Silvério Trevisan (Orgia ou O homem que deu cria), Geraldo Veloso (diretor de Perdidos e Malditos) e Ozualdo Candeias (A margem e A herança), Andrea Tonacci (Bang Bang), José Agrippino de Paula (Hitler 3º Mundo), Carlos Reichenbach (Liliam M – Relatório Confidencial) entre outros, em uma lista enorme de filmes, mais de 50, que propunham originalidade nas suas experimentações, uma fase brilhante e visionária no cinema nacional.
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Importante ressaltar que, dentre estes cineastas experimentalistas, muitos ainda continuam a produzir trabalhos extremamente independentes nos dias de hoje. Aos 92 anos, Jonas Mekas ainda está na ativa e divulgando seus trabalhos em vários países
Experimental
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Atores e cartaz de “Nosferato no Brasil” (1971) Cinema de super-8 O cinema de super-8 foi uma das fases mais produtivas do cinema brasileiro, pela facilidade do material e pelo custo baixo da bitola (filme cinematográfico de 8 milímetros de largura). Através da câmera de super-8, foram feitos registros poéticos, imaginários, do cotidiano urbano, familiares, artísticos, políticos e revolucionários. Com mais de 600 filmes espalhados pelo país, há enorme diversidade de proposições estéticas marcadas na década de 70. Com isso, criou-se uma linguagem de experimentação vigorosa. Os filmes em destaque são: Luzazul (1981) de Julio Plaza, Nosferato no Brasil (1971) de Ivan Cardoso, O Vampiro da Cinemateca
(1977) de Jairo Ferreira, Alice no país das mil novilhas (1976) de Edgard Navarro, O palhaço degolado (1977) de Jomard Muniz de Britto, Céu sobre água (1978) de José Agrippino de Paula, Via Crucis (1979) de Paulo Bruscky, Terror da Vermelha (1972) de Torquato Neto, Ôvo de Colombo (1979) de Leonardo Crescenti , Valente é o galo (1974) de Fernando Spencer, Achados e Perdidos de Celso Marconi, Neyrótika (1973) de Hélio Oiticica, Gotham City (1972) de Raymundo Colares, The Illustration of art n1(1971) de Antonio Dias, Ritual (1970) de Barrio, Elements (1979) de Iole de Freitas, Fome (1972) de Carlos Vergara, Eat Me (1976) de Lygia Pape, Triunfo Hermético (1971) de Rubens Gerchman, Burning Gloves (1971) de Miguel Rio Branco, Semi-ótica (1975) de Antonio Manuel, Vocês (1979) de Arthur Omar, dentre outras.
Já na argentina, tivemos um dos mais importantes cineastas que utilizou a bitola de super-8, Claudio Caldini, que realiza filmes até os dias de hoje. Seus mais importantes trabalhos são, Ventana (1975), Baltazar (1975), Aspiraciones (1976), Ofrenda (1978), dentre outras. Outros cineastas argentinos também utilizam o super-8, Horacio Vallereggio, Narcisa Hirsch, Gabriel Romano, Jorge Honik, Pablo Mazzolo, Sergio Subero, Ernesto Baca, Pablo Marín, entre outros
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No Japão podemos citar três grandes cineastas, Takahiko Limura, Daichi Saito e Teruo Koike. Outros países utilizaram esta bitola, como Estados Unidos, México, Espanha, Itália, Inglaterra, França, entre outros. Falando em Espanha, até mesmo o cineasta Pedro Almodóvar, realizou vários curtas em super-8, ao todo foram 12 curtas, entre os quais estão Film Político de 1974.
Cinema de animação experimental A animação experimental sempre foi representada pelos pioneiros Norman McLaren e Len Lye, mas o Brasil tem seu próprio representante, Roberto Miller. Poucas pessoas sabem, mas este talento já ganhou prêmio em Cannes. Roberto Miller foi um dos cineastas que mais pesquisou sobre o cinema de animação experimental no país e produziu mais de 30 trabalhos. Miller estudou no Canadá, foi seguidor e amigo de Norman McLaren, e introduziu o filme animado desenhado diretamente sobre a película de 35 mm. Essa técnica de desenho revolucionária foi criada pelo canadense Norman McLaren, um dos maiores artistas que mostrou ao mundo suas experimentações, estas experiências com luzes, cores e profundidade, sempre tendo a música sincronizada com as imagens, criam dimensões de pura obra de arte.
Roberto Miller (esq.) e seu trecho para filme coletivo “Planeta Terra”
INTERATIVO! Hyperlink o canal Vimeo do NUPA - Núcleo Paulistano de Animação, para exibição de “Planeta Terra” (1986) com a participação de Roberto Miller
Mostra
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SESSÃO ANÁLISE
38ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO A Palmas de Ouro cobriu o mais importante evento nacional de cinema e, entre tantas exibições, selecionou 10 que marcam pela expressividade e estética. Confira! POR RODRIGO LARA Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é o evento mais importante para os cinéfilos brasileiros - principalmente para o público paulista. É impressionante pensar que tudo nasceu em 1977, durante forte repressão e censura militar, época regida pela “paranoia” e pelo medo. Foi neste contexto que o corajoso crítico de cinema Leon Cakoff criou o evento como forma de celebrar os 30 anos de fundação do MASP Museu de Arte de São Paulo. Na época, ele trabalhava no museu como programador
A
de cinema e organizava exibições de filmes estrangeiros inéditos – na maioria das vezes essas cópias, muitas delas em 16 mm, chegavam sem nenhuma tradução e legenda. Era interessante, também, a forma como esses filmes chegavam ao Brasil. O bom relacionamento de Cakoff com diplomatas que prestigiavam o MASP permitia uma parceria para a entrada de filmes “escondidos” do governo por meio dos malotes diplomáticos. Muita coisa estava em jogo naqueles anos.
