Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - Edição 89

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Nº 89 #ano 28 - FEV/MAR/ABR 2018

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Estado de abandono A narrativa de um drama humano universal, permeado pela falta de políticas públicas efetivas de proteção. A deficiência do Estado e da sociedade em assegurar os direitos da criança e do adolescente, sobrecarregando a mulher mãe, dividida entre garantir a vida e cumprir a lei P. 3

Sobreviventes das ruas

Estrada da vida

Histórias de quem se insere no circuito da reciclagem

Alexandre e Luciano relatam em suas histórias a dura realidade noturna da capital

As rodoviárias de Campo Grande como ponto de encontro de histórias

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P. 21

P. 24

O lado humano do lixo

A pista não dá descanso Clube da amizade e o lazer na terceira idade

P. 28


Editorial

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É noite em Campo Grande Advinda da mitologia grega, Nix (ou no grego Nyx), é a personificação da noite. A filha do Caos e irmã gêmea da Escuridão (Érebo). É um dos primeiros e mais poderosos seres da existência segundo o mito. Considerada deusa dos segredos noturnos, uma das primeiras criaturas a emergir do vazio, rainha dos astros, cultuada por bruxas e feiticeiras. Respeitada e temida, ora aparece como benéfica, simbolizando a beleza da noite, ora como cruel, que profere maldições e castiga com terror noturno. Há versões de que Nix possuía um capuz da invisibilidade, que lhe concedia liberdade para assistir ao universo sem ser notada. Nesta edição 89 do Projétil, a noite campo-grandense é tema central e rege diferentes perspectivas por meio de histórias que visam um novo olhar da população para os acontecimentos noturnos na capital. As pautas são dos campos social, cultural, político e econômico, abordando temas como violência, saúde, trabalho, preconceito, religião, entre outros. As reportagens indicam que brasileiros, em pleno século XXI, ainda são penalizados com políticas públicas pouco eficientes, julgamentos sociais e, pior, vítimas do abandono de um Estado, que, na perspectiva da Constituição Federal, deveria zelar pelo bem-estar comum. A Constituição prevê, entre os direitos fundamentais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade, à infância e assistência aos desamparados. Mas o que se vê, nas noites de Campo Grande, é que muitos desses direitos são violados. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz. Já a lei Maria da Penha diz que toda mulher, independente da classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião deveria viver sem violência, visando preservar a saúde física, moral e mental. No ambiente noturno, os direitos dos moradores de rua Alexandre Silva e Luciano Sampaio são violados, eles não têm alimentação, moradia ou segurança. Foi à noite que Jadi Rivarola sofreu assédio no ônibus em meio a volta para casa. E crianças fazem do trabalho noturno uma rotina e vendem amendoim para ajudar a mãe. O serviço de saúde na unidade de pronto atendimento abusa da paciência do usuário. São horas e horas a espera de atendimento, principalmente à noite, quando tudo é mais difícil. Mas não é apenas o poder público que falha. A liberdade de consciência e crença, que deveria ser inviolável, sofre o preconceito de grande parte da sociedade. Por isso, a edição 89 do Projétil tem como finalidade, não só buscar informação para o leitor, mas também apresentar uma nova visão de fatos já conhecidos, esclarecer pontos, dar voz a novos personagens, para assim contribuir com a formação de uma população mais consciente.

Boa Leitura!

turma de Jornalismo 2019 responsável por essa edição

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - fevereiro/março/abril de 2018. Produzido pelas acadêmicas e acadêmicos do 4º semestre de Jornalismo, sob orientação dos professores Edson Silva (Edição e Jornal Laboratório I) e Rafaella Peres (Produção Gráfica). Equipe editorial: Danielle Matos, Jean Celso, Leticia Franco, Leticia Marquine e Monique Faria. Redação: Amanda Franco, Ana Rigueti, Ana Karla Flores, Caio Teruel, Dândara Sabrina Genelhú, Danielle Matos, Ethieny Karen, Fernanda Venditte, Gabriela Mary, Guilherme Brasil, Jean Celso, Jéssica Fernandes, Jhayne Lima, João Lucas, Julia Renó, Julisandy Ferreira, Lethycia Anjos, Leticia Franco, Leticia Marquine, Luciano Pinheiro, Lu Souza, Lyanny Yrigoyen, Mara Cristina Machado, Mariana Alvernaz, Monique Faria, Mylena Fraiha, Pamela Machado, Rafaela Flôr, Renata Barros, Thalia Zortéa, Thalya Godoy, Thiago Rezende, Thiago Spila e Vitória Oliveira. Editorial: Julisandy Ferreira Capa: Mara Machado e Fernanda Venditte. Foto: Fernanda Venditte. Correspondência – Jornal Projétil – Curso de Jornalismo – Faculdade de Artes, Letras e Comunicação (FAALC) – Cidade Universitária s/n – CEP 79.070-900 – Campo Grande, MS. Fone (67) 3345-7607 / (67) 99271-8018 – e-mail: eseiva@terra.com.br (Prof. Edson Silva). As matérias veiculadas não representam, necessariamente, a opinião da UFMS ou de seus dirigentes, nem da totalidade da turma.

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Trabalho Infantil

Foto: Fernanda Venditte

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Amendoim fora de época

Expostos às responsabilidades da vida adulta, crianças e adolescentes atuam nas vendas noturnas em busca da sobrevivência Fernanda Venditte Mara Machado Os irmãos Emily Santos, 13; Gabriel, 12; Joyce, 9; Vinicius, 7 e Rafaela, 3, acompanhados de sua mãe, Maria, saem às ruas de Campo Grande, à noite, para vender amendoim. Os pequenos pacotes vendidos a R$ 1,00 fazem o sustento da família, junto a outras pequenas quantias que recebem do pai e do governo.

Conforme a 2o edição do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, trabalho infantil: “Refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos, independentemente da sua condição ocupacional”.

De acordo com a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo 3º, o trabalho noturno é uma das piores formas de trabalho infantil. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina em seu artigo nº 67, que até mesmo aqueles adolescentes empregados na condição de aprendizes não devem exercer o trabalho entre 22h e 5h.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada em 2015, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que Mato Grosso do Sul possui 4.600 crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, exercendo algum tipo de trabalho. Em Campo Grande, a atividade é geralmente realizada em oficinas mecânicas, lava jatos, borracharias, serralherias, marcenarias e vias públicas. Este


Trabalho Infantil

“Aí esse meu filho falou assim: ‘Uai mãe, ele só traz uma vez?’. Eu falei, ‘é nóis só come uma vez por ano” Maria Santos Disposições da realidade

Em seu último censo realizado em 2010, o IBGE divulgou o ranking de trabalho infantil dos municípios de Mato Grosso do Sul. Campo Grande ocupa a primeira posição, seguido de Dourados com 27,23% a menos. As nove primeiras cidades do ranking foram cofinanciadas pelo Governo do Estado e recebem atualmente o acompanhamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Gizele Gomes, atual responsável pelo programa, comenta que a função do poder público é fiscalizar de maneira efetiva e que essa atribuição está comprometida, devido a presença de apenas uma auditora no estado. A Superintendência Regional do Trabalho de Campo Grande não é o único órgão público com déficit no que se refere ao suporte para a fiscalização. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) orienta que para uma população de 100 mil habitantes é necessário um

conselho tutelar. No entanto, Campo Grande, com uma população estimada pelo IBGE de 874.210 habitantes, possui apenas três conselhos. “Para cada 250 mil tem um conselho, então fica humanamente impossível a gente sair ao léu para fiscalizar, é a partir de denúncia”, critica Cristiane Pereira, conselheira tutelar em exercício na capital. Emily e Joyce já foram recolhidas pelo conselho enquanto trabalhavam e levadas para casa. Os conselheiros orientaram e assistiram a família no primeiro mês. “No outro dia ele trouxe um sacolão, passou um mês, passou outro mês, passou um ano, aí esse meu filho falou assim: ‘Uai mãe, ele só traz uma vez?’. Eu falei: é nóis só come uma vez por ano”, ironiza Maria. Apesar da necessidade, a família não recebe nenhum tipo de assistência do município, até mesmo o atendimento odontológico é, segundo a mãe, de difícil acesso. O único benefício que recebem é por meio do Governo Federal, com o Bolsa Família, causa de preocupação de Maria, que teme ser interrompido. Os três órgãos em conjunto tentam reverter a situação. O PETI, vinculado a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast), auxilia na prevenção realizando acompanhamento dos municípios e a Superintendência Regional do Trabalho de Campo Grande, por meio da auditora Maristela Borges, realiza o planejamento anual e faz a fiscalização das denúncias recebidas. Após a denúncia, constatada a situação do trabalho, é preenchida uma ficha de verificação física em que se coleta todos os dados dessa criança ou adolescente. É aplicada à empresa a penalidade ou auto de infração, lavrado o termo de afastamento do trabalho imediato e gerada uma multa. Paralelo a isso, é realizado o encaminhamento dessa criança ou adolescente para a rede de proteção.

A via do trabalho

As consequências do trabalho infantil para a criança e o adolescente são várias. Vão desde danos físicos, que abrangem todos os riscos pelos quais essa criança passa e as consequências desse trabalho para sua saúde, até os danos de ordem psicológica e emocional por vivenciar situações que não são adequadas para sua idade, comenta Gizele Gomes. A família Santos, em suas vendas

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Foto: Mara Machado

ano a escala de idade está regredindo, são encontradas crianças de até 5 anos de idade, afirma Maristela Borges, auditora fiscal do trabalho e responsável pela fiscalização do trabalho infantil no Mato Grosso do Sul. A mão de obra barata, dócil e não reivindicatória ofertada pelo trabalho infantil fere direitos e expõe crianças e adolescentes a situações de risco. A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo n° 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurá-los. “Direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

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Crianças descansando durante a venda de amendoim noturnas, passa por ocasiões como estas. O irmão, que recentemente completou 18 anos, também vendia amendoim com a mãe durante a infância e adolescência. Aos oito anos, em uma de suas vendas, teve o pé atropelado na travessia de uma rua. “Tiraram o pezinho dele e nóis foi pro médico, chego lá, não deu, graças a Deus, nada, não deu nenhuma quebradura”, conta a mãe.

“Nóis já passamos por altos perrengues mesmo na rua, dos caras querer roubar nóis, querer até negócio de assédio, muita brincadeira errada” Maria Santos A matéria-prima do trabalho contribui para a somatória de situações de violência. Segundo Maria, o amendoim é popularmente conhecido como afrodisíaco natural e a partir disso, alguns clientes assediam ou fazem brincadeiras. O medo dos assaltos é também constante no ambiente de trabalho. “Nóis já passamos por altos perrengues mesmo na rua, dos caras querer roubar nóis, querer até negócio de assédio, muita brincadeira errada”, admite.

Segundo Maristela Borges, as consequências do trabalho precoce são também responsáveis pelo baixo rendimento escolar e tiram a oportunidade de estudar, brincar e aprender. O imediatismo dessa criança e adolescente pode levar ao abandono da escola, prejudicando sua futura vida profissional. É da escola também que partem o bullying e a discriminação por conta do trabalho, Gabriel foi chamado de mendigo e ameaçado por um colega na escola. Contudo, ele conserva o bom rendimento escolar, assim como seus irmãos. Emily inclusive passou para a segunda fase da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Além disso, as crianças realizam atividades extracurriculares como ballet, karatê e academia. A família Santos narra as vendas noturnas de amendoim. Maristela Borges comenta destacando a conivência da sociedade com o trabalho infantil. “É aquela babá que ninguém enxerga, aquela menina que está em uma festa infantil cuidando da criança da outra, que ninguém enxerga. A sociedade precisa enxergar o trabalho infantil”. Gizele Gomes também fala sobre o papel da sociedade em relação a ocupação de crianças e adolescentes. Segundo ela, um conjunto de interesses, explícitos ou não, acabam sustentando essa atividade e inocentes compras fazem perpetuar um ciclo vicioso. O ciclo da pobreza.


Trabalho Infantil

Foto: Fernanda Venditte

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Filhos da ciranda

A atividade infantil resulta na reprodução de um ciclo vicioso de violação de direitos

Fernanda Venditte Maria trabalha desde os 7 anos, todos os dias às 5h30 subia no ônibus para o expediente. Sua função era cozinhar os legumes até a chegada da mãe, que vinha logo atrás. O trabalho, no entanto, não parava por aí, no turno da noite deixava a cozinha do restaurante e ia vender amendoim com o pai e duas irmãs. Maria estava largando sua ciranda de criança para entrar em outra, de curso parecido, um ciclo de pobreza e miséria. Aos 16 anos ficou grávida de seu primeiro filho, a rigidez da mãe ditava que para ter filhos era necessário idade adulta e um marido. Ela não tinha nenhum dos dois. Por medo, foi para o Rio de Janeiro e trabalhou por lá até ter condições financeiras de voltar. Maria agora era mãe, e era mãe em um ambiente hostil. Já taxada de drogada e prostituta, o filho se tornou mais um motivo para julgá-la. No segundo filho, decidiu largar os estudos. “Não pude estudar mais por causa que minha mãe também não quis cuidar mais dos meus filhos. Ela falava que ia cuidar, quando chegava a hora da escola ela se mandava, largava lá, e eu não ia deixa meus fio sozinho”. Depois dos dois primeiros, vieram mais

Venda de bijuterias é uma das atividades que compõe a renda da família cinco. Logo Maria percebeu que já não pertencia mais a uma família de sete irmãos, mas que junto com seus sete filhos, formava uma outra família.

O anel que tu me deste

Aqueles mesmos amendoins que faziam seu sustento na infância, fariam agora o sustento de seus filhos. Todas as noites a venda era dobrada, além de vender o seu amendoim, vendia também o amendoim da mãe que estava em casa, cuidando das crianças. A outra parte do sustento de seus filhos, vinha por meio da pensão paga pelo pai dos cinco mais novos. Quando essa parte não vinha e o derradeiro pedaço de mandioca com farinha acabava, eles passavam fome. “Toda a vida, tudo que eu queria assim, eles me ensinava, sempre me ensinou a trabaia e meu pai morreu com 68 ano, minha mãe com 54, os dois de câncer [...] quando Deus levou meus pais, daí que eu vi, como que eu vi. Eu vi não, eu coloquei no meu coração que eu tinha ficado sozinha”. A ciranda gira em ritmo suave e talvez Maria nem tenha percebido que colocou seus filhos na roda também. Muitos ignoram a tonteira que ela cau-

sa e agem como se não estivesse em movimento. O fato é que ela gira e a música que anima é tocada por aqueles que ambicionam o poder. “Aí eles pegou e perguntou quantos fio eu tinha, aí ele falou que não, que não dava, que toda vez que eles emprega alguém que tem fio assim, tem que sai mais cedo, aí fica doente, aí a criança fica doente”. A carteira de trabalho de Maria tem as folhas limpas, nunca foi assinada. Às vezes ela consegue faxinas em casa de família para lucrar algum dinheiro, mas a venda de amendoins ainda é, junto a pensão, o ganha-pão da família. Com a morte de seus pais e a ausência do pai das crianças, Maria não tem com quem deixar os filhos quando sai para o trabalho, teme que algo aconteça, que o Conselho Tutelar tire seus filhos, e é assim que as crianças adentram no universo do trabalho.

Se não dormir agora, dormirá de madrugada

Agora as pessoas que viam uma pequena menina de sete anos de idade, veem uma mãe. Uma mulher morena, de cabelos negros, nariz largo, olhos bem pequenos. É diferente, é o ciclo

seguindo. “O que minha mãe passou para mim eu tô passando para eles. Porque minha mãe andava também comigo, ela não deixava nóis. Ela andava com nóis do lado, ai nóis ia oferecer”. Os lábios já não oferecem amendoim, agora só sorriem, o tempo todo. A falta de alguns dentes não parece atrapalhar. Aos 38 anos, Maria está satisfeita com a criação dos filhos, cita sempre o trabalho como peça fundamental. Ela se orgulha como quem conhece a marginalidade e conseguiu criar os filhos longe dela, mesmo em ambientes conturbados. “Cê tá oferecendo o amendoim pra uma pessoa, cê tem que tê diálogo, cê tem que tê educação, respeito, cê tem que sabê aceita o sim, o não, e na rua você aprende”. A ideia de trabalho que Maria tem é diferente, uma mistura de educação e diversão, ideia construída na tonteira de quem sempre esteve dentro da ciranda. “A vida é trabaiá, é trabaiá, o dia que cês tivé cansado, cês olha pra cima e agradece a Deus que cês têm duas perna pra andá e saúde, porque tem gente que não tem isso e tá aí na cadeira de roda trabaiando. E aí é essa vida que nóis tá levando, vamo indo?”.


Trabalho Infantil

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Foto: Mara Machado

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Com a noite, o ofício Crianças substituem o descanso pela prática do comércio em Campo Grande

Mara Machado A preparação da família Santos para o trabalho noturno inicia no entardecer. É nesse momento que as crianças acompanhadas da mãe começam a tomar banho e escolhem com zelo, o traje para o serviço. Os pequenos, com tão pouca idade, já sabem pelos conselhos ouvidos da veterana Maria, que cliente nenhum compra de vendedores sujos e suados. Emily aproveita e comenta que além de comercializar amendoim, vende também bijuterias para contribuir na renda. Inclusive, faz questão de mostrar todas suas peças. A segunda etapa são os preparativos da janta, às vezes feitos por Emily ou Joyce. Mas na maioria dos dias é adquirida no próprio cenário de trabalho. A família ganha alimentos como pizza, cachorro quente, x-salada, pastel e até sushi das pessoas. “Nóis come pra rua. Mas pior que eles comem lá, comem, comem, comem e chega aqui tá com fome. Eu nunca vi desse jeito”, comenta Maria dando risada. Quando todos estão prontos é a vez da matéria-prima vendida, o amendoim, ser verificado. O produto comprado, vem torrado, mas é embalado em saquinhos de geladinho e organizado

Venda de amendoim da família Santos em Campo Grande (MS) dentro das caixinhas de sapatos ou em potes de plástico, que as crianças carregam em suas mãos. Com tudo pronto, Emily, Joyce, Gabriel e Vinicius pegam cada um, um recipiente com amendoins. A mãe ajeita a filha mais nova, Rafaela, no carrinho de bebê e embaixo dele, dispõe mais caixas do produto. Caso o dia hoje, seja de venda boa. A partir daí começam lado a lado, acompanhados da noite, dos sons e das luzes que os carros e motos emitem, o trabalho pelas movimentadas ruas de Campo Grande.

Seguidos pelo perigo

Chegando próximo ao primeiro destino de venda, as crianças começam a andar rápido, na frente de Maria, que observa seus filhos de longe. “Eu tô atrás, tô acompanhando eles. Onde eles entram, eu tô olhando eles e falo para eles tem gente que fala assim: ‘Ah eu quero comprar o amendoim, mas vamos lá em casa o dinheiro tá lá’. Não é para ir”, alerta. A mãe também fala que durante o expediente, as crianças já foram assaltadas. Foi o que ocorreu com seu filho de 18 anos, na época com 12, em que três meninos o cercaram e roubaram o di-

nheiro das vendas. “E os muleque desceu a bicuda na cestinha dele e ele ó, se mandou correndo. Foi lá e disse assim: ‘Mãe, os muleque me robô’. Eu falei assim, cê tá bem meu filho? A mãe qué sabê de você, a mãe qué sabê de você”. Maria comenta que tem momentos que é difícil acompanhar e observar de longe as crianças no trajeto. Mas, no instante em que elas começam a andar rápido demais, a mãe os convoca séria pelos dois nomes e todo mundo aparece.

O retorno não é brincadeira

A venda dos amendoins não acontece durante a semana inteira, tem dias em que evitam trabalhar, como nas segundas-feiras e terças-feiras, pela quantidade de tarefas e provas escolares. A caminhada é de aproximadamente 4 km e cansa os pequenos, afinal, a família Santos faz todo o trajeto a pé. Mas Emily não se abala, fala que se acostumou com o percurso e segue a venda sorrindo para os clientes. No instante em que é levantada a questão de voltar para casa de ônibus, ninguém se manifesta, afirma a mãe. As crianças gostam mesmo de voltar a pé, brincando, correndo entre as árvores e as luzes dos veículos que desfilam nas

ruas. É nesse pequeno instante, que uma parte da infância retorna às crianças. Maria explica que os filhos adoram trabalhar, porque vão e voltam a hora que desejam. Brincam, comem, mas diz que em um determinado momento não terão mais vontade e por isso devem continuar estudando. Emily já tem até proposta de trabalho em uma floricultura na cidade para quando completar 15 anos. Contudo, a mãe ressalta que não obriga os filhos a venderem amendoim e que eles comercializam porque gostam, apenas se sentem obrigados para conseguirem comprar um sapato. A família Santos não tem definido um horário para voltar para casa, eles vão vendendo e, dependendo do dia, da situação, voltam 22h, outras 23h e até mesmo 1h da manhã. Hoje é dia de voltar às 22h. O tempo se prepara para a chuva e o trajeto para venda termina ali. Sobra agora, a volta para casa da família que virou companheira das noites campo-grandenses. *Nomes fictícios para preservar a identidade das fontes. ferhanei@hotmail.com maracrismachado@hotmail.com


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O lixo que não se cata

Como a indústria da reciclagem movimenta 12 bilhões por ano e torna invisível o fator humano

Enquanto o entardecer anuncia o fim do expediente no comércio central de Campo Grande, lojistas despejam os resíduos que se tornaram inúteis para o seu negócio. Simultaneamente, esse descarte abastece outra jornada que se inicia: a dos catadores de lixo. Indivíduos surgem quase que despercebidos pela rua 14 de Julho, com os seus sacolões de ráfia e rostos focados no chão. Sem tempo para conversas longas, fazem as horas de trabalho renderem. Em 2010, o governo federal implantou a Lei 12.305/2010 que regulariza e busca uniformizar os modos

de descarte sobre o que se acostumou a chamar de lixo. Conhecida como Lei Nacional dos Resíduos Sólidos, a legislação visava propor uma unificação de todos os estados brasileiros quanto ao destino do lixo. Além disso, a lei ditava a extinção gradual dos chamados lixões e a substituição deles por aterros sanitários. A partir daí, os catadores de lixo que retiravam seus salários dos lixões teriam que migrar para outros nichos. As prefeituras de cidades que abrigavam lixões desenvolveram estratégias para a realocação desses trabalhadores informais. Em Campo Grande, a Solurb se responsabilizou pelo processo de contratação desse grupo, que assumiria vagas de varredores e coletores de lixo.

