Enfermeiros lock

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FOTO: Raquel Wise

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TESTEMUNHOS | DE VIVA VOZ

Enfermeiros

A EMPATIA COM O OUTRO “Na enfermagem é basilar: não há intervenção técnica sem haver intrevenção humana”

REPORTAGEM | BAIRRO DO ARMADOR

Shantala: a massagem P06

REPORTAGEM | PORTO SALVO

Cuidados continuados P04

Uma dúzia OPINIÃO | ANA RITA CAVACO de enfermeiros ORDEM DOS ENFERMEIROS que não teme Há um país à espera dar a cara P02 e vidas em jogo P02


02 | SEG, 30 MAI 2016 | ENFERMEIROS

EDITORIAL | ANTÓNIO SALAVIZA MANSO

ENFERMEIROS | SEG, 30 MAI 2016 | 03

OPINIÃO | ANA RITA CAVACO BASTONÁRIA DA ORDEM DOS ENFERMEIROS

TESTEMUNHOS | DE VIVA VOZ FOTOS: Raquel Wise

Nos limites

É no ténue limite que separa a vida da morte e na intimidade do contacto directo com corpos e mentes que pedem ajuda que os enfermeiros e enfermeiras são diariamente confrontados com quem está em sofrimento. Em variadas e tão dolorosas situações do quotidiano. Mas é no limite também das suas próprias forças, competências e dedicação que enfermeiras e enfermeiros – de viva voz ou aqui ao lado nas palavras da sua Bastonária – nos alertam para a dificuldade e gravidade das situações e circunstâncias com que hoje se defrontam para continuar a garantir a qualidade da vida das crianças, jovens, adultos e idosos que apoiam. “Era pelas olheiras que conseguia distinguir as enfermeiras das funcionárias auxiliares”, garante-me pessoa amiga recentemente internada num hospital público. Os meios colocados à disposição destes profissionais, o ambiente em que muitos se vêm obrigados a trabalhar, os horários a que são submetidos, o estatuto e expectativas de progressão na carreira, sem esquecer os níveis de remuneração praticados, afirmam, estão hoje a pôr em causa a saúde pública. Estou certo de que as consequências negativas resultantes das actuais condições do exercício da profissão em Portugal não serão ultrapassadas despejando dinheiros em cima do problema. Dinheiros que, no actual estado das nossas finanças, não há nem haverá tão cedo. Políticas e políticos irresponsáveis conduziram-nos nas últimas décadas a esta situação em que o montante dos juros pagos aos credores do Estado português atinge, como no ano passado, um valor quase idêntico à totalidade das responsabilidades assumidas pelo Ministério da Saúde. E o quadro traçado para os próximos exercícios orçamentais não dá sinais de optimismo. Desengane-se por isso quem quer continuar a acreditar que o Orçamento de Estado será o pilar de sustentabilidade do sistema público de saúde de um país cada vez mais envelhecido. Sem crescimento económico, ou seja antes de nos tornarmos capazes de produzir mais e melhor,

Em que momento ou circunstância se sentiu verdadeiramente feliz e orgulhoso por ser enfermeiro? não está garantida nem a melhoria das nossas condições de vida nem o futuro das próximas gerações. No entanto, e até lá, muito se poderá fazer gerindo com mais inteligência — e desprezo por mesquinhos interesses — tanto recursos humanos como infra-estruturas de prevenção e cuidados de saúde. E, mais, adoptando reformas e medidas políticas, de natureza fiscal nomeadamente, inovadoras, bem fundamentadas, lúcidas e corajosas, porque incompatíveis com ciclos eleitorais, preconceitos ideológicos e lobbies poderosos. Dois exemplos, começando pelo ensino. Um país que à luz dos indicadores da OCDE continua a apresentar um défice de milhares de enfermeiros não é compatível com um sistema condenado a formar quadros especializados que só encontram colocação no estrangeiro. Em segundo lugar, os impostos. Dispomos de factores únicos de competitividade e excelência para desenvolver o turismo de saúde em Portugal. De que se está à espera para criar um regime fiscal estável de incentivos capazes de multiplicar o investimento estrangeiro num sector que se estima ter o potencial de gerar a entrada no País de milhares de milhões de euros e criar tantos postos de trabalho qualificado quanto o de várias Autoeuropas? Volto aos enfermeiros, que por todo o seu esforço, dedicação e saber me merecem o maior respeito. Ao contrário de outros supostos servidores da comunidade — como o governante incompetente e demagogo, o professor que tolera a ignorância ou o magistrado complacente com a corrupção — apenas sujeitos, um dia talvez, a ser condenados pela sua própria consciência, o enfermeiro que se mostre insensível à dor do próximo é castigado na hora. Frente a frente, cara a cara e de olhos nos olhos. Sustento que é esta a razão determinante dos elevados padrões de confiança que, comigo, a maioria dos portugueses continua a depositar nos serviços que lhes são restados pelos profissionais da saúde. ¶

“B

em-vindos ao caos organizado” — foram as palavras que nos receberam na Urgência do S. José.