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Encontro de coprodução Brasil-Espanha. Mesa composta por Manoel Rangel (Presidente da Ancine), Eduardo Valente (Assessor Internacional da Ancine), Lorena Gonzáles Olivares (Diretora Geral do ICAA) e Renata de Almeida (Diretora da Mostra) A edição inaugural da Mostra ocorreu de 21 a 31 de outubro. A seleção teve 16 longas-metragens e sete curtas (de 17 países), apresentados em 40 sessões no Grande Auditório do MASP. O caráter democrático e plural que marca a história da Mostra já estava presente: o público consagrou Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1977), de Hector Babenco como o melhor filme. No Brasil não havia eleições diretas. O espanto virou notícia até no Jornal do Brasil que noticiou que “a Mostra era o único lugar no Brasil em que as pessoas tinham o direito de votar”. Leon Cakoff, fundador, organizador e diretor do evento, faleceu em 2011, pouco antes da abertura da 35ª Mostra (a primeira que participei integralmente). A produtora Renata de Almeida, viúva de Leon, que produziu o festival com ele, assumiu a direção da Mostra. Passados 38 anos, a Mostra continua crescendo e mantendo sua importância no
cenário nacional e internacional, sendo a maior janela no Brasil para a entrada do cinema mundial: prioritariamente de caráter mais autoral ou artístico e menos comercial. Uma das marcas mais expressivas da Mostra é permitir o debate do público com grandes mestres do cinema e, também, com as novas gerações de diretores, atores e produtores. Nos últimos anos, muitos cineastas consagrados utilizaram o evento para o lançamento nacional de seus filmes mais recentes. Só para citar alguns exemplos, já passaram pela Mostra: Dennis Hopper, Pedro Almodóvar (que este ano é o homenageado e recebe uma retrospectiva completa de sua obra), Miguel Gomes, Victoria Abril, Abbas Kiarostami, Claudia Cardinale, Amos Gitai, Quentin Tarantino, Maria de Medeiros, Wim Wenders, Alan Parker, Manoel de Oliveira, Atom Egoyan, Danis Tanovic, Christian Berger, Theo Angelopoulos, Marisa Paredes, Rossy De Palma, Chan-Wook Park e Jia Zhangke (outra atração deste ano).
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Comédia de humor negro, “Relatos Selvagens” foi o filme de abertura da Mostra A realização da Mostra não se restringe apenas a exibição de filmes. Durante os 14 dias ocorrem inúmeros encontros com produtores, roteiristas, diretores, atores, lançamentos de livros sobre cinema, retrospectivas e homenagens a grandes realizadores. A 38ª Mostra prestou homenagem ao diretor espanhol Pedro Almodóvar – que infelizmente não pode comparecer – mas que já esteve no evento para abrir a 19ª Mostra, com A Flor do meu Segredo. A retrospectiva que lhe foi dedicada abarca todas as fases de sua carreira: do humor anárquico de Maus Hábitos (1983) e Mulheres à Beira de um ataque de Nervos (1988), passando pela paixão incandescente de A Lei do Desejo (1987), o flerte com o thriller de Carne Trêmula (1997) até o lirismo sublime de Fale com Ela (2002) – considerados por muitos como sua obra-prima. É de Fale com Ela a
imagem que estampa o pôster deste ano. Trata-se de um autorretrato feito durante as filmagens pelo diretor. Aproveitando a homenagem a Almodóvar, o foco da edição é a Espanha. O Foco Espanha, com uma seleção de filmes clássicos e contemporâneos, faz um apanhado da força criativa ibérica dentro de uma diversidade de gêneros que marca o cinema espanhol, além de promover um encontro de coprodução realizado em parceria com a ANCINE e a Cinema do Brasil. O filme de abertura da Mostra, que é sempre disputadíssimo, é uma produção da El Deseo – produtora de Almodóvar e produzido pelo próprio Pedro. Trata-se da comédia de humor negro Relatos Selvagens, dirigida por Damián Szifron e filmada na argentina com o astro Ricardo Darin.
Outro evento importante deste ano foi a exposição México Fotografado por Luís Buñuel, organizada pela Cinemateca, com fotos de locações e estudos realizados pelo diretor no México. Ainda aconteceu a exibição de Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro. O caráter plural está presente também na homenagem feita ao cineasta chinês Jia Zhangke, que já havia recebido uma retrospectiva na Mostra em 2007. Nos últimos sete anos o impacto do trabalho de Zhangke só cresceu – destaque para o seu último filme Um Toque de Pecado (2013) que recebeu a prêmio de melhor roteiro em Cannes e também foi indicado à Palma de Ouro. O diretor esteve presente para o lançamento do documentário de Walter Salles chamado Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang, e também participou do debate Os Filmes da Minha Vida – que futuramente será lançado em livro. O cineasta chinês teve sua obra e seu percurso analisados com o lançamento do livro O Mundo de Jia Zhangke em parceria da editora Cosac Naify com a Mostra. O livro contará com textos de Walter Salles, Jean-Michel Frodon, Cecília Mello e Jia Zhangke. Dentro do ciclo de debates de Os Filmes da Minha vida, outras personalidades que participaram deste painel são Maria do Rosário Caetano (documentarista), José Carlos Avellar (documentarista), Murillo Salles (lançando o documentário Aprendi a Jogar com você), Helvécio Ratton (O Segredo dos Diamantes, exibido na Mostra), Jean-Michel
Frodon, Artur Xexéu e Bráulio Montovani (roteirista de Cidade de Deus e Tropa de Elite). Outra personalidade importante a receber uma homenagem e retrospectiva este ano foi Marin Karmitz (da MK2), diretor, produtor, distribuidor e exibidor. Um caso raro de brilhantismo na atuação em todas as áreas da cadeia cinematográfica. Ele foi responsável pelos trabalhos de grandes diretores como Theo Angelopoulos, Krzysztof Kieslowski (a trilogia das cores foi exibida em cópias restauradas), Abbas Kiarostami, Michael Haneke entre outros. O filme de encerramento foi Dólares de Areia dos diretores Laura Amélia Guzmán e Israel Cárdenas. A estrela do filme, Geraldine Chaplin, esteve presente na sessão e também foi homenageada com o prêmio humanidade.