A pobreza e o desemprego são motivações que esses indivíduos encontram para encarar o mundo do lixo. O discurso da valorização do meio ambiente esconde a faceta degradante desse nicho de mercado. Movida pela lógica do sistema capitalista, a prioridade está na transformação desses resíduos em mercadoria e na ampliação do capital, em detrimento das necessidades dos trabalhadores que sustentam o círculo econômico da reciclagem no país. O setor movimenta cerca de 12 bilhões por ano, mas rende ao catador independente o valor de 571, 56 reais, segundo a média nacional levantada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O lucro do trabalho se concentra nas mãos dos compradores e revendedores de

materiais recicláveis e nos bolsos de grandes empresas de reciclagem. As condições de trabalho são precárias. Constantemente esses trabalhadores entram em contato com resíduos de inúmeras procedências, alguns que apontam risco à saúde, como no caso de objetos cortantes e contaminados, que possibilitam a contração de doenças. A falta de consciência ambiental dos cidadãos contribui com essa problemática, já que muitos não fazem a separação dos materiais adequadamente e acabam por misturar com objetos indevidos. Dentro de um circuito, que está longe de ser harmonioso, mulheres e homens sobrevivem da comercialização do que é considerado descartável, mas que no ciclo da reciclagem, recebem novos significados de consumo e produção. Foto: Mylena Fraiha

Caio Teruel Mylena Fraiha


Trabalho

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A mulher no meio do caminho Ao longo do trajeto, órfã do lixão conta histórias de sua vida

“Achei que não viria. Até disse pro meu marido avisar por onde eu fui”. Surpresa, Alice Ferreira da Costa Gonçalves abre um sorriso largo e não nega a descrença na hipótese de ter uma companhia em sua andança matutina. As pedras, buracos e o pó da terra se misturam para compor a Rua Vitória Zardo, no bairro São Conrado, endereço e ponto de partida diário da paranaense de 56 anos. O encontro atrasado não a fez parar. Trajava seu chapéu de pesca e grandes luvas de borracha verde. A jornada começa às 5h da manhã e finaliza por volta das 16h. De segunda a sábado. Sem pausas longas, sem almoço, não há tempo para descanso. Sua vida aparenta similaridades com a história de milhares de brasileiros à mercê do sistema, mas com a peculiaridade de sua renda ser concebida por meio da coleta de materiais recicláveis, ou como vulgarmente tratam: o lixo Ressignificar o destino de coisas classificadas como inutilizáveis e sem valor algum. Há dois anos, Alice cata recicláveis nas ruas e dá novos destinos aos objetos encontrados. Por trás da beleza do discurso ambiental, reside a dureza do sol na cabeça, o perigoso contato com objetos cortantes e o peso do carrinho. A perda de um rim, somada a hipertensão e diabetes são problemas que potencializam o desafio de Alice. O desafeto com a profissão é evidente. “Não recomendo pra ninguém”, revela. Nascida no Paraná, na cidade de Paranavaí, mais tarde mudou-se para Rondônia, lugar onde viveu maior parte de sua juventude. Casou-se e teve 4 filhos: Cristiane, Evelize, Sônia e Mikael. A vida da mulher sempre foi marcada por ressignificados. Aos 28 anos passou por graves pro-

blemas de saúde, que resultaram num derrame. Tragicamente, fica viúva na mesma época, por uma causa que a persegue: hipertensão. Todos os infortúnios não fizeram Alice desistir de seguir a vida. Veio para Campo Grande e casou-se novamente. A crise econômica e o desemprego pesaram no lar de Alice. Antes de trabalhar com a reciclagem, já foi auxiliar de enfermagem, ofício que tanto aprecia e não esconde a saudade. “Minha profissão é essa, cuidar de doente, cuidar de idoso, só que não tô achando agora. Já fiz ficha, já mandei currículo, mas não tô conseguindo”. Sem a oportunidade de terminar o Ensino Médio, Alice vê na reciclagem uma opção de subsistência. O árduo trabalho de puxar o carrinho pelas estradas esburacadas da Região Lagoa, por um período de quinze dias, lhe rende em média 250 reais, valor que ajuda a complementar a renda familiar. O trajeto cansa. Nem o vento frio alivia mais. O peso do carrinho briga com os buracos da rua. Alice não esconde o abatimento, mas permanece na rota. Alguns moradores se compadecem com o esforço, separam os resíduos corretamente, doam roupas e dinheiro para um café da manhã. “Tem muita gente que ajuda, separa o material. Já outros não gostam nem que mexe no lixo”. Por vezes, a catadora é julgada por olhares de dó, reprovação e alguns casos de ofensa. A experiência de Alice com a coleta de materiais recicláveis não é de hoje. Ela já vivenciou a experiência de trabalhar no lixão de Campo Grande, hoje fechado e transformado em aterro sanitário. A decisão da Prefeitura gerou revolta em muitos catadores. O lucro era maior, mas o perigo e precariedade também. A esperança de continuar o

trabalho em cooperativas e associações não chegou para todos, como não chegou para Alice. “Aí foi que abriu essa cooperativa. Só que aí eles me deixaram de fora. Eu procurei gente, eu fui lá no lixão, fiz ficha e tudo, sabe? Tirei um monte de gente de lá. Aí quando foi pra ela me dar cargo, aí ela falou que já tava cheio. Aí eu fiquei fora”. De longe avistamos o fim do trajeto. As bolsas grandes de ráfia, materiais espalhados pelo chão, bonecas e bancos de madeira fazem da entrada da casa de Alice um cenário peculiar. Fomos recebidas pela sua cachorrinha, ou “sarapiá”, como ela constantemente chama os cachorros que encontra pela rua. Todos os elementos do carrinho são espalhados pelo chão, e ali começa um processo inicial de separação. Ela sabe identificar só no olhar do que cada objeto é composto. “Vai dar uns 300 reais”, analisa. Ela senta por um tempo, deixa o peso do trabalho se esvair por aquele instante. Por um momento, Alice parece não se importar mais com a voracidade do tempo. Toma sua água calmamente e ri da cadela cismada com a minha presença. Ela parece contemplar um futuro diferente do atual, mas que infelizmente lhe parece distante e desafiador. “Eu ia voltar a estudar esse ano. Aí eu fui lá fazer a minha matrícula e falaram que eu tinha que ir lá na Semed, aí eu não consegui ir pra fazer minha matrícula. Mas eu confesso que o ano que vem eu quero estudar novamente. Vou fazer o Encceja”. A esperança na conclusão dos estudos faz Alice sonhar com sua paixão de cuidar enfermos. Por hora, a reciclagem é sua penosa missão. -Vamos? Ainda temos tempo para mais uma viagem.

Foto: Mylena Fraiha

Mylena Fraiha


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Trabalho

A liberdade que o lixo deu

A história de como um homem aprende a arte da catação de recicláveis

Foto: Mylena Fraiha

Caio Teruel Antes mesmo de todas as portas descerem junto com o pôr do sol, Márcio Bernal já cruzava uma das avenidas centrais arrastando um grande saco de ráfia, e determinado de que o trabalho está apenas começando em meio ao mormaço de fim de tarde. Com seu chapéu de pescador, ele foi se tornando figura conhecida e respeitada no comércio central. O barulho do saco cheio de papelão em atrito com o asfalto chega primeiro que ele. Ao passar pelo ponto de ônibus em pleno horário de pico, Bernal recebe olhares que dizem muita coisa com quase nada. Incômodo, dó, confusão, transtorno. Chegando à esquina o grande saco recebe um destino: seu carrinho de mão, “o único com amortecedor”. E assim o trabalho do catador vai se repetindo noite adentro. Na esquina, onde estaciona o seu carrinho de mão, “o único com amortecedor”, Márcio Bernal, 55, divide o espaço com um homem e uma mulher, que munidos de um colete laranja neon para conferir legitimidade e confiança, tomam conta de carros em troca de algumas moedas. Além disso, Bernal conta com Guri, um ajudante esporádico. O local, chamado de Recanto do Pintado por uns e Recanto do Piu-Piu para outros, serve de descanso, troca de favores e entrevistas. Há 20 anos Márcio Bernal mergulhou no mundo do lixo. Nesse ambiente, encontrou uma forma de liberdade para trabalhar e viver que não achou em nenhum outro lugar. Apesar de já ter feito outras coisas, foi no lixo, ou nos resíduos sólidos, que viu uma maneira rentável e flexível de levar a vida. -Comecei do nada. Comecei catar. Trabalhei na cooperativa. Trabalhei em tudo... em outros serviços, mas não gostei, me adaptei mais mexer com lixo, com

a reciclagem. Já trabalhei de pedreiro, carpinteiro. Já fiz tudo. Aqui eu ganho mais, tenho meu horário de serviço. Do jeito que ele gosta e fazendo seu próprio horário, Bernal chega às 16h no centro da cidade e encerra sua jornada por volta das 21h ou 22h. Levando e trazendo serviço para casa, ele acorda cedo para por o resto do dia em ordem. “Eu acordo 6 horas e já tô em pé. E já vou mexer no material, ajeitar, separar. Aí entrego, 11h eu descanso até as 14h e vou embora.” Nascido e criado em Campo Grande, Bernal aprendeu cedo o apreço pela liberdade. Nas suas andanças pelo Brasil, foi em Ponta Grossa, interior do Paraná, que deu os seus primeiros passos no mundo do lixo e da reciclagem, em um momento de extrema aflição familiar. -Eu fui lá internar minha menina no hospital aí eu aprendi a mexer, gostei. Mas antes eu não mexia não. Aprendi lá, e eu gosto ein. Aí eu aprendi. Não quero mais parar não.

“Comecei do nada. Comecei catar... trabalhei em tudo... em outros serviços, mas não gostei, me adaptei mais mexer com lixo, com a reciclagem” Márcio Bernal Com 8 anos, Pâmela, filha mais nova, foi diagnosticada com leucemia. Nesse momento sensível, a família se mudou para o interior do Paraná e depois para a capital, Curitiba. O longo tra-

tamento da doença exigiu força de todos os familiares. Foram 5 anos de cuidados e de quimioterapia. Com a melhora dos resultados, a medicação se tornou semanal e depois mensal, logo virou semestral, e então viu o seu fim. Hoje a menina está com 19 anos e termina o ensino médio. A visão do catador é que em Campo Grande não há tratamento para nada. Há apenas corrupção. Com ressalva, Bernal poupa o sul do país. Lá as instituições correm em um outro tempo-espaço. Parecem até mesmo não fazer parte do Brasil e isso o encanta. “Lá é tratamento de primeiro mundo. Lá qualquer um chega no hospital é atendido na hora. O recurso é investido, aqui não. Aqui pode ser o prefeito que entrar ele rouba.” O dono do chapéu de pescador também não poupa críticas ao sistema de vendas de recicláveis. Afiado no que diz, relata a descompensação em vender para grandes empresas de reciclagem do estado. E então volta para o sul, ressaltando que lá é possível se vender pouco para os grandes, o que não ocorre aqui. - Lá no Paraná o carrinheiro entra em qualquer firma grande e pesa o material. Aqui eu duvido, só entra com 30, 40 fardos. -Mas tem sido o suficiente para você se manter né? -Tá bom. To vivendo. Antes disso eu tava lá na minha casa terminando esse carrinho. Dá uma olhada. E então Bernal nos mostra seu carrinho, o “único com amortecedor”.

caioteruel05@gmail.com myle.fraiha@gmail.co


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Foto: Ana Karla Flores

Saúde Pública

Paciente até demais

Demora para atendimento e falta de médicos em UPAs de Campo Grande, principalmente no período noturno, tornam-se constantes e indignam a população que busca ajuda Amanda Franco Ana Karla Flores Segunda-feira, 21h. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Bairro Universitário encontra-se lotada. Na farmácia da unidade, uma fila se forma por pessoas que já foram atendidas e precisam de medicamento. Não há cadeiras vazias e algumas pessoas estão em pé. Em sua maioria, os pacientes que aguardam por atendimento chegaram entre 18h30 e 19h30. Uma folha colada no balcão da recepção informa que há um médico plantonista na emergência e quatro atendendo em consultório. A comerciante Niselene Lima de Oliveira, 49, trouxe o filho Daniel, 13, por volta das 19h30, devido à forte dor

de cabeça que o adolescente sente há dois dias. “Não trago à toa porque ele estuda de manhã e eu trabalho o dia inteiro. Amanhã acordamos cedo, 5h. Não é qualquer dor de cabeça, por isso que eu vim no posto”, afirma. Indignada com a demora para atendimento, ela conta que não é a primeira vez que isso ocorre. “Sábado passado eu vim aqui porque eu estava com infecção na urina. Cheguei 23h e fui atendida 3h da manhã”. Além de ter esperado a consulta por quatro horas, não havia ônibus e nem táxi nesse horário para que pudesse voltar para casa. Por esse motivo, Niselene aguardou amanhecer e ficou até as 5h na UPA. Pelo grande número de pessoas que estavam na recepção, o ambiente fica abafado. Os rostos presentes no local aparentam cansaço, angústia

e agonia. Alguns levantam e vão para fora da UPA respirar um pouco e dar uma volta. Outros optam por mexer no celular ou conversar com os que passam pela mesma situação. Fica cada vez mais difícil se manter acordado devido à exaustão. Às 22h30 o movimento em frente à UPA vai cessando, mas ainda há pessoas chegando na unidade. No estacionamento, antes lotado, há em torno de sete carros. Pessoas que não foram atendidas cansam de esperar e acabam indo embora. Poucos que foram atendidos voltam para casa sem medicamento por causa da falta na farmácia.

Madrugada de espera

À meia noite as cadeiras da recepção vão sendo desocupadas e o número de pacientes que aguardam pelo atendimento diminui consideravel-

mente. É o horário em que a farmácia fecha, mas ainda há pessoas que irão ser atendidas e precisarão de medicamentos. Um funcionário da UPA faz uma chamada e constata que 13 indivíduos desistiram de esperar. O estagiário de assistente administrativo, Willian Moraes Lopes, 18, veio à UPA por estar com a garganta inflamada e fez questão de marcar o horário em que chegou, 19h37, e o que foi atendido, 00h34. Ele conta que já é a terceira vez que aguarda por um longo tempo para receber atendimento, mas que, dessa vez, o horário extrapolou. Cinco horas esperando. Ao falar sobre a demora, o estagiário afirma se sentir triste, decepcionado e indignado. “Eu trabalho, a gente paga nossos impostos em dia, não devia ser essa demora. Quatro médicos atendendo e isso aqui


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Foto: Ana Karla Flores

pra eles, mas não tenho ajuda dos pais deles. Agora mesmo, ele [Vitor] tá desse jeito e não tenho como nem comprar um remédio pra ele”, lamenta. Ela se recupera de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que sofreu há 6 meses. No dia do acidente, foi levada para a mesma UPA que se encontra agora e entrou em coma. “Depois disso eu tive uma recaída e me trouxeram pra cá [...] só que eles não me atenderam”, conta. Quase 21h e ainda não há pediatra para atender Vitor. Thais afirma não ser justo ter que ir embora no estado em que o filho se encontra. “Vou ter que voltar com ele queimando em febre e me virar no outro dia pra ir em outro lugar”. O caso de Thais é apenas um dos muitos em que pessoas se sentem aflitas ao não terem o que fazer diante dessa situação: a falta de médicos.

O resultado da crise

Exaustos e indignados, pacientes aguardam por atendimento em UPA Leblon abrange a região toda do nosso bairro, não deveria ser isso”, contesta. Apesar da situação de desconforto, Willian fica aliviado pelo médico ter receitado um remédio que há na farmácia, já fechada. Embora tenha sido atendido, ele ainda aguarda sua mãe, que teve um problema com o carro, vir buscá-lo.

“Inútil, me sinto um nada. [...] Desumano é isso aqui que a gente está passando” Niselene 1h da manhã. Duas mulheres, exaustas e indignadas questionam a demora do serviço na recepção. Uma delas é Niselene, que a essa hora, ainda espera pelo atendimento do filho. “Eu não sei o que eles fazem aí dentro. Que nem agora, parou tudo e eu não sei onde estão os médicos. Tem hora que dá vontade de entrar lá, arrombar

aquelas portas pra ver onde que eles estão”, frisa. Após esse horário, a comerciante bate na porta de um consultório e pede explicações ao médico, o qual explica que devido a implementação do chamado Plantão Cinderela, metade dos médicos deixam a unidade após 1h. “Inútil, me sinto um nada. [...] Desumano é isso aqui que a gente está passando. Todo mundo esperando aqui cansado”, lamenta. Minutos depois, Niselene finalmente é atendida. Em torno de 15 pessoas ainda aguardam pela consulta na recepção.

A falta de médicos

Quinta-feira, 20h. Thais Romero Ferreira, 24, está com seus filhos, Vitor, 5, e Vinícius, 2, na UPA do Bairro Leblon desde as 16h. A criança mais nova está ardendo em febre. Ela conta que, antes de ir para o local, foi informada de que teria pediatra na unidade, mas ao chegar na UPA, não havia um médico sequer para atender Vitor. Solteira, Thais cuida dos filhos sozinha e nenhum dos pais das crianças está ajudando-a nesse momento. “Eu tento dar o que eu posso

O Plantão Cinderela, que faz alusão ao conto de fadas devido a saída antecipada dos médicos, implementado no dia 21 de outubro de 2017, é alvo de grande reclamação entre os médicos. O regime é resultado de uma negociação salarial entre o Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul e a Prefeitura de Campo Grande. Como não havia a possibilidade de um aumento salarial, o plantão que em UPAs de Campo Grande começa às 19h e termina às 7h do dia seguinte, passou a terminar 1h da manhã para a metade dos plantonistas escalados. O Coordenador de Urgência da Secretaria Municipal de Saúde (SESAU), Yama Higa, explica que o Plantão Cinderela foi instalado depois de pesquisas que comprovam que o atendimento cai em torno de 75% durante a madrugada. As escalas feitas pelo diretor clínico contam com seis médicos, que, com a implementação reduziria para três profissionais a partir de 1h da manhã, sem prejudicar o atendimento. O que não esperavam era a falta de adesão de muitos médicos, o que afeta na larga espera dos pacientes. Com os furos, onde deveriam ter três médicos atendendo, apenas um ou dois cumprem o plantão. Com isso, a espera passa de 20 minutos para 3 horas ou mais. “Uma UPA atende em torno de 200, 250 mil habitantes. Então a gente

Saúde Pública

tem um número excessivo de portas e um número de profissionais diminuído. Hoje a gente não tem condição de manter essa escala cheia em todas as unidades de 24 horas”, afirma Higa.

Medidas punitivas

Sempre que um plantonista falta, há o direito de ampla defesa. A SESAU emite um documento questionando o motivo da falta e o profissional tem 48h para responder. Quando não é apresentada a justificativa, um processo administrativo é instituído e a investigação é feita entre os envolvidos e os responsáveis pelo profissional. Na conclusão das buscas, é enviada a notificação para o Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul (CRM-MS), que entra com medidas éticas cabíveis. “Administrativamente podemos cortar plantão, rescindir contrato, e instituir sindicância, que é um processo onde o profissional é afastado do trabalho”, explica Higa. Na sala de reuniões, o coordenador de urgência mostra gráficos atualizados dos plantões de cada UPA de Campo Grande. O que causa espanto é ver que naquele período, apenas uma unidade tem um pediatra atendendo, com tempo estimado de quatro horas de espera. Nas outras UPAs, se não há pediatra, todo o plantão pediátrico é cancelado. Quem chega com uma criança doente, precisa ir embora ou procurar atendimento em outra unidade. “Quando a gente vê que isso acontece, e é um caso extremamente grave, colocamos qualquer médico para atender. Agora, quando não é um caso de gravidade orientamos procurar uma unidade que tenha pediatra”, ressalta Higa. A cidade conta com dez Unidades de Pronto Atendimento, porém grande parte sofre com a falta de médicos e outros profissionais da saúde. A diversidade de UPAs, que deveriam amparar a sociedade, resulta em cansaço, exaustão e indignação pela falta de responsabilidade para com a sociedade, que sobrevive com o mínimo de assistência.

amanda.francoo@hotmail.com ana.gimenes010@gmail.com


Plantão

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12

Depois que a cidade dorme Conheça a rotina de médicos veterinários que trocam o dia pela noite nas poucas clínicas 24h de Campo Grande

Quando as luzes amarelas são a única iluminação da rua Rui Barbosa, Christian, Mariana e Beatris chegam à clínica veterinária. Acostumados a um ou dois atendimentos por noite, casos como os atendidos na noite do dia 20 de setembro não os deixarão dormir. A cirurgia da hérnia diafragmática de Magrelo e a miíase de Bob são só o começo do plantão veterinário noturno, que se estende das seis da noite até as sete da manhã. O plantão não foi criado apenas para atender todos os clientes 24h, mas principalmente para os casos de urgência e emergência. Essa foi a explicação do médico veterinário Christian R., plantonista há dois anos, para o aumento no valor da consulta e internação noturnas. Com capacidade para manter de 30 a 40 animais, ele divide o cuidado dos nove setores da clínica com a enfermeira Beatris e, excepcionalmente nesta noite, com a colega de profissão Mariana B. Três cirurgias delicadas e animais em pós-operatório a fizeram prolongar o plantão.

nas gaiolas. A cada 15 minutos, os cães e gatos recebem visita de um dos três. Uma ficha é preenchida com o nome, idade, estado clínico e proprietário. Enquanto Mariana preenche as fichas, Christian desce rapidamente as escadas do centro cirúrgico em direção ao gatil. Em seu colo está Magrelo, gato recém operado, que não dá muito trabalho para Mariana na sala ao lado. Encontrado na rua e de idade desconhecida, ele precisou fazer uma cirurgia de hérnia diafragmática. Segundo Christian, “é quando o diafragma – musculatura que separa o abdômen do tórax – se rompe. Os órgãos que deveriam estar no abdômen ocupam o lugar do tórax e acabam comprimindo o pulmão. A cirurgia, então, retorna es-

ses órgãos para a cavidade abdominal e fecha a parede muscular”. Christian precisa permanecer ao lado de Magrelo após a cirurgia. Como o pulmão estava comprimido, ao se expandir novamente, ele acaba se lesionando. A lesão faz com que o ar percorra também, o tórax, ocupando o espaço que o pulmão deveria ficar. E a retirada do ar tem que ser feita manualmente. Sem tempo para se recuperar, a campainha toca novamente. Três amigos, Loyana, Mariane e Leonardo, são colaboradores da ONG Cão Feliz e antigos conhecidos dos veterinários. Eles passam pela porta de vidro que separa a recepção dos consultórios, seguem em direção a maca e colocam sobre ela um cachorro com olhar vazio e visivelFoto: Danielle Matos

Danielle Matos

“O plantão foi criado para os casos de urgência e emergência’” Christian R.