Nestas salas, enfermarias e corredores exige-se a todos os que aqui trabalham, e só enfermeiros são mais de cem, muito sangue frio, decisões rápidas, ‘high skills’ e ritmos de trabalho alucinantes. É uma receita que não resulta se não for temperada com fortes doses de vontade, ambição e dedicação ao bem-estar do próximo. Fim da linha para alguns é – para a esmagadora maioria dos que aqui chegam, pelo seu pé ou já deitados numa maca – um alívio para as dores que sentem ou uma porta de entrada no serviço nacional de saúde a quem confiam a cura de seus males. Recolhemos aqui as primeiras respostas à única pergunta que deixámos aos doze enfermeiros que dão a cara nestas duas páginas de jornal. Como amostra será efémera e minúscula, mas acreditamos que reflecte experiências e sentimentos comungados pelos milhares dos seus colegas que tanta falta nos fazem. Nos hospitais, centros e unidades de saúde, infantários, escolas, locais de trabalho e residências para idosos. Nas nossas casas, também.

É todos os dias que tenho orgulho de ser enfermeira porque nós vamos conseguindo gerir uma Urgência que, por abranger muita população, recebe diariamente um grande número de doentes que chegam à espera ser logo atendidos e com grandes expectativas quanto Susana Leal ao resultado do nosso trabalho. 37 anos E apesar de as situações às vezes não serem bem assim, as pessoas e os familiares reconhecem que somos bons profissionais. E é bom. É bom quando nos agradecem por estarmos cá para cuidar bem delas, em todos os sentidos. Não só na doença como em todas as situações, mesmo aquelas em que o desfecho final não era o mais desejado. Mas bom mesmo é quando nós vimos a saber que os nossos doentes, tendo entrado em estado crítico, já saíram com alta.

Sinto-me feliz sempre que as pessoas me manifestam o seu reconhecimento pelo que fizemos por elas quando, e na maior parte das vezes, o desfecho é satisfatório para os muitos que, em situações agudas e instáveis, entram cheios de expectativas na Urgência Geral PoCristina Amaral livalente em que trabalho. E também 20 anos de quando, sendo menos bom, há o recoprofissão nhecimento pela forma como a situação foi conduzida.

As circunstâncias foram várias. Trabalho numa das unidades de cuidados intensivos polivalentes do Hospital onde passamos por situações muito tristes e com que é difícil lidar. Mas nas muitas outras em que conseguimos salvar alguém sentimos orgulho e muita feliJaime Santos cidade. Recordo em particular o mo47 anos mento, na sequência de um caso pouco frequente, em que recebemos a visita de um homem jovem, que chegámos a pensar que não iria sobreviver, teve alta depois de, em risco de vida e sem nunca desistirmos, o termos submetido a várias operações.

Orgulho-me sempre que vejo que a minha intervenção fez a diferença entre o viver ou morrer, entre o internamento ter o maior ou menor sofrimento. Também quando, a trabalhar numa unidade de Urgência Médica em que muitos dos doentes não se lembram sequer de Paulo Baltasar nós, nos aparece aquele familiar que 51 anos diz “obrigado porque naquele dia o senhor foi muito importante”. Fico feliz porque, cada vez mais, a gratificação da profissão que tenho é só essa, porque as outras…

Infelizmente nem sempre conseguimos aquilo que queremos. Por isso numa situação muito específica senti que, da única forma possível, contribuí para dar o máximo conforto à doente e à sua família quando, num caso terminal em que não havia mais nada a fazer e Ana Rita Adão contra o que é usual aqui na Urgência, 27 anos consegui colocar a senhora em fim de vida numa sala mais resguardada dando, com o máximo conforto, a oportunidade à família de ficar com ela o resto da noite.

Sara Santos 29 anos

Fico feliz quando vejo ou sei que as pessoas que entraram mal e em sofrimento aqui na Urgência têm alta ou passam para outro serviço do Hospital. Sei que contribuí para as melhoras daquela pessoa e, aí sim, sinto orgulho por aquilo que acabei de fazer.

Fiquei marcada por uma situação terminal que tive de acompanhar. Uma nonagenária com uma neoplasia da mama que desenvolvera várias úlceras. Íamos por isso, diariamente, prestar cuidados à senhora e apoiar a família. Na última visita vimos que estava a parGuida Amorim tir. Cuidar dela garantindo todo o con14 anos de forto, tirar os brincos, ajudar a família, profissão tudo foi para mim marcante. Horas depois, quando o inevitável aconteceu, o ter contribuído para a deixado ir em paz, na sua casa, com a sua família, é algo que não esquecerei.

Tive a felicidade de ser mãe aos 49 anos. Estava no terreno a preparar um Roteiro de Saúde para os imigrantes, pessoas vulneráveis porque, muitas vezes indocumentadas, têm receio de serem apanhadas por quem os encaminhe para o SEF. Maria M. Marques Engravidei no meio do projecto e, nu56 anos ma situação de alto risco, tive de ir para casa. Passados alguns dias recebi o telefonema de alguém que, sabendo da minha situação, me convidava para ir dirigir um agrupamento de Centros de Saúde. Sinto muito orgulho por ter sido a primeira enfermeira deste País a ocupar esse cargo.