Geraldine Chaplin, atriz de “Dólares de Areia”, no encerramento da Mostra
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O filme conquistou o prêmio do público de melhor ficção internacional, além de ter sido indicado à Palma de Ouro em Cannes.
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Mostra
A já tradicional sessão ao ar livre no Auditório do Ibirapuera foi uma homenagem ao personagem Carlitos, de Charles Chaplin que completa 100 anos em 2014. Foram exibidos O Circo (1925) e o curta metragem Corrida de Automóveis para meninos (1914) – primeira aparição de Carlitos nas telas. Essas exibições foram acompanhadas pela Orquestra Sinfônica de São Paulo. A seleção de títulos e a liberação da programação da Mostra são os acontecimentos mais aguardados pelos cinéfilos, todos os anos. Historicamente há a apresentação de cineastas consagrados e nomes muito conhecidos e admirados, bem como uma seleção de cineastas jovens no panorama jovens diretores. Alguns dos destaques da 38ª Mostra, apenas com títulos inéditos em festivais no Brasil foram: Manoel de Oliveira com o curta O Velho do Restelo, Nuri Bilge Ceylan de Winter Sleep (Palma de Ouro em Cannes e prêmio FIPRESCI este ano), Amos Gitai com Tsili, Olivier Assayas com Acima das Nuvéns (seleção de Cannes), Laurent Cantet
com Retorno a Ítaca, Luc e Jean-Pierre Dardene com Dois Dias uma Noite (seleção de Cannes), Naomi Kawase do arrebatador O Segredo das Águas (seleção de Cannes), Bruno Dumont com O Pequeno Quinquin (minissérie para TV), entre outros. Alguns dos títulos mais importantes do ano e que marcaram presença na Mostra foram: As Maravilhas (grande prêmio do Júri em Cannes), Ninfomaníaca parte 1 e 2 – versão do diretor sem cortes, Um Pombo pousou num galho refletindo sobre a existência (Vencedor do Leão de Ouro em Veneza este ano), O Vale Sombrio (Andreas Prochaska), Foxcatcher de Bennett Miller (melhor diretor em Cannes e melhor ator para Channing Tatum), As Bruxas de Zugarramurdi de Álex de la Iglesia (8 prêmios Goya), Leviatã de Andrey Zvyagintsev (melhor roteiro em Cannes), A Pequena Casa de Yoji Yamada. A seleção internacional ainda contemplou 15 filmes que representam seus países na indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
CARLITOS • 1914
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Homenagem aos 100 anos do personagem Carlitos, durante sessão ao ar livre do Auditório do Ibirapuera. “Corrida de Autóveis para meninos” retrata as peripécias do Carlitos em uma corrida infantil, corrida que ele atrapalha ao aparecer diante da câmera que tenta filmar o evento.
Já o cinema nacional esteve representando com um número recorde de títulos na Mostra Brasil. Foram cerca de 40 obras entre longas de ficção e de documentários. Os títulos mais impactantes foram Infância de Domingos Oliveira, A História da Eternidade do pernambucano Camilo Cavalcante (prêmio do público de melhor ficção brasileira), Cássia de Paulo Henrique Fontenelle (prêmio do público de melhor documentário brasileiro), Casa Grande de Fellipe Barbosa (prêmio ABRACCINE), Encantados de Tizuka Yamasaki (prêmio da Juventude de melhor filme brasileiro). Dos nacionais quem chamou a atenção foi Ventos de Agosto de Gabriel Mascaro (menção especial no Festival de Locarno), o documentário Branco Sai Preto Fica de Adirley Queirós (premia-
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do no Festival de Brasília), Sinfonia da Necrópole, comédia musical de Juliana Rojas e A Luneta do Tempo de Alceu Valença. A Mostra apresentou 330 longas de mais de 60 países. Nos 14 dias de evento, consegui assistir 57 filmes, em 10 salas diferentes. É uma verdadeira maratona com intervalo médio de 10 minutos entre um filme e o outro. É preciso planejamento e muita disposição para enfrentar filas para a retirada de ingresso e para conseguir bons lugares nas salas. Porém, o frustrante é precisar fazer escolhas. Alguns deslocamentos diminuem a quantidade de filmes possíveis de assistir em um mesmo dia, bem como os horários conflitantes. É impossível assistir tudo. É, também, impossível conseguir assistir a todos os títulos mais “badalados”. Desses 57 filmes, fiz uma seleção de 10, que considero os mais expressivos da Mostra, na sequencia do melhor para o pior. Segue a minha análise pessoal nas próximas páginas. Confira e prepare-se, pois a sua lista de filmes para assistir aumentou!