Por noite, um veterinário e um enfermeiro são escalados para atender os animais que chegam e manter estáveis os que já estão ali. Ao chegarem, são examinados, medicados e distribuídos

Bob foi medicado com duas bolsas de soro ao chegar na clínica

mente debilitado. Apelidado de Bob, foi resgatado por Loyana já no final da tarde, quando saía de casa. Após passar pelo petshop do bairro e aplicarem “prata” no animal – cicatrizante usado em animais de grande porte – Loyana decidiu pedir ajuda aos amigos, principalmente à Mariane, que está terminando a faculdade de veterinária. A primeira atitude de Mariana é dar glicose para o animal, que mal consegue parar em pé. Desidratado e repleto de carrapatos, descobrem que Bob têm miíase, infecção causada por ovos de moscas que, ao se chocarem dentro da pele, fazem nascer larvas que se alimentam do tecido. Como todos os animais de rua, não se sabe porquê e nem há quanto tempo Bob foi abandonado. Mas os plantonistas, e até as donas da clínica, já estão acostumados. Experientes em receber em seus plantões animais desabrigados, Mariana e Beatris dizem que o primordial agora é estabilizar o animal, para só depois dar-lhe um banho. Em 2016, o número de animais morando nas ruas do país ultrapassava os 30 milhões. Na sala dos veterinários, Mariana, Beatris e Christian veem a noite passar acompanhados de duas cachorras resgatadas também por maus tratos, sendo uma paraplégica. Os veterinários reconhecem, como poucos, o trabalho de pessoas como o trio de amigos que recolhem animais da rua e “tiram dinheiro do próprio bolso e das ajudas vindas de postagens em redes sociais”. Bob contrariou os dados da Organização Mundial da Saúde. Duas semanas após o resgate, encontrou um lar.

danielleerrobidarte@gmail.com


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Amor Animal

Símbolo de uma promessa

Thiago Rezende “Kelly, se acontecer alguma coisa comigo você promete que vai continuar com o meu trabalho?” Esse foi o último pedido de Sueli Craveiro à sua amiga Kelly Macedo, pouco antes de morrer. Numa quinta-feira, me locomovo até um bairro afastado, da cidade morena. De longe vejo o que parecia ser o local, então desço do carro. Antes mesmo de bater palmas, já me anunciam à base de muitos latidos. Kelly aparece no portão e, muito acolhedora, convida-me a entrar em uma sala, a primeira à esquerda. Utilizada como escritório, é simples, com paredes cimentadas e sem cobertura de tinta. Recebo boas-vindas à Associação de Proteção Animal Sueli Craveiro - Cão Feliz. O monumento vivo do amor de Sueli por seus cachorros e da promessa cumprida pela sua amiga Kelly, oferecendo um lar confortável, repleto de respeito e amor aos animaizinhos resgatados em situações de abandono ou maus-tratos.

O começo de tudo

Sueli demonstrava seu amor por cachorros os resgatando das ruas e

acolhendo em sua própria casa. Kelly a conheceu em uma feira de adoção no ano de 2006, após ler um anúncio de jornal sobre o evento. Junto a adoção de uma Shar-pei misturado com Chow-chow, nasce também uma intensa amizade. A cumplicidade entre as amigas se fortalecia com o passar do tempo e começaram a compartilhar os mesmos sonhos. Juntas, resgatavam animais em situação de abandono e providenciavam tudo para que pudessem se recuperar.

No ano de 2013, Sueli foi hospitalizada para fazer sua terceira cirurgia cardíaca. A pedido dos médicos, teria de ser transferida para o Rio de Janeiro, mas antes de partir, fez questão de reforçar para amiga o pedido de continuidade do seu trabalho, caso algo de pior lhe viesse acontecer. Kelly, então, disse “sim” a amiga, sem saber que essa resposta mudaria sua vida. No dia 05 de janeiro de 2013, Sueli viaja para o Rio a fim de fazer a cirurgia e treze dias depois não resiste ao procedimento. Seu corpo volta para Campo Grande e traz consigo o símbolo da promessa: a de sempre proteger animais indefesos em situações de abandono. Em 17 de maio do mesmo ano, Kelly funda a ONG Cão Feliz.

Foto: Thiago Rezende

A ONG de proteção animal que nasceu com a morte de sua principal incentivadora, hoje acolhe vítimas de abandono e maus-tratos

legendas de uma linha devem aparecer próximas da imagem, abaixo, seguidas do crédito

Mãe de uma centena

A Cão Feliz acolhe 109 animais e Kelly os trata como filhos. Em dado momento da nossa conversa, pensei o quanto seria difícil alimentar tantos cães. Assustei-me ao saber que, por dia, são consumidos 30 quilos de ração, 10 quilos de arroz misturado com carne e legumes. Sem contar os gastos com água, energia elétrica, funcionário, intervenções cirúrgicas, médico veterinário, internações e remédios contra Leishmaniose, que somam aproximadamente 1.500,00 reais mensais, sustentados apenas por doações.

Além das aparências

Imagina-se, por trás de toda essa estrutura, uma pessoa com situação financeira abastada e grande disponibilidade de tempo. A realidade não é essa. Kelly é advogada aposentada, mas permanece trabalhando e revertendo todo o dinheiro conquistado nas audiências para seus “patrões”, como gosta de chamar carinhosamente seus cães.

Todos os dias pela manhã os cachorros que ficam na área dos paraliticos recebem a visita de Kelly

O sorriso está sempre presente. Nem de longe aparenta enfrentar sérios problemas de saúde. Ela teve três cânceres e os venceu, fez três cirurgias de rins e duas na coluna cervical, o que fazem-na conviver com dores diárias. Toma remédios para dormir e para manter-se acordada. De seis em seis meses internações de três, quatro ou até cinco dias.

Amor canino

Após certo tempo de conversa, sou convidado a encontrar os “donos da casa”. Quando abro o portão, recebo uma avalanche de lambidas. O cachorro é mesmo o melhor ami-

go do homem. Além de oferecer carinho, amizade e, muitas vezes, proteção, eles parecem ensinar sobre o amor e nos dão uma lição de lealdade. Esses bichinhos são professores habilidosos na arte de ensinar e Kelly é o tipo de aluna dedicada, aquela que se empenha em aprender da maneira mais exemplar possível todas as lições. Ela se deita no chão de cimento, rola, conversa com os cachorrinhos, pega no colo, faz cócegas, beija e ama.

tsrrezende@gmail.com


Voluntariado

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A noite das ladainhas Em meio a orações e muito trabalho, os desafios dos voluntários e de quem mora nas ruas

Nas longas horas de noites sombrias, políticas públicas dormem e parecem não querer acordar. Para algumas pessoas elas nunca despertam. O frio, a fome e o cansaço são os sentimentos mais frequentes de quem mora nas ruas, ao relento e à mercê da boa vontade alheia. E quando o Estado se ausenta, a noite dá lugar aos voluntários da cidadania, que vão além do esforço de substituir ações de um governo pouco comprometido: na visão de quem a realiza, a ação social é, também, um ato de humanidade. A realidade de Campo Grande não é uma exceção. Pessoas como Diego Lima da Silva e sua esposa, Solange, sabem bem como é viver nas ruas. Para ele foram 17 anos de dependência química, alguns deles morando na rua. Solange usou drogas por 20 anos e passou boa parte da sua vida na região da antiga rodoviária. Velhos conhecidos compartilham com o casal a felicidade de vê-los, atualmente, em uma situação estruturada. “Pessoas daqui que veem que mudamos de vida, ficam nessa alegria de ver que tem mudança. Ontem você estava fumando, estava roubando, hoje está casado, de social, até com terno e gravata”, explica sorridente. Inicialmente veio ao casal a vontade de se tornar membro da Igreja Matriz Assembleia de Deus MS, em Campo Grande. Do ponto de ônibus que sempre aguardavam o transporte público, a admiração da igreja e desejo de estar presente. Já como membros, Diego e Solange idealizaram o projeto do Sopão,

para atender os moradores de rua na região, que conheciam tão bem. “O que mais nos despertou foi uma reportagem que vimos do Roberto Cabrini. Ele mostrava um grupo de São Paulo que visitava os moradores de rua”, conta Diego. Esperaram o próximo encontro na igreja e, ao final do culto, revelaram ao pastor o desejo que tinham de levar a Palavra aos moradores de rua e oferecer-lhes um alimento, a sopa. O projeto do Sopão é realizado toda segunda-feira, na estrutura da antiga rodoviária de Campo Grande. Hoje, na equipe numerosa, cada integrante exerce uma atividade essencial para o projeto. Ana Ruth No-

gueira Moraes, por exemplo, cede a cozinha de sua própria casa para armazenar os alimentos doados pelos supermercados da cidade. Toda segunda, com ajuda de seu marido, Adalberto Moraes, prepara a sopa e os doces, que serão entregues aos carentes após o culto. Avó de dois netos e preocupada com cada um dos seus filhos, Ana Ruth imagina o sofrimento da família das pessoas que ajuda. “É uma coisa que corta muito o coração da gente; tem rico, tem pobre, e eu creio que de maneira nenhuma um ser humano, por vontade própria, queria estar em uma vida dessas. Essa vida, nem cachorro merece! Ficar jogado na rua, Foto: Jéssica Vitória

Jéssica Vitória Monique Faria

Projeto Sopão, Assembleia de Deus-MS

comer lixo, porque quando eles estão drogados comem tudo que acham”, emociona-se. São muitos os motivos que levam uma pessoa a se dedicar ao voluntariado, desde incentivos religiosos até a gratificação de participar de um grupo socialmente produtivo. Diego Lima e sua esposa Solange tiveram a empatia como maior motivação. Vítimas da dependência química, eles carregam uma história de vida que se repete em cada um dos moradores de rua da região. Ana Ruth tem um irmão pastor, mas que já esteve envolvido com drogas. A gratidão por hoje ter a família reunida, somada à crença em sua religião, foram determinantes para seu envolvimento no projeto do Sopão. O amanhecer da recompensa Segundo a professora doutora em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Inara Leão, o voluntário deve sempre lembrar que é uma ajuda e pode não modificar profundamente a vida dessas pessoas. “Não é no individual que essas coisas acontecem, é na estrutura da sociedade”, explica. E alerta também para o risco de frustrações, no caso de o voluntário estar esperando algum reconhecimento imediato. “Reconhecer a contribuição do outro é muito difícil numa sociedade onde a gente se relaciona de uma maneira muito superficial, muito competitiva e esporádica”, afirma. No caso de atividades voluntárias desenvolvidas dentro de instituição, é mais provável que aconteça uma gratificação. “Nos grupos organizados para isso, o que te gratifica é a relação com o próprio grupo; você estar com outras pessoas e elas saberem que você também é uma


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“Até a própria prefeitura, os órgãos que fazem um trabalho com os moradores de rua, quiseram parar eu e min minha esposa!” Diego Lima de Souza der transformador do Evangelho, isso que mudou minha vida”, desabafa. A professora Inara viveu uma situação parecida ao tentar abrir um cursinho preparatório para concursos públicos, voltado a pessoas de baixa renda. As reclamações, por parte de cursinhos particulares da cidade, começaram a surgir logo nos primeiros meses de funcionamento. “Nós estávamos apanhando do pessoal que tem cursinho pago aqui na cidade. Falavam para a gente: ‘‘Nós investimos, gastamos fazendo isso e aquilo, e vocês vão usar uma estrutura pública’’. Mas o público não caiu do céu, o público é o imposto da gente que está pagando, então não é nada de graça assim”, afirma. Com três meses, o cursinho voluntário fechou as portas.

Em meio a tanta burocracia, muitos seguem abandonados. “A ideia é oferecer suporte e a pessoa vai se igualar àqueles que têm melhores condições; mas não se iguala. A estrutura da sociedade é muito difícil. Pode dar certo? Até pode ter um ou outro que consegue, mas você falar que massivamente você vai resolver, não vai, porque a diferença é grande, ela está desde lá detrás. A gente achou que ia dar certo na universidade, as bolsas, as cotas, mas agora já estão tirando tudo”, lamenta a professora Inara.

Foto: Monique Faria

pessoa boa”, conclui Inara. Ainda de acordo com a psicóloga, em geral os colaboradores dizem que não estão esperando nada em troca, fazem por boa vontade; mas, nessas situações, a pessoa mesmo se gratifica. “Muitas pessoas deixaram de ficar com fome porque eu dei, mas eu não preciso que ninguém me fale isso, eu sei o que eu fiz. É uma forma de autocompensação”, explica. E muitos são os desafios enfrentados por quem deseja fazer diferença na vida dos necessitados. Diego se lembra de quando iniciou as ações e sofreu tentativas de impedimento pela prefeitura. “Até a própria prefeitura, os órgãos que fazem um trabalho com os moradores de rua, quiseram parar eu e minha esposa. Falaram que não podia trazer sopa e comida, que eles (os moradores de rua) iriam ficar acomodados. Mas a gente falou que confia no po-

Voluntariado

Eles dividem o pão

Na rua Barão do Rio Branco, esquina com Joaquim Nabuco, perto da antiga rodoviária, aos sábados a janta é regularmente servida às 23 horas. A chegada do ônibus urbano anuncia o início daquilo que será para muitos a refeição mais importante do dia. Logo após as mesas e cadeiras serem posicionadas sobre a calçada, ocorre uma movimentação de pessoas nas ruas, que esperam ansiosamente para ocupá-las. Homens e mulheres de diferentes idades consomem a refeição e, por vezes, chegam a comer mais de uma vez. A comida não é preparada por nenhum restaurante local, mas por um grupo de voluntários que participam do projeto Mateus 25:35, da igreja Atos de Justiça. A iniciativa de alimentar pessoas, que em maioria são moradores de rua e usuários de drogas, começou há quatro anos com um simples cachorro quente. A ação voluntária cresceu e hoje conta com o apoio de 52 participantes que se dividem em equipes a cada sábado. Além do marmitex, é concedida oportunidade dessas pessoas também tomarem banho. Um ônibus adaptado com dois chuveiros quentes e armários para troca de roupas oferece esse recurso. O transporte dos membros da equipe, mesas, cadeiras e 120 marmitex também é realizado com o auxílio do ônibus. “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram”. O versículo da Bíblia que dá nome ao projeto enfatiza a ação que é realizada todos os

Ônibus adaptado para o banho sábados. Adalto Leite, 51 anos, pastor e voluntário do projeto, comenta: “Para nós é algo comum sentar à mesa e comer, mas para eles… Já pensou você pegar um prato e sentar no chão?! Então eles sentam aqui, comem e nós os ajudamos”. A frase fixada no ônibus soa como uma saudação para todos aqueles que vão até o local tomar banho, comer e muitas vezes interagir com os membros do Mateus 25:35.

O banho das onze

Em meio aos diversos trabalhos voluntários realizados por entidades, o recurso do banho foi um divisor de águas na vida de pessoas que se encontram marginalizadas. Para Oséas Marques, 48 anos, morador de rua, o ônibus facilita a vida “Todo mundo quer vir aqui tomar um banho, tem calça, bermuda e as cuecas; o banho é quente, tem o pastor que está atento a isso. É bem legal, tem shampoo e tudo mais”, comenta. Um cano de 75 milímetros implantado no ônibus, junto com um gerador abastece e fornece água quente para pessoas como Oséas.

Apesar da ajuda que o projeto traz, o principal propósito da ação é tirar as pessoas das ruas e reabilitá-las. Roberto de Souza, 52 anos, membro da igreja e voluntário do Mateus 25:35, comenta sobre vidas que já foram mudadas: “Na nossa igreja tem alguns testemunhos, tem um rapaz que esteve aqui e, através de uma experiência com um dos voluntários, hoje congrega na nossa igreja; foi tirado da rua, está casado e tem uma filha. Outros passam por aqui e comentam estar empregados e pedem para não pararmos com nosso trabalho”. De acordo com Roberto, a próxima conquista é uma casa de recuperação para dar continuidade ao processo de recuperação dessas pessoas. O trabalho voluntário também conta com a colaboração do Instituto Atos de Amor, um dos responsáveis pela arrecadação de alimentos, roupas e materiais de higiene pessoal.

jessica.vitoria.fernandes@gmail.com monaagfaria@gmail.com


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Foto: Renata Barros

Plantão Jornalístico

Três em um História e rotina de um profissional que desempenha as funções de motorista, repórter e cinegrafista em plantões jornalísticos Gabriela Mary Renata Barros “Quando chega a informação é tempo de eu me vestir, em dois minutos entro no carro e abro o portão. Se não chegar na hora e os olhos girarem em volta do que você tem que fazer, você perde tudo”. Esse relato é de Laudney Pereira dos Santos, campograndense, 49, e cinegrafista desde 2003 da filial da TV SBT em Mato Grosso do Sul. Há três anos, cobre plantões noturnos em Campo Grande. A relação de Laudney com a câmera surgiu quando aos 16 anos começou a trabalhar em um estúdio fotográfico fazendo fotos e manutenções em equipamentos. Ao serviço de táxi dedicou-se por oito anos antes de se tornar motorista e braço direito de Antônio João, na época dono da TV SBT-MS. Sem que ele percebesse, sua vida ia seguindo por caminhos que o levariam à televisão.

Guiado por Antônio João, Laudney assessorou Delcídio do Amaral em sua campanha para senador, em 2003. Ao voltar a ter contato com as câmeras e acompanhar as entrevistas, o gosto por reportagens floresceu.

Ao fim da campanha, duas direções surgiram em seu caminho: continuar com Antônio João ou trabalhar na emissora de TV. Ele escolheu a segunda e sua trajetória como cinegrafista começou a ser trilhada. Atualmente, Laudney faz reportagens para o programa O Povo na TV. Durante o dia, acompanha o repórter Rodrigo Santos em reportagens policiais. À noite, sozinho, cobre o plantão trabalhando uma semana inteira e folgando na seguinte, quando outro cinegrafista assume. Nas noites de plantão, Laudney fica com o carro da emissora e equipamentos como câmera e microfone. A chance de aumentar o salário tornou Laudney plantonista, porém só não desistiu pois junto com a experiência adquiriu fontes fundamentais. Ele relata que no início a falta de contatos o prejudicava quando algum fato noticiável acontecia. Hoje, conta com o apoio da polícia e do corpo de bombeiros que o contatam assim que algo ocorre.

O viés policial traz mais agitação e adrenalina à rotina de Laudney, que está sempre em contato com acidentes, homicídios, prisões e apreensão de drogas. No começo, a tristeza e o sangue frequentes nas ocorrências o chocava. A repetição dessas cenas fez com que ele se acostumasse com as imagens: “Tem semana que faço seis, oito homicídios ou acidentes”. Para ele, o mais difícil é ver o desespero de parentes que chegam ao local e encontram seus entes já sem vida. Além de acompanhar situações perturbadoras, durante o plantão no-

A repetição dessas cenas fez com que ele se acostumasse com as imagens: “Tem semana que faço seis, oito homicídios ou acidentes” Laudney

turno Laudney ainda lida com o fato de trabalhar sozinho. De dia, mesmo em circunstâncias delicadas, conta com o apoio do repórter, mas ao pôr sol todo o trabalho é realizado por ele. “Tenho que ficar de olho em tudo, tenho que perguntar, filmar e me proteger do que está acontecendo em volta, porque pode ser prejudicial a mim. Eu estou sozinho, não tenho mais ninguém”. As funções de motorista, repórter e operador de câmera acumulam-se costas nas costas de Laudney, fazendo com que ele exerça três ofícios em um só. Ademais, tem que garantir sua integridade e de seus equipamentos. Em muitos casos, sentiu-se acuado e ameaçado. “Já teve ocorrência de eu ter que sair correndo com o carro e vir motoqueiro atrás de mim, me perseguindo, para tentar me agredir”, relata. A alternância entre os cinegrafistas que atuam no plantão noturno é crucial, segundo Laudney, para não saturá-los, pois o esgotamento não é só físico. “O esgotamento mental é tremendo, principalmente, quando se trata de vítimas já em óbito”, ressalta e lembra do caso que o fez pensar em desistir. É mais uma noite de plantão e Laudney vai cobrir uma ocorrência em que o motorista furou o sinal vermelho e atropelou um homem. Para seu choque, ao chegar no local reconhece a vítima já sem vida. É um colega seu. Nesse instante, seu lado profissional e o pessoal entram em conflito. Um lhe diz para filmar a cena, pois esta é sua obrigação. O outro pensa na família de seu colega vendo as imagens das circunstâncias em que sua vida foi ceifada. “Te dá vontade de chorar, de ir lá e abraçar o seu colega que está ali no chão. Chorar perto dele.” A remuneração e o reconhecimento são outros pontos de tensão, pois o salário e o serviço feito pelos profissionais são discrepantes. “Nós não temos a valorização que merecemos, nunca tivemos e está cada vez pior”. Por outro lado, graças ao seu trabalho Laudney viveu experiências inéditas. “Já conheci muitos cantores e artistas de TV, já fui a lugares que se eu não estivesse na TV não iria conhecer nunca.” Acima de todos os desafios e perigos da profissão, está o apreço pelo o que faz. “Tudo o que faço, eu faço com amor, porque gosto.”


17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Na pele

Imergindo no ambiente de trabalho e compartilhando as mesmas sensações

Buscando vivenciar e entender a rotina de um plantão jornalístico noturno, acompanhamos Laudney durante três noites e dividimos os sentimentos de tensão e espera pelo fato. Os plantões aconteceram nos dias 29 e 30 de setembro, e no dia seis de outubro.

29 de setembro - sexta-feira

30 de setembro - sábado

Na manhã de sábado, Laudney nos comunicou que fez as imagens de um capotamento no bairro Santo Antônio, felizmente, sem nenhum óbito. À noite, não o acompanhamos em todo seu trajeto de ronda entre as delegacias, no entanto ficamos aguardando sua ligação caso alguma ocorrência lhe fosse informada. O plantão deste dia foi uma mistura de apreensão, estresse e frustração. Esperávamos, como no dia anterior, que a noite seria. Mais uma vez sentimos na pele o que é ter uma noite mal dormida, angustiada, preocupada e, acima de tudo, em alerta. A qualquer momento o telefone podia tocar, e quando tocava, era como se em nossos corpos automaticamente uma grande dose de adrenalina fosse injetada. Em vão.