Eunice Vidazinha 24 anos de profissão

Sinto orgulho porque o que faço me permite ajudar quem sofre a dor e a solidão de uma forma indiscritível. Vou recordar um episódio entre muitos. No âmbito domiciliário acompanhei uma senhora de 60 com uma neoplasia da mama, ulcerada, que recusava a cirurgia e os tratamentos no IPO porque se negava a sair de casa. Vivia sozinha, num bairro vulnerável onde eu tinha de ir sempre acompanhada por outra colega porque só víamos traficantes e consumidores e os polícias que apareciam na rua nos alertavam para casas onde não era aconselhável entrar. Na primeira visita à senhora, um quarto andar sem elevador, percebemos porque é que ela não saía. O cheiro era nauseabundo e o ambiente surreal. Afastava-se de nós recusando o penso. Vivia rodeada por mais de setenta bibelôs, um grande cão dálmata de porcelana com um laço vermelho, sentado no sofá, e recortes de jornais com figuras humanas espalhados pelo chão. Sobre isso não fizemos nenhuma pergunta. Só na segunda visita conseguimos que nos deixasse fazer o penso e na quarta, ganha a confiança, quando a interpelámos respondeu: – “É com eles que eu converso…”

A experiência mais recente que me marcou foi há seis, sete meses, quando ao fim de um dia de trabalho, e pronto para me ir embora, entra uma pessoa, aflita, a perguntar por um médico porque havia uma senhora que se estava a sentir mal. Era alguém que estava em paraDavid Sabroso gem cardio-respiratória. Iniciei as mano5 anos de bras de reanimação e consegui reverter o profissão quadro, mas quando o INEM levou a senhora para o hospital fiquei com muitas dúvidas se ela iria sobreviver. Comovi-me muito, porque fui pai há pouco tempo, ao ver que a senhora trazia o neto ao colo quando, passados três meses, voltou cá a perguntar por um enfermeiro de barbas: — “Quero agradecer-lhe. Os médicos lá no hospital disseram-me que foi ele que me salvou a vida”.

Sinto esse orgulho todos os dias porque gosto do que faço. Mas posso destacar um momento que, não envolvendo directamente nenhum utente/doente me deu muito orgulho porque senti que conseguia passar a colegas mais novos uma mensagem correcta sobre aquilo que NÓS Luísa Trindade devemos ser. E embora às vezes tudo o 41 anos resto não ajude não devemos agir em função disso mas em função da pessoa que temos à frente e precisa de ajuda. Foi assim: há dois anos tive uma aluna em estágio que teve de publicar um artigo no jornal da escola para apresentar quem a tivesse motivado para aquilo que ela achava mais importante na prática da enfermagem. E ela escreveu sobre mim. Não sobre aquilo que sou como pessoa mas sobre a forma como eu, enquanto profissional, lido e trato das e com as pessoas e maneira como elas interagem comigo. Fiquei feliz.

Ana Paula Gomes 25 anos de profissão

Nesta minha já longa viagem na área dos cuidados de enfermagem no domicílio seriam muitos esses momentos. Mas recordo um caso recente, que me tocou muito. Tratava-se de uma situação de amputação do pé de um diabético com 57 anos que tinha muita dificuldade em andar e algumas resistências à sua nova realidade. Com muito trabalho, além de garantir a boa evolução da lesão que surgiu após a amputação, conseguimos transmitir-lhe a confiança suficiente para que ele reconquistasse a sua independência e voltasse a fazer o que fazia antes. Foi muito bonito e compensador vê-lo regressar pelo seu próprio pé à Unidade de Saúde onde estou agora. O nosso trabalho tem esta componente muito importante que é a de, para além daquilo que se faz com as mãos, ser um trabalho, em equipa, de relação com as pessoas. E isso é fundamental para o seu êxito.

Há um país à espera e vidas em jogo Escrevo sem medo das palavras. O Sistema de Saúde português está por um fio e a enfermagem vive um estado de emergência nacional. Escrevo depois de ter passado cinco dias na estrada com a minha equipa. Percorremos o país de norte a sul, visitámos quase uma dezena de hospitais, centros de saúde, e passámos por mais de 20 serviços. O que encontrámos justifica que não tenha medo das palavras. Encontrámos um serviço de urgência com 40 doentes para apenas três enfermeiros. Vimos o desespero das colegas de um centro de saúde onde seis enfermeiros respondem perante um universo de quarenta mil utentes. Ouvimos, incrédulos, que um hospital numa capital de distrito assegura as urgências durante a noite com apenas 4 enfermeiros. Não são números, são vidas. Vivemos num país onde há serviços com metade dos colegas de baixa, esgotados. Os enfermeiros não aguentam continuar a carregar, com o seu voluntarismo e enorme esforço físico e mental, um sistema que deixa degradar a qualidade dos serviços prestados. Portugal forma enfermeiros como ninguém e exporta como poucos. Há cerca de 20 mil enfermeiros em falta no sistema de saúde português e, paradoxalmente, nos últimos cinco anos, quase 13 mil colegas foram obrigados a deixar o país. Em 2015, em cada 100 enfermeiros que se formaram em Portugal, 47 pediram o certificado à Ordem para poder emigrar. O Reino Unido agradece, por exemplo. Enquanto isso, há doentes a precisar de cuidados de enfermagem em cada canto do nosso país. Portugal forma enfermeiros, mas não contrata. O país gasta cerca de 25 mil euros num plano de estudos para depois entregar esse profissional, altamente qualificado, a um sistema de saúde algures por esse mundo fora. Estamos a desperdiçar recursos. Portugal não precisa de manter este ritmo de formação de enfermeiros. Precisa de contratá-los. Nesse sentido, a Ordem já solicitou ao Ministro do Ensino Superior que avance para a redução do número de vagas nos cursos de enfermagem.