“Uma História da Eternidade”, dirigido pelo pernambucano Camilo Cavalcante. O filme revela por meio de uma linguagem poética, emoções e instintos do ser humano centrados nas figuras de três mulheres do sertão, Querência, de meia-idade, a jovem Alfonsina e a idosa Das Dores.
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1
Mostra
A GANGUE
2014 | Cor | 132 m. | Ficção | Ucrânia Myroslav Slaboshpytskiy
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É
impossível ficar indiferente à brutalidade de A Gangue. O filme venceu o “Grande Prêmio da Semana da Crítica em Cannes” e arrebatou o prêmio de melhor roteiro da Mostra. O ponto de partida narrativo é até bastante simples: garoto entra em instituição para menores e toma contato com a violência da instituição durante seu rito de amadurecimento. O que de fato é inovador é o detalhe de todos os atores serem surdos-mudos e só se comunicarem pela linguagem dos sinais. Serão 132 minutos de linguagem de sinais e som de ambiência. Não há diálogos ou legendas. Essa “violência” do audiovisual poderia levar muitos espectadores a deixarem a sala, mas a construção do mundo ficcional é assustadoramente competente – os planos são muitas vezes lentos para permitir nossa compreensão da narrativa.
Não é possível entender todos os diálogos (exceto para quem domina a linguagem dos sinais), porém o filme é totalmente compreensivo. Vemos a trajetória do jovem Sergey desde seu primeiro dia na instituição para surdos-mudos. Pelo seu porte físico forte, logo acaba atraído pela gangue local, que explora meninos mais fracos e prostitui as meninas. Quando ele está identificado com a crueza da situação surge um ponto de virada: ele se apaixona pela namorada do chefe da gangue que a prostitui com caminhoneiros. Acontecimentos brutais irão afastar Sergey do grupo. A violência é enorme. Os sons, que somente o espectador escuta, não deixam a ninguém indiferente, a plateia torna-se cúmplice de atos brutais. Há estupros e assassinatos apresentados de forma nunca antes vista nas telas.
2
O CÍRCULO
2014 | Cor & PB | 102 m. | Ficção | Suíça Stefan Haupt
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A história do casal começa na década de 50 e envolve o surgimento da revista gay “O Círculo” (Der Kreis). Como o próprio nome entrega, a revista é mais do que uma encadernação: é um ponto de encontro, um clube de amigos (distintos cavalheiros) que atrai a comunidade homossexual para a fervilhante Suíça. Era um espaço secreto e seguro para ser gay no pós-guerra, mas ainda estava ao alcance da perseguição nazista.
Durante o filme há os depoimentos dos “verdadeiros” Ernst e Robi e de participantes daquele período. Dessa forma a narrativa se apoia na situação atual do casal para conquistar definitivamente a paixão dos espectadores.
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É
o candidato suíço ao Oscar 2015. Trata-se de um documentário que mistura imagens de época, arquivo, depoimentos atuais e também que recria ficcionalmente os eventos, a época e as pessoas. O fio condutor da narrativa é o romance entre Ernst (tímido professor de literatura) e Robi (jovem drag), o primeiro casal homoafetivo (como preferem ser chamados) a casar legalmente na Suíça.
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3
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ACIMA DAS NUVENS
2014 | Cor | 123 m. | Ficção | França, Suíça, Alemanha Olivier Assayas
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O
belíssimo filme de Assayas pode ser analisado sob três prismas: o amor ao cinema, o filme dentro do filme e o autoconhecimento feminino. A narrativa começa com Maria (Juliette Binoche – sempre incrível), uma famosa atriz já na meia idade. Ela está saindo de um divórcio e precisa conviver com as inseguranças de sua idade na tentativa de não envelhecer e continuar sendo um mito. Sua assistente, Valentine (Kirsten Stewart absolutamente impecável no papel), é seu porto seguro, amiga e confidente. Elas estão viajando para Maria entregar um prêmio ao diretor que a revelou na juventude durante um festival que irá homenageá-lo. Durante o trajeto, o diretor morre e Maria precisará enfrentar os fantasmas de sua carreira. Ela é convidada a voltar a atuar na sequencia
do filme, dessa vez, ela será a mulher mais velha que se vê prejudicada pelo amor recusado de uma jovem aproveitadora. Maria procura forças para assumir o papel. Já que a personagem é muito próxima de sua realidade: uma mulher perdida nas inseguranças de sua idade. O exercício metalinguístico de Assayas é fabuloso: as personagens e situações se misturam o tempo todo e ao mesmo tempo, até a escolha do elenco parece ser uma brincadeira que retrata as antigas musas perdendo espaços para as novas promessas (Binoche x Kirsten Stewart). “Acima das Nuvens” é também uma poesia visual com fotografia exuberante e mise-en-scène riquíssima – tudo está no seu lugar e tudo tem significado. O desfecho final é de interpretação aberta.
4
DOIS DIAS, UMA NOITE
2014 | Cor | 95 m. | Ficção | Belgica, França, Itália Luc e Jean-Pierre Dardenne
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U
m filme dos irmãos Dardenne, mais uma vez, será o candidato da Bélgica ao Oscar. Novamente as questões sociais estão travando um embate entre o público e o privado. Eles aproveitam o cenário de depressão econômica europeia, a problemática do desemprego e trazem o elemento psicológico da depressão e o enfrentamento de valores sociais como a solidariedade e o companheirismo. A narrativa comovente acompanha Sandra (Marion Cotillard - em atuação soberba), em sua tentava de retornar ao trabalho após licença médica para tratar de depressão. O empregador repassou a questão aos demais colegas de trabalho com a proposta de uma votação: eles receberão um bônus de 1.000 libras se votarem pela demissão de Maria ou podem aceitá-la de novo na equipe e perder o prêmio extra.
