Não me suporto mais

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NÃO ME SUPORTO MAIS

Rosa Neves



um vazio se faz em meu peito e de fato eu sinto, em meu peito um vazio. – Cartola



afinal quem se importa? se o que hĂĄ dentro de mim nĂŁo se comporta.



até que enfim novembro. juro que largo minha tristeza numa esquina ou um membro só para poder entender quando explicam o silêncio com mais silêncio ao telefone.


em meus sonhos nĂŁo consigo dormir contigo. fora deles nem comigo.


o lento céu atravessado por aviões cadentes todos cheios de pessoas: pessoas perdidas pessoas achadas um ódio terrível derramado na minha camiseta listrada. pessoas que falam pessoas que escrevem profundas áureas escamas pessoas que amam. pessoas coisas pessoas causas pessoas como um bloco de carnaval. meus amigos perdem seus lares e meus amigos possuem olhos endiabrados e uma tristeza que não parte. são pessoas que choram ao ver as mãos surradas em luvas gastas. infinitos sorrisos são infinitas máscaras coisas que não existem sozinhas pessoas ainda.



que culpa temos de não ligarmos muito uns pros outros tudo no fim é nosso ego solto. estamos cheios como eixo às sete. preocupados demais com o fim dos vinis acabaram-se os escritores icônicos e as fitas-cassetes. gritamos. inseguros e armados vamos roubar alguns sonhos que culpa somos?


sinto uma tristeza crescer nos meus olhos. abaixo a cabeça e ela cai no meu colo ganha um carinho e passa. poderia eu ser um poeta clandestino não que queira alguns olhos só percebem o caminho quando fora do destino ou quando se abaixa a poeira. imagino. quem dera as coisas fossem mais simples como poder apontar o céu e retirar uma estrela cadente que cai carente na ponta do pincel.



ĂŠ estranho como sempre lembro de vocĂŞ logo eu de nome que esqueci e sobrenome a esquecer.


eu sou um velho barraco lotado pobre demais para construir novos cĂ´modos.


e talvez no fim eu seja apenas um sonho escondido na retina de alguém esperando uma manhã que não chega. sou capaz de me dobrar em qualquer esquina. em qualquer esquina, sabe? onde dormem nos bancos outros sonhos brancos doutras retinas. nesse mundo barulhento não sei como ainda existo onde o tchau é um solstício. sem luxo sou um sonho assim. que vive em risco onde todo barulho é silêncio e todo silêncio: um grito sem fim.


sobras amanheรงo na sombra quando a tristeza se apronta eu prรณprio me sรณbrio isso te assombras?



jĂĄ se principiou Ă frente o suicida era uma corrida em busca do sentido da vida.


locomotivas horas. beijos que não saem da roídas que dão na carne. tem um cigarro e reclamo da nossa geração. tic tac. o show embora. cansado e interminado. nada novo. mata os impacientes.

boca. unhas depois outro. acaba. eu vou o tempo ainda


toda vez que vejo essas outras mais dimensões inencontráveis do seu olho castanho inevitavelmente – criminosa. meu coração bate eu apanho.


nasceu um buraco em meu peito. ali pessoas tropeçam caem e se machucam. ninguém tapa o buraco em meu peito. temem sua profundidade e se afastam. seu formato fotografam. e sua espessura tão exata matemática. ele é inofensivo apesar da ficha no civil do único crime de doer e só doer de tão vazio.


nunca precisei sair de casa para ir já fui à todos lugares escrevendo existentes inexistentes nascendo. me incomoda desconhecer como nascem os arranha-céus. vou vivendo. faço viagens de formas variadas: deitado sentado no vaso chorando no banho fumando um cigarro debaixo da janela do ap. só para provar à você que não há limites entre a linha e o espaço. que o mundo cabe em qualquer frase. que sou um poeta com uma vontade que não me cabe.


do jeito que ando sei que não estou tão longe da morte. brigo demais com meus textos uma guerra que já causou descaracterização ao lado de dentro. sem pretextos ou contextos sempre correndo contra o tempo. se eu pudesse esconder ao menos minha alma prometida aos boêmios. ao menos teria guardado umas frases me despedindo dos animaizinhos de estimação e das pessoas que acenam da laje. pois do jeito que ando não vou tão longe nem imagino como passarei da próxima fase ser poeta é sempre estar entre a crise e a crase.


vou jogar meu corpo no mundo e retirar uma ou duas respostas dessa experiência. mesmo que desista da resistência ou dos vícios o intervalo entre o salto e a queda continua sendo um desperdício. hoje é segunda-feira e eu caminho abaixo de um céu que ameaça cair. nada cabe em meus braços. e eu já sabia disso. até mesmo os dias mais lindos. nada tem mais sentido desde as relações corporais às de espírito. se tudo sempre esteve escrito quem escreveu é um esquisito nada tem mais sentido. nem essa chuva que cai e depois descansa sobre o mesmo chão barrento em que brincam os loucos e depois as crianças.



paro pensando em arrebentar portas as quais meu pĂŠ nĂŁo cabe ultimamente nada anda fazendo sentido, sabe? eu sou uma multidĂŁo complicada.



o “x” da questão não é mais importante que o “x” do fotografo pedindo atenção.


eu sou uma arvore quando fico triste nĂŁo espero que me suportem que me cortem.


quando tudo fica em paz até os doentes param de tossir não há quem preze tanto o silêncio quanto quem sabe que a morte está por vir.


vocĂŞs me dĂŁo dor de testa.


Rosa Neves, Goiânia – 17-10-2017 (1 hora da madrugada)


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