É por isso que o dossier das 35 horas, no caso da enfermagem, não é uma questão laboral, mas de saúde pública. Os enfermeiros não querem trabalhar menos, querem trabalhar melhor. A redução do horário semanal é um balão de oxigénio para quem trabalha todos os dias no limite, a cuidar das nossas vidas, das vidas daqueles de quem gostamos. Portugal precisa de reflectir, de uma vez por todas, sobre quanto vale cuidar de uma vida. Acabou o tempo da retórica e de fazer política com o SNS. Se é para garantir que continua a ser um pilar da nossa Democracia, chegou a hora de agir. Amanhã é tarde. Há um país à espera e vidas em jogo. ¶

O Sistema de Saúde português está por um fio e a enfermagem vive um estado de emergência nacional


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NÚMEROS | ENFERMAGEM

ENTREVISTA | IDOSOS FOTO: GICOM – IPBeja

FOTO: Raquel Wise

A dar a outros o pão que não temos em casa A Ordem dos Enfermeiros aponta vinte mil profissionais em falta no sistema de saúde português

N

o final de 2014 a Ordem contabilizava 67.730 enfermeiros e enfermeiras em exercício, 82% dos quais do sexo feminino. O total é um primeiro indicador de que a realidade da saúde no País está longe de ser a ideal.

Em primeiro lugar porque nos diz que são 6,4 enfermeiros por mil habitantes enquanto a média nos países da OCDE estava, em 2010, nos 8,6. Em segundo lugar porque, sendo apenas uma média, esconde grandes disparidades regionais. Se, e há cerca de ano e meio, o bairro de uma capital de distrito ou um concelho do interior com cerca de dez mil habitantes podia contar, em média, não esqueçamos, com os serviços de 64 enfermeiros, esse número cai para os 43 no distrito de Leiria, ali ao lado em Coimbra sobe para os 116 e, também no Centro, volta a cair para menos de 66 na Guarda, onde a necessidade é maior porque a população mais idosa. Finalmente, porque se hoje os enfermeiros já são poucos amanhã ainda serão menos dado o peso crescente da população mais idosa. Uma

realidade demográfica resultante da queda das taxas de natalidade e do alongar da esperança média de vida, realidades que caminham a par do desenvolvimento económico e do progresso da medicina. As previsões da OCDE apontam para que, nos países membros, grupo de que Portugal faz parte, o número de cidadãos com mais de 80 anos duplique até 2050, passando de 3,9 para 9,1% da população total. Perante este quadro e no que toca à formação de novas gerações de enfermeiros os portugueses não deveriam estar preocupados porque o nosso sistema de ensino tem-se mostrado capaz de responder, tanto em quantidade como em qualidade, às necessidades do presente e do futuro. Mas, pasme-se, quase metade dos enfermeiros que estão a sair das nossas escolas pedem certificado para emigrar. E, dos que emigram, 40% formaram-se há menos de um ano. Repito: são 47% dos especialistas que formamos que manifestam a sua vontade de partir. Quase metade! Só nos últimos cinco anos foram 12.859 os enfermeiros que emigraram, a maioria para o Reino Unido. O País está endividado como poucos, precisa de vinte mil enfermeiros hoje, e muitos mais amanhã, mobiliza fundos públicos e privados para formar profissionais e depois, entrega-os de mão beijada a outros, porque aqui lhes recusa condições de trabalho e remuneração decente. Se nada for feito para alterar esta situação, é porque Hígia e seu pai Asclépio andam a dormir e ... loucos todos nós. ASM ¶

Raios de sol em Porto Salvo *

“Quando chegar aos 80 espero que ainda haja reformas…” Tiago é um dos enfermeiros da nova geração que acreditou, lutou por isso e conseguiu. Está a trabalhar no país que o viu nascer. Saltou dos bancos e laboratórios da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, onde se formou, e da Associação de Estudantes, a que presidiu, para cargos de responsabilidade na Ordem e no Grupo Naturidade, onde nos recebeu.

* Uma das quatro Unidades de Cuidados Continuados da NATURIDADE, Grupo que conta ainda com duas Estruturas Residenciais para Idosos

Prevê-se que em menos de quatro décadas cerca de 10% da população terá mais de 80 anos. Estamos a preparar-nos para isso? Creio que sim. Na última década, com a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, deu-se um grande passo no sentido do País poder estar preparado para dar resposta a esta evolução demográfica e social. Esta rede integra um conjunto de instituições públicas e privadas que têm por missão prestar cuidados de saúde e apoio social, de forma continuada e integrada, aos que se encontram em situação de dependência. Promover a autonomia e melhorar funcionalidade destas pessoas no quadro da situação de dependência em que se encontram, e nem todas são idosas, é o objectivo. No entanto ainda temos uma grande carência de estruturas que, à saída do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dêem uma resposta efectiva às necessidades de uma população cada vez mais envelhecida e dependente, em termos de saúde e mobilidade.

Ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a sustentabilidade da Rede. Para tal há que alterar os modelos de financiamento e, acima de tudo, dotar as instituições e a sociedade dos recursos necessários. Que recursos são esses? Mais hospitais, residências para idosos, unidades de cuidados continuados, cuidados paliativos? Hospitais eu não acredito que necessitemos de mais. Neste momento em Portugal, infelizmente ainda trabalhamos num sistema muito ‘hospitalocêntrico’, muito virado para o cuidado agudo, em que a porta de entrada para o SNS é serviço de urgência, ao contrário do que deveria ser, muito mais virado para os cuidados de saúde primários onde ainda não investimos o suficiente. Já a rede de cuidados continuados tem dado uma resposta extremamente importante, apesar de continuarem a fazer falta camas para os muitos utentes que, de acordo com os seus últimos relatórios, continuam em listas de espera. Mas, deixando o hospital entregue aos cuidados agudos, naquilo que é a transição do utente para o domicílio, em termos de reabilitação e inclusão do doente na sociedade, também temos carências muito graves ao nível dos cuidados domiciliários integrados, cuidados paliativos, saúde mental e cuidados continuados pediátricos. Nestas áreas é grave, grave, a carência não só de infra-estruturas como também de recursos humanos. O número de enfermeiros, por exemplo, mantém-se praticamente estável e registam-se significativas