Maria precisa da força de sustentação de seu marido e de uma amiga para tentar convencer os colegas durante os próximos “dois dias e uma noite” a votarem por sua permanência. Ela irá procurar um a um e confrontar os motivos e a ética de cada família envolvida nesta proposta indecorosa do empregador. O trabalho dos Dardenne é primoroso e de um realismo impactante. A personagem Maria parece nunca olhar para frente. Estamos sempre acompanhando seu olhar, seu deslocamento como quem anda sem enxergar um futuro reto e certo. Há ausência de trilha sonora e o emprego de câmera na mão também realçam o naturalismo do filme. As decisões que estão em jogo são complicadíssimas para todos os personagens.
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5
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RELATOS SELVAGENS
2014 | Cor | 122 m. | Ficção | Argentina, Espanha Damián Szifrón
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O
filme de abertura da 38ª Mostra é o representante argentino na disputa por uma vaga na categoria de filme estrangeiro do Oscar. O páreo será difícil, pois esta categoria de premiação não é muito propícia às comédias.
Entretanto, nada disso retira os méritos de Damián Szifrón, que dirigiu e roteirizou a obra produzida por Pedro Almodóvar e seu irmão. O público não consegue respirar. O riso é, muitas vezes, tão contagiante que leva o público a uma catarse. A presença do ator Ricardo Darín dá credibilidade e aumenta o riso.
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Pesa contra o filme, também, o humor negro, as situações absurdas e certa irregularidade – já que o longa é uma composição de seis casos (curtas) que só dialogam entre si pelo tema: a vingança.
6
TRISTEZA E ALEGRIA 2014 | Cor | 95 m. | Ficção | Dinamarca Nils Malmros
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U
ma das experiências que mais me sensibilizaram nesta Mostra foi a exibição do representante dinamarquês na corrida pelo Oscar. Antes da exibição do filme o diretor comentou que era uma histórica muito trágica e que era baseada em acontecimentos reais de sua vida pessoal, mas pediu que não julgássemos facilmente o que veríamos na tela. O discurso do dinamarquês deixou em mim muita tristeza por dias após o filme. A narrativa é bastante forte e mostra o dia a dia de um jovem diretor de cinema promissor e no auge de sua popularidade tendo que ajustar os compromissos profissionais com a vida pessoal. Ele casou-se com uma jovem e eles têm uma filha pequena, ainda no berço. A sua jovem esposa sofre de depressão e, mesmo sob os cuidados da família, acaba degolando a filha em um ataque depressivo.
É difícil assimilar onde pode estar a “alegria” que o diretor prega no título. Há uso da metalinguagem na contextualização autobiográfica e, no final do filme, a esposa, aparentemente recuperada da depressão, pede para que Johannes não faça um filme com base nas memórias desses eventos, pois ela não teria forças para ver a história nas telas. Eles estão na cama em momento carinhoso, pois ele jamais culpou a mulher pela fatalidade – atribui culpa à doença, quando ele responde que também não teria “estômago” para tanto e que prefere encerrar a carreira. Ao término da exibição do filme, o diretor, em conversa com a plateia, informa que a esposa aprovou o filme e escolheu, inclusive, a atriz que faria o seu papel. A vida e a arte se misturam de forma diferente do discurso.
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7
Mostra
WINTER SLEEP
2014 | Cor | 196 m. | Ficção | Turquia, Alemanha, França Nuri Bilge Ceylan
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TRAILER
N
uri Bilge Ceylan é um nome ainda não muito popular no Brasil, mas o turco de 55 anos tem uma trajetória impressionante no Festival de Cannes e tornou-se um dos autores europeus mais respeitados do cinema. Ele já venceu o “Grande prêmio do júri” em 2003 por Distante. Em 2006 venceu o importante prêmio FIPRESCI de Cannes por Climas. Em 2008 recebeu o prêmio de melhor diretor por 3 Macacos. Com Era uma Vez na Anatólia, de 2011, venceu novamente o “grande prêmio do júri” e, este ano, conquistou o prêmio máximo, a Palma de Ouro por Winter Sleep.
Winter Sleep é sem sombra de dúvidas o filme mais importante da 38º Mostra, e um dos mais longos (196 minutos). A longa duração não atrapalha o filme pois somos compensados com uma fotografia deslumbrante e atuações convincentes, ainda que
muitos diálogos sejam exaustivo no retrato de um drama interpessoal e familiar. A narrativa gira em torno dos conflitos éticos e pessoais do casal Aydin, ex-ator e agora gerente-proprietário de um hotel na Anatólia, e a pacata esposa Nihal. A sociedade patriarcal e o predomínio da cultura do islã são os panos de fundo para as discussões do casal: há o embate entre a necessidade da arte e a discussão sobre a sua finalidade em uma sociedade carente; há a discussão sobre o mal – sobre como combater o mal (atacá-lo é também fazer o próprio mal e não fazer nada para impedi-lo?). Há, óbvio, a discussão do papel da mulher nesta sociedade e a discussão da opressão dos que detém poder econômico. Os dramas do casal são expressados em longos diálogos, fotografados de modo a pontuar cada inflexão facial ou gestual.
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A ILHA DOS MILHARAIS
2014 | Cor | 98 m. | Ficção | Georgia, Alemanha, França, República Tcheca, Casaquistão, Hungria • George Ovashvili
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Trata-se de um filme com raros diálogos, sem trilha sonora, mas que é rico em ambiência e entendimento com os olhares. A narrativa gira em torno de um avô e sua neta, que chegam a uma pequena ilha para plantar milho. A cultura local é clara para o ancião: o sucesso da colheita e, portanto, da própria sobrevivência, dependem da escolha da ilha no rio. A família simples se instala de forma precária na “ilhota” e nela constroem o lar temporário, tirando da natureza local todas as condições para se sustentar em um ambiente hostil.
Eles estão na divisa de dois territórios em guerra. À noite, a força da natureza se revela ao passo que se ouvem os tiros de metralhadoras e fuzis. A presença de um soldado georgiano ferido coincide com o despertar da percepção sexual da jovem neta. A magia do filme está na direção de George Ovashvili: são os pequenos detalhes das atuações e dos gestos que fazem a diferença na conquista do público. O filme levou a Menção Honrosa da Crítica na Mostra.
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M
ais um candidato ao Oscar de 2015. “A Ilha dos Milharais” é o selecionado pela Geórgia e já faturou alguns prêmios ao redor do mundo em festivais não muito conhecidos.
SESSÃO ANÁLISE
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Mostra
O SEGREDO DAS ÁGUAS 2014 | Cor | 119 m. | Ficção | Japão Naomi Kawase
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Seu herói é seu pai, que vive em Tóquio e trabalha como tatuador. Ele se envolverá com a melhor amiga Kyôko (Yoshinaga), uma jovem que convive com a iminente morte de sua mãe (que também é uma xamã do povoado). O relacionamento entre
eles aflora em meio a perdas e descobertas. O filme se propõe a discutir temas humanistas e filosóficos com a interação dos jovens com personagens mais velhos e em participação de pequenos rituais de difícil compreensão. De qualquer forma, a beleza das imagens permite reflexão. As cenas nos mar e as cenas dos jovens andando de bicicleta pelo povoado são de grande beleza pela fluidez da câmera – o que demonstra clara maturidade da diretora.
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lasticamente o filme de Naomi Kawase é irretocável e, por isso, não poderia ficar de fora da seleção dos mais significativos filmes desta Mostra. O filme foi um dos candidatos à Palma de Ouro em Cannes, mas acabou com uma recepção bastante decepcionante: indiferença. É difícil precisar a proposta narrativa e sua evolução, o certo é que veremos em tela mais um ritual de amadurecimento de jovens: Kaito (Murakami) é um adolescente calado e ainda não adaptado à vida na pequena ilha de Yoan – seus pais se separaram e ele mora com a mãe (que tem muitos parceiros sexuais).
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FORÇA MAIOR
2014 | Cor | 118 m. | Ficção | Suécia Ruben Ostlund
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Pré-selecionado pela Suécia pela disputa de uma vaga ao Oscar, Força Maior discute um relacionamento em crise e a maneira patética com que homens tentam manter o poder e a virilidade dentro de uma sociedade que os impede demonstrar fragilidade. A primeira parte do filme é excepcional, mas o filme se perde no segundo ato, em uma sucessão de repetições de situações e diálogos desnecessários. A premissa de abertura do filme é espetacular. Casal em férias com filhos nos Alpes suíços está almoçando em um restaurante em frente a uma paisagem assustadora que permite aos clientes comerem apreciando as montanhas geladas. Um estrondo rompe a calmaria e uma avalanche enorme inicia se aproximando rapidamente do restaurante. O marido parece calmo e tenta tranquilizar a família sobre o evento – ale-
ga ser uma avalanche controlada – porém quando a força da natureza parece alcançar o restaurante ele é o primeiro a fugir abandonando covardemente a família. Alguns segundos depois percebemos que era um evento controlado e que só uma névoa atingiu o restaurante. Todos voltam às mesas como se nada tivesse acontecido. Só que é neste ponto que temos a virada do casal. A esposa fica espantada com a covardia do marido – que se recusa a admitir que fugiu abandonando as crianças – mesmo havendo tudo filmado pelo celular. A partir de então o convívio dessa família em férias será transformado e a força masculina será posta totalmente à prova sem chance de redenção. O filme mistura humor, com atuações soberbas. E causa assombro pelo realismo do som. As férias de luxo nos Alpes nunca mais serão as mesmas.
História
Foto: Ana Ottoni | Folha Imagem
SESSÃO REGIONAL
OS CINEASTAS CONSAGRADOS
DO INTERIOR PAULISTA
Conheça os grandes nomes do cinema das cidades de Itu, Salto, Campinas e Sorocaba POR PAULO ARANHA interior paulista é fonte de muita cultura, inclusive de cultura cinematográfica para todo o Brasil e o mundo. Confira, a seguir, os cineastas do interior que marcaram a história da sétima arte no Brasil.
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Em Itu: Osvaldo de Oliveira Na minha infância sempre ouvi meu pai dizer que o seu bar foi cenário de um filme. Tive a ideia de fazer uma pesquisa sobre o
cinema na cidade e saber o tal filme que meu pai falava tanto - ele não sabia o nome da obra e nem do cineasta que filmou no bar, pois fazia muito tempo que ocorrera, as filmagens. Após meses de pesquisas, descobri em anotações uma pessoa que seria a chave principal dessa descoberta. Ela mora na cidade de Itu e era a única pessoa que trabalhou em todas as produções nesse período na cidade, lá pelas décadas de 60 e 70.
O eu só pude assistir o filme Luar do Sertão graças a uma fita de VHS de Maria de Oliveira. Em sua casa, ela me mostrou muitas fotos dos sets de filmagens e alguns materiais que ainda guarda dessa trajetória cinematográfica na cidade de Itu. Trajetória na qual o município recebeu o slogan de Cidade Cinema no Vale do Sol. Outra pessoa importante neste período foi o ator, produtor e diretor ituano Letácio de Camargo, que iniciou sua carreira por acaso - ele levava os materiais das produções para as fazendas em sua Kombi, e o cineasta Osvaldo o convidou para fazer parte das suas produções, assim iniciou uma carreira muito rápida e
Acima: capa do filme “Luar do Sertão”; À direita: Osvaldo de Oliveira, cineasta de muito trabalho ao lado de grandes mestres do cinema brasileiro. As produções na cidade de Itu eram constantes neste período entre os anos 60 e 70. Foram mais de 40 produções, entre as mais importantes e conhecidas entre o público estão, Casinha Pequenina com o saudoso Mazzaropi, O Bem Dotado - Homem de Itu, Cangaceiros de Lampião, Vereda da Salvação do cineasta e ator Anselmo Duarte e entre outras.
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A senhora Maria me contou da produção do filme Luar do Sertão (1971), onde usaram o bar para compor o cenário deste filme caipira, que tinha no elenco Tonico, Tinoco e o saudoso Simplício. Osvaldo de Oliveira foi o cineasta que mais produziu filmes na cidade de Itu - ao todo, foram mais de 30 filmes em que atuou na parte de direção, fotografia ou produção.
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Fui ao endereço e, para minha felicidade e surpresa, cheguei numa casa simples, de uma pessoa com um coração enorme e uma felicidade imensa. Sem dúvida, uma das pessoas mais humildes que conheci na minha vida, encantadora, amiga e com muitas historias para contar, a senhora Maria de Oliveira, uma ilustre mulher que acompanhou de perto essa época de ouro na cidade de Itu, hoje, aos 69 anos de idade. Ela atuou, foi continuísta, maquiadora, produtora e, atualmente, vive com sua aposentadoria cuidando de gatos e cães de rua abandonados. Maria é viúva do cineasta Osvaldo de Oliveira.
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O cineasta Osvaldo de Oliveira nasceu em São Paulo no ano de 1930, onde começou sua carreira nos estúdios Maristela, em meados de 1951, fazendo de tudo no cinema. Inicialmente, trabalhou como maquinista. Mais tarde atuou como assistente de câmera no filme Arara Vermelha do diretor Tom Payne. No ano de 1958, passou a atuar em produções fora dos estúdios. Trabalhou em A morte comanda o cangaço, de Carlos Coimbra e Vereda da Salvação de Anselmo Duarte. Como diretor de fotografia participou, no ano de 1962, das filmagens do pioneiro seriado de TV O vigilante rodoviário e dos trabalhos de outros cineastas como Silvio Back, Daniel Filho, Carlos Manga e Luís Sergio Person. Na fase da Boca do Lixo, vieram várias produções e grandes parcerias com cineastas como Massaini, Galante, Callegaro, Silvio Abreu, e outros.
O cineasta ganhou vários prêmios e fez da cidade de Itu sua terra natal, onde dirigiu e fotografou várias produções, dentre quais estão, Rogo a Deus e Mando Bala (1972) e Cangaceiro Sem Deus (1969). Grandes cineastas, atores e atrizes passaram neste período pela cidade, como Leila Diniz, Zé do Caixão, Raul Cortez, Mazzaropi, Nuno Leal Maia, Regina Duarte, entre outros. O cineasta e fotógrafo Osvaldo de Oliveira, ficou famoso com fitas populares dos mais diversos gêneros, em filmes de aventura como O Cangaceiro Sanguinário, ou em filmes sertanejos como No Rancho Fundo. Osvaldo de Oliveira se despediu do cinema, em 1988, e no ano de 1990 faleceu, deixando seu nome registrado na história do cinema brasileiro e na cidade de Itu, onde viveu por longos anos com sua companheira e continuista Maria de Oliveira.
Divulgação | Cinemateca Brasileira
Em Salto: Anselmo Duarte
Em Campinas: Carlos Coimbra
Anselmo Duarte, grande homenageado desta edição do Palmas de Ouro [confira as matérias da Sessão Especial], foi um dos mais importantes cineastas do cinema brasileiro, sendo o único brasileiro e latino-americano a conquistar a Palma de Ouro. Ele também recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes com O Pagador de Promessas.
O cineasta Carlos Coimbra nasceu em Campinas em 1928. Coimbra dirigiu filmes bastante conhecidos em sua época, como Independência ou Morte (1972).
Na sua infância saltense, o garoto Anselmo já sonhava alto, queria ter a mesma profissão do irmão Alfredo, ou seja, ser projecionista de uma sala de cinema. Nos cinemas da época eram exibidos filmes mudos e as projeções eram atrás da tela, o que provocava um aquecimento constante. Para evitar um possível incêndio, o molhador, como era chamado, lançava água em cada projeção dos filmes. Assim, o garoto iniciou sua carreira cinematográfica molhando películas. Esta situação é retratada em seu filme, O Crime do Zé Bigorna.