Pela experiência em coberturas noturnas, Laudney conta que há uma diferença nas noites de plantão da primeira semana do mês. Normalmente ele cobre mais ocorrências por conta de uma série de fatores. Entre eles, está o fato de que as pessoas recebem seus salários entre os dias cinco e dez, o que resulta numa cidade mais movimentada, onde as pessoas costumam beber mais e, consequentemente, ocasionam acidentes.

Seis de outubro - sexta-feira

A terceira tentativa foi a mais enérgica. Estávamos dispostas a de fato imergir na rotina do cinegrafista, repórter e motorista, que naquela noite como em tantas outras, eram um só.

19h07 - Saímos da SBT confiantes de que naquela noite acompanharíamos Laudney na sua autêntica rotina, aquela que se passa na correria, na busca pelo furo, na emoção do fato. Dessa vez o ar condicionado do carro estava funcionando, talvez um sinal de que as coisas fluiriam melhor. 19h20 - Chegamos ao Depac Piratininga por volta das 19h20 e logo notamos que a delegacia estava movimentada. Chegaram alguns casos ainda em investigação como suspeita de estupro e porte drogas. Nesse tempo, tivemos a informação de que a polícia militar estaria chegando com uma apreensão. Laudney, com diligência, buscou seu equipamento de trabalho e aguardamos no local a chegada da viatura.

19h56 - Aproximadamente meia hora depois os policiais militares chegaram com um jovem de 18 anos que estava sendo autuado por furto de uma residência no bairro Jardim Marajoara. Juntamente com os policias e o apreendido, estava a vítima. Assim que a viatura chegou, Laudney ligou a sua câmera e começou a fazer as imagens. Prontamente, o repórter que existe por trás dos equipamentos manifesta-se e entrevista a vítima, o próprio acusado e o sargento responsável pela prisão. Laudney tem destreza em manusear a câmera e o microfone, além de preocupar-se com possíveis interpelações estando atento a tudo o que ali acontece. 20h15 - Saímos da delegacia. A ronda daquela noite terminara ali, contudo, o “três em um” naquele momento assumia outra função, a de vigilante. Quando o dia amanhece, às 6h Laudney leva todo o material coletado no plantão para a sede da TV SBT MS. A partir daí as matérias são editadas e posteriormente veiculadas na televisão e no site de notícias da emissora. A marca do árduo trabalho de Laudney fica nos créditos de imagem.

gabimary7@hotmail.com reenatafbarros@gmail.com Foto: Gabriela Mary e Renata Barros

Saímos da sede da TV SBT MS exatamente às 19h03, em direção à Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário (Depac) que fica no bairro Piratininga, região sudoeste de Campo Grande. Esperávamos que, por ser um dia perto do final de semana, haveriam muitas ocorrências. No entanto, ao chegar no Depac por volta das 19h10, não encontramos nada além da viatura da polícia Choque estacionada por conta da prisão de três pessoas por furto de camionetes ocorrida à tarde. “Hoje tá parado”, Laudney sobre a quantidade de ocorrências no dia. Não havendo nada de novo, partimos em direção ao Depac que fica no centro de Campo Grande. O carro utilizado por Laudney é um modelo já antigo, mas que resiste íntegro mesmo com o dinamismo da cobertura noturna, a não ser

pelo ar condicionado que não funciona. Exatamente às 19h25 chegamos ao Depac Centro. Lá, também não encontramos nada fora do ordinário. Às 19h35 o cinegrafista foi para casa e como de costume, esperou sentinela suas fontes ligarem. Em resumo, a noite foi tranquila e sem ocorrências graves.

Plantão Jornalístico

Sono, cansaço e medo são obstáculos enfrentados

O cinegrafista registra os envolvidos na ocorrência

Além de fazer as imagens, Laudney colhe relatos


Preconceito

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18

Bar da tia...

Fotos: Lu A. Souza

Apesar da violência e do racismo, Lenir vê em sua profissão e nos estudantes, motivação para continuar seu trabalho Lu A. Souza Lenir dos Santos Soares, é mulher negra que trabalha desde os 12 anos para ajudar a família. Esbanja simpatia e cativa cada cliente com a boa conversa e atendimento diferenciado que a aproxima de cada um de forma diferente. Conhecida como Tia, tem 59 anos e administra um dos bares mais famosos da região frequentada pelos jovens. O Bar da Tia. Antes de se instalar na rua, tocou uma famosa lanchonete na área do antigo Autocine da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) por 23 anos. O estabelecimento começou com um movimento ótimo, mas foi decaindo com a abertura do Restaurante Universitário (RU) o que contribui muito para que o seu negócio, aos poucos, fosse falindo. Antes o único estabelecimento autorizado a comercializar alimentos e cerveja, dentro do campus, era o de Lenir. Com o passar do tempo, outras lanchonetes foram abertas nos corredores da Universidade e o seu negócio se esvaiu, até que ela já não conseguia nem pagar o seu próprio aluguel, que na época era muito caro. Para correr atrás do prejuízo, ela procurou o órgão administrativo da UFMS afim de chegar ao menos a uma conciliação, e receber uma explicação para a quebra de contrato, que antes permitia que apenas ela comercializasse artigos alimentícios e bebidas na universidade. Os responsáveis acabaram colocando-a na justiça, alegando não haver quebra de contrato, culminando no fechamento definitivo do estabelecimento. Pouco tempo depois da falência, um representante de uma marca de cerveja perguntou se ela não trabalharia a noite, mas como Lenir nunca gostou do trabalho noturno, recusou. Essa Foi uma forte decisão em sua vida. O representante comercial insistiu na proposta e sugeriu que ela começasse com duas

“Eles veem o bar subir e desacreditam do meu trabalho honesto”. Além disso, as ofensas dos vizinhos são frequentes e desestabilizam a proprietária, que precisou até de medicamentos controlados devido ao alto stress que passou a afetá-la fisicamente e psicologicamente. Com lágrimas nos olhos, ela lembra de um dia em que estava trabalhando e uma mulher entrou no bar agredindo-a verbalmente. Lenir não consegue ter controle sobre estes problemas, mas eles podem trazer prejuízos tanto para ela, como para os clientes.

Abuso

Lenir dos Santos Soares caixas de litrões de cerveja .Mesmo sem acreditar no sucesso, acabou aceitando. Começou com as duas caixas e logo colocou a famosa promoção ‘cervejacinco reais’, o que fez com que o seu negócio lotasse. Depois vieram dez caixas, e do jeito que colocava a bebida no freezer, já vendia. Foi um sucesso.

Bar da Tia

O restaurante fechou em 2010, e em 2011 a mãe de Lenir cedeu uma parte da casa da família para que ela abrisse o bar. Sua família a apoia muito, principalmente a filha Letícia, 18, que nasceu quando Lenir já tinha 40 anos.

Segundo ela, a rotina é cansativa. Todos os dias quando acorda se arruma e começa a organizar o bar. Primeiro lava todo o espaço, depois abre, faz os salgados, vê as coisas que estão faltando, vai ao mercado para repor, entre outros afazeres. Demonstra muito carinho pelo que faz e apego ao seu ambiente de trabalho.Em 2011 foi a inauguração do Restaurante da Lenir, vulgo Bar da Tia, mas só foi em 2013 que ele passou a funcionar a noite. A tia conta que é muito gostoso trabalhar a noite, mas quando lembra das adversidades, mostra uma voz tremula. Ela diz que os vizinhos dificultam muito seu trabalho,

Por ser mulher, Lenir lembra, com pesar, que já sofreu muito abuso e violência. Ela nos conta com lágrimas nos olhos que o filho de seu patrão tentou abusar dela quando trabalhava de doméstica. Lembra também de um episódio na lanchonete do Autocine - Universiade Federal de Mato Grosso do Sul - em que um homem tentou abusa-la. Além de ser mulher, a dona do bar nos conta com indignação que por ser negra as pessoas têm muito preconceito, um certo nojo, que qualquer coisa é “essa negrinha tá se achando”, o que já fez ela sofrer muito. Muitas vezes não a respeitam por ser uma mulher, o que a faz se sentir na obrigação de se impor, mas o que a tranquiliza é a interseção da parte dos alunos por ela em situações vexatórias e complexas. Lenir se autointitula tia, mãe, vó, amiga e afirma ter escolhido a melhor classe para trabalhar, os estudantes...“Quem não gosta deles não entra no bar”, como ela mesmo diz. Sua vida, como de muitas outras mulheres, é marcada por abuso e violência, mas mesmo com essas adversidades ela mantêm o sorriso no rosto e segue com o seu negócio, pois ainda tem muito o que crescer.

luadoblog@gmail.com


19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Preconceito

...É batata!

Aos 43 anos, Grazi viu em suas dificuldades uma forma de empreender e crescer, levando amor e dedicação para seu ambiente de trabalho Foto: Ana Beatriz Rigueti

paço, pegou a maior coragem que havia, seguiu até o açougue da rua debaixo e pediu 1 kg de bife fiado. Era o suficiente para terminar os marmitex que devia aos clientes. Após seis meses entre dias sem saída e um futuro repleto de incertezas, resolveu comentar com um amigo que trabalhava em uma empresa de venda de bebidas sobre a vontade que tinha de continuar com o estabelecimento, mas que não havia medidas cabíveis para conseguir manter o recinto. Com essa ajuda, passou a comercializar cervejas de preços populares. Mesmo com a pouca demanda de clientes que se agradavam pelas cervejas, nunca desistiu e continuou as vendas com a certeza de que conseguiria mudar sua realidade. Além disso, a inexistência do Restaurante Universitário da UFMS (RU), aumentava suas vendas de pratos de comida que custavam em torno de R$ 4.

Oficialização do bar

Quando finalmente conseguiu re-

Foi presa, intimada. Uma mulher com o olhar estremecido e o direito à justiça negado pela própria instituição que jura proteger a sociedade. Uma mulher. Nove policiais armados.

Amor e perseverança

Sua força de vontade se mantém na relação com os jovens que frequentam seu estabelecimento. O amor e carinho de Grazi se encontram em cada pequena coisa, desde as paredes do Batata + até os sorrisos gentis e olhos brilhantes de quem agradece todos os dias por tudo que conquistou. “Aos meus amigos que me ajudaram durante todo o percurso, meu eterno agradecimento e admiração. Também tenho muito orgulho da família que construí e dos jovens que tanto me apoiam e me dão o suporte necessário para continuar lutando. O bar é de vocês. ”

Ana Beatriz Rigueti Graziele Soares dos Santos das Neves, conhecida por muitos apenas como Grazi, se consolida como proprietária de um dos maiores points universitários de Campo Grande, o Bar e Conveniência Batata +. Aos 43 anos, se dedica a administrar um negócio por conta própria apenas com a ajuda de seu filho. Sua história é repleta de garra e coragem, mostrando que a perseverança é um dos fatores principais para o sucesso. O sorriso no rosto e a espontaneidade de Grazi mostram a face de uma batalhadora que não desiste nunca do que quer. Casou aos 15 anos e encontrou-se na necessidade de não concluir a escola, interrompendo o ciclo na 4º série. Na mesma idade, com o primeiro filho, iniciou a vida no trabalho. Logo

após, vieram mais duas crianças, mas agora, criadas sem o pai. Abandono. Sozinha com 3 filhos, iniciava a luta árdua de uma mulher que conseguiria conquistar o mundo com a força de vontade e garra no olhar de quem nunca, nem sequer, pensara em desistir. Trabalhando a noite há 22 anos, precisava arrumar meios de criar seus três filhos que se encontravam na ausência do pai. Se dividia entre a função de empregada doméstica durante o dia e a noite como freelancer no Rádio Clube de Campo Grande. Começou a trabalhar em um restaurante ajudando um amigo. Com oito meses de funcionamento o local acabou falindo, forçando o dono a sumir sem dar satisfações. Grazi, na época sem condições de arcar sozinha com os custos do es-

precisaria de um nome fantasia para o local. Lembrou-se da época em que trabalhou fazendo batatas recheadas no período da noite, o que resultou em um nome característico e único para o recinto: Bar e Conveniência Batata +. Na relação entre ambiente de trabalho e o fator predominante de ser a única mulher comandando um estabelecimento com uma frequência alta de universitários, suas maiores preocupações vieram do assédio moral e físico por parte da polícia. O autoritarismo e truculência muitas vezes exacerbados do Batalhão de Choque, fizeram com que Grazi perdesse seu direito à fala, além de ter seu espaço invadido por bombas de gás lacrimogêneo. Foi algemada e conduzida até a delegacia no camburão da Polícia Militar. Sua voz de mulher negra foi silenciada por parte de forças maiores que não aceitam represálias ou argumentos que não sejam os próprios.

Foto: Ana Beatriz Rigueti

Batata+ é ponto de encontro dos universitários nas sexta-feiras gistrar o CNPJ de seu bar, notou que

Graziele Soares anabeatrizrigueti@gmail.com


Mobilidade Urbana

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS -

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Do Carandá Bosque ao Los Angeles As estratégias de segurança dos motoristas de Uber que utilizam o aplicativo como alternativa de renda na noite de Campo Grande

Lyanny Yrigoyen como é o caso de muitos que precisam trabalhar nesse horário ou que preferem por estratégia de renda, isso se torna algo perigoso. Há uma preocupação muito grande com quem paga, mas não com quem trabalha. Assim que o passageiro entra no carro, o motorista inicia a viagem por meio do aplicativo. Ao chegar ao destino indicado, encerra e aparece uma tela de avaliação para o motorista e para o usuário, por meio de uma nota entre uma a cinco estrelas, se tem a garantia de qualidade do serviço.

“Enquanto passageiro tem foto, placa e recomendações do motorista. Nós nos baseamos apenas na nota do passageiro” Mariana Cabreira “Enquanto passageiro tem foto, placa e recomendações do motorista. Nós nos baseamos apenas na nota do passageiro. Temos a opção de cancela-

Foto: Paulo Fernandes

Fresco. Tranquilo. Trânsito leve. Tempo. Quando questionados sobre os motivos para dirigir a noite as respostas dos motoristas são sempre similares, correspondendo ou ao clima, trânsito ou sendo único horário disponível para trabalho. A profissão sempre vem para completar a renda ou como emprego fixo. Para Felipe Barreto Queiroz Vaz, 24, motorista Uber há 3 meses, é seu sustento. Para Mariana de Faria Cabreira, 30, Produtora Cultural e motorista Uber, completa sua atividade remunerada. “No centro sempre tem corrida, mas quando você leva o passageiro para o bairro, acaba tendo que percorrer uma distância muito grande para pegar a próxima, já que tem uma boa quantidade de motoristas suprindo aquele bairro. De noite, cada motorista cobre uma área maior, por ter menos circulando, mais chances de pegar. Com 40 horas semanais eu tiro um salário líquido por semana”, conta Felipe. Somente após aceitar a viagem é que o aplicativo mostra quem é o passageiro, seu telefone de contato e a localização. Impedindo o motorista de saber para onde está indo ou quem está levando. Numa situação noturna,

Layout do aplicativo de mobilidade urbana Uber

mento, porém se nossa taxa de cancelamento sobe, recebemos menos chamadas”, explica Mariana. Existe a todo momento um monitoramento dos motoristas em questão de freadas bruscas, aceleração, velocidade, cancelamento de corridas, todos esses fatores são notificados e o motorista recebe advertência, sua pontuação diminui e o número de corridas que recebe também. Pouco se sabe a respeito do repasse do valor das corridas, dos assaltos, dos assédios, das localizações, de quem pode usar e de como o motorista se protege. Desligar o aplicativo, dar voltas ao redor do local, evitar pegar corridas em bairros desconhecidos ou perigosos, analisar o passageiro, cancelar corridas, são estratégias comuns utilizadas para proteção. O Uber começou a operar no Brasil em 2014 e Campo Grande foi a 23º capital a receber o aplicativo de mobilidade urbana. A sensação de insegurança e o medo constante de ser assaltado, assediado, ou até mesmo casos inesperados de ameaça podem acontecer. A motorista desde 2016, Sulamita, como é chamada e prefere não se identificar, relatou que já buscou uma menina de 12 anos em frente a um motel. Ao indagar para a menina o motivo de estar ali, disse que a mãe estava lá dentro com o patrão. A motorista conta que ficou sem reação, queria comunicar as autoridades, mas ficou com medo de ser notificada pela plataforma e desligada. Outro caso, foi deixar um passageiro em frente ao hospital e ouvir na conversa que ele iria desligar os aparelhos da mãe. Um caso de polícia, mas que se fosse denunciado poderia render um processo e, mais uma vez, desligamento da motorista que só tem o Uber como renda. Diego Antônio Ribeiro Marques, 27, estudante e motorista Uber desde novembro de 2016, começou a exercer a profissão para obter renda ao mesmo tempo

que cursa o ensino superior e possui muitas histórias. “Já passei alguns sustos, já levei passageiros que quiseram parar em boca de fumo para comprar drogas, já levei capitão do exército que sacou a arma no carro”, conta.

“Já passei alguns sustos, já levei passageiros que quiseram parar em boca de fumo para comprar drogas, já levei capitão do exército que sacou a arma no carro” Diego Marques A Uber recebe uma taxa fixa paga, além do repasse de porcentagem de viagens pagas no cartão de crédito dos usuários. Não existe tempo mínimo diário, semanal ou mensal para que o parceiro use a plataforma. Porém, exiswtem formas de controlar e restringir atitudes do motorista parceiro pela empresa. A empresa foi instalada em setembro de 2016 e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) aponta que a inovação trazida por essa tecnologia, neste segmento, aumenta o mercado ao atingir os consumidores que agora possuem mais de uma opção para se movimentar pela cidade. Mas o destino do motorista e suas experiências conflitam com as diferentes camadas sociais, do Carandá Bosque ao Los Angeles, bairros da elite campo-grandense e bairros de periferia utilizando a mesma mobilidade urbana, transformam além da renda per capita da cidade, o convívio social. lyanny98@gmail.com


Social

Foto: Dândara Sabrina Genelhú

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“Se você for muito bom, você não sobrevive aqui”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos conceitua como pessoa qualquer indivíduo, porém moradores em situação de rua ainda são tratados com hostilidade pela sociedade. Luciano e Alexandre são protagonistas desta reportagem, falam de perdas afetivas, vícios e a dura realidade noturna das ruas de Campo Grande. Contudo, iniciativas como a página CG Invisível mantém a esperança. Dândara Sabrina Julisandy Ferreira Pâmela Machado “Dias de verão e noites de inverno, a cidade às vezes é um inferno”, embora a canção “Depois da meia noite”, sucesso da banda Capital Inicial trate

de um romance, a frase citada descreve exatamente a realidade de centenas de brasileiros, que fazem das ruas suas casas. Segundo a Estimativa da População em Situação de Rua no País, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2016, há cerca de 101.854 pessoas em situação de rua em

todo o território brasileiro. No Centro-Oeste, esses cidadãos somam um total de 8.777, e nas duas metrópoles da região, sendo uma delas Campo Grande, temos 3.186 pessoas. Entre as ruas esses moradores buscam abrigo, vivem diversos perigos e ainda são esquecidos ou até mesmo

considerados como impurezas urbanas. Na noite, presenciam a realidade das drogas e o vento frio que perpassa suas poucas vestes; de dia são apenas detalhes do cenário na correria cotidiana e a cada cinco anos são desconsiderados do censo populacional brasileiro. Ainda segundo o IPEA, em 2013 foi solicitado


Social

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS -

“Não existe amizade na rua, não existe amizade no submundo das drogas” Alexandre Silva A trajetória

Com 34 anos, graduado em Gestão de Vendas pela Universidade Mackenzie de São Paulo, Alexandre veio do Rio de

Janeiro, especificamente do Morro do Borel, onde nasceu e cresceu. Após o término de seu casamento, deixou sua mãe, irmão, ex mulher e um filho de 10 anos. Ele nos conta, com muita solidez nas palavras, que morar nas ruas foi uma escolha a partir de seus vícios, pois a família não combina com um usuário de drogas. “A família sofre, e você sofre, sua família acusa, você se sente recuado, não combina.” Com dois anos e meio de histórias vividas nas ruas, Alexandre revela que o estereótipo das pessoas que ali habitam é a pura realidade, que 100% dos moradores são usuários. “Na rua é só maldade, nego tem que ser muito ruim, porque se você for muito bom você não sobrevive aqui”, com expressão de quem sofreu o suficiente para aprender as práticas desse cotidiano. O jeito como se comporta diz que a vida nas ruas lhe deu muito jogo de cintura, tanto com a população, quanto com outros moradores de rua, para conseguir mantimentos ou se proteger dos perigos.

“A realidade de vocês é outra, essa é a minha”

Em meio a histórias de sua rotina nas ruas, Alexandre pede uma pausa para comprar mais droga, pois aquela que usava já acabou. “Tô desde as seis da manhã de pé acordado, toda hora eu tô fumando, eu sou compulsivo, eu não paro”. Após 15 minutos, ele volta com a pasta base na mão, seu rosto expressa o misto de felicidade e surpresa por ainda estarmos esperando. Permanecemos sentadas e prosseguimos com a conversa, enquanto ele preparava a porção que acabara de comprar. Não dissemos nada, mas a todo momento Alexandre abanava a fumaça para que nós não inalássemos a substância, porém nosso intuito em momento algum era interferir, mas sim conhecer aquela realidade, que nem de longe fora

Entre a Declaração e a Prática Uma bela porta de madeira ou qualquer outro material, com paredes sustentando aquilo que chamamos de teto, telhado ou telha. Isso é o que basta para estarmos nas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afinal, os seus cálculos são baseados nas pesquisas domiciliares, das quais o agente vai até a casa de alguém incluí-lo como parte de ser uma pessoa, ser um cidadão. A situação acima questiona a real efetividade da criação dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que um dos trinta artigos diz. “Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. E a incerteza sobre a eficiência dos direitos humanos, não se resume somente a esse artigo, mas a um conjunto deles, que pessoas como moradores de rua não se enquadram. O Artigo 17° da Declaração trata do direito à propriedade privada. Traz à tona o direito a moradia, a ter um local para se conviver, só ou com alguma companhia. Porém, para aqueles que têm a rua como morada, ou qualquer outro local público, esse direito lhes foi tirado há algum tempo, sem pedidos ou lembrança de direitos humanos. De acordo com a Pesquisa Nacional realizada com apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em 2010, constatou-se que 55% da população brasileira nunca ouviu falar em Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os números comprovam a falha dos representantes da ONU no país, deixando os direitos humanos escritos em um pedaço de papel, distantes da prática.

nossa. É nesse momento que o assunto das maiores dificuldades das ruas veio à tona e ele sem hesitar declara, que entre seus maiores medos está a polícia. “É o maior opressor, ela chega, bate, esculacha, vai embora. Então é a polícia, seja homem, seja mulher, a polícia”. Além desse problema, ele convive com outros dois: o frio, que já levou à morte muitos colegas de rua, e a falta de amizade. O último traz um olhar de reflexão ao seu rosto, com a fala de alguém que agora prefere a solidão. “Não existe amizade na rua, não existe amizade no submundo das drogas. O amigo ele é o amigo droga, acabou a droga acabou a amizade, o amigo ele é amigo cachaça, acabou a cachaça acabou a amizade, o amigo ele é amigo dinheiro, acabou o dinheiro, acabou a amizade.”

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Ações existentes

Sobre os abrigos oferecidos pelo governo, Alexandre conta que tentou se hospedar em alguns, inclusive aqui na capital, no Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante (Cetremi). “O povo vive te enchendo o saco, não deixa você descansar”, diz Alexandre ao classificar como horrível a estadia proposta nos centros de acolhimento. O Cetremi é o último setor para quem quer sair das ruas, segundo Artêmio Versoza, coordenador do Centro de Referência Especializado no Atendimento à População em Situação de Rua (Centro Pop). Tudo começa com a abordagem da pessoa em situação de rua, através do Serviço Especializado em Abordagem Social (Seias), e quando o morador decide aceitar a proposta de política pública ofereciFoto: Julisandy Ferreira

ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) a inclusão da população em situação de rua na contagem do censo, entretanto a obrigatoriedade se aplicará somente em 2020. Enquanto isso, Alexandre Silva de Almeida, residente das ruas de Campo Grande, continua fora das estatísticas de cidadãos, mas dentro da realidade violenta e oculta das noites nas ruas. Numa segunda-feira logo ao entardecer, o vimos sentado, fumando, beira a um comércio fechado. Nos apresentamos, e com simpatia e cautela Alexandre do Borel, como é conhecido, nos disse que contaria um pouco sobre sua vida. “Eu sou um adicto, o que é um adicto? O adicto é um viciado em drogas. Eu, de todos os viciados que moram na rua, sou totalflex, uso todos os tipos de drogas, inclusive estou drogado aqui agora, a droga não altera minha personalidade nem nada”, disse ele, talvez para nos testar e ver até onde iríamos naquela conversa. E fomos além, ficamos boa parte da noite com ele, vivendo ali uma realidade esquecida, ouvindo histórias de alguém que já foi considerado parte da sociedade e hoje faz da noite sua moradia.

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A felicidade de Alexandre parece durar apenas alguns instantes


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“Estamos indo, de volta pra casa”

Acompanhamos Alexandre até o mercado, quando descobrimos um de seus dons, o canto. As pessoas ao redor olhavam, algumas com curiosidade, outras com desdém. “Eu sou um presbítero da Assembléia de Deus caído, presbítero e levita, pensa num cara que canta e toca, minha voz então? Terrível, perfeita” comenta ele, antes de arriscar um hino da igreja, ao arrepiar de seu braço, se declara um ado-

rador. Após algum tempo de conversa, ele resolve nos oferecer mais de seu talento, cantando sua canção favorita: “Por Enquanto” de Cássia Eller. Para alguns uma música comum, mas para ele triste, por um único verso que o faz pausar e explicar: “Estamos indo, a parte triste é essa, de volta pra casa.” O show chama a atenção daqueles que passam na calçada, enquanto ele segura uma latinha de cerveja e sorri, orgulhoso de seus minutos de fama. Ao passar das horas, os olhares desconfiados, o ambiente mais hostil e o movimento da rua começam a mudar, assim como Alexandre já havia nos alertado. “Muda tudo! É outro ar, é outro tipo de pessoa, outro tipo de conversa... É outro ritmo isso aqui.”, diz ele. Esse era o sinal que demarcava o momento de partida. Após boas risadas, algumas horas de aprendizado sobre a vida e a renovação da visão que temos sobre as ruas campo-grandenses, nos despedimos de Alexandre, um morador de rua com sentimentos e talentos, que deixa bem claro como é visto e como se vê. “Como eu me vejo como morador de rua? Um guerreiro sobrevivente. Como a sociedade me vê? Um lixo, escória”. dandara.genelhu@gmail.com juli.look98@hotmail.com paladislau@hotmail.com

O que é a CG Invisível? A página do Facebook que recebe o nome “CG invisível”, busca dar visibilidade e voz às pessoas que perderam quase tudo na vida e não são mais reconhecidas como parte da sociedade. A denominada “população em situação de rua” ou melhor, “Invisível”. Rafael Gomes Carrilho, 25 anos, é professor de Educação Física e iniciador da filial do projeto Invisíveis em Campo Grande, MS, junto a sua esposa Fernanda Witwytzky e o amigo João Vinicius Abreu. Ele revela que não é o idealizador primeiro, já que a ideia partiu da já existente “SP Invisível”, administrada por André Soler e Vinícius Lima. A filial de Campo Grande foi uma das primeiras do país, com início em 2 de junho de 2014. Seu primeiro post fazia anúncio de que algo novo de cunho social viria. Oficialmente no dia 9 de junho do mesmo mês, a página estreou a série que traz mais de 45 relatos, sendo seu primeiro, a apresentação do homem conhecido como Morango. A partir dele houve outros: Mario, Alcione, Fabio, Marcos, Maranhão e dezenas de pessoas, que juntas dão rosto aos invisíveis e, através da página, tiveram a oportunidade de serem enxergadas. Atualmente a CG Invisível é administrada por Henrique Drobnievski, 23, acadêmico de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso Sul (UFMS) e está parada por conta de projetos pessoais. Henrique declara que pretende voltar à ativa e até mesmo recrutar pessoas para ajudar na causa. Assim como Rafael, ele afirma, que “o objetivo é que a sociedade comece a enxergar essas pessoas e faça algo a respeito”.

“Era igual rato, só vivia no esgoto” Não precisava de muito para perceber que não éramos parte daquele ambiente: caderneta em mãos, camisetas passadas e tênis novos. Todos que aguardavam na recepção do Centro Pop nos olhavam com curiosidade. Na entrada já notávamos uma televisão em frente da parede com estrelas de papel, prateado e dourado, e a escrita “Cine Pop” entretinham quem aguardava atendimento. Telas expostas na lateral, criadas pelos participantes das oficinas artísticas, formam uma espécie de corredor com desenhos desde natureza até abstratos. Entre desconfiança e comentários baixos ouvimos uma pergunta: De qual faculdade vocês são? Era Luciano Bispo Sampaio, personagem da nossa quarta-feira de correria. Apesar de suas muletas encostadas na parede e sua perna com curativos que deixavam seus machucados expostos, Luciano, “todo arrumadinho” com bermuda, camisa xadrez e tênis novos, perguntou com seu jeito amigável e expressando interesse, o porquê de estarmos ali. Em meio aos olhares e conversas alheias nos contou, com a voz embargada, sobre quando estava nas ruas e a triste realidade noturna. Nascido e iniciado no mundo das drogas na fronteira entre Ponta Porã e Paraguai, abandonou sua família para viver nas ruas, acreditando levar consigo todos seus problemas. Vivia andando de posto em posto para realizar sua higiene básica e procurando fendas embaixo das pontes e viadutos para dormir em segurança. — Ficava mais na Nhanha ali, embaixo da ponte, dentro daquele esgoto lá. Era igual rato, só vivia no esgoto. Dentre todas suas lembranças as mais doloridas são as noturnas, pois muitos perigos despontam nas ruas com o nascer do luar. Luciano nos disse que sempre escolheu um lugar para dormir, escondido, tanto do frio das madrugadas quanto dos riscos dessa vida. Um de seus medos noturnos era de ser queimado vivo; com repulsa e pesar contou de seus colegas que morreram dessa forma. E mal sabe-se que o lugar onde todos julgam ser abrigo de moradores de rua, a antiga e abandonada rodoviária em Campo Grande, também é um local de insegurança e perigo: —Se eu ficasse ia tomar um monte de facada e tiro ali deitado. Porque ninguém

ama ninguém ali naquela região não, nas madrugadas não. Mesmo morando nas ruas, mantinha contato com pessoas que o ajudavam, criando vínculos concretos mesmo em sua situação. Tomado pela emoção, Luciano fala de forma melancólica e poética das relações na realidade em que viveu: —Só quando se tinha droga se tinha amigo, depois que acabava a droga todo mundo sumia de você e você ficava na solidão, na madrugada, sozinho, o vento soprando e ninguém. Ele não pretende voltar a morar com a família, mas lembra carinhosamente de sua mãe, que faleceu de câncer. Foi criado sem apoio de seu pai, até mesmo sem registro. Com alegria e orgulho diz que seu filho é registrado e carrega seu sobrenome, Sampaio. Entre olhos cobertos por lágrimas e sorrisos esperançosos, Luciano nos contou momentos de sua vida e seus planos para o futuro, agora diz estar aprendendo, buscando mudanças. Luciano é um sobrevivente, pois “a noite em Campo Grande é difícil, mas não é impossível não”. Foto: Dândara Sabrina Genelhú

da, ele é encaminhado para o Centro Pop, onde terá acesso a um processo de reestruturação social. Esse processo abrange desde à higiene pessoal e valorização da autoestima até a emissão dos documentos necessários para reintegração a sociedade, como Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Carteira de Trabalho e Previdência Social. Perguntamos a Alexandre sobre a página CG Invisível, se já o entrevistaram ou se ele sabe o que é. Ele novamente nega e diz que poucas vezes ofereceram ajuda a ele. Em vários momentos ele afirma querer sair da rua, diz que é sua maior perspectiva de vida. “Minha expectativa é sair da rua, frisa isso, maior expectativa do neguinho sair das ruas, voltar pra minha casa, dar um abraço na minha coroinha”.

Social


Na Estrada

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Farol noturno

O caminho de quem escolheu a estrada como casa, a noite como dia e a música sertaneja como trilha sonora Jhayne Lima

Desde pequeno acostumado com a correria, Milton Florêncio já demonstrava ser uma pessoa repleta de sonhos. Saiu muito cedo do interior para a capital do estado e viveu situações em que precisava se desdobrar para conseguir dinheiro. Durante a infância, ajudava com a renda da casa vendendo refrescos de saquinho no recém inaugurado Estádio Pedro Pedrossian, ou apenas Estádio Morenão. Saía de casa aos finais de semana para ir aos jogos dos tradicionais Operário e Comercial como forma de ajudar sua mãe e também matar a sede daqueles que iam assistir as partidas. Chegou a trabalhar como padeiro na capital, mas logo viu a oportunidade de voltar para o interior com a chance de trabalho na prefeitura de Sidrolândia. Sua primeira relação com veículos foi nesse emprego, onde tinha como função operar as máquinas do local. Nesse momento percebeu que seu sonho de ser motorista estava mais próximo. Quando não desempenhava sua função como servidor público, aproveitava as pausas do trabalho para estudar manuais de trânsito, sendo sempre muito atencioso e determinado com o que pretendia. Recebeu a notícia de uma vaga para motorista de caminhão, voltou para Campo Grande e fez o teste. Conseguiu a vaga e trabalhou com caminhões por um bom período, mas almejava muito mais. Soube esperar o momento certo e a chance de trabalho em uma já conhecida empresa do estado. Vida na estrada Em meio a tantas funções desempenhadas durante a vida, a estrada sempre fascinou Seu Flô, assim chamado pelos companheiros de trabalho. Sempre teve como sonho vivenciar os desafios das estradas. Sua primeira viagem como motorista rodoviário foi marcada por sensações. A insegurança

e pressão de estar dando início a uma função tão importante não desanimou Seu Flô, que recorda o momento com tamanha gratidão. Para os passageiros que seguiam rumo ao distrito Quebra Coco, era mais uma viagem comum, mas para o motorista era a realização de anos de esforço e momento oportuno para se mostrar capaz de ir muito além.

Era a realização de anos de esforço e momento oportuno para se mostrar capaz de ir muito além

As rotas intermunicipais representam uma relação mais humanizada entre os envolvidos, já que as distâncias são menores e os passageiros fazem os trajetos entre capital e interior com maior frequência. O diálogo entre viajantes e motorista se torna mais comum durante o percurso. Para quem desde muito cedo dedica sua vida e tem a responsabilidade de levar vidas e histórias, o reconhecimento de seu trabalho faz a diferença e marca positivamente a rotina que na maior parte do tempo é solitária. Após as primeiras viagens, além de trabalhar com rotas intermunicipais, passou a ter também rotas de turísticas, onde o relacionamento com os passageiros também ocorria de forma marcante, devido a duração da viagem. Desses quase 20 anos de profissão, também são várias as recordações negativas nos trajetos cumpridos. Algumas situações relembradas são as de apreensão de drogas realizada no ônibus, sendo descrito que um dos piores sentimentos é ver viajantes e até companheiros de profissão sendo presos por carregar droga no corpo ou em bagagens. Acontecimen-

tos como esses parecem ser frequentes entre aqueles que utilizam o serviço de transporte, mas o experiente motorista relata com tristeza que já teve que buscar ônibus em determinados locais por causa de outros motoristas serem revistados e também estarem envolvidos com o transporte de drogas. Transição Viveu de perto a mudança do antigo Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu para o atual Terminal Rodoviário Senador Antônio Mendes Canale. Recorda que a antiga estrutura foi muito importante e grandiosa, mas como não possuía plataforma individual para os ônibus, e sim uma plataforma única, dificultava o fluxo de pessoas e acabou não acompanhando o desenvolvimento da capital. Em datas comemorativas eram formadas filas gigantescas de passageiros que aguardam seu ônibus. Ônibus que seguiam para todo o país se misturavam entre as pessoas que aguardavam para seguir destino, as que desembarcavam e as que aguardavam familiares ou amigos. Ao desenvolver seu trabalho, Seu Flô amplia também sua relação com a noite, seu turno preferido de escalas. Há muito tempo tem a noite como dia. Seu corpo e sua mente já se acostumaram. Sua vida e a de tantas pessoas diferentes, que seguem o mesmo caminho, são guiadas pelo farol que desdobra madrugadas vazias e solitárias, mas não silenciosas. Para quem viaja durante a noite, o tempo passa bem rápido, sendo a maior parte dele corrido em momentos de sono e descanso. Na cabine do motorista não é isso que acontece. Horas de sono bem dormidas durante o dia, muita calma e atenção e uma boa música sertaneja são fatores essenciais para que todos cheguem em seu destino bem. jhaynelimasccp@gmail.com

Milton Florêncio minutos antes

Rodô - Plataforma de embarque não recebe mais passageiros

Estrutura do local onde seria terminal rodoviário de Campo


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Foto: Jhayne Lima

Destroços do passado Campo Grande tem uma história mal resolvida com os terminais rodoviários

Leticia Marquine

Foto: Leticia Marquine

de seguir rumo à Coxim

Foto: Leticia Marquine

de rotas interestaduais desde 2009

construído o novo Grande

Obras Públicas

Dezessete e quarenta e cinco em Campo Grande. O sol se esconde por detrás das edificações da Vasconcelos Fernandes. As portas do comércio local foram abaixadas e pessoas transitam nas ruas para retornarem às suas casas. Com o calar da noite, a atmosfera se torna sombria e solitária. As vigas de concreto ascendem em direção ao atípico céu nebuloso. Sozinha, em meio a imensos prédios do centro da capital, a Rodô foi atropelada pela modernidade e deixada de lado por seus próprios filhos. O Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu de Campo Grande, ou Rodô, para os mais íntimos, nasceu da esperança no futuro. Ostentando glamour no auge dos anos 80, ela incorporou o ritmo de crescimento do recém-criado estado de Mato Grosso do Sul e badalou as noites da capital. Visitaram a majestosa Rodô cerca de 11,8 milhões de pessoas somente entre os anos de 1994 e 2008 e os destinos eram os mais diversos. O barulho das crianças correndo pelo pátio do centro comercial, rodinhas das malas arrastando pelo chão, as famílias passeando por entre os corredores e o barulho da impressora na bilheteria do Cine Plaza. De repente, tudo se esvaiu. Hoje a movimentação de malas e sacolas não existe mais. Não se ouvem mais choros de despedida e já não há mais recomeços. Na única plataforma, há anos desativada, só resta o peso do esquecimento e uma ou outra vítima do mesmo descaso, perambulando pelas escadarias. A antiga rodoviária é refém de uma marginalização irônica, em pleno centro da cidade. Depósito de almas “sujas”, acaba por se tornar abrigo para esconder os que não podem ser vistos. Nos corredores do centro co-

mercial, os bares e os copos estão cheios. Um homem desmaia e cai estirado, fazendo um barulho alto do arrastar dos bancos. O choque do corpo com o chão frio não desperta reações. A situação não é atípica, pelo contrário. Hermínio Mendonça, ou Pablo, como é popularmente conhecido, foi garoto de programa durante muito tempo no terminal. Sua história e a da Rodô por muitas vezes se misturam. Pablo teve quatro bares nas salas do centro comercial, mas perdeu todos por conta do vício do marido. “Ele entrou no mundo da droga e muitas vezes ele ficava detido até eu mandar os 300, 400 reais, aí eu fui falindo”, conta. Ao mesmo tempo em que prostitutas desfilam impecáveis em seus saltos de 15 centímetros, como se ainda vissem alguma saída no fim do túnel, usuários de drogas abarrotam a calçada ao lado, lutando contra o vício pela própria sobrevivência. “Eles também querem sair daqui, dessa situação. Também querem salvação, mas as pessoas não têm oportunidade e a família está desistindo deles”, explica Pablo. São 125 proprietários das salas comerciais. Hoje, segundo a síndica Rosane Neli de Lima, cerca de 58 estão em funcionamento. Entre as galerias só se ouve o som da polca paraguaia saindo da caixa de música na loja de Seu Mamede. O cubículo está abarrotado de mercadorias empoeiradas do século passado. Até os CDs pararam no tempo. Na estante estão enfileirados nomes como Délio e Delinha, Jayne, Roberto Carlos e Sérgio Reis. O clima de antiquário não é coincidência, Mamede Fernandes Amorim trabalha na antiga rodoviária há 18 anos e vende as mesmas coisas da época em que começou. E ainda mantém vivo o sonho de ver os corredores novamente cheios. “A gente tem essa esperança que isso aqui venha a melhorar, que o prefeito

venha fazer alguma coisa”, desabafa. Apesar das esquinas deterioradas, das rugas e marcas de expressão, a quarentenária Rodô resiste fiel aos baques da era para não deixar morrer a memória de seus tempos de glória. “Confiamos que dias melhores virão”, espera Seu Mamede. Nós também

“Confiamos que dias melhores virão” Seu Mamede

Nascida para morrer

O acesso complicado já diz muito sobre o local. Não se aproxime! Apesar de não haver nenhuma sinalização em placas que mencione essa proibição. As trilhas que levam até as gigantes paredes de concreto estão cercadas pelo mato alto, entulho e lama. Localizada num grande pátio aberto, a estrutura é moldura para a vista urbana. Dentro dos escombros da suntuosa edificação, o silêncio interminável mergulha em um ambiente melancólico e sem esperança. A atmosfera emana mais uma vez o abandono e o descaso, além da corrupção. O terminal rodoviário situado na avenida Ernesto Geisel nem chegou a existir. A obra foi abandonada em um estágio avançado e nunca mais se teve notícia. Já prometeram universidade, hospital e museu para tomar o lugar dos escombros. Esse terminal agora dá as mãos a Rodô e juntos esperam a inevitável chegada do esquecimento e da morte.

lemarquine15@gmail.com


Cultura

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Geografia das uniões

Do berço do mundo na África a miscigenação de culturas no Brasil, o casamento institucionaliza o amor às sombras da hegemonia do cristianismo

O homem não sabia que, para o amor, o mundo é muito mais simples. Ignorou a simplicidade do verbo amar e se casou com as normas e as instituições, a fim de garantir a perpetuação de seus bens. O casamento com as formalidades surgiu na Roma Antiga, difundindo a prática do contrato matrimonial. O amor foi celebrado de acordo com as fases da lua, simbolizando a prosperidade e a fertilidade. Mesmo sendo cultuado em diversos povos e culturas, a tradição foi cultivada em favor da noite. Para os germânicos, os noivos bebiam o hidromel (mistura de água com mel) à luz do luar para propiciar boa sorte durante a cerimônia.

Amor do berço do mundo

O candomblé veio do berço do mundo e nessa terra de orixás não se aceita meia verdade. Sem pressa, a noite acolhe o senhor da adivinhação, Orunmilá-Ifá. Segundo o Babalorixá -“pai dos segredos do Orixá”- Edson Rosa Fernandes, responsável pelo terreiro ÀSE Pioneiros, a sacralização do Meri de Logun, jogo onde é realizado a consulta oracular, é o auge do casamento candomblecista. Os búzios entram em ação e caem conforme a vontade e magnitude do oráculo. Por meio das 256 caídas e desdobres, trilha-se o destino dos noivos com uma visita aos orixás, atravessando cada canto da vida e do futuro. O Ìgbéyáwó, nome do matrimônio no candomblé, inicia-se na quinta-feira com a etapa de purificação, conhecida por Bori, momento de consagração ao orixá. “Caso o oráculo entenda que o casamento é de amor entre os dois, que haverá respeito devido a uma jura forte e séria, será ingerido uma representação de hóstia como juramento de fidelidade, coleguismo e de uma história para a vida toda”, afirma o Babalorixá, que também explica a possibilidade do Orunmilá-Ifá

não concordar por entender que o casal não está apto um para o outro. A etapa, vivida pelo casal e pelo Pai de Santo, pode ser realizada dentro e fora da casa, como em uma cachoeira ou mata Conforme diz Edson, a próxima parte consiste no rito público que ocorre no terreiro com cânticos tradicionais, juntamente com a ritualística do orixá característico do mês. As roupas dos noivos fogem do branco por representar o luto na religião, sendo ornadas com estampas nas vestes da mulher, com algumas optando pela clássica roupa das baianas ou pelas vestes africanas representadas por amarrações. O homem usa o Bùbá (camisa) e seu calçolão, roupas próprias do candomblé. Nos dedos lhe cabem o símbolo da comunhão presente na aliança. Nos pulsos, os idés (pulseiras), normalmente de cobre, latão ou couro. No pescoço, os inhãs (fios de contas, guias, colares de santo) sacralizados. E nas mãos, a escolha de como representar a união.

Amor em nome de Allah

Regidos pela Lei do Criador, os mulçumanos conservam tradições milenares e clamam por um único Senhor, Allah. O casamento é um ato no qual o homem e a mulher voltam a ser um só. Na frente de Deus, nasce o compromisso entre as famílias, perpetuado pela castidade. Sem namoro, o noivado se desenrola conforme a vontade dos noivos, desde que tenha sido anunciado para a comunidade e seja em público ou na casa da noiva. Um, dois, três ou seis meses. Segue de acordo com a ânsia dos apaixonados no desejo de pertencer um ao outro e estabelecer-se enquanto família, segundo a libanesa Dalal El Alfandi, uma dos 500 muçulmanos do estado organizados na Mesquita Luz da Fé. “O noivado é para as pessoas se conhecerem, pra ver se eles se gostam e se isso, na verdade, é o que eles querem”, comenta. Assim que as documentações para a união ficam prontas inicia-se a negociação Foto: Thalia Zortéa

Thalia Zortéa Thalya Godoy

Casamento candomblecista só é realizado após autorização do Senhor da Advinhação

do dote com significado de garantia para a esposa. Após o pedido e a benção do Sheik, os preparativos para o casamento começam. Dalal diz que nos 10 anos em que participa da comunidade islâmica em Campo Grande foram realizadas, em média, 50 cerimônias. Ela se casou com um brasileiro convertido ao Islam e explica a participação ativa dos outros religiosos. “A gente faz festa, prepara a noiva, fazemos um jantar, mas ela pode fazer uma festa fora da Mesquita com dança e música, já que o templo é só para oração”, relata. O hijab (lenço feminino) é despido para o seu marido somente após o rito do matrimônio. “Antes de fazer o casamento religioso, ele não tem direito de ver nada do corpo dela, só depois”, afirma Dalal. Para ela, o casamento que preza a fidelidade e os fundamentos do Islam são como uma estrutura sólida em que um fortalece o outro. “É família, carinho, amor. Um respeita o outro, o que evita muitas coisas, como doenças e a traição”, conclui.

Por trás da porta

De acordo com Pedro Nicolich, presidente da Romani - Federação Sul-Mato-Grossense de Cultura e Etnia Cigana, a história do povo cigano iniciou-se com a migração de comerciantes da região de Punjab, norte e noroeste indianos, para a localidade que fazia tríplice fronteira entre a Índia, Iraque e a Rússia. “Como os ciganos tiveram que passar por muitos países da Europa, tivemos que ir mudando um pouco o dialeto inicial, o romani”, afirma. “O nome cigano não é correto. O nome certo é povo Rroma, ‘os assim chamados ciganos’”, explica. Devido a diáspora que causou a diferenciação em etnias e subgrupos, o casamento cigano é visto como a preservação da tradição. “Desde quando nasce, a menina é preparada para o casamento, para manter a cultura, culinária e a educação dos


Foto: Thalya Godoy

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Caldeirão como útero feminino e adaga como falo masculino representam a consumação simbólica do casamento na wicca

filhos”, declara o presidente. O ritual do matrimônio dura três dias. Inicia-se na sexta-feira com comida, bebida, música, dança e com a fogueira. O sábado, segundo dia, fica reservado a cerimônia, que pode ser realizada em qualquer religião, ficando a critério da tradição das famílias. “A festa se estende para o salão. O casal vai para a noite de núpcias e os padrinhos ficam esperando a comprovação se a moça era virgem. Caso seja confirmado, a festa continua como homenagem ao pai da noiva, porque ela se manteve pura e o nome da família intacto”, expõe Pedro. A noiva que utilizava branco, como significado de pureza, passa a usar vermelho como símbolo de que ela foi desposada. “O próprio simbolismo da noite de núpcias é uma coisa muito marcante. Uma pela responsabilidade do noivo e da noiva e outra pelo ‘desconforto’ por saber que do lado de fora da porta tem os padrinhos e um monte de gente esperando”, afirma Pedro. O segundo dia também é espaço para conversar sobre temas reservados para esse momento, como sexo e deveres da esposa, além de ser uma despedida. Após os três dias de festa, a moça sai da casa dos pais. “A sogra é a mãe dela. Ela é criada para isso e para gente, é natural”, acrescenta Pe-

dro. Como existem casos em que a mulher não sangra no primeiro relacionamento, atualmente os pais ciganos levam suas filhas para realização de acompanhamento médico antes da celebração. “Antes do noivado, a moça já tem que ter passado pelo período dela menstrual, ela precisa estar preparada para receber filhos”, diz.

Atar dos sagrados

Convidados a serem sacerdotes de si mesmo por se dedicarem a bruxaria, a filosofia wicca é pré-cristã e inspirada nos celtas por sua característica matriarcal, afirma Elizabete Bonfim, sacerdotisa do primeiro casamento pagão de bruxos em local aberto, realizado em 2013 no Mato Grosso do Sul. O casal Rose Borges e Alessandro Riquelme direcionaram o olhar para o mesmo horizonte e as simbologias da cerimônia foram carregadas de significado. No teatro de Arena do Horto Florestal, local onde foi realizado o casamento, qualquer um que passasse poderia assistir à cerimônia. “Foi muito interessante porque naquele momento dos dois tudo parou. Todo mundo com olho fixo naquilo”, relembra Elizabete. Na wicca, o casamento é entre iguais. “Cada um tem suas funções bem definidas, embora eles se complementem. Cada um tem suas caracterís-

ticas dentro do rito, como a função de homem e de mulher”, comenta Alessandro. O “handfasting”, nome atribuído a esse casamento, significa o atar das mãos, que é realizado entre os noivos durante a cerimônia. Há também o ato de pular a vassoura, enfeitada pelas madrinhas com símbolos que lembram a noiva, representando prosperidade, fertilidade e a demonstração que estão deixando o passado de solteiros para começarem uma nova fase, completa Rose. A cerimônia durou 30 minutos. No começo foi traçado o círculo sagrado com o entendimento de que tudo que está dentro permanece em outra dimensão. O cumprimento as torres norte, sul, leste e oeste, representados pelos padrinhos, atuantes também como um dos elementos, simbolizam o casal olhando para o mesmo sentido. “A wicca fala que o casamento é olhar para mesma direção. Ao mesmo tempo ser livre, mas deixar claro que você está com aquela pessoa porque você quer estar, não porque você está sendo obrigado. É o único casamento religioso que é permitido o divórcio em vida. A partir do momento que você achar que não estão mais olhando para a mesma direção, pode desfazer o laço”, afirma Rose. A segunda parte convida os antepassados a participarem da cerimônia. Alessandro relembra do avô que partiu e que gostaria que estivesse ali. Antes do fim, o casal conta sobre a consumação simbólica por meio do ato da mulher segurar um caldeirão e o homem depositar a adaga dentro dele, o que representa o sexo na wicca. “O caldeirão e a adaga significam o sagrado feminino e o masculino. O caldeirão na bruxaria significa o útero da mulher. Tudo se deposita no útero, porque é da onde nós viemos. A adaga representa o pênis”, explica Rose. Antigamente, havia-se a necessidade de confirmar o casamento por um clérigo para oficializar a união após um ano. “Nós seguimos essa tradição. Casamos na wicca e em agosto de 2014 nos casamos na Igreja Católica”, destaca Rose.

Mais que sincrético

Assim como a orixá Iemanjá, os umbandistas acreditam no amor. Segundo Luiz Mongelli, dirigente ou Pai de Santo do Templo de Umbanda Pai Oxalá, o casamento representa a união,

Cultura

a fidelidade e o compromisso. “O casamento não foge de todo princípio que nós sabemos sobre matrimônio, em que duas pessoas, independente da questão de gênero, se amam e querem, através de um ritual, representar aquilo que elas acreditam”, explica. Em 2016, foram realizados dois casamentos com cerimônias curtas de 15 a 20 minutos. O primeiro ocorreu em junho, entre um homem e uma mulher atuantes na casa e o outro, em outubro, entre um casal homoafetivo. “O processo ritual em si é básico, mas eu dei uma ‘encorpada’ no casamento entre as minhas amigas, sem perder a sua essência”, afirma Luiz. “Tem até casamento em que a mãe de santo incorpora e a Preta Velha dela que faz a cerimônia”. Diferente do que habitualmente se vê, o branco não é regra no casamento umbandista. “A gente não tem uma coisa que é obrigatória. É a vontade da pessoa, mas dentro de um bom senso”, explica o dirigente da casa. Durante a cerimônia, a atenção também se volta para a troca de aliança entre os noivos, considerada a parte mais emocionante para Luiz. “A gente tenta não colocar aqui um ornamento. É uma aliança, uma junção, mas é muito mais do que isso”, afirma.

Ritualística Social “O casamento civil é um contrato que as pessoas fazem para viver na partilha, na comunhão dos bens materiais. A diferença que vai ter no casamento religioso é que aquela pessoa vai casar na perspectiva de ser abençoado pelo Deus supremo”, argumenta o professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Antonio Lino Rodrigues de Sá. “O rito é um dizer ‘sim’ para outro e se comprometer a viver juntos. A ritualística é feita de acordo com a visão dos noivos e dentro do olhar da sociedade”, conclui.

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Terceira Idade

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Foto: Jean Celso

A pioneira

… E segue o baile

A vida é uma dança, e ela segue tal como o baile sugerido no dito popular. Visando promover um espaço onde pessoas da terceira idade pudessem se divertir nas noites campo grandenses que o Clube da Amizade nasceu e foi na intenção de entender os bailes que me aventurei a conhecer esse universo Jean Celso Para quem se aproxima, ou mesmo já atingiu os 60 anos, se torna necessário cada dia mais a movimentação do corpo e o exercício mental. E por que não se divertir, já que somos todos filhos de Deus? É por essa razão que os bailes noturnos de terceira idade são os mais badalados entre a população mais experiente. A dança é uma atividade muito rica para o corpo, pois trabalha o fortalecimento dos músculos e articulações, além de melhorar o condicionamento, a coordenação motora e a mobilidade, algo muito importante para os idosos. Os benefícios do baile não param por aí, contemplam a saúde mental até mesmo para aqueles que não se arriscam muito na pista de dança, porque o contato com outras pes-

soas e a socialização é tão eficiente para exercitar o cérebro quanto os movimentos ritmados. Em Campo Grande, um dos marcos é o Clube da Amizade que, idealizado há 34 anos por Maria Metello, 84, deu vida aos bailes de terceira idade. O que a princípio era a tentativa de resgatar pessoas mais velhas da solidão e da comodidade de suas casas, se tornou um dos carros-chefes da vida noturna dedicada às pessoas de faixa etária acima dos 50 anos. Contudo, o baile também é frequentado por gente mais nova. Hoje, a atividade é composta por uma programação que vai de segunda a segunda nas diversas casas espalhadas pela cidade, visando não deixar ninguém sozinho, muito menos parado.

Imagine ser adepta à dança desde a infância, se casar, ter no parceiro sua indispensável companhia e essa pessoa morrer precocemente. Foi o que aconteceu com Maria Metello, que ficou viúva do primeiro marido aos 48 anos e na primeira vez que frequentou o baile sem o marido, se viu invisível aos outros olhos presentes. “Achei esquisito, fiquei pensando: será que eu já estou tão velha assim? Passou um mês, fui de novo com a minha irmã, chegamos lá e passamos a noite inteira só olhando, até as pessoas que nos conheciam, passavam e fingiam que não nos enxergavam”. Certo dia perguntou para as amigas onde as mulheres sozinhas frequentavam e a resposta foi clara: "Lugar de mulher sozinha é em casa". Isso a revoltou e foi assim que, há 34 anos, o Clube da Amizade foi fundado na sala da sua residência, dedicado à diversão de pessoas não mais vistas como jovens tendo em vista que 40 anos era considerado uma idade avançada. "Acho que é por isso que me admiram, eu resgatei muita gente nova de dentro de casa pra sair, se arrumar, passar um batom, porque não tinha onde ir e antes você só saía pra ir em barzinho. Eu nunca fumei nem bebi, eu gostava era de dançar. ” Maria é a fundadora das festas noturnas para este público em Campo Grande, que no início eram gratuitas. Como fruto da iniciativa, foi gratificada com um título de honra ao mérito da prefeitura por oferecer esse serviço. “Com trinta, quarenta anos, você já era considerado uma velha que podia morrer em casa e é por isso que essa [30 anos] era a idade mínima para entrar no baile. Eu nunca fiz pra ganhar dinheiro e tudo que eu tenho hoje eu sofri muito pra conseguir. ” Muito vaidosa, mesmo nos dias em que ela se sente fatigada, o baile é o que a motiva todos os dias a acordar, se manter ativa e incontestavelmente passar o seu batom — marca registrada da senhora já cansada de gerir um clube aos 84 anos, muito bem vividos e mascarados sob a saúde revigorante de uma mulher apaixonada pela dança. “Toda essa história do Clube da Amizade foi muito boa? Foi. Mas eu já estou cansada, quero aposentar”, desabafa.

A dança e a paixão

A dança é cativante e não há dúvidas que desperta a paixão que vive em seus praticantes. Por essa razão, não é difícil encontrar casais que se formaram em bailes dedicados à terceira idade. Casais apaixonados pela noite. Pela música. Pela dança. Elenita, 52, e Cícero, 60, fazem parte dessa estatística de relacionamentos na terceira idade e, há cerca de um ano, se conheceram no baile. Ambos divorciados de longos relacionamentos — tendo como principal razão a falta de companhia para se divertir à noite — encontraram na dança a saída para a solidão pós-matrimônio, e entre uma aula de dança e outra, passaram a frequentar os bailes da capital a fim de se divertir e conhecer pessoas novas. Foi em uma dessas noites que o apreço pelo bailado abriu portas para uma nova paixão. “Foi nos bailes da vida, eu a vi, puxei ela pra dançar, a gente conversou,


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Terceira Idade

Foto: Jean Celso

dançarinos diferentes. “Eu amo a dança e é aí que está a graça pra mim, a liberdade de estar sempre conhecendo um parceiro de dança novo.” Por outro lado, há profissionais que atendem clientes fixas, que optam por essa saída a fim do conforto em sempre dançar com um parceiro que conheça seus trejeitos, ou limitações. Isso não impede os profissionais de arriscarem voar solo nas noites. É o caso do Seu Milton, que aos 70 anos — fugindo ao padrão etário dos profissionais da casa — oferta seus serviços. O simpático careca boa pinta, acompanhado do seu sorriso e humor, é concorridíssimo e há três anos vive disso. “Eu sempre amei dançar, dancei a vida toda. Quando eu percebi que poderia cobrar por isso, foi como a realização de um sonho."

A amizade entre Maria Metello e Seu Milton perdura por quase 30 anos nossa química na dança casou. Mas não foi rápido não, o processo foi lento até a gente ter certeza se era isso mesmo e hoje o que nos une é a dança”, relatou Cícero. Entretanto, sempre há um casal que foge à regra, e foi ainda na juventude, sob a influência dos pais que os levavam aos bailes, que Bete, 56, e Agnaldo, 44, se conheceram. Tendo mesa cativa no clube, foi-me deixado claro que eles frequentam o baile religiosamente e não há nada que os impeçam de bailar pela pista noite a fio. “Já aconteceu de eu sair do meu serviço depois de um dia inteiro, passar em casa, tomar um banho e vir com a minha mulher, dançar a noite inteira e ainda ir trabalhar no outro dia”, contou o simpático farmacêutico, que se recusou a sentar no intervalo de tempo que se desenvolveu a

“Acho que é por isso que me admiram, eu resgatei muita gente nova de dentro de casa pra sair, se arrumar, passar um batom, porque não tinha onde ir” Maria Metello

nossa conversa. A camisa entreaberta ensopada e a mão com anéis que ele passava no cabelo úmido não deixavam dúvidas a dedicação nos seus passos. Elegante, o batom vermelho e os brincos dourados nas orelhas cobertas pelos seus longos cabelos louros cacheados evidenciam a força e energia que Bete carrega consigo, e expressa a dinamicidade entre o casal. Como um convite para o seu companheiro, não demorou para ela estar gingando sozinha a fim de voltar pra pista, e lá se foram os dois.

“Violetas velhas sem um colibri”

Há alguns anos, no universo dos bailes, surgiu um fenômeno interessante chamado personal dancer, profissionais da dança, em sua maioria numa faixa etária jovem, que tem por objetivo suprir a falta de parceiros na hora de uma seleção — nome dado à escolha de um parceiro para uma sequência de músicas. Como uma violeta velha sem um colibri, como diz Zé Ramalho na música Chão de Giz, a dama desacompanhada interessada nos serviços de um profissional adquire a ficha referente à uma seleção (cerca de 10 reais) e o tira para bailar. Assim faz Dona Elenir, 54, que mesmo bem produzida, se dispõe a pagar por uma dança ou outra com

“Eu amo a dança e é aí que está a graça pra mim, a liberdade de estar sempre conhecendo um parceiro de dança novo” Dona Elenir

Vivendo o baile de terceira idade

Sábado. 23h47. Foi quando eu estacionei em frente ao Clube da Amizade para viver minha primeira experiência em um baile de terceira idade. Na entrada, sob placas que firmam as regras do estabelecimento, munido da

minha câmera fotográfica e inúmeras expectativas era perceptível a energia que o espaço trazia consigo ao som do chamamé correntino de origem platina, atração principal da noite. Fiquei a observar as duplas a sarandear na pista quadrangular, decorada com globos no teto e cercada pelas mesas e cadeiras de ferro. E foi ali que me vi diante de um mar de oportunidades e o desafio de explorar o desconhecido. Pessoas novas, ainda que mais velhas. Me aproximei de uma mesa com três mulheres desacompanhadas que se acanharam com a minha abordagem repentina. Logo começamos a conversar e pude conhecer mais a vida da mais comunicativa entre elas: Dona Elenir. Caucasiana, cabelos negros e uma aparência que sonega as suas cinco décadas de idade. Foi-me concedida uma dança e entre os passos ela me inteirou de como tudo funciona ali. A aproximação, o convite, a conversa, as intenções e o mais importante, a qualidade do parceiro no rebolado — a qual deixei a desejar, não posso mentir. Depois dessa seleção, me senti à vontade e tomado por aquela energia revigorante. Surpreso, vi-me rodeado de pessoas dispostas a enfrentar o preconceito social que permeia a ideia de presenciar um idoso sair na madrugada para se divertir, e é evidente que essa festança os retribui com uma disposição invejável. Bastou uma noite pra que eu vivesse, e sentisse, os anos de história de um clube que faz jus ao nome e entrega exatamente a sensação de estar entre amigos. E com certeza eu posso afirmar que fui embora tendo feito novo.

jeancelsosilva@gmail.com

O Brasil envelhece a passos largos Segundo o censo demográfico de 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é de 190.755.199 milhões de pessoas, sendo o número de pessoas idosas — que, segundo o Estatuto do Idoso, tem 60 anos ou mais — de 20.590.599 milhões, ou seja, aproximadamente 10,8 % da população total. Desses, 55,5 % (11.434.487) são mulheres e 44,5% (9.156.112) são homens.


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Foto:Lethycia Anjos

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Lotado de impunidade

Casos de abuso em transporte coletivo fomentam discussões acerca do amparo público as vítimas de violência e a punição dada aos agressores

Lethycia Anjos Vitória Oliveira “Após um dia cheio de serviço, estava voltando para casa, era véspera de dia das mães. Estava contente com os presentes que levava. Peguei o ônibus e fui para o Terminal Morenão e como todos, fiquei esperando a chegada do próximo ônibus... quando senti algo quente em meu glúteo. Na hora eu não tinha percebido, estava exausta. Porém, novamente pude sentir algo quente em meu glúteo, e quando eu olhei para trás, me deparei com um cara ejaculando em mim. A minha reação foi imediata. Chamei os guardas do terminal que me ajudaram a render o desgraçado. Na mesma hora chamamos a polícia e eu dei o meu depoimento a eles. Saindo de lá, fui para casa com uma sensação horrível de nojo. Fiquei muito mal, pois sempre sofro abuso”. A denúncia é de Jady Rivarola, 23 anos, uma entre as várias vítimas que sofrem com constantes abusos no transporte público de Campo Grande. Os casos de violência contra a mulher em transportes coletivos ganharam repercussão na mídia nacional e mostram despreparo do poder público em amparar as vítimas. Essa impunidade estimula os agressores e traz insegurança as mulheres. Em contrapartida a este cenário, surgem movimentos de resistência que encorajam elas a denunciarem os abusadores

“O Transporte é Público, Meu Corpo Não”

Quando vereadora, a subsecretária de políticas públicas para a mulher, Carla Stephanini, criou a Lei Municipal 5.703 de 02 de julho de 2016, que determina ao Serviço Social do Transporte-Sest e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte-Senat, que são responsáveis pela qualificação do consórcio Guaicurus (entidade privada, que opera o sistema de transporte coletivo de Campo Grande) a instruir os motoristas para agirem em prol das mulheres em casos de violência e constrangimento dentro dos transportes públicos. Além de dispor imagens das câmeras de vídeo e informações do GPS dos ônibus, como auxilio na busca para a identificação dos infratores. A lei deu origem à campanha “O Transporte é Público, Meu Corpo Não”, lançada pela prefeitura municipal de Campo Grande. Em agosto, foram adesivados os 600 ônibus da capital com imagens contendo o slogan e os telefones da Guarda Municipal (153) e da Polícia Militar (190). Além disso, foram colocadas faixas nos terminais com a mesma frase. Carla Stephanini afirma que “o poder público tem que


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ou sexualmente outras mulheres. “O que a gente recomenda para as mulheres é pedir para o motorista trancar as portas e ir direto a uma delegacia”, comenta a delegada Fernanda Félix, da Delegacia Especializada de Atendimentos à Mulher (DEAM). Mesmo com essas medidas protetivas, muitas continuam com medo, vergonha e sentimento de culpa, o que faz com que se calem diante a violência sofrida.

“O abuso nada mais é do que uma expressão machista, sobre o poder ao corpo da mulher” Carla Stephanini A casa que acolhe

A Casa da Mulher Brasileira, situada em Campo Grande é pioneira em oferecer todos os serviços de atendimento e proteção ás mulheres

vítimas de agressão. A instituição tem atendimento sociopsicológico, delegacia especializada da mulher, ministério público, defensoria pública, alojamento de até 48 horas para vítimas em situações de risco, brinquedoteca, um posto da Fundação Social do Trabalho de Campo Grande que qualifica, e ás encaminha para o mercado de trabalho e a patrulha Maria da Penha da guarda municipal, que faz as medidas protetivas da Casa. O local funciona 24 horas por dia durante toda a semana, para que todas sejam ouvidas, atendidas e ajudadas. Embora a violência não tenha dia, e nem hora para acontecer, Carla Sthepanini afirma que os casos são mais recorrentes durante a noite e aos finais de semana. “As mulheres precisavam ter este local para que elas não se revitimizassem a cada instituição que tivessem que contar a sua história. Devemos apoiá-las para que elas recorram ao serviço público e lutar para que os atendimentos sejam feitos. ” A Casa da Mulher Brasileira também oferece atendimento para crianças, adolescentes e pré-adoles-

centes, com algumas questões legais, para cada faixa etária existe um tipo de tratamento diferente.

Juntas contra o abuso

“Após uma mulher ser abusada dentro de um ônibus e a justiça julgar que não havia nada de errado nisso, um grupo de mulheres criou uma campanha para avisar ao mundo que não irá mais tolerar a violência motivada pelo sexismo. ” (Hypness.com) Movimentos em prol das mulheres ganham força em todo o país, como a campanha #Meucorponãoépúblico, que através de cartazes e adesivos, espalha a conscientização e o empoderamento pelas ruas. Segundo o site Hypeness, a página do Tumblr onde os cartazes são divulgados, conta com a colaboração de mulheres do Brasil inteiro, e as artes estão disponíveis para download para todos que quiserem colar pelas ruas ou divulgar nas redes sociais, logo na descrição da página as autoras deixam claro seu objetivo, “Pôsters em alta resolução para você salvar, imprimir, colar no busão, no ponto, e na cara da sociedade.”.

Foto:Lethycia Anjos

Foto:Lethycia Anjos

amenizar essa situação, por isso, essa lei vem prevenir e combater este tipo de crime”. Disse ainda que o projeto foi muito bem recebido pelas mulheres. “Nós não podemos restringir o direito de as mulheres escolherem a própria roupa, de ir e vir, de frequentar os locais que lhes convêm, em função de um possível ataque. A mulher sofre pré-julgamentos pela sua personalidade, espontaneidade, capacidade de comunicação, pela roupa que está vestindo e até pela beleza. Esses pré-julgamentos fazem com que as mulheres se culpem pela situação de violência, o que é um grande equívoco”, diz a subsecretária. Pensando em outras formas de prevenção à violência contra a mulher, o governo municipal lançou em setembro um curso gratuito de autodefesa para que elas possam aprender a se proteger. No entanto, a denúncia da vítima continua sendo a principal ferramenta para ajudar a quebrar com esse ciclo de violência. Sem a denúncia o abusador tem a possibilidade de continuar a violentar verbalmente, psicologicamente

Violência de Gênero

Cartazes e faixas da campanha contra o abuso estão presentes em todos os ônibus e terminais da Capital

Ilustrações da campanha #Meucorponãoépúblico


Violência de Gênero

Foto:Lethycia Anjos

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O abuso não nao tem hora para acontecer Justiça para quem?

Esses tipos de violência ganharam repercussão devido a casos expostos na mídia, como o caso de Diego Novais, que foi absolvido na justiça tributária após ter ejaculado em uma mulher no transporte público de São Paulo. Porém, foi novamente denunciado e preso em flagrante por estupro com base no Código Penal, alguns dias depois. Isso ocorreu por uma brecha na lei. “Muita gente tem interpretado que a decisão dos juízes é uma decisão de tolerância, quando, na verdade, o problema é que a legislação no Brasil não qualifica adequadamente esse crime, visto que não é necessariamente um estupro, mas também não é apenas um atentado ao pudor”, declarou o Senador Humberto Costa (PT-PE) em entrevista para o jornal O Estado de São Paulo no dia 27 de setembro de 2017, afirmando que a lei não permite aos juízes sentenciar uma pena mais grave. O infrator só é preso se o caso for considerado um ato de estupro. No entanto, os atos libidinosos (como masturbar-se em público ou esfregar-se em alguém) são considerados apenas atos de obscenidade com pena de multa. Muitas mulheres não denunciam, pois sabem que o agressor pode ficar solto e, por vingança, cometer atos piores contra elas. Deputados

estudam como preencher esta lacuna o mais breve possível, com o intuito de amparar a denúncia das mulheres e erradicar as atitudes opressoras dos abusadores. Conforme notícia divulgada no site O Estadão, após o episódio Diego Novais, o Deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ) apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que propôs tornar crime com pena de encarceramento a prática libidinosa sem consentimento, solicitando urgência para o projeto ser votado diretamente no plenário. O projeto fora aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara Federal. Isto significa que caso não haja recurso de algum senador, o projeto será encaminhado para votação direta na Câmara, sem precisar passar pelo plenário do Senado. Os detalhes do andamento deste processo podem ser acompanhados em matérias oficiais no site da Câmara dos Deputados. A sentença que ainda está passando por processo de autorização, promete contribuir para um convívio urbano de respeito no transporte coletivo. De acordo com Áureo Ribeiro, a lei faz “intermediação ao estupro (Código Penal, 215) e a importunação ofensiva ao pudor (Art. 61 da Lei das Contravenções Penais) ”.

A possível regulamentação de novas leis que protegem as mulheres de agressões, criam expectativa de aumentar os números de denúncia destas ocorrências. “As leis atendem uma expectativa de proteção pública que as mulheres apresentam”, comenta Carla Stephanini. De acordo com a delegada Fernanda Félix da DEAM, foram registradas 55 ocorrências de violência em 2016, porém “acredita-se que sejam muito mais vítimas”. Em Campo Grande, até o mês de setembro de 2017, foram 68 ocorrências na cidade e 210 no estado. Contudo, uma rápida pesquisa no Facebook em grupos que tratam do assunto, como o Segredos do busão de CG e Carona das Minas mostram que os números são muito mais alarmantes.

Internet como ferramenta de denúncia e esperança

Ao expor casos de agressão de maneira pública na rede Web, mulheres recebem críticas e elogios, promovendo um debate que antes fora ignorado pela sociedade. Embora alguns possam pensar que os relatos de abuso divulgados por vítimas na internet não passam de uma maneira de “chamar a atenção”, é factual que o ciberespaço é local de denúncia, diálogo e desabafo. O mundo virtual é ferramenta importante para os debates acerca da violência e ajuda a conscientizar a população sobre a realidade atual de muitas mulheres que estão sendo violentadas. Muitas sofreram e sofrem com estas condições e temem pelas próximas gerações. Para incentivar as mulheres a se empoderarem surgiram grupos de apoio online, sendo o Facebook, a rede social que possui mais páginas e grupos relacionados ao assunto. O grupo privado Carona das Minas criado por alunas da UFMS no Facebook, trata de casos específicos de Campo Grande, e consiste em apresentar dicas de proteção para meninas e mulheres que precisam frequentar transportes públicos, táxis e Ubers. Páginas de alcance nacional como Feminismo sem demagogia e Quebrando Tabu, também divulgam casos de abuso, criticando os abusadores e oferecendo palavras acolhedoras às vítimas.

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Proteção ou segregação? Em notícia divulgada no site Daqui.opopular, em 2016, o vereador de Goiânia, Zander Fábio do Partido Ecológico Nacional, criou o projeto de lei do ônibus rosa, que prevê que no mínimo 30% da frota de ônibus do município sejam destinados exclusivamente às mulheres, com intuito de minimizar os casos de abuso nos transportes coletivos. A proposta também prevê que os motoristas devem ser preferencialmente mulheres, e que não serão cobradas taxas extras pelo uso do transporte. “Infelizmente ainda vivemos numa cultura retrógrada e machista, que permite aos homens se aproveitarem da precariedade do transporte público para submeter mulheres a praticas delituosas e ofensivas a sua dignidade e intimidade”, disse o vereador ao Daqui.opopular. A proposta divide opiniões. Segundo a delegada Fernanda Félix da DEAM, “seria agradável para as mulheres, como uma ação afirmativa. Quando o homem tiver a cultura e a educação em respeitar as mulheres não vai ser preciso, mas enquanto isso não acontece seria uma maneira de proteger as mulheres”. Carla Stephanini, se posiciona contra a proposta: “Isso é segregar. E segregar não é bom! Temos que fazer com que haja um convívio respeitoso e que os homens entendam a presença das mulheres, e que não estão disponíveis a servir ao seu prazer”, disse.

lethycia.anjoss@gmail.com vitoria.fol@outlook.com


Sociedade

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Programados para nascer Escolher e planejar como uma criança nascerá não envolve só a decisão dos médicos

Todos nós nascemos de uma mãe. Somos frutos de uma árvore carregada de vida, logo, como frutos, precisamos de alguém para nos colher da melhor maneira possível. Ao longo dos anos o parto passou a ser dominado pela medicina, pelo saber do homem e não mais o saber do corpo da mulher. Esquecemos que o parto é fisiológico, a mulher sabe como parir. Com o avanço da humanidade em si, inclusive dos cuidados com a saúde e início da medicina – que anteriormente era trabalhada através dos “curandeiros” e conhecedores do uso de plantas medicinais – a assistência e o momento do parto deixaram de ser unicamente feminino, tendo a presença masculina, métodos farmacológicos e técnicas cirúrgicas

Como isso iniciou? Rei Luís XIV, apelidado de “Rei Sol”, foi famoso por grandes feitos, como a criação do palácio de Versalhes, mas foi sua curiosidade em observar sua concubina* Louise de La Vallière dar a luz que iniciou um processo de marginalização das parteiras e sistematização do parto. Um espaço que antes era exclusivamente feminino, onde mulheres ajudavam umas às outras e havia total liberdade para que a parturiente deixasse seu corpo trabalhar em função do filho, se transformou em um local cada vez mais controlado e impessoal.

Foto: Rafaela Flôr

Ethieny Karen Rafaela Flôr que pudessem ser de grande ajuda caso houvesse risco de vida para a mãe e para o bebê. O Brasil viveu – e ainda vive – na cultura cesarista do nascer desde que o método foi regulamentado em 1990. Mães e obstetras planejam, a partir do início do pré-natal, que o bebê deve nascer na 38ª semana de gestação ou quando a mulher entrar em trabalho de parto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou, em 2015, que o Brasil era líder no ranking de cesarianas, com 56% dos nascimentos ocorridos por meio da cirurgia. Para tentar conter essa epidemia, o Ministério da Saúde implementou métodos que evitassem esse tipo de parto e estimulam a escolha do parto normal, considerado pela OMS o melhor, tanto para a parturiente quanto para o recém-nascido. A internet possui incontáveis vídeos de partos humanizados, todos ilustrativos, aconchegantes e lindos. “Muita gente acha que humanizado é parto na banheira, com meia luz e não é isso. A humanização é o respeito a mulher, o respeito à vontade dessa mulher”, afirma Simone Albuquerque, doula* e enfermeira obstétrica. O parto normal humanizado não é só o corpo de uma mulher trabalhando pelo nascimento de seu filho, é o grito da personagem principal contra a sistema tização — gestação como produto de um mercado — e contra o conforto de quem é mero figurante na cena da vida, os médicos.

Cada criança que nasce é a vida acontecendo de uma forma diferente

Industrialização da vida O processo de “industrialização” dos partos — termo que Michel Odent, obstetra francês, usa em seu livro “O camponês e a Parteira” de 2003 — iniciou-se quando o evento do nascimento se tornou um processo, sendo tratado com indiferença, colocando o conforto e as escolhas dos médicos acima do tempo certo da mãe dar à luz ao seu bebê.

Práticas médicas e hospitalares rotineiras que banalizam e generalizam o atendimento à parturiente, caracterizam um atendimento massificado que assemelha a uma linha de montagem. São tratadas como pacientes, sendo submetidas a processos de rotinas como: internação precoce, lavagem intestinal, depilação, indução ao parto por drogas sintéticas, anestesias, cesáreas, episiotomias — ou seja, corte no períneo, entre o ânus e a vagina, que transforma o parto em uma prática cirúrgica.


Sociedade

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Esquecidas no tempo O parir é ancestral, antes de qualquer avanço na medicina e surgimento de tecnologias, ele já acontecia. No início, a sabedoria da assistência no parto foi passada de mãe para filha, avó para neta, tia para sobrinha. As parteiras fizeram o parto de sua própria profissão enquanto auxiliavam no parto do primeiro bebê do mundo. A doulagem é tão antiga quanto a profissão de parteira. A função é dar apoio físico e emocional a mulher em trabalho de parto, proporcionar uma experiência positiva de parto e reforçar o vínculo mãe e bebê. As doulas profissionais também fornecem evidências científicas para evitar cesáreas indesejadas ou desnecessárias. Para Carla Rodrigues, doula, todas as mulheres — inclusive as que não contrataram uma doula — tiveram uma, sendo estas parentes ou amigas. É em roda O local tem arquitetura de uma oca indígena, dentro há mulheres sentadas em círculo nas almofadas no chão, prestando atenção na mestra, ou melhor, parteira mestra. A conversa é sobre a vida, o ciclo. Parto também é ciclo. Caroline Abreu Figueiró, parteira mestra de Mato Grosso do Sul e do Centro-Oeste, membra da ONG CAIS do Parto (Centro Ativo de Integração do Ser), dirigente das Rodas I’memby* e faz parte do movimento da Casa Tradição. “A gente trabalha com espiritualidade, o parto não é só físico, é muito além. Então, a Tradição trabalha em

Foto: Rafaela Flôr

Há influência econômica na decisão de como o nascimento ocorrerá, principalmente por famílias que usufruem de planos de saúde ou optam por realizá-lo pagando o valor integral. A cesárea é mais barata, mais cômoda. Obstetras cobram valores maiores quando vão atender pacientes que decidiram pelo parto normal, sendo fator para o aumento das cesáreas desnecessárias. Felizmente, de 2013 a 2016, os partos normais aumentaram no Brasil, subiram de 43% para 44,5%, enquanto as cesáreas caíram de 57% para 55%, segundo o Sistema Único de Saúde (SUS).

Por trás do som das batidas do coração e do bebê, está o cuidado, a atenção e a experiência de Caroline Figueiró várias dimensões, no espiritual, naquilo que as pessoas veem e naquilo que não é visto, mas que nós, parteiras, sentimos, vivenciamos e trazemos para essa mulher”, diz. A Tradição não é o parto humanizado, faz parte de uma vertente que dá voz ao bebê e sua mãe, preza pelo movimento da vida. As rodas de conversa acontecem à noite, uma vez por semana. Casais a frequentam mesmo se não há gestação prevista. Todo fim de roda, se tiver grávida presente, a Caroline realiza o “ultrassom natural”. Ela verifica os batimentos cardíacos do bebê, registra no caderno. Também averigua a pulsação da mãe, se há inchaço nos pés e tornozelos, pergunta como está a rotina, a alimentação, dá dicas de chás, remédios naturais e recomenda: “se estiver com muita vontade de comer doce, coma rapadura. Mas só um pedaço, não ela inteira!” e ri. Ela chama o pai, ou quem estiver acompanhando a gestante, para

chegar onde elas estão, no centro da roda. Esfrega as mãos uma na outra e toca a barriga da grávida, procura o bebê e descreve a posição em que ele está. O(a) acompanhante imita o que a parteira fez no início e, com um pouco de receio, deixa-se sentir a nova vida que está em formação, ali, no tato da palma da mão, no toque dos dedos, e se rende. É a vida acontecendo. O trabalho acontece a partir do momento em que a mulher se empodera de si, constrói a certeza de que é da forma que ela decidiu como vai parir, se é por cesárea marcada ou parto normal, e confia nisso. Caroline ressalta que “parto é entrega, não é força. Parto é abertura. Parto é desbloqueio. Parto é você não pensar. Parto é você deixar fluir. Parto é você entrar naquele movimento dos hormônios, entrar no movimento da tua alma e deixar acontecer. E acontece, quando você confia.”

GLOSSÁRIO Doula: mulher que dá apoio e formação a outra mulher durante a gravidez, no parto e após o parto. I-memby: filho em guarani paraguaio. Concubina: mulher que vive com um homem, mesmo ele tendo esposa, sem estar casada.

ethienykarenb@gmail.com rafsa.flor@gmail.com


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Saúde

Os olhos abertos da inquietude Como a insônia age nos dois extremos da vida

São oito da noite. Faltam duas horas para o desligar as luzes e duas horas para a matriarca da família entrar em uma espiral de aflição. A filha de Dona Lúcia, mesmo com alguma dificuldade, consegue honrar o compromisso do sono. A sonolência de sua neta é pontual. Amanhã é dia de escola. Seus netos também são obrigados a trocar os jogos de computador pela cama. A infância do genro foi nutrida em fazendas — onde o horário para dormir e acordar é ditado pelo sol — enquanto a infância de Lúcia Machado foi vivida em claro. Com 75 anos, ela não lembra a última boa e longa noite de sono que teve na vida. Estima-se que adormecer toma cerca de um terço de vida do ser humano médio. Mesmo para os netos de 14 e 15 anos que carregam a ânsia de passar a madrugada conectados ao mundo mais vibrante do que o escuro de seu travesseiro, a cama ainda é um lugar de prazer. Para Lúcia a cama é um campo de batalha. De segunda a segunda não há remédio que impeça suas horas e horas “rolando na cama igual um animal” enquanto pensa nos parentes que já se foram. O único refúgio é a televisão. Com o tempo as pregações religiosas se tornaram monótonas e a agilidade da telespectadora fiel exige algo mais frenético como os poucos jornais, dispostos a acompanhar sua odisseia diária. Depois de tanto suplicar, quando finalmente consegue fechar os olhos, as duas, três horas ainda são divididas em porções conturbadas de 15 minutos. Entre sono, descanso, cochilo ou martírio, o nome preciso é insônia.

As causas

Hipertensão é um problema que passou a fazer parte da rotina de Lúcia, mas a matriarca sempre foi saudável e a doença é precoce o suficiente para não alcançar a longevidade de sua in-

sônia. Com mais de setenta primaveras, ela não é uma mulher de olheiras ou cara feia. Dentro de casa não há cômodo que a segure por mais de cinco minutos nem atividade que não precise ser feita imediatamente. Mesmo aposentada, canta em coral e cursa a Universidade da Melhor Idade na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco). Até Vitória Oliveira, a neta mais agitada tem dificuldades para acompanhar seu ritmo. “Você pensa que em festas um idoso é o primeiro a reclamar e pedir para ir embora. Não, minha vó é a última e mesmo com insônia ela sempre mostra mais vitalidade do que você daria para alguém da idade dela”. Apesar da atividade, o extremo cansaço e a penitência da fadiga aparecem assim que a oportunidade surgir. Mesmo animada, Dona Lúcia não consegue esconder que está no seu limite. Na rua pelo temor de sofrer violência urbana ou em casa com apreensão pela segurança dos netos quando utilizam serviços de transporte, é conhecida pela extrema preocupação com os outros e com a família.

Foto: João Lucas

Guilherme Brasil Thiago Spilla João Lucas

O diagnóstico

Vitória desde criança se acostumou a dormir na casa da avó e no meio da noite percebê-la desperta assistindo televisão. Membros da família sempre estranhavam Lúcia desperta tão cedo até descobrirem que na verdade ela ainda nem tinha ido para a cama. Após reclamações diárias e lapsos graves na memória, há pouco tempo a filha de Lúcia marcou exames, diagnosticou a doença e passou a tomar fármacos. Nenhuma de suas medicações pode ser culpabilizada pelo avanço da condição, mas o álcool, um dos principais inimigos do sono, é também um dos maiores problemas para a aposentada. Apesar de ser abstêmia, Lúcia não mora na casa de muitos cômodos, pois divide um apartamento com seu filho alcoólatra. Passeando na casa da filha, em vez de tranquilizar pela presença da família, estar longe de sua própria residência só lhe cau-

Além da insônia e da ansiedade, Lúcia também herdou da infância a mania de roer unhas.

sa mais temeridade. Em certo período da vida, Lúcia se mantinha até tarde da noite nas escuras esperando seu ex-marido e seu filho chegarem da rua. Há pouco mais de uma década a espera pelo marido acabou — em 2005 se divorciou —, mas a diária indecisão sobre a chegada, as condições e sequer a presença do filho no dia seguinte só agravou a condição.

Vidas jovens em claro

A imagem do indivíduo que imediatamente mentalizamos ao discutir-se distúrbios do sono tende a ser na

maioria das vezes, um claro estereótipo: transita entre o universitário sobrecarregado de tarefas acadêmicas, podendo passar também por idosos amargurados com arrependimentos da vida. Mas o cenário ignorado por muitos é o de crianças que, por diversos motivos, podem passar vários dias em claro, incapazes de terem o repouso necessário para um crescimento sadio. Diversos mitos populares sobre a condição nas crianças impedem seu tratamento efetivo, como, por exemplo, a interpretação errônea de que tudo


Saúde

não passa de hiperatividade infantil — empregado aqui de forma ampla — e que se tem que condicionar a criança a “gastar” sua energia durante o dia, para evitar “perturbar” os pais durante noite, muito mais preocupando-se em evitar a condição incômoda do que entende-la. Atuante há 30 anos na área de neurologia infantil em Campo Grande, o médico William Rodrigues é um nome conhecido e respeitado da pediatria local, sendo recomendado constantemente em casos de distúrbios neurológicos e, em especial, os relacionados ao sono.

A inquietação dos exaustos

A clínica alojada em um grande casarão próximo ao centro da cidade nos passa sensação de serenidade: as amplas janelas iluminam o ambiente com sofás e mesas de centro, com um pé direito alto e adornado com detalhes em madeira, dando a impressão de ser uma cabana confortável onde você poderia adormecer e repousar. Entretanto, os pequenos pacientes do local não dão a impressão de estarem de acordo com o ambiente. O ambiente ao mesmo tempo que pacífico é também caótico: crianças correm animadas pelas salas de espera integradas por degraus, pulando dois lances de cada vez para relatarem a mães, de aparência cansada, sobre suas brincadeiras. Alguns, todavia se prestam a ficar conversando baixinho com seus responsáveis ou sentados com aparência letárgica, como se estivessem às, 14h30, vivendo uma madrugada inteira. As suas respectivas mães trocam casualmente relatos de como seus filhos passam de duas a três noites sem dormir, e seus motivos para tal. Do topo da curta escadaria, William, um simpático senhor, as atende em sua sala.

Conhecendo a condição

De acordo com o neuropediatra, ao falar-se de “insônia infantil”, é necessário compreender que o termo “insônia” propriamente dito aplica-se a crianças já crescidas, por volta dos 6 a 7 anos de idade. Antes desta fase, o tratamento dado a condição é de distúrbios do sono, como sonambulismo, terror noturno — fenômeno que leva a criança a enxergar coisas ou ter pesadelos — dentre outros enunciados mais à frente.

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Apesar do pouco conhecimento acerca da situação por parte dos leigos, os distúrbios do sono são extremamente comuns. Segundo William, isto ocorre, pois, os pais não recebem orientação adequada ao levarem o filho para casa, e cita o livro “As Crianças Francesas Não Fazem Manha” de Pamela Druckerman, onde é exposta a principal diferença entre a cultura materna da França e a brasileira: somos permissivos. Condicionamos desde cedo a criança ver seu ambiente de descanso com maus olhos, como se a fizéssemos vê-lo com desconfiança, ao darmos razão para seu choro. “O tratamento de sono infantil começa logo ao chegar em casa”, diz William.

Sofrimento Compartilhado

Ronaldo, avô de Maria descobriu há poucos anos que precisava de barbitúricos e calmantes para apaziguar a insônia, fruto de estresse e preocupações cotidianas. A esposa se tornou agressiva, inquieta e descobriu que poderia ser vítima da doença. Depois do diagnóstico, passou a viver sob a vigia da Amitriptilina e Carbamazepina. O casal também desconfiou que a doença não tinha dado trégua e descobriu que sua neta faz parte do conjunto de crianças cuja vivacidade atraí preocupações. Descobriram o problema tão cedo que quando começou a mostrar os sinais, a bebê não tinha nem idade para levantar e fazer bagunça: a gritaria e o choro alto eram todos ouvidos do berço. A criança não conseguia dormir de jeito nenhum e até os quatro anos de idade a energia era tanta que suas mãos viviam em estado de tremedeira. Mesmo unidos, os membros da família viveram momentos fortes de apreensão: “Quando a criança nasceu, simplesmente não dormia. Nós pensávamos que era o leite que não saia do peito, pois a criança parecia estar sempre com fome, mas nada disso era verdade. Pensamos que era cólica, nada. Com três meses a mesma coisa, com quatro meses a mãe também começou a não dormir”. O problema levou a mãe à depressão. “Maria” é um nome fictício.

Tratamentos infantis

Após ser constatado que a criança em fase pré-escolar com de (6 anos), não sofre de um distúrbio do sono

considerado comum, segundo o neuropediatra doutor William Rodrigues, como: sonambulismo, pesadelos, bruxismo e soníloquo, que é conversar durante o sono, ou até mesmo sentar na cama e conversar. É feito uma análise na criança para se entender o motivo dela não estar conseguindo dormir, ou tendo a sensação de um sono perturbado e sem descanso. O primeiro fator a ser analisado é o ambiente a criança, se existe algo que produz barulho, como ventilador ou algo que pode causar algum medo no pueril, se a iluminação do quarto está adequada para uma noite de sono. O segundo fator é a dieta, alimentos que contém cafeína aumentam a hiperatividade da criança, fazendo com que ela perca o sono facilmente. Após a verificação de todos esses fatores externos são analisados os fatores internos. Hiperatividade, nervosismo, distímica, são alguns fatores irritativos do cérebro infantil. Então é feito um exame chamado eletro encéfalo enquanto ela dorme para definir se vai orientar os pais para uma dieta regrada, uma mudança de ambiente do quarto da criança ou até mesmo a utilização de medicamentos.

Até os quatro anos de idade a energia era tanta que suas mãos viviam em estado de tremedeira Katerina Araneda Um dos medicamentos para o tratamento da insônia infantil são os anticonvulsivos, como a Carbamazepina. “Tem crianças que você sente que esse problema todo é só emocional, então eu indico uma psicoterapia, uma psicóloga, ou algum calmante, que pode ser desde um antidepressivo ou um sedativo” comenta William. Existem também tratamentos alternativos para a insônia infantil, como a dieta sem alimentos que possuem cafeína, e que possam acalmar a criança, chás de ervas doces como: a camomila

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e a cidreira. Além é claro de atividades física regulares, que possam ajudar a gastar as energias da criança.

Tratamentos para idosos

“A insônia é sempre secundária a algum outro problema, como a ansiedade por exemplo, é sempre uma consequência de algo. É mais um sintoma do que uma doença”, comenta o neurologista Thiago D. F. Existe a insônia primária, mas é a exceção à regra. Em mais de 95% dos casos, a insônia é secundária a alguma outra doença. Portanto, o tratamento é a busca da causa da insônia, qual é o fator gatilho. Além disso quais são os fatores que fazem com que o paciente mantenha a insônia como uma rotina. Afirma o neurologista. O tratamento, em geral, é multidisciplinar envolvendo psicólogos, neurologistas, educador físico e psiquiatras. O educador físico para uma atividade física regular, já que a prática dela leva a uma regularidade do sono. Além disso a utilização de medicamentos auxiliares. Segundo o médico Thiago, o tratamento medicamentoso é utilizado somente como uma forma de auxílio ao paciente, pois o paciente deve utilizar bons hábitos para poder dormir bem, não adianta ficar apenas na medicação. A base do tratamento para a insônia é a mudança de hábitos do indivíduo, em termos técnicos essa mudança chama-se: higiene do sono. “Diversos fatores influenciam na higiene do sono, por exemplo: irregularidade para dormir, horário em que pratica atividade física, se é sedentário ou não, se consome estimulante tipo cafeína, se usa medicamento que pode atrapalhar o sono, se esse paciente dorme com a luz acesa, com a televisão ligada, entre outros fatores”, comenta. Em termos de medicina alternativa, não existe nenhuma pesquisa que prove benefícios a outras práticas a não ser a acupuntura. Ela tem alguns benefícios comprovados cientificamente, afirma o neurologista.

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Foto: Luciano Pinheiro

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Umbanda como filosofia de vida

Cercada de preconceitos e mistérios, a Umbanda tem mais de um século e ainda causa desconforto a quem não a conhece, mas abre as portas aos que necessitam de ajuda Luciano Pinheiro Renata Vanini A Umbanda é uma religião afro-brasileira nascida no Rio de Janeiro, no fim do século XIX, composta por elementos de outras religiões como o espiritismo e o catolicismo, juntamente das culturas africanas e indígenas. De acordo com o Censo de 2010, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 0,3% da população brasileira é adepta da Umbanda, um número muito baixo se comparado à religião mais difundida, o Catolicismo com 64,6%. O número baixo de adeptos, porém, não garante tranquilidade na

prática da religião, que muitas vezes é confundida como ritual de magia negra. Segundo Rodrigo Queiroz, chefe da Tenda de Umbanda São João Batista, a Umbanda é exatamente o contrário. “Os guias (entidades como o Caboclo 7 Flechas) não permitem fazer trabalho de magia negra. Eles desmancham isso”, completa. A natureza é muito presente na umbanda. Seus cantos aos orixás são repletos de referências ao verde das matas, à diferentes ervas e cachoeiras, como nesta reza para Oxum: “Eu vi mamãe Oxum na cachoeira, sentada na beira do rio. Colhendo lírio lirulê, colhendo lírio lirulá. Colhendo lírio pra enfeitar o seu conga”.

O terreiro de umbada

Na Rua Manoel Laburu, nº 794, a Tenda de Umbanda São João Batista fica meio escondida com fachada simples. Rodrigo, chefe do terreiro, diz não ter medo de preconceitos e faz questão de frisar que não há propaganda. “As pessoas vêm aqui através de convite, de familiares ou de amigos”, explica. José Lauro, funcionário público, é um dos médiuns do terreiro. Frequentava o Santo Daime, mas se descobriu mesmo na Umbanda. “Quando eu entrei no terreiro foi como se eu olhasse tudo que eu sempre pensei, mas não sabia falar. Quando senti o cheiro, vi as cores, vi aquele ambiente todo e pensei ‘é aqui que eu tenho que ficar, aqui é a minha casa’”.

Preconceito sofrido

DR, dentista que pediu para não ser identificada, frequenta o terreiro há cerca de S7 meses e não fala abertamente sobre isso, escondendo de colegas do trabalho, por exemplo. Sua sogra, que também pediu para não ser identificada, contou de um caso de preconceito. “O primo dela acabou descobrindo e começou a falar um monte de coisa, que não era coisa de Deus, que era magia negra, coisa do diabo, etc. Um tempo depois se casou e não convidou ninguém de nós, creio que por conta disso”, lamenta. cpluciano95@gmail.com renata.vanini@hotmail.com


Religião

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Foto: Julia Renó

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Hécate, Deusa considerada a rainha da bruxaria

Da intenção à materialidade Enquanto o dia é o momento de ação, de ir à luta, a noite é o momento de imaginar, criar e colocar em prática a magia

Julia Renó Mariana Alvernaz Do latim wicce que significa transformar, a Wicca é uma religião neopagã centrada nos cultos a natureza e aos deuses antigos. Foi fundada pelo escritor e ocultista Gerald Gardner na década de 50, que acreditava na Wicca como continuação do Paganismo Europeu. A Wicca é uma das ramificações da bruxaria, ou seja, há práticas de bruxaria dentro da religião. Sem preconceitos e com muita liberdade, na Wicca só há uma regra a ser seguida: faça o que quiser sem que prejudique

o próximo. Iniciado na Arte - como a bruxaria é referida - por um Coven (grupo de bruxos) em Campo Grande, aos 18 anos, Renan Ryan, wiccaniano há 9 anos, nos conta sobre essa religião pouco conhecida. Religião politeísta, tem a Deusa Mãe e o Deus Cornífero como principais deuses. A Deusa Mãe é a natureza, a energia feminina, e ela está em tudo. É uma Deusa Tríplice (que tem três faces): de virgem, mãe e anciã, que também são as fases que as mulheres passam em suas vidas. Assim como a Deusa, também há o Deus denominado Deus Cornífero, que é o Deus de

chifres e é representado pelo Sol. Esse Deus é quem traz a fertilidade à natureza, ele é a semente, “nós costumamos dizer que é a criança da promessa”, diz Renan. Enquanto o Deus traz a fertilidade, a Deusa é fertilizada. Ele é muito confundido com o diabo por ser um homem de chifres, mas não tem nada a ver com o diabo que é uma criatura cristã. “Nós não cremos no diabo porque ele não é nosso”, afirma. Momento em que a magia acontece, a noite é presente na bruxaria desde os primórdios, pois era o momento em que as bruxas podiam sair de suas casas, se encontrar nas florestas e fazer

seus rituais. As deusas cultuadas pelos wiccanianos são deusas lunares, então todas essas deusas são representadas e cultuadas a noite. Em cada fase da lua, uma deusa é cultuada. Na crescente são cultuadas as deusas donzelas. Na cheia, as deusas mães. Já na minguante são cultuadas as deusas em sua fase anciã. Também podem ser feitos cul-

“Nós não cremos no diabo porque ele não é nosso” Renan Ryan


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Os rituais, o equilíbrio e a bruxaria

Os rituais mais conhecidos são os esbás e sabás. Os ritos de esbás são os ritos de lua cheia, nos quais o fundamento é celebrar e cultuar as deusas ou a deusa. Os sabás são os rituais sazonais que ocorrem oito vezes durante o ano e celebram as estações, épocas de colheita e lactação de animais. Em todas as fases da lua é feito um ritual com um propósito diferente. Na lua crescente é trabalhado tudo o que quer que cresça em sua vida. Na lua cheia, tudo o que se quer de poder. É o ápice da Deusa, a melhor fase para tudo. A minguante é para tudo o que quer banir da sua vida. A lua nova é a lua negra, é o período das sombras e é nele que é trabalhado o lado negro, em que você se aceita e abraça sua sombra. Nela também há bruxos que se recolhem e é propício para quem quer praticar magia negra. A Wicca também é a religião do equilíbrio, do dia e da noite, do masculino e do feminino. O lado feminino é mais reforçado pelo tempo que ele foi esquecido. “Tem um ditado que diz o seguinte: o bruxo é curado da ignorância quando ele aceita a deusa, o feminino, que até então tinha sido esquecido. Então quando nós aceitamos o outro lado, nós somos curados”, lembra Renan. A bruxaria é uma prática, e ao contrário do que a maioria de nós pensamos, ela é praticada por todos o tempo todo. Renan nos dá o exemplo: o ato de você estar fazendo um chá para alguém, pensando na cura de uma dor, já é bruxaria. Você está emanando a energia de cura, e essa pessoa vai tomar aquela poção e ficar bem, não somente pelas substâncias presentes nela, mas também pela intenção que você emanou. Então isso é bruxaria, a intenção que vira uma prática. A bruxaria tem o sentido de transformar. Ela pode ser praticada por qualquer pessoa em qualquer religião. “A gente trabalha com energias, então esse transformar, transmutar é o que a gente faz, de manipular as energias para uma coisa positiva”, afirma Renan.

O preconceito com a bruxaria

Desde os períodos de maior conflito entre o cristianismo e as religiões pagãs, a bruxaria é vista com olhar estereotipado e preconceituoso. Hoje, grande parte deste tipo de visão deve-se às mídias, que costumam associar as bruxas ao “mal”, além de atribuir-lhes aspectos desagradáveis.

“O dia das bruxas ficou muito comercializado, as pessoas acabaram transformando em uma festa” Renan Ryan No entanto, esta imagem não condiz com a realidade. De acordo com Renan, além dos rituais não serem voltados para a negatividade, as imagens que vemos hoje são, na verdade, baseadas nas mulheres camponesas da época da inquisição que eram consideradas bruxas por sua aparência. “Eram mulheres camponesas, normais, que na época não se cuidavam. Aí vira um estereótipo da bruxa, a mulher desdentada, descabelada, vesga, com uma verruga no nariz”, afirma. Esta ideia instiga o preconceito em algumas pessoas. Para Renan, este sentimento foi maior em relação à sua família, quando ele se iniciava na Wicca. No início, a mãe do bruxo repreendeu o filho e confiscou seus objetos. “Ela falava: ‘se você quer seguir essa vida de satanismo, de bruxaria, você vai fazer isso lá fora, aqui não’”, lembra. Já na sociedade, uma prática cultural vista como ofensiva por alguns bruxos conservadores é o Halloween. Para o wiccano, “o dia das bruxas ficou muito comercializado, as pessoas acabaram transformando em uma festa, em um lado mais comercial, não espiritual”, explica. Para a religião Wicca, o dia 31 de outubro marca no hemisfério norte, o Samhain, noite dos mortos, que antecede o ano novo. Os símbolos utilizados têm significados específicos, como, por exemplo, a abóbora que, devido ao fogo em seu interior, serve para iluminar

o caminho para as visitas dos antepassados e os doces que são, na verdade, alimentos para serem partilhados. “Então nessa noite a gente monta o altar com as fotos, com os alimentos que nossos antepassados gostavam de se alimentar, as bebidas que eles mais gostavam, das cores que mais gostavam”, conta. No Brasil, a data representa o Beltane, casamento dos deuses, enquanto o Samhain é comemorado no dia primeiro de maio.

O ritual à Hécate

As velas e objetos mágicos marcam o local. Ao fundo, segue o áudio de um mantra, delimitando cada etapa que será realizada. A organização cuidadosa dos objetos ao centro e nas pontas do círculo mágico é fundamental. Assim é preparado um ritual Wicca. Os pontos cardeais são essenciais, sendo a base para a organização dos objetos representantes de cada elementar da natureza, os guardiões. No norte, Renan coloca um cristal, do elemento terra; logo, no leste, uma pena, do ar; sul com uma vela, para o fogo; e oeste, com um cálice com água, representante do elemento água. Ao centro, são colocados os representantes da deusa Hécate (considerada a rainha da bruxaria e deusa da morte, da iluminação e da escolha), divindade cultuada naquele rito, que tem o objetivo de pedir uma abertura de caminhos. O bruxo inicia com uma limpeza de energias. Uma vassoura é usada para varrer o ar, passando por todo o círculo e pelos participantes em sentido anti-horário. De acordo com ele,

este movimento é o banimento, suga as energias absorvidas ao longo do dia. Neste momento, com um athame (punhal usado na Wicca e em algumas linhas da bruxaria), o círculo mágico é traçado para proteger todos que estiverem recebendo energias durante o ritual, impedindo interferências energéticas. Inicia-se ao norte e segue em sentido horário, enquanto o wiccano faz pedidos aos elementais (a força da terra, a leveza do ar, a estabilidade do fogo e a cura da água). Ao traçar o círculo, ele finaliza repetindo três vezes a frase: “Em nome do corpo da serpente, em nome do ventre da semente, eu traço este círculo sagrado como antigamente”. Para invocar a deusa, é usado um sino e dito o que o bruxo sentir necessário. Em seguida, dentro do caldeirão, coloca-se álcool e o fogo é aceso. Assim, seu poder de transformação é apresentado. Em papéis, cada participante escreve o que deseja banir e atrair e os coloca no fogo da deusa. Deste modo, é feito o pedido. Para finalizar o ritual, os agradecimentos à deusa e aos elementais (agora, em sentido anti-horário) são feitos, além de um aterramento para equilibrar as energias de quem participou. Para “destraçar” o círculo, agora, Renan diz: “Em nome do corno e da serpente, em nome do ventre e da semente, eu destraço este círculo sagrado como antigamente”. julia.reno@hotmail.com alvernazmariana@gmail.com Foto: Julia Renó

tos a elas durante a manhã: “não tem problema algum, mas é que a noite é um momento de magia”, diz Renan.

Religião

Renan queimando os papéis com pedidos feitos à Deusa.


A definição de drag está relacionada ao transformismo e, quando ligada ao termo queen, remete a se transformar em uma mulher com traços e trejeitos femininos de forma exagerada. Em Campo Grande-MS, as drag queens ficam cada vez mais famosas. Frequentam principalmente casas noturnas LGBT. A arte está associada à comunidade desde o início do século XX. A danceteria Sis Lounge é um dos espaços para a prática dessa arte. São sete drags contratadas pela casa. O camarim apelidado de “Casa das Sete Mulheres se encontra no segundo andar da danceteria, uma portinha de madeira discreta, com o nome das sete artistas. O aviso na porta anuncia que se trata de espaço restrito. É sábado, a boate ainda não abriu ao público, mas três delas se arrumam para a noite de trabalho: Ravenna Quennie, Lunna Kolt, Hillary Messady. O clima é descontraído, elas são como uma família, conversando e brincando. Ravenna é a única mulher da casa que se monta de drag. Todas as outras são homens que se transformam em mulher. A importância dela é mostrar que ser drag não está ligado ao gênero ou orientação sexual. Fora da personagem Ravenna se identifica como mulher transexual e namora outra mulher. Nem sempre as pessoas compreendem e aceitam uma mulher drag. Ela mesma conta que tinha preconceito com isso, até o momento que outra drag a maquiou de forma artística. “Eu levava numa brincadeira, aí eu vi que a coisa era séria” declarou. Assim Ravenna Queenie passou a ser trabalho e símbolo de militância. A escolha de nomes é importante para a criação da personagem, pois influencia em sua maquiagem, suas roupas e personalidade. Ravenna é inspirada na vilã ligada à beleza, a rainha má da Branca de Neve. Lunna seguiu outra vertente e quis homenagear sua personagem favorita da saga Harry Potter e sua maquiagem é mais carregada e de traços exagerados. O nascimento da drag não é solitário. Elas adotam umas às outras, formando uma família. Se chamam de “mãe”, “filha”, até “irmã”. O apoio familiar consiste em ajudar na vida social da drag, mas se estende muitas vezes

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Fotos: Letícia Franco

LGBT+

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Hillary ganhou o título de Miss Simpatia no concurso de beleza, o sorriso de orgulho da mãe foi o maior prêmio. Lunna também teve ajuda das pessoas ao seu redor e conta que seu melhor amigo hétero acompanhou sua primeira montagem. Hoje, o trabalho de uma drag é mais que se montar e ser sociável. Lunna Kolt, além de performista, é DJ na danceteria e possui um canal no Youtube. Ravenna diz que foca na performance, onde faz uma dublagem com direito a dançarinos e efeitos de luz. Hillary já é a profissional no bate-cabelo. Outra profissão que muitas estão entrando no meio é a de ser hostess, onde são recepcionistas de eventos. Ser drag atualmente exige um nível alto de profissionalismo e perfeição. A arte drag tem uma importância pessoal para cada um. É a extensão de suas personalidades, é expressão. Os transformistas encontram força em suas personagens, encontram coragem. Suas personagens são suas alter ego, amiga, confidente, alguém que quer passar uma mensagem para o mundo e fazer o bem para os outros.

Concurso de Beleza

A arte de se transformar Três drags queens compartilham suas experiências e seu amor pela arte que faz parte da cultura noturna Letícia Franco para a vida pessoal do(a) transformista. Cada uma tem a sua história. Ravenna tem uma relação complicada com a família, que, por conta do preconceito não a aceita como é e ela diz que até fugiu de casa. Porém mantém um olhar

positivo, ela acredita que sua história ainda vai virar filme. Por outro lado, Hillary conta que seu início no mundo drag teve muita influência da mãe. Foi ela quem deu sua primeira maquiagem e acompanha suas conquistas. Quando

Uma das características de ser drag é apresentar beleza. Pensando nisso, o subsecretário do estado de políticas públicas LGBT Frank Rossatte promove o Concurso de Miss Gay Transformista e Miss Gay Transformista Plus Size, juntamente com o Miss Trans e o Mister Gay. Na sua décima edição, o concurso ocorreu no teatro do colégio Mace da capital. O maior objetivo do evento é dar visibilidade à beleza LGBT. O evento é marcado com a presença de pessoas importantes, os jurados são políticos, figuras públicas e militantes da comunidade LGBT. O concurso de Mato Grosso do Sul nasceu da necessidade de definir o processo de seleção das candidatas para representar o estado no Miss Brasil, que antes eram selecionadas sem critério. A maior dificuldade que encontra hoje é de patrocínios.

leticiaafrancoo@icloud.com


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