disparidades nos regimes de remuneração destes profissionais. Finalmente, e acima de tudo, o modelo de financiamento continua a não conferir capacidade às instituições e organizações para investir na melhoria da qualidade dos cuidados que prestam e assegurar a sustentabilidade da rede. As carências de equipamentos para idosos são idênticas nos grandes centros urbanos e no interior mais envelhecido? Porque ainda temos um grande défice de legislação em Portugal, há zonas do país onde proliferam lares que não estão recenseadas por serem ilegais – o que não quer dizer que tenham mais ou menos qualidade. Por isso é difícil hoje ter um retrato do que se passa a nível nacional para poder responder a essa questão. Estamos a acompanhar os países mais desenvolvidos que, em ritmo acelerado, estão a substituir o modelo assente na institucionalização de idosos pelo apoio domiciliário? Não, sem dúvida que não. Ainda que com o anúncio do Estatuto do Cuidador Informal já se tenha dado um passo no sentido da mudança de paradigma, ainda estamos longe disso. O mercado da oferta de camas em lares e residências ainda continua a ter alguma atractividade. E isto porque, cá está, as equipas de que dispomos ao nível do apoio comunitário ainda não conseguem dar essa resposta. Agora se a pergunta for se eu acho que esse é o caminho correcto respondo-lhe de imediato que sim por-

que, em termos de cultura de saúde e de cultura social, esse tem de ser o futuro. As pessoas devem estar no seu meio, no seu contexto, o que facilita imenso os processos de reabilitação e cuidados de saúde. Esse futuro traz novas oportunidades e desafios aos enfermeiros? Eu diria que não é um desafio mas uma enorme oportunidade que reduzirá a emigração de profissionais especializados, fazendo subir drasticamente a procura de enfermeiros. E aqui, sim, chegamos à área em que somos realmente especialistas, aquela que proporciona a realização plena das competências para as quais temos capacidade total para exercer a nossa função. A formação dos enfermeiros dá-lhes competências específicas para cuidar da terceira idade? A nossa formação de base já permite que qualquer enfermeiro preste cuidados diferenciados a qualquer utente, qualquer que seja o seu ciclo de vida, neonatal, adulto ou idoso. No que muitos enfermeiros neste momento investem, e isto é um indicador importante, é numa formação cada vez mais diferenciada na área geriátrica. Além das necessárias adaptações na licenciatura, as nossas escolas superiores já se empenharam na criação de respostas ao nível dos mestrados e doutoramentos. Além disso já está pendente na Ordem a questão da enfermagem especializada em situação crónica e paliativa o que, por si só, irá dar uma resposta extremamente importante àquilo que são as necessidades dos utentes com uma idade mais avançada, ou seja, da também chamada Grande Idade.

Como é que se combinam as componentes de intervenção técnica e humana do enfermeiro junto do idoso? Em enfermagem não há intervenção técnica sem haver intervenção humana, que é basilar na nossa profissão. Se eu não tiver a sensibilidade, se eu não tiver as características que permitam ao cliente/utente de cuidados, à família, à comunidade confiar no meu trabalho e, também, perceber qual é a minha metodologia de intervenção, por mais técnicas que eu utilize não haverá mais-valias do meu trabalho. A vertente humana é, por isso, basilar no nosso trabalho. Quando chegar aos 80, e se até lá não deixar a carreira de enfermeiro, conta estar com que nível de rendimentos? (Risos) Rendimentos? Quando chegar aos 80 espero que ainda haja reformas… Olhando para o Orçamento e o estado das nossas finanças públicas a minha geração já começa a questionar-se como é que, numa idade mais avançada, terá o seu futuro de sénior garantido. E vê-se na sua casa ou numa residência? Depende da condição em que eu estiver. Preferencialmente estarei em casa. Claro que sim. E acompanhado de uma família bastante alargada, espero bem. Mas também se for um peso – e isto de “ser um peso” é algo que está muito entranhado na cultura portuguesa – a institucionalização talvez seja uma resposta que me possa dar alguma qualidade de vida. ASM ¶

TIAGO NASCIMENTO 27 ANOS E UM CURRÍCULO EM CONSTRUÇÃO

FOTO: Raquel Wise

Tiago Nascimento concluiu há quatro anos um mestrado na área de especialização de Gestão em Enfermagem na ESEL – Escola Superior de Enfermagem de Lisboa onde se licenciou e agora é Professor Assistente Convidado ao mesmo tempo que prepara o doutoramento em Gestão na Universidade Europeia. Conciliou o tempo que dedicou ao estudo com uma intensa actividade associativa em organizações académicas: foi Presidente da Associação de Estudantes da ESEL e da Federação Nacional de Associações de Estudantes de Enfermagem. Trabalha hoje com o Grupo NATURIDADE, onde é Enfermeiro Coordenador de duas Unidades de

Cuidados Continuados Integrados, Porto Salvo e Laveiras, depois de ter passado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde integrou a Direcção de Intervenção em Públicos Vulneráveis das Unidades de Apoio à Deficiência da Obra Social do Pousal, e pelo Serviço de Pediatria da Urgência Pediátrica e Neonatologia da Unidade de Torres Vedras, Centro Hospitalar do Oeste, onde iniciou a sua carreira profissional. Ocupou vários cargos na Ordem dos Enfermeiros e publicou diversos trabalhos, o último dos quais, em co-autoria, no European Scientific Journal do passado mês de Março – Health Places: The Relationship Between Architecture And Nursing.