No chamado “ciclo do cangaço”, fez títulos como A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, o Rei do Cangaço (1962) Cangaceiros de Lampião (1966) e Corisco, o Diabo Loiro (1969). Dirigiu também adaptações como A Madona de Cedro (1968) e Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel (1978). Seu primeiro longa-metragem foi Armas da Vingança (1955) e o último trabalho, Os Campeões (1981). Antes de se tornar cineasta, Coimbra teve uma carreira de cineclubista e depois de montador. Entre as produções que montou para o cinema, estão O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte e Fronteiras do Inferno, de Walter Hugo Khouri.
À esquerda: Cena de “Independência ou Morte” (1972);
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Abaixo: Carlos Coimbra, cineasta campineiro, durante gravação
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O interessante é que seus filmes foram rodados no interior de São Paulo, e não no nordeste, com o próprio O Cangaceiro, cujas imagens do semi-árido nordestino foram captadas na região do município de Itu. O cineasta Carlos Coimbra faleceu em 2007, deixando obras cinematográficas extremamente significativas para historia do cinema brasileiro. Em Sorocaba: José Medina José Medina nasceu em 1896, em Sorocaba. Sua paixão, desde criança, foi a fotografia, e trabalhava na fábrica de tecidos de Votorantim, na seção de estamparia. No inicio do século a fábrica instalou um cinema na vila, para lazer dos operários. Então o garoto Medina tornou-se projecionista.
Imagens: Socioetal Cultura e Sociedade
Por volta de 1910, os diretores da empresa contrataram um cinegrafista do Rio de Janeiro para fazer uma propaganda das instalações da empresa. Foi durante estas filmagens que Medina se interessou pelas produções cinematográficas.
Em 1912, mudou-se para São Paulo para estudar pintura e, ao mesmo tempo, trabalhava em um ateliê. Acabou depois criando seu próprio ateliê. Também atuava em vários grupos teatrais e fotografava trabalhos artísticos, no Cine Clube Foto Bandeirantes. Ganhou vários prêmios internacionais com suas fotografias. No cinema, começaria realmente em 1919, época em que não havia ainda livros especializados ou escolas de cinema que ensinassem a sétima arte no Brasil, de modo que o criativo José Medina assimilava os conceitos do cinema por observações de filmes que assistiu e projetou no cinema da vila e por intuição. Depois, conheceu o italiano Gilberto Rossi, um dos melhores fotógrafos de cinema de São Paulo e com uma experiência vasta de trabalhos cinematográficos. A partir dali se iniciou uma parceria ousada e criativa. Começaram com um filme curto, no qual havia só quatro atores amadores - tudo foi filmado em dois dias apenas.
José Medina em publicação que destaca os artistas da rádio “Bandeirantes” Foi ator, fotógrafo, radialista, pintor, cineasta, além de criador de campanhas publicitárias
Neste período, muitos atores profissionais recusavam atuar em filmes, pois consideravam uma humilhação atuar nessa “arte menor”, o chamado cinema. Em suas palavras, José Medina ressalta: “Ninguém acreditava no cinema nacional. O pessoal achava ridículo”. Os filmes Exemplo Regenerador (1919) e Fragmentos da vida (1929), são os únicos filmes de Medina que restam nos dias de hoje. Estas duas únicas copias encontra-se na Cinemateca Brasileira, já que um incêndio em 1926 destruiu as instalações da produtora de Gilberto Rossi em Votorantim, de tal forma que foram perdidos todos os trabalhos realizados neste período na cidade.
Sem dúvida, o filme mais importante da carreira de Medina foi Fragmentos da Vida, que retrata a construção de uma metrópole, São Paulo, que crescia desafiando as nuvens, levando nessa ânsia incontida o suor de operários humildes. Um trabalhador cai de um andaime e, à beira da morte, pede para o filho trilhar o caminho da honestidade, do trabalho e da honradez. O filho, porém, prefere tornar-se um vagabundo e tudo faz para ser preso a fim de sobreviver. A obra tem belíssimas fotografias de Gilberto Rossi. José Medina faleceu em 25 de agosto de 1980 em São Paulo, deixou dois trabalhos importantíssimos para a historia do cinema brasileiro e vários trabalhos fotográficos.
Arquivo | Cinemateca Brasileira
Cena de “Fragmentos da Vida” (1929), filme que revela o crescimento de São Paulo
Caderno de cinema Palmas de Ouro Diretor: Jean-Frédéric Pluvinage Editor-chefe: Paulo Stucchi Redatores: Filipe Salles, Lilian Solá Santiago, Paulo Aranha, Rodolfo Emili, Rodrigo Lara, Tatiani Faria Projeto Gráfico: FoxTablet Assessoria de imprensa: Parla! Assessoria O caderno de cinema Palmas de Ouro é uma publicação gratuita. Direitos autorais • Todos os direitos sobre esta obra estão reservados. Você pode distribuir esta revista gratuitamente, porém, não pode editar ou alterar o conteúdo desta publicação sem que haja prévia permissão por escrito dos autores e editora. Normas para uso de conteúdo • A informação contida nesta revista somente poderá ser utilizada para fins terceiros com a devida autorização por escrito dos autores e editora. Apesar de todas as precauções terem sido tomadas no preparo deste material, os autores e a presente editora não se responsabilizam por danos, perdas ou procedimentos que possam ser causados direta ou indiretamente pela informação contida nesta obra. Propriedade de marcas • Produções cinematográficas são protegidas por leis de direito autoral. Sendo assim, as obras são analisadas no conteúdo desta revista para finalidade acadêmica, cultural e artística não sendo intenção infringir ou transgredir qualquer norma de direito autoral, e sem efetuar a reprodução ilegal dessas obras.