almada desenhador (academic project)

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ALMADA DESENHADOR



AlmAdA desenhAdor


Catálogo

Exposição

Coordenação

COORDENAÇÃO

António Carvalho Carla Varela Fernandes Inês brandão

Colaboração

Ana Rita Amaro Monteiro

Textos e Investigação Alexandre Nobre Bernardo Nogueira Carla Varela Fernandes Carlos Kullberg Gonçalo de Vasconcelos Isabel Falcão António Lopes Margarida Pestana

António Carvalho

Carla Varela Fernandes Inês brandão

COLABORAÇÃO Carla Mendes

Conservação e restauro Ana Fidalgo

Inventário

Ricardo Bento

FOTOGRAFIA

Abílio Fernandes

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Aapoio museográfico

Pedro Aboim Borges

Ricardo Bento

Ângela Santos Isabel Piedade

DESIGN

João Mota, 16129

IMPRESSÃO

Instituto Politécnico de Tomar

ISBN 000-000-000-0 Depósito Legal 000 000/00

Elisabete Maria Sillva

Alexandre Catarino Isabel Falcão

PROJETO DE MUSEOGRAFIA Ana Maria Lapa

DESIGN, PRODUÇÃO E MONTAGEM Luis Rendeiro João Mota

PROJETO DE LUMINOTECNIA Vitor Baptista


Almada Desenhador



Este livro é um catálogo de uma exposição fictícia sobre a obra de desenho de Almada Negreiros. Ele foi concebido para servir de projeto aos estudantes do Mestrado em Design Editorial do Instituto Politécnico de Tomar, na Unidade Curricular de Design de Livro. Os ensaios que se apresentam foram retirados de obras já publicadas. O texto de José Augusto França é um dos capítulos do seu livro «Amadeo & Almada»; os textos de Cottinelli Tel mo e de Margarida Acciaiuoli foram publicados no catálogo da exposição «Almada» que decorreu em 1984, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. As obras que são ilustradas na parte do catálogo foram escolhidas maioritariamente a partir do referido catálogo de 1984 do CAM. As restantes foram escolhidas a partir do catálogo da exposição «Almada: a cena do corpo», que decorreu em 1993, no Centro Cultural de Belém. Decidiu fazer-se o design de um livro sobre Almada Negreiros no âmbito das comemorações, em 2013, os 120 anos do seu nascimento. «A obra de Almada inclui um conjunto múltiplo de trabalhos plásticos e literários, marcados pelo estilo de alguém que cultivou, em múltiplas direcções, a mais vibrante das formas de comunicação. Neste ano de 2013, em que se celebram os 120 anos do seu nascimento e os 100 anos da sua primeira exposição individual, convidamos todos a celebrar, reencontrando a sua vasta obra, Almada Negreiros pintor, poeta, bailarino, dramaturgo, conferencista, desenhador, vitralista, romancista, ensaísta, crítico de arte, e tudo!»1 Luís Moreira Mestrado em Design Editorial, IPT

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www.almadanegreiros.org

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A Futilidade Das Coisas José Augusto França

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Trinta anos de desenhos de agitação de ideias Cottinelli Telmo

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O Desenhador Margarida Acciaiuoli

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A Futilidade Das Coisas (capítulo I de «Almada Negreiros: O Português sem Mestre», in AMADEO E ALMADA, 1983)

José Augusto França



Desenho em «A Sátira», 1911


O desenhador «J. Sobral Almada Negreiros» apareceu pela primeira vez em público assinando uma anedota ilustrada no n.o 4 e último do jornal «A Sátira», datado de Lisboa, 4 de Junho de 1911. Tinha então dezoito anos de idade, pois nascera em 7 de Abril de 1893. Nascera na Roça da Saudade, na freguesia da Trindade, em São Tomé, onde foi baptizado em 24 de Junho1 – ou, como ele próprio supunha ou dizia supor, por tradição familiar, em Lisboa, na Rua Castilho, num prédio do avô materno, sendo depois baptizado na ilha donde ficaria oficialmente natural. Ou ainda, e durante uma tremenda trovoada, a bordo dum vapor que levava os pais para São Tomé – versão fantasista que apresentou em 1915 num capítulo da «Engomadeira». Seu pai exercia na ilha há já dois anos o cargo de administrador do Concelho, tendo casado em São Tomé com Elvira Freire Sobral, que ali nascera, filha natural, mestiça e neta de negra, de um rico fazendeiro local, e fora educada em Coimbra, onde, no Colégio das Ursulinas, ganhara fama de hábil desenhadora. António Lobo de Almada Negreiros, por seu lado, vinha de uma família alente-

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jana e nascera em Aljustrel, em 1868. No Alentejo fora funcionário dos Correios e fundara jornais, em Ferreira do Alentejo e em Monchique; em 1898 foi nomeado para Cascais, em 90 tentou o jornalismo em Lisboa, onde fundou o «Meio-Dia», que teve também curta vida, pois em 91 foi despachado para o quadro administrativo da colónia de São Tomé, certamente por influência do futuro sogro, conhecido, com a filha, em Cascais. Já o pai de António Almada fora jornalista, dirigindo, em Ourique, um pequeno semanário; chamava-se Pedro de Almada Pereira, nascera em Vila Nova de Milfontes e casara em Aljustrel com uma jovem de apelidos Lobo Bravo de Negreiros, donde o nome do filho, entremeadamente composto – e a adopção familiar, que se continuaria, dos apelidos Almada Negreiros, com ênfase no primeiro, que é, afinal, o apelido varonil da família. Brito Aranha, na continuação do «Dicionário» de Inocêncio, ocupa-se largamente de António de Almada Negreiros, seguindo-lhe a carreira e as obras. Sabemo-lo, assim, poeta, com dois livros publicados, aos vinte e ainda aos trinta e cinco anos, então já instalado em Paris, para onde fora, viúvo, em 1900, encarregado oficialmente de organizar o pavilhão das colónias na representacão portuguesa à grande exposição parisiense desse ano – encargo importante que vinha compensar larga dedicação ao estudo de problemas coloniais. Esses estudos tinham-lhe já valido a eleição para sócio correspondente da Academia das Ciências, em 1893, para a Société de Geographie de Paris, no ano seguinte, e valer-lhe-iam a admissão na Geographical Society de Londres, em 1902. Três anos depois desta data, fundaria em Paris um Museu Colonial de Portugal, sem consequências. Muitos opúsculos, publicados antes e depois de se instalar em Paris, constituem a valiosa bibliografia do colonialista António de Almada, colaborador de revistas e boletins da sua especialidade e também, com uma assiduidade que o ficar definitivamente em França justificava, dos grandes jornais de Paris «Le Figaro», «Le Gaulois», «Le Rappel». Além disso foi notável correspondente de guerra, em 1914-18. A sua instalação definitiva em França, onde morreria em 1939, afastou-o, porém, dos filhos, que pouco mais veria – e, orfão de mãe aos