06 | SEG, 30 MAI 2016 | ENFERMEIROS

REPORTAGEM | BAIRRO DO ARMADOR FOTO: Raquel Wise

INFORMAÇÃO | CARTÃO DE SAÚDE SCML Para beneficiar dos serviços de cuidados primários da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é necessário possuir o Cartão de Saúde SCML que pode ser solicitado nas seguintes Unidades de Saúde:

No Bairro do Armador. Uma porta aberta a quem precisa de ajuda

Shantala: a massagem dos bebés que veio da Índia Fundada em 1498 por "cem homens de boa fama e sã consciência e honesta vida" que assumiram o compromisso de apoiar os mais desfavorecidos, cinco séculos passados a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) continua a ser pioneira na procura de novas respostas sociais.

I

am chegando com os filhos ao colo, umas, outras com um boneco pendurado nas mãos. Ou porque grávidas ainda ou porque não tinham querido interromper o sono dos bebés que deixaram em casa entregue à família. Foram informalmente trocando cumprimentos, olhares e comentários enquanto se sentavam no chão da pequena sala da Unidade de Saúde, tornado confortável pelas mantas, colchas e almofadas que o cobriam.

Quando finalmente todas se acomodaram contámos: três grávidas e

três mães com os seus bebés; uma avó que não seria mais velha que uma das grávidas; cinco bonecas. E duas enfermeiras. Duas não, três porque, à espera ainda de conhecer o filho que carregava no ventre, uma das futuras mães era a mesma que, na mesma sala mas noutros momentos, partilhava rotinas de trabalho com duas colegas, agora suas monitoras. Desta vez sentava-se ali para colher uma experiência que ainda não era a sua. Quando a sessão teve início começámos a tirar notas e a fotografar. Para para aquele grupo de mulheres era como se não estivéssemos ali. Toda a sua atenção se centrava em exclusivo nas explicações que as duas enfermeiras-monitoras iam dando, nos movimentos que cada uma delas ia mal ou bem ensaiando com as suas próprias mãos sobre a pele inerte dos bebés a fingir ou dos outros três de carne e osso que, entre o dormir e o acordar, alternavam sorrisos de prazer com rabugices e lamúrias. No ambiente multicultural que se respira no Bairro do Armador não surpreendeu que as massagens que ali se ensaiavam tivessem sido trazidas do Oriente para a Europa. Por uma francesa que, numa viagem que fez à Índia, rendida aos resultados desta sucessão de toques, movimentos e pressões de dedos e mãos so-

bre os delicados corpinhos das crianças de meses ainda, ficou fã. “Pás do Moinho”; Segurar as pernas e empurrar os joelhos; Toque de relaxamento; “Sol e Lua” e, de novo, segurar as pernas e empurrar os joelhos é a receita da “Massagem Shantala para as Cólicas do Bebé”. Que deve ser repetida 3 vezes – 2 a 3 vezes ao dia, nas mesmas condições em que estava a ser aprendida ali naquela Unidade de Saúde (USSC) da SCML: no chão, para segurança do bebé, com as mãos previamente aquecidas, com óleo, mas sem cremes, música calma em fundo e a mãe de olhos pregados nos olhos de filho para quem dirige uma voz serena e terna. Quando passaram a novas técnicas, as massagens para a Obstipação e para a Dentição daqueles seres amorosos, os nossos compromissos obrigaram-nos a deixar um ambiente maternal, envolvido em calma e carinho, para enfrentar uma outra realidade. Fria, áspera e dura, mas também repleta de humanidade, calor e disponibilidade para dar ao outro. Íamos ser confrontados com o trabalho de quem, nos bairros em volta, presta serviços de saúde e age sobre estruturas sociais que, nos dias de hoje, permanecem muito vulneráveis à doença, exclusão e pobreza. Na sala daquele rés-do-chão do Bairro do Armador para onde passámos esperavam-nos, à volta da mesa, alguns dos enfermeiros que ali trabalham. Iam dar-nos conta das suas experiências, variadas circunstâncias e diferentes realidades com que se confrontam nas vizinhanças onde empregam os seus saberes: Ana, David, Guida, Eunice, além da colega Maria Manuela Marques,

BAIRRO DA BOAVISTA R. Rainha D. Brites, 1500-534 Lisboa 217 624 100 | ussc.boavista@scml.pt BAIRRO DO ARMADOR Av. Vergílio Ferreira, Lotes 769-771, 1900 - 864 Lisboa 218 310 790 | ussc.armador@scml.pt BAIRRO DO PADRE CRUZ / TELHEIRAS R. Rio Zêzere, 8C, 1600-755 Lisboa 217 109 010 | ussc.padrecruz@scml.pt Praça S. Francisco de Assis, nº 3 C, 1600 - 305 Lisboa 217 124 170 | ussc.telheiras@scml.pt CASTELO / NATÁLIA CORREIA R. da Saudade, 31, 1100-582 Lisboa 218 820 800 | ussc.castelo@scml.pt

Enfermeira Directora da Direcção de Saúde da SCML, que nesse dia estava presente em visita de rotina. Bem como outros e outras que iam entrando e saindo porque, no dia-a-dia da Unidade estão sempre a surgir pequenas e não tão pequenas decisões que nunca podem esperar. Com as valências de Saúde Infantil, Juvenil e Pediatria; Saúde de Adultos e Idosos; Saúde Materna, Planeamento Familiar e Ginecologia e Apoio Domiciliário, a USSC cobre as freguesias do Areeiro, Alvalade, Marvila e parte da Penha de França. Em regime de apoio domiciliário acompanha 400 utentes e, dizem-nos, está preparada para servir mais. As Unidades de Saúde da SCML Os nossos interlocutores realçam-nos que o utente é a figura central e a razão de ser do seu trabalho. Entre outros aspectos, a Santa Casa garante aos utentes, mediante uma avaliação social, o direito a serviços de saúde que podem ser completamente gratuitos, ou comparticipados de acordo com vários escalões. Nos casos de maior carência económica, o acesso a medicamentos, material de incontinência e até a alguns tipos de próteses pode estar contemplado. As USSC são estruturas que, nas suas zonas de influência, casam as vantagens da prestação dos cuidados de saúde, com o facto de, na mesma instituição, se poderem articular de perto com a área social. Além de outros profissionais, os Cuidados de Saúde Primários prestados pela Santa Casa nas USSC e Unidades Móveis contam com a dedicação de 95 dos 368 enfermeiros que trabalham em todos sectores da instituição. Maria Manuela salienta ainda que,

Rua dos Sapadores, nº 153 - 153 A 218 109 090 | ussc.extncorreia@scml.pt VALE DE ALCÂNTARA / TAPADA Av. de Ceuta Norte, Lote 15, 1300-125 Lisboa 213 600 611 | ussc.alcantara@scml.pt Calçada da Tapada, 92, 1300-550 Lisboa 213 645 470 | ussc.exttapada@scml.pt DR. JOSÉ DOMINGOS BARREIRO Largo da Mitra, 2, 1900-766 Lisboa 218 618 600 | ussc.dbarreiro@scml.pt LIBERDADE R. da Igreja, n.º 7 Lojas 7ª-9/A, 1070-321 Lisboa 213 894 260 | ussc.liberdade@scml.pt W+ Rua Duque de Palmela, nº 2, 7º andar, 1250-098 Lisboa 213 180 380 | unidade.wmais@scml.pt Rua Alexandre Herculano nº 16, 1250-011 Lisboa 213 180 380 | unidade.wmais@scml.pt

tendo a Santa Casa o mérito e a responsabilidade decorrente de ter sido em Portugal pioneira na prestação de cuidados domiciliários, continua a garantir que, quando os utentes não se podem deslocar às USSC, os seus profissionais vão ao encontro deles. Os cuidados primários que a instituição de utilidade pública assegura aos mais desfavorecidos são prestados em sete zonas da capital repartidas por outras tantas USSC e mais três extensões dispersas pela cidade. A Unidade de Saúde W+, especialmente vocacionada para uma intervenção transversal no âmbito da saúde mental e dirigida a todos os grupos etários tem junto dos jovens em risco uma intervenção de particular relevo. As unidades móveis integradas no Programa Saúde + Próxima percorrem a cidade, indo ao encontro da população em geral, realizando rastreios de acordo com as problemáticas mais relevantes para a saúde dos portugueses. Nas USSC são disponibilizadas aos utentes consultas de Saúde Infantil e Juvenil, Saúde de Adulto e Idoso bem como a prestação de cuidados de enfermagem. Também lhes é facultado o acesso a consultas de Saúde Materna, Planeamento Familiar e, na USSC Dr. José Domingos Barreiro, mediante referenciação das outras USSC podem aceder a Consultas de Ginecologia e Obstetrícia, Saúde Mental, Estomatologia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia e alguns Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica, realizados no âmbito das consultas. Há também consultas de Nutrição. E mais recentemente foi criada uma consulta de Prevenção do Tabagismo. ¶


08 | SEG, 30 MAI 2016 | ENFERMEIROS

CARTA DE INGLATERRA | ANA CALOBRA

Não tenciono regressar a Portugal Tenho 23 anos, formei-me na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e trabalho no East Surrey Hospital, em Redhill, um pouco a sul de Londres. Sempre tive vontade de conhecer o mundo e viver um pouco por todo o lado. Por isso, quando escolhi ser enfermeira, os alertas da família de que o futuro desta carreira em Portugal era muito incerto, só vieram reforçar a minha decisão de que, assim que terminasse o curso, iria viver para outro país qualquer. O conhecimento da língua e a facilidade em obter emprego trouxeram-me à Inglaterra. Os primeiros dois a três meses foram muito difíceis. O dinheiro que trouxe de Portugal, e que custou tanto a juntar, aqui não deu para grande coisa. O primeiro ordenado que recebi foi direitinho para o depósito do aluguer da casa onde vivo e o primeiro mês da renda. Mas se o custo de vida aqui é alto, comparado com o de Portugal, o salário é mais do que suficiente para as necessidades do dia-a-dia. As condições de trabalho são muito boas. O hospital é praticamente novo e para fazer o nosso trabalho dispomos de todos os materiais que precisamos. Pelo que posso dizer da minha experiência em estágio, quando estava a tirar o curso, a prática da enfermagem aqui é muito diferente do que se faz em Portugal. E se aí já achava que o enfermeiro estava assoberbado de trabalho aqui isso torna-se ainda mais evidente. Os turnos de 12 horas, a par das responsabilidades e da quantidade de traba-

lho que nos é confiada, são esgotantes e as diferenças culturais entre os dois países também é algo difícil de ultrapassar no início. Mas agora, que já cá estou há cerca de 7 meses, sinto-me completamente adaptada. Adoro a equipa com quem trabalho, adoro a zona onde vivo e conforta-me a perspectiva de poder continuar a crescer e evoluir na minha carreira. A flexibilidade para experimentar outras especialidades que me é concedida neste hospital a par das condições que, tanto no plano financeiro como a nível de carga de trabalho, são oferecidas pelo meu empregador permitem-me pensar que no momento em quiser apostar numa especialização o poderei fazer. Em Portugal, além de ter de pagar do meu bolso as propinas da faculdade, não tiraria do curso qualquer vantagem porque o meu salário continuaria a ser exactamente o mesmo que o dos outros. Aqui pagam-me para fazer a especialização e ainda me sobem de escalão na carreira. Embora sinta muito a falta da família e dos meus amigos, e de todas as rotinas a que estava habituada no meu cantinho, não me arrependo uma única vez de ter vindo. Não tenciono regressar a Portugal onde as condições de trabalho são muito precárias e há quem ofereça dois euros à hora a um enfermeiro para cuidar de idosos, cozinhar e limpar-lhes a casa. Assim afirmo que, no país que me viu nascer, a enfermagem como profissão morreu. ¶

BEJA | ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE

No pódio das escolas superiores

FOTO: GICOM – IPBeja

Em Beja a História do ensino superior de enfermagem começou a ser escrita há quatro décadas. A Escola que hoje a projecta para o futuro integra um Politécnico que foi colocado no top 3 das instituições de ensino mais atractivas do país.

A

o analisar a oferta dos estabelecimentos públicos portugueses tendo em conta parâmetros como o valor das propinas e os custos da alimentação e habitação, a plataforma de comparação de produtos financeiros comparaja.pt colocou o Instituto Politécnico de Beja (IP Beja) entre os três estabelecimentos mais competitivos do nosso país.

O Instituto integra a Escola Superior de Saúde (ESS) que, na sua actual carta de ofertas curriculares, inclui uma Licenciatura em Enfermagem. Com referência ao ano lectivo de 2012/2013, 93% dos alunos diplomados nesta escola obtiveram emprego no ano seguinte à conclusão da licenciatura, ficando todos colocados em sectores de actividade relacionados com a área do seu ciclo de estudos. Para o próximo ano lectivo a ESS tem previsto o início do mestrado em enfermagem, em associação com a Universidade de Évora e as suas congéneres de Portalegre, Setúbal e Castelo Branco. A actual licenciatura, sustentada pelos novos paradigmas da Saúde e Enfermagem, é um curso acreditado pela Agência Nacional de Acreditação e dotado de um corpo docente experiente, estável e qualificado. A percentagem dos professores com doutoramento e com título de especialista e a dos que trabalham

na ESS a tempo integral é idêntica: situa-se na casa dos 80%. O curso tem a duração de quatro anos e, nos seus oito semestres, destina 50% do horário lectivo à prática clínica em contextos reais de prestação de cuidados. No plano curricular, e desde o 1º semestre, a alternância entre a teoria e a prática, assumindo esta última vertente uma dimensão progressivamente maior ao longo do curso, é um aspecto particularmente valorizado pelos estudantes formados na Escola. Em paralelo, a Realização de Ensinos Clínicos, ou seja, a prática clínica em Instituições de Saúde de referência, maioritariamente do Serviço Nacional de Saúde, e a forte aposta nas aulas de Práticas Laboratoriais são também muito valorizadas numa escola que dispõe de modernas instalações, com destaque para um conjunto de áreas laboratoriais bem equipadas. Fora dos muros da escola e das fronteiras do País o programa Erasmus e a cooperação com o Brasil, que colocam um número elevado de estudantes em programas de mobilidade, são propostas da ESS que proporcionam aos seus alunos experiências de vida e oportunidades únicas de enriquecimento pessoal e valorização curricular. A Comissão Europeia distinguiu agora o IPBeja pelo seu desempenho na implementação dos princí-

pios da Carta Erasmus+ para o Ensino Superior, em resultado do que o Instituto foi convidado a integrar o grupo de trabalho “ECHE: Make it Work for You!’s”, cuja missão é compilar as boas práticas na gestão do Erasmus e partilhá-las com outras organizações. No presente, os estudantes inscritos nos quatro anos do curso são maioritariamente provenientes do sul do País: distritos de Beja e Faro, seguindo-se Setúbal, Lisboa e Évora. Mas também há quem venha do Norte, Centro e Ilhas à procura de sol e saber no coração do Alentejo. São aqueles que deixaram para trás Viseu, Braga, Leiria, Santarém e Região Autónoma da Madeira. De mais longe ainda, há quem tenha vindo da Guiné. Findo o curso voltarão às suas origens, encontrarão um posto de trabalho na cidade em que se formaram ou, seguindo os passos da maioria dos que antes passaram pelos mesmos bancos e laboratórios, rumarão às instituições na área de influência da ESS: Algarve e Alentejo Litoral? Talvez alguns, contra a mais íntima vontade de muitos pais, venham a fazer as malas para tomar o mesmo caminho que uma meia dúzia de licenciados na capital do Baixo Alentejo recentemente tomou: Suíça, Inglaterra e Alemanha. Só o futuro o dirá. ¶

FICHA TÉCNICA | PÚBLICO · CADERNO EXTRA, da responsabilidade da Direcção Comercial | Editor António Salaviza Manso | Paginação João Mota | Dir.-G. Comercial Mário Jorge Maia | Publicidade Sandra Esteves, Cláudia Martins


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