Não tenho dúvidas

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                      não tenho dúvidas. só virgulas.



céu cu queria descansar mas não posso. tenho obrigações que não me deixam: tenho um emprego em um escritório pacato. tenho uma ex namorada e conversas pendentes. tenho confissões nas bordas de um cigarro. marlboro. red. uma fumaça noite que sai da minha boca como plasma. algumas caries no meu dente. amarelo osso. às vezes o céu parece caber no meu bolso.


deslembreu cada vez que afogo minha cabeça em memórias azuis. cada vez que olho as fotografias na tela do computador. tenho de me esquecer. mas você não me ensinou a te esquecer – triste lembrança que não tenho.


la tristesse acordo com uma necessidade de coisas nenhuma, uma saudade composta em talvezes. salivas de um tempo em que amavam e todos os homens ainda eram gentes. em cada carta minha levo dez corações vazados, olhos da mente, imagem. cada letra de meu nome carrega uma nova imagem. o feriado sempre morre na véspera. tantas coisas são não ditas num etcétera.


1998 enquanto ainda sou anônimo. deixo segredos em bolinhas de natal: meu coração é uma pedra aberta. carrego na carteira poemas finos e fundos. quero sair e dizer desculpas de algodão. meus romances tem data de validade. não gosto que perguntem minha idade, quantas pessoas já amei, quantos livros quero escrever. eu simplesmente desconheço números.


menino abelha pessoas se aproximam para dizer que querem trocar de rostos e que vão vestir quem se deixou levar pelas flores cor-de-mal. questionam como pode existir tanto chão em meio abismo de frases soltas. são minhas metáforas de menino assustado. são várias coisas que não compreendo nesse favo de mel. mas trago em minha barriga fome de tudo e sede de viver acidentado.


século solidão meus amigos querem trocar seus braços por canetas, escritores de linhas rotas. andam sempre inventando meus sonhos marcianos, odeiam rostos grudados em espelhos sujos. essas mentes feitas de pensamentos em gás hélio. tenho pena por quem tapa o sol com a peneira, tristes crianças que não aprenderam a sorrir.


amora me envergonho de ter olhado seus olhos pois você era uma mulher dourada. outro animal extinguido. outro espírito malcriado – tinha tantas tardes na retina. eu te anotava em minhas lembranças de terça com minha caneta cansadíssima. na rua que não era minha. na esquina que não era minha. no corpo que não era meu. quase sempre noto que as coisas que me faltam são as que mais me completam.


salto mortale todos meus dias desaparecem de súbito pois tudo que encontro em meu caminho são pedras epitafianas. que eu queria dizer esqueci, mas vocês são belos de fato. preenchem cada espaço vazio da minha memória. sinto saudades do futuro e arrependimentos com o agora. eu sou uma multidão complicada.


Rosa Neves, Goiânia, 22/09/17


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