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três anos, matriculado no Colégio dos Jesuítas de Campolide, em 1900, quando o pai partiu de São Tome para Paris, o futuro desenhador «J. Sobral Almada Negreiros» ficaria sozinho em Lisboa. Foi então, para ele, uma infância de que l he ficará, como recordação maior, «a fé com quem inventou o seu futuro» 2. Durante dez anos, até aos dezassete, esteve internado em Campolide, com seu irmão mais novo, António, que seria oficial de cavalaria. Nos Jesuítas, o seu gosto pelo desenho era notado – a ponto de lhe permitirem utilizar uma pequena dependência como improvisado «atelier». Depois, fechado o Colégio com o advento da República anticlerical, frequentou o Liceu de Coimbra, em 1910-11, e a Escola Internacional de Lisboa, nos dois anos escolares seguintes. Vida de rapaz, presa na disciplina rigorosa dos Jesuítas, depois à solta em Coimbra e num colégio de luxo de Lisboa, podemos imaginá-la em jogos de curiosidade e de humor, durante estudos algo descurados – desembocados, a certa altura, numa boémia lisboeta, ainda romântica, no quadro duma mesquinha sociedade provinciana, com meras irrequietações de rua nos anos agitados da jovem República. O desenho humorístico era uma das manifestações dos espíritos irrequietos, na boémia possível, sem maior saída artística ou intelectual. Ele conveio naturalmente ao moço Almada – e o desenho com que em 1911 se estreou, em «A Sátira», traduz, de modo incipiente, uma vida burguesa alfacinha, com seus costumes e sua graça fácil. Uma dama, de corpo bem ondulado, um menino rezingao a reboque, é seguida por um galã esticadinho, de monóculo e bengala. «Faz favor de não me seguir? (diz a bela, algo tentada) Olhe que eu sou casada!» Ao que o conquistador responde: «Não faz mal, minha senhora. Também eu!» Ao fundo, um polícia, de chanfalho tranquilo. Pouco humor na anedota – e, nisso mesmo, como na caracterização dos tipos, uma imediata definição lisboeta, em cena quotidiana. O desenho é pobre de qualidade, rebuscando uma originalidade gráfica sem coerência de meios – e lembrando um desenho de Cristiano Cruz publicado em fins de 1909 no n.O 4 d›«O Gorro», jornal dos alunos do Liceu de Coimbra, que ambos os caricaturistas

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frequentaram. No entanto, a observação tem expressão formal, e a silhueta da dama apresenta uma continuidade linear que ja merece atenção, notando-se, na relação entre a sua figura e a do perseguidor, um propositado equilíbrio, por correspondência de formas, outro se verificando entre as figuras da criança e do polícia, que marcam um segundo nível de altura na leitura do desenho, ao mesmo tempo que, em planos de profundidade, a composição se define por um cruzamento em «x» das quatro figuras marcadas nos dois níveis. Tudo isto aparece como intuitivamente neste jovem artista sem escola nem frequências estimulantes. É um mau desenho manual, mas com notáveis soluções mentais ... Outros, datados do mesmo ano e assinados da mesma maneira, feitos naturalmente para serem publicados, mas que se conhecem directamente, não apresentando maior qualidade, acusam uma curiosa preocupação linear com uma escrita contínua que, num deles, vai até a integrar o título, «Engano», resolvido como elemento da cana e linha de pesca que uma das figuras arvora. Em outro, a linha que desenha a mão continua-se, como limite gráfico da obra. Em qualquer destes desenhos, as sombras das figuras no chão são tratadas em traços verticais paralelos, de maneira ingénua. A graça do «Engano» é diminuta e algo grosseira – insinuando jogo de palavras entre o peixe que um letreiro diz não haver ali e a mocetona-«peixão» que prende a linha dum dos pescadores. Datado de 19 de Janeiro de 1911, «A Caixa de Rapé do Prior» é uma paródia ao soneto «A Liga da Duquesa», de Júlio Dantas. Com idêntico jeito gráfico há outro desenho, já posterior sem dúvida, dada a diferença de assinatura, agora reduzida ao nome que o artista adoptaria durante alguns anos: Almada Negreiros. A própria assinatura o permite datar de 1912, por comparação – e a sua publicação, em Janeiro de 1913, no «quinzenário académico» do Porto, «A Manhã», é já tardia, pois no mesmo jornal outros desenhos tinham aparecido que denotam progresso em relação a este. Em 1912, Almada colaborou em «A Rajada», de Coimbra (efémera «Revista de Crítica, Artes e Letras»), em «A Manhã» e «A Bomba», ambos do Porto, e no quotidiano de Lisboa, «A Lucta», orgão

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do partido de Brito Camacho – e ainda nos três números do jornalzinho feito a copiógrafo no Colégio Internacional de Lisboa, «A Paródia», onde publicou caricaturas de professores e de colegas, uma autocaricatura e três desenhos anedóticos assinados «Espinafre», sua alcunha provável, no colégio. No ano seguinte, veio colaboração sua no «Jornal de Arganil», dirigido por Veiga Simões, em «O Século Cómico» e no quotidiano lisboeta «A Capital» - nestes, porém, esporadicamente. É indispensável procurar nestas folhas as primeiras manifestações do desenhador, pois fora delas rareiam, perdidas ao longo do tempo, as obras que realizou e que, aliás, a reprodução de jornal sobretudo se destinavam então. Mas deve reparar-se especialmente no desenho que fez para «A Briosa», jornal que teria uma segunda série coimbra em 1912 e onde nunca foi publicado. Sem data, contem provavelmente o mais antigo auto-retrato de Almada, juntamente com a caricatura de um seu camarada (que pode identificar-se como sendo Raul Manso Preta), ilustrador um, redactor o outro, do jornal projectado e alterado na sua realização. «A Sátira», em que Almada se estreou, era dirigida por Joaquim Guerreiro e por Stuart de Carvalhais, que figurava como editor; durou quatro fascículos, de Fevereiro a Junho de 1911, e incluia colaboração de grande número dos desenhadores humoristas da época, sem sombra de invenção plástica para além da tradição fixada em Rafael Bordalo Pinheiro, cujo filho, Manuel Gustavo, em esforçada sucessão, continuava ainda então a dirigir «A Paródia», fundada em 1900. Durou pouco «A Sátira», a sua qualidade artística não era considerável, mas duas razões levam a sublinhar a sua importância; além da estreia de Almada, nela colaboraram outros dois pioneiros

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Autocaricatura, 1911 (Briosa)


«modernistas», Cristiano Cruz e Correia Dias; e dela partiu a ideia da fundação duma «Sociedade de Humoristas Portugueses», anunciada no último número, que daria origem ao «Primeiro Salão de Humoristas», em Maio do ano seguinte. «A Bomba», do Porto, era dirigida por Cristiano de Carvalho, bom desenhador tradicional, e por Álvaro Pinto. Também nela colaborou Cristiano Cruz, com um desenho notável, no n.O 5. Menos interessantes são os de Almada no n.o 2 e no n.o 6, de 27 de Abril e de 25 de Maio de 1912, banal o primeiro (embora sem as ingenuidades de principiante que ate agora temos observado), curioso o segundo por denotar influência de desenhadores germânicos que revistas como «Meggendorfer-Blatter» e «Simplicissimus» podiam então trazer ao conhecimento do autor. Em «A Liberdade», um gatarrão-polícia, de quépi e chanfalho, aguarda, empoleirado num banco, que um passarinho saia da gaiola de porta deixada aberta3; no outro desenho, colorido, «? ... », um soldado com espingarda de baioneta ensanguentada, sentado aos pés duma cama, espera que uma mulher – a Liberdade ou a República – deitada dentro dela acorde: «Já está em minha casa, mas... quando acordará ela?» Um edredão de tipo alemão cobre a dormente, denunciando logo a fonte de inspiração que o traço gordo e certas soluções formais duma perspectiva oblíqua, tomada de baixo, com brutais exageros anatómicos, nos pés e nas pernas, acusa. Num outro desenho, aguarelado, datável da mesma altura, conhecido directamente, representando um cocheiro abraçado bestialmente a uma criada, as figuras denotam tipologias alheias também, e logo alemãs. É uma fase de aprendizagem que o autor atravessa, na qual todas as influências são aproveitáveis e fecundas – e rapidamente passam estas que apontamos. Ainda em 1912, em «A Manhã» (como no número de 23 de Junho de «A Lucta», aqui com um excelente exemplo), os três desenhos que Almada publica marcam já, dois deles, uma notável assimilação de valores. Num, «Cine», conversa mundana com três figuras, estas situam-se bem no espaço, definindo planos, e o seu tratamento tem uma caracterização rigorosa que limita tiques de estilo, com os pés calçados de botinas e sempre engrossados, em

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homens e mulheres. Em «O Pior da Festa», publicado já em Janeiro de 1913, um cliente muito chique de vestuário paga a uma prostituta que o serviu, à beira da cama; estende na mão, com enjoo, o dinheiro – que ela recebe com uma estranha expressão: um tanto de vergonha (que o corpo encolhido exprime), um tanto de troça, que os olhos ocultam... O terceiro desenho, publicado no mesmo n.o 22 (que é o penúltimo do jornal), um «fétard» que volta a desoras para casa, de botas na mão, e tem de enfrentar a sogra, em camisa de dormir, de vassoura em punho e palmatoria à cinta (ilustra uma poesia cómica de «Zeca», «Baco Moderno»), parece ser obra de transição, marcada ainda por jeitos de 1911, mas, pela assinatura, á já de 1912. No número de «A Lucta» de 23 de Junho, vê-se outro excelente exemplo da sua maneira de 1912: «No Eléctrico» – um casal trajado luxuosamente que, em conversa, alude a um atentado, que na véspera acontecera, ligado à greve dos transportes urbanos. Dois garotos que fingem confundir com um bolo-rei a coroa de flores que um velho senhor de luto leva no braço, ou uma rapariga do povo que passa, curvada, diante de senhoras vizinhas ao soalheiro, são desenhos do mesmo ano, com estilos diferentes – grafico o primeiro, que se diria de transição 1911-12; de gosto naturalista o segundo, com algo de «realismo social». O ano de 1912 é extremamente variado – e nele surge um desenho que se abre para horizontes bem diferentes, anunciando uma maneira que mais futuramente definira’a arte de Almada Negreiros. No n.o 4 d›«A Rajada», que Correia Dias dirigia artisticamente em Coimbra, uma cena «Império» realiza-se num preciosismo de espírito e de forma. Um par em namoro: «Sempre galanteador», diz ela; «É a minha profissão», responde

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Desenho, 1912


Desenho, 1912

ele. Estamos longe do desenho publicado um ano antes n’A Sátira: a situação é espirituosa e mais ainda o risco do autor, envolvendo as duas figuras dialogantes numa forma contínua em que o inclinar das cabeças, os braços esticados, as linhas convergentes do guarda-sol fechado e da bengala, o balão da saia rodada e a curva lisa da calça do cavalheiro se perfazem num espaço cenográfico pontuado, ao fundo, por uma balaustrada já romântica. Uma atmosfera aristocrática banha o humor, diluindo a legenda literária; o que resta é apenas a forma do par, nova e «moderna», no contexto da arte portuguesa. Em 1912 ainda, a realização da Primeira Exposição do Grupo de Humoristas Portugueses, sugerida nas colunas d’«A Satira», vem dar o primeiro grande impulso à carreira de Almada. Um grande clamor acolheu esta exposição realizada em Maio, nas salas do Grémio Literário, no seu palacete da Rua Ivens, velha instituição do romantismo que há muito perdera todo o papel na vida cultural de Lisboa e então se reduzia a «uma sociedade de sujeitos ornamentais de esquinas do Chiado, proprietários em Mato Grosso, primeiros-oficiais e outras forças públicas». Assim escreveu então Veiga Simões n’«A Águia»4, num longo artigo ilustrado com vinhetas, figurando Pierrots, de Cristiano Cruz – «o mago da ironia», como o classifica o crítico, preferindo-o a todos os expositores, com o seu «humor sombrio como os espíritos que se ferem nas arestas do vulgar». A par dele, porém, põe Veiga Simões, Almada Negreiros – de «humor aberto, primaveril como um belo corpo moço senhor da sua nudez». E o futuro ministro acrescenta, no seu estilo «artiste»: «Perpassa por todo ele um sopro de graça adolescente, de quem vive gritando as coisas com sorrisos leves, sobre elas passando leve, deixando após de si um sulco de ironia, como uma deusa

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alada a memória acareante das suas asas.» Observa a seguir que a obra do desenhador assume aspectos bem diversos, marcando nela, por vezes, a influência «da concepção técnica» de Cristiano Cruz, artista já feito. Em ambos, de resto, existia a mesma «escolha nobre dos assuntos, nunca deixando o espírito resvalar fora dum círculo intelectual» – ao contrário da maioria dos expositores, perto de trinta com mais de trezentas obras, que usavam e abusavam das «piadas coceguentas»... Dois destaques ainda para Jorge Barradas e para Emmerico Nunes e para as estatuetas, «figurinhas graciosas de Nuremberga, feitas ao sopro do Boulevard», de Canto da Maia, que assinava então Ernesto do Canto. Todos eles, e não certamente por acaso, serão artistas famosos na «primeira geração» do modernismo portugues, que assim começava a manifestar-se. Também «A Capital» põe lado a lado Cristiano Cruz e Almada – achando todas as composições deste (expôs 17 números de catalogo) «esplêndidas afirmações de íntegro talento». 5 Cristiano Cruz, que desaparecerá cedo da vida artística lisboeta, partindo no princípio dos anos 20 para Moçambique, como médicoveterinário, e vindo a falecer em Angola, em 1951, tinha apenas um ano mais do que Almada, mas a severidade do seu espírito permitira-lhe atingir mais cedo a maturidade e um estilo próprio, de grande firmeza e imaginação gráfica – numa obra que importa estudar, fazendo-se a história desta geração nos seus começos. Muitos anos mais tarde, os seus companheiros de então se lembrarão dele, e Barradas escreverá que, «sem prévia combinação, lhe deram o lugar de primeiro».6 A importância do Salão na definição deste grupo de jovens foi considerável. Ele caía como uma bomba no terreiro tranquilo da vida artística naturalistamente lisboeta, ao mesmo tempo, exactamente, que expunham os pintores da Sociedade Silva Porto e faziam a sua exibição anual os «ateliers» muito frequentados de Carlos Reis, de Roque Gameiro e de Emília de Sousa Braga – e quando o Museu de Arte Contemporânea, criado pela República, era atribuído a Columbano, e Malhoa via repetir, em 1911, o grande sucesso alcançado com os «Bêbados», expostos pela primeira vez em 1909. Todos «botasde-elástico», como decidira Cristiano Cruz, inventando a expressão

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que perduraria. O presidente da República, Manuel de Arriaga, oficializara, porém, risonhamente, o sucesso dos humoristas, inaugurandolhes a exposição, fotografando-se com eles e comprando uma obra a cada um, por intermédio de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, presidente do Grupo. A razão dos expositores, que Veiga Simões pudera distinguir com acerto, não estava, porém, em Manuel Gustavo: ele representava a possível oposição interior no meio artístico nacional. Dos outros, dois (Emmérico e Canto da Maia) encontravam-se em Munique ou em Paris – e, na mesma geração, para ali tinha partido, desde 1905, uma dúzia de jovens mais ou menos capazes de buscar novos horizontes para a anquilosada arte portuguesa. Alguns deles tinham-se manifestado, um ano antes do Salão dos Humoristas, com uma exposição de «Arte Livre» na sala Bobone. Bentes, Smith, Emmerico, Viana, Domingos Rebelo e mais dois, de curto destino, ali exibiram obras de pouca aventura, sem ousadia nem invenção. Tirando Viana, que iria mais longe, os outros contentaram-se pela vida fora nesse plano, ou dele, até, recuaram. Ao mesmo tempo, em Paris, Amadeo de SouzaCardoso observava com justiça que tudo quanto ali os seus compatriotas faziam era medíocre.7 Em 1912, precisamente, publicava ele um álbum de desenhos, que outras ambições, mesmo mundanas, mostrava8, pondo-o à frente dos sonhos necessários aos seus camaradas de Paris, e possíveis aos seus colegas de Lisboa. Um destes, Almada Negreiros, o saberia ver e afirmar, quatro anos mais tarde. Aparecendo sob aspecto humorístico, os jovens artistas lisboetas estavam certos de não ser tomados a sério e mostravam também assim não se tomarem. Isso lhes tirava responsabilidades que não seriam, então, ou por enquanto, capazes de assumir – ou das quais não tinham sequer consciência, no meio em que se tinham formado. Como também fora da arte acontece, o humor representava timidez social, representando ao mesmo tempo inconsciência estetica. Por outro lado, repetia-se em Portugal o que em Paris (e na Alemanha) acontecia, numa época em que pululavam as publicações humorísticas – nas quais tinham colaborado nomes agora famosos na pintura.

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Isto sucedia em Portugal com uma diferença de alguns anos, como alguns anos separavam a fundação do Salão de Humoristas franceses, em 1907, da fundação do seu equivalente português. Entendeu-se, porém, que o Salão de Lisboa, surgido num meio em que a arte acusava «de há muito, um cunho de decadência» e de pessimismo, significava, ou podia significar, «uma autentica esperança de renascença da arte portuguesa»9. No Verão seguinte, os mesmos, quase todos, e alguns novos (como António Soares e Mily Possoz; e tambem o famoso Leal da Câmara, que, expondo então individualmente em Lisboa, faltara na primeira exposição) voltaram às salas do Grémio Literário, com 329 obras registadas num catálogo muito cuidado, com capa de Cristiano Cruz e prefácio de André Brun. O êxito foi menor, não houve presidente da República, embora o esperassem ao longo da exposição, os jornais falaram menos – e um houve, até, que denunciou a «subserviência com que a maioria dos expositores imita a caricatura estrangeira (...) – tudo sendo figuras francesas e alemãs». Pode supor-se algum saudosismo bordalesco no anónimo crítico d’ «A Capital»10 – mas o problema não deixa de ficar posto. De qualquer modo, o 3.° Salão anunciado para 1914 já não se realizou. Seria no Porto, em Maio de 1915, que se organizaria uma nova exposição do mesmo género, com largo programa cultural, de reuniões, música, conferências – «uma festa de arte e de mundanismo». Nuno Simões, futuro ministro, que, com outras personalidades, pertencia à comissão organizadora, revelou numa entrevista «a ideia de reunir

Cartão de convite, 1913

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vários trabalhos de modernistas para que o grande público pudesse conhecer e interessar-se por esta delicada arte moderna, toda de requintes de graça e de capricho»11. Claramente, e pelas vias oblíquas do precioso e do mundano, «modernismo» e «humorismo» se acordavam – logo no nome do salão portuense. A ligação era agora oficiosa – à beira, porém, do divórcio que vamos ver. Almada Negreiros expôs no salão de Lisboa, de 1913, e no salão do Porto, de 1915 (24 desenhos) – mas já não nos novos salões portuenses de 1916, de «modernistas» um, de fantasistas» o outro, ou no de 1919; voltaria, porém, a expôr (9 peças) no ainda mais tardio 3.° Salão dos Humoristas Lisboetas, em 1920. Em 1913, ao expor com os seus companheiros, Almada escrevia, no catálogo, esforçadas declarações humorísticas, referindo a descoberta do seu «indiscutível talento» ao proibir o barbeiro de cortar-lhe o cabelo à escovinha. E ao informar que «a data mais memorável da sua individualidade» viria a ser o ano de 1993 – «quando universalmente se festejar a data do centenário do meu nascimento»12. Entre os vinte e quatro desenhos e aguarelas que então expôs, há temas de rua e de pecaminoso amor nocturno, sentimentalmente encarado: «Uma Que Passa», «Lisboa à Noite», «O Desejo», a ilustração de medíocres versos de Mário Santa-Rita, onde se fala d’«aquela criancinha que já prostituiu os baços olhos sujos (e tem na palidez da face doentinha) impressos, da luxúria, os socos dos marujos». O desenhador relacionara-se então com os irmãos Santa-Rita, Augusto e Mário, antes que o outro irmão, o «Santa-Rita Pintor», futurista, voltasse de Paris, com a guerra. Conhecera também Rui Coelho, que retratava numa peça exposta – e «O Senhor Fernando Pessoa, vulgo O Pessoa», era figurado em outra. Fernando Pessoa escrevera sobre ele, n’«A Águia»11, a propósito da exposição individual que três meses atrás fizera nas salas da Escola Internacional, da Rua da Emenda 14, apresentado por Silva Passos, jornalista e poeta menor. Definindo a arte satirica como aquela que traduz um objecto «para inferior a si próprio», Pessoa segue um raciocínio cerrado para classificar os seus cultores em três géneros e três categorias. Géneros:

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Catรกlogo, 1913

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«o ódio (que produz e revolta), o desprezo (que produz o riso) e o interesse fútil (que produz o sorriso)». Categorias: o génio que «nos da o além-satírico, o além-ridículo, o alem-fútil» (e neste último caso nos dará «com a plena dolorosa consciência dessa futilidade»); o talento «que cegantemente, multiformalmente, nos der o fútil, como fútil, o ridículo como ridículo, o odioso como odioso»; o «meramente inteligente ou brilhante» que, «sem individualidade, mas em vincada forma pessoal e acentuado poliformismo, nos der o que ao seu género convenha». Daqui parte o poeta para classificar «cientificamente» o desenhador – que «pertence aos satiristas que se aplicam a dar a futilidade das coisas». Dentro desse género qual e a sua categoria? Pessoa crê que ele tem talento: menos que génio («que Almada Negreiros não é um genio – manifesta-se em não se manifestar», escreve ele, em forma só aparentemente paradoxal), e mais que inteligência e brilhantismo – «basta reparar que ao sorriso do seu lápis se liga o poliformismo da sua arte». «É interessante de vários modos, interessado de várias maneiras na futilidade da Vida, apanhando-lhe ora este ora aquele momento de espuma, sem consciência, infelizmente, de que essa espuma é a orla dum mar antigo, vasto e misterioso.» Porque «a sua arte é suavemente para o sorriso». O artista «observa interessadamente, mas não traz, pelo menos por enquanto, sentimentos profundos para a sua observação. Vê, acha curioso, e fixa em traço e cor o sorriso da sua alma atenta». Analisando, porém, o «polimorfismo» de Almada, Pessoa interroga-se lucidamente: «Será poliaptidão do artista, incerteza em encontrar-se, ou uma assemelhável imitação ou adaptação a varios géneros?» Das três coisas parece realizar-se uma síntese no trabalho do desenhador: nele «há qualquer coisa de procurar: há, infelizmente, também qualquer coisa de achar (nos outros); – mas ha também, para quem sabe ver, nitidamente, personalidade e originalidade através dessas influenciações e tentativas». Nesta única crítica de arte que se lhe conhece, Fernando Pessoa mostra saber ver, em profundidade, a arte e a personalidade do jovem artista, que, à vista do texto, o procurou num café, apresentando-se –

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e recebendo, em resposta às suas perguntas, a inesperada declaração de «Olhe, meu amigo, vou falar-lhe francamente. Eu não fui ver a sua exposição e não percebo nada de arte...».15 Ficaram amigos desde então, seriam amigos de «tu», caso raríssimo com Pessoa – e este ódio, que o poeta via faltar a sua opção satirica, explodirá dois anos depois, num poema admirável, como veremos. Mas a exposição de Almada, perto de 90 desenhos16, teve êxito: «O Século Cómico» publicou-lhe uma autocaricatura, de cabeleira crescida, o olho maliciosamente em viés (como numa conhecida autocaricatura de Leal da Câmara), considerando-o «Em Foco», e Acácio de Paiva-Belmiro dedicou-lhe um soneto da gazetilha, sublinhando a abundância de humoristas – já que «… nós todos somos / Deveras caricatos de raiz / Um livro para rir, em vários tomos. / E Portugal (lá fora não se diz) /É, apesar da altura em que nos pomos / Uma caricatura de país…»17 Quiçá o seu interesse pelo fútil, neste Portugal acaciano que a República não modificara, levaria o moço Almada a concordar com o sonetista. Por essa altura, em 1913, pintou ele, para decoração de uma alfaiataria da Baixa, grandes painéis decorativos com pares sofisticados, em recato romântico, à epoca, ou em namoro mundano, de cigarro na mão e tornozelo à vela. É uma pintura baça, de pouca técnica, mais curiosa como atitude decorativa do que outra coisa18. Mas aproximavase o fim dessa sua fase da futilidade imediata das coisas, No ano seguinte, Almada assumiria a direcção artística de «Papagaio Real», «semanário monárquico», de Alfredo Lamas, empenhado num combate humorístico, mas dar-lhe-ia apenas dois ou três

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Autocaricatura, 1913


Caricaturas de Afonso Costa, Brito Camacho, Bernardino Machado e A. J. Almeida, 1914

Um corner de foot-ball, 1913

desenhos19 – além de notáveis vinhetas com minúsculas caricaturas dos quatro chefes republicanos, António José, Afonso Costa, Bernardino e Camacho. O seu desenho, mais seguro apesar das influências, ganhava conhecimento de volumes e de espaços. «Um Corner de Football», composição alongada, exposta na Escola Internacional, movimentando uma multidão de espectadores a custo retida pela corda limitadora do campo, denota uma notável consciência expressiva20. Em 1915 desenhou um cartaz de boxe, bem movimentado, com um hábil grafismo em certas pregas da bandeira nacional, que serpeia por detras do corpo duro do «boxeur»21. No ano anterior (senão já antes, como Cristiano Cruz fizera em 1912) Almada desenhara excelentes Pierrots e Arlequins para ilustrar um conto de M. Sousa Pinto na «Ilustração Portuguesa»22, passando, algo dolorosamente, para além do fútil. Mas na sua exposição de 1913, uma cabeça de mulher, baptizada de «Judith», aponta ainda para outro futuro – em que, através da futilidade desta vida lisboeta, onde ha raparigas assim, doentias e alegres, populares e ávidas, de olhar saltitante sob o chapéu enterrado na cabeça pequena, de pássaro, queixo afilado, nariz grosseiro e enorme

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Almada Desenhador


boca sangrenta na palidez do rosto, heroínas de «nome de guerra», se interrogará a própria Vida. Voltando a exibir este desenho no 2.º Salão de Humoristas ao lado do retrato do seu crítico, «O Pessoa», Almada Negreiros como que fazia consigo e com o futuro uma aposta que lhe importaria ganhar…

Cartaz, 1915

«Judite», 1913 Pormenor da capa do catálogo da exposição

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1.

Notas

Conforme assentamento n.O 75, a fls. 25, v.o, do ano 1893, freguesia da

Trindade, concelho de São Tomé. Ver, a propósito, artigo do Pe. António Ambrósio, in Permanência, n.O 9 (Lisboa, Fevereiro 1971). Ver, do mesmo autor, Almada Negreiros Africano (Lisboa, 1979), com larga informação genealógica sobre a linha materna de A. N. 2.

Entrevista in Diário de Lisboa de 28-1-1953.

3.

Este desenho voltará a ser publicado no n.O 2 do Jornal de Arganil, 5-4-1913.

4.

A Águia, II, 2, p. 19, Porto, 1912.

5.

Silva Passos, in A Capital de 9-5-1912.

6.

Jorge Barradas, in Diário de Lisboa de 5-12-1963.

7.

Ver J.-A. França, Amadeo de Souza-Cardoso (Lisboa, 1957), p. 14. 8 Id., ibid., p. 16.

8.

Anónimo, in A Lucta de 10-5-1912.

9.

Anónimo, in A Capital de 5 -6-1913.

10. Entrevista com Nuno Simões in O Primeiro de Janeiro de 6-5-1915. 11. Catálogo do 2.° Salão dos Humoristas Portugueses, Junho 1913, p. 14. 12. Fernando Pessoa, «As Caricaturas de Almada Negreiros», in A Águia, II, 16, p. 134, Porto, 1913.

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13. Palacete do Marquês da Foz e onde em 1974 esteve instalada a Embaixada do Brasil (Rua da Emenda, 53). Ver Fernando Pessoa, Páginas de Doutrina Estética, nota de Jorge de Sena, p. 312 (Lisboa, 1946). . 14. Cotinelli Telmo, «Almada», in Acção, n.O 11, Lisboa, 3-7-1941. 15. O Século Cómico, n.O 801, Lisboa, 20-3-1913. 16. Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 17. O nome de A. N. figura como director da equipa artística (que compreendia Stuart,Jorge Barradas e Castané) até ao n.O 7. Só dois desenhos são assi-

nados por ele (n.o 1— o primeiro desenho do jornal — e n.O 4), outro

devendo ser-lhe atribuído, também no n.O 1. Saíram vinte números do jornal (7 Abril a 18 Agosto 1914). 18. ln Ilustração Portuguesa, n.O 370, Lisboa, 24-3-1913. 19. Reproduzido in Contemporânea, n.O 2, Lisboa, Junho 1922. É datável pela forma da a Sinatura. 20. «As Aventuras de Dom Polichinelo», in Ilustração Portuguesa, n.O 416, de 9-2-1914. 23 Ver nota n.O 20.

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Trinta anos de desenhos de agitação de ideias problemas artísticos de mocidade (In catálogo da exposição «Almada», Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna, 1984)

Cottinelli Telmo



Desenho (1928)

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Almada: Quando saí da tua exposição – «Trinta anos de desenho» – trazia comigo trinta anos de saudades! Outros que vão lá vêem apenas os teus trabalhos: eu, pelo que tu representas no meu passado, vejo ali trinta anos de Almada e trinta anos de mim próprio: Saudade! .... Talvez que um artigo sobre isto tudo devesse ser no estilo de Almada, num estilo revolucionário ou noutro a querer ter um tom superior, para se acreditar no crítico, para o crítico estar à altura do criticado…!? Não: vai em estilo «saudade», regrado, claro, discreto. Se há ainda quem não te compreenda inteiramente, ao menos que me compreendam a mim. Comigo estão uma centena de pessoas, em cortejo, chamando Almada à boca de cena: porque tu já não és: nem o excêntrico que um dia se vestiu de azul que não era «o da tabela para homens» e provocou escândalo no Chiado; nem o revolucionário do «K4 o quadrado azul», das conferências futuristas no Teatro da República e na Liga Naval, e doutros desabafos; nem o agressor de altas personalidades em

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«Trinta anos de desenho» (1941)

panfletos de «Morra, pim!»; nem o homem perigoso, nem o louco perigoso: hoje és o Almada de sempre, apenas com a diferença de seres o Almada aceite, o Almada compreendido. Quer isto dizer que foste sempre o mesmo e que apenas os outros levaram trinta anos para chegarem a perceber como tu eras então! E eras... muito simples. Eu próprio, que te conheci de perto, e de perto te segui e admirei, chego a estranhar que alguns dos teus aspectos me tivessem parecido estranhos. Afinal eras tal qual como qualquer de nós, apenas mais inteligente e sensível do que muitos de nós. A admiração que sentíamos por ti, e que era de baixo para cima, prova o ascendente que exerceste sobre tantos, à custa naturalmente de qualquer coisa que em ti abundava e em tantos faltava! Em vários terrenos seguiste sempre à frente: tivemos muitas vezes de correr para te acompanhar... Não sei para que se inventou então a designação de futurista, quando havia a de precursor, mas escolhe tu uma delas para te desigares, porque qualquer delas te serviu e serve com inteira justiça. Dando um balanço grosseiro às minhas recordações vejo um Almada fisicamente estranho (só nisso!) com olhos de faraó, olhos do futuro «Narciso do Egipto» atravessando a grandes e pesadas passadas uma sala da Escola Internacional, onde era aluno (1913 – 7.° ano – rua da Emenda) e expunha perto e 90 desenhos, os seus primeiros desenhos – e perto de 90 como agora! – Dessa exposição só figura nesta o 2 («Compasso de espera»). Mas tinhas melhor, muito melhor, nessa

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quantidade e variedade onde já se pressentia o Picasso que vieste a conhecer mais tarde, e onde se viam todos os recursos de que poderias ter disposto, se tivesses querido. Vejo-me a ler o teu K4 o quadrado azul na Escola de Belas-Artes, e a saborear essa revolta contra os adjectivos e a gramática oficial; poema feito quase só de substantivos, descaradamente associados como no nosso subconsciente se associam da forma mais natural as mais distantes ideias; poema com que tu provocavas o acordar estremunhado do público e gozavas infantilmente o teu desabafo. Vejo-te na conferência do Teatro da República ... Que celeuma idiota que provocou a tua ideia de te apresentares numa cena de salão voltada do avesso, isto é, com as grades de madeira e as costas da pintura viradas para o público! E ninguém se lembrou disto, que afinal é simplicíssimo que tu querias um cenário sossegado, limpo, liso, e que a uniformidade da cor neutra da linhagem não pintada realizava plenamente o teu objectivo, com certeza muito melhor que a farfalhefra pictorial e indigesta que o cenógrafo tenha improvisado para uma opereta, com uma arquitectura inferior à da quadrícula despretensiosa do engradado de pinho! Hoje, terias tido a rotunda em que nesse tempo se não falava, mas logo se entendeu – e tu deixaste que o entendessem, para te divertires com a estupidez alheia e com a tão feroz como improfícua intransigência de certas mentalidades – que o teu propósito era virar o mundo do avesso, pôr as coisas de pernas para o ar, entortar o que estava direito, destruir os hábitos, porventura destruir a família, o lar – sei lá!? – a felicidade humana... Como tu te divertiste infantilmente, a brincar com o «tigre público» com a inconsciência das crianças!... Afinal, acabaste por amansá-lo... Porque não nos iludamos acerca da unanimidade da opinião pública a teu respeito: o que se criou foi o hábito novo de te considerarem, em vez do hábito antigo de descrerem de ti, de te temerem de te não tomarem a sério! Lembro-me da tua «Engomadeira» com a sua prosa neo-Eça, reacção sem a dinamite do «K4» mas reacção contra o bem-escritinho, contra o manual do perfeito romancista. E pensando no que escreveste vêm-me à ideia as pequenas invenções admiráveis em prosa e

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La Goya na canção Flor Cahida»

verso, na Contemporânea, no Orfeu. Estou a ver-te na liga Naval, na Invenção do Dia Claro, a lançar a novidade inteligente de partir a tua conferência em partes e preencher os intervalos com a recitação de versos teus: -Em minarete mate, bate, leve, verde-neve, minuete de luar...» – mera questão de palavras sabiamente escolhidas e juntas, a darem musicalmente a ideia do «nocturno» – poesia verdadeira, numa palavra, e não loucura a pedir colete de forças. Excitação no meio estagnado, acção catalítica – e não era pouco! ... E quantas, quantas manifestações da tua vivacidade enorme de espírito, agudeza de inteligência, lucidez, servidas por uma coragem enorme para lhes dares largas, desprezando a opinião pública, ou servindo-te dela como estímulo para o teu próprio progresso. Raros são aqueles de nós que conseguem ser aquilo para que a Natureza os empurra: a toda a hora nos impomos restrições, acertando o passo pelo vizinho do lado, umas vezes pelo conhecimento prévio de que é inútil tentar impor uma ideia ou uma teoria, outras porque uma escravidão ancestral nos obriga a regular os nossos actos por uns «códigos de bem viver», ou coisa que os valha, a que nós próprios acrescentamos todos os dias umas proibições nossas, que neles não existiam. Um Almada transigente, correcto, «sem pisar o risco», domesticado, teria sido «MAIS UM»; o Almada rebelde, aquele que dentro do seu aparente desequilíbrio, foi o mais equilibrado

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de todos, aquele que fez escola, que estimulou, que acordou, que agitou, afrontando troças, sofrendo epítetos desagradáveis, sujeitando-se a ser posto de parte e apontado como uma coisa indesejável – foi «UM ÚNICO». Ah – se fôssemos sempre capazes de sermos o que somos! Se em vez de fazermos por ser compreendidos, esperássemos indiferentemente que a compreensão dos outros viesse até nós!... Mas não: tu, Almada, fizeste um fato para um corpo; nós, em geral, fazemos... um corpo para um fato e morremos sem sequer o ter vestido!. .. Um dia começaram por cá a recorrer a sério aos teus talentos. Vieste de Espanha com a glória de ter trabalhado para todas as revistas e jornais, e ter decorado dois cinemas (Barceló e S. Carlos) e um teatro (Muñoz Seca). Deram-te os vitrais da Igreja de Fátima, deram-te os «frescos» do «Diário de Notícias e por fim o Ministério das Obras Públicas chama-te a decorar a Estação de Correios de Aveiro. Só faltava que se praticasse um acto de justiça: o de te fazerem representado no Museu de Arte Contemporânea... Até disso já te julgaram merecedor... Parabéns!... Um primeiro olhar pelas duas salas do estúdio do S.P.N. diz logo que estamos diante dum caso especial: há uma suculência de claro-escuro a animar as paredes, de «gordos» motivos a lápis preto, raramente acompanhados por uma nota de cor que só serve para os realçar. Depois, os desenhos a lápis têm dimensões excepcionais para o processo e para os nossos hábitos. São peças ricas por todas as razões, peças dum «museu Almada» bem apresentadas na generosa marginação a branco e no sublinhado acertado da moldurinha pinho na cor natural.

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«Arlequim e mulher» (1940)

«Angeles Ottein» (Diário de Lisboa, 7 de Dezembro de 1923)


Desenho (1930) b

A história dos trinta anos desenrola-se com interesse, embora tivesse sido possível, com mais tempo e muito mais trabalho de investigação, substituir algumas peças por outras mais representativas. Mas não: está tudo muito bem: a quantidade é a precisa e foi um achado conseguir que, numa série de anos, os anos se sigam sem uma falha e realmente se possa acompanhar, certa exactidão, o que foi a evolução de Almada. Peças raras, a do Banheiro da Trafaria (1911-1) e a do Compasso de espera (1912-2). Quem diria que Almada passou por isso? E que variedade de recursos que série de influências até que a personalidade se começou a definir! Os temas da moda – arlequins, mesas à janela com garrafas e guitarras, marujos – são tratados por vários processos: à pena, a traço seco; à pena, em claro-escuro caligráfico; com belezas de aguadas e guache em corpo; a lápis puro. De vez em quando aparece uma obra-prima como esse Contorcionista (1922-20) delicioso poema de curvas expressivas, de finuras de observação, de intenções requintadas, sumarenta de invenções. Até que um dia surge finalmente o almada em letras minúsculas, o almada cada vez mais menino à medida que vai sendo cada vez mais homem, cada vez mais hesitante quanto melhor sabe o que quer e aonde quer chegar. É o almada que se quer libertar daquilo que contém em si muita ciência, muita erudição, muita poeira nos olhos. Almada quer que os seus olhos se apossem do tema com a alegria infantil com que os das crianças se embebem da estampa do cavalo de pau; se apossem e o vejam com os mesmos olhos infantis.

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Primitivismo ou primarismo artificial, dirão. Não: isolamento, em nós próprios, do primarismo que nunca nos abandona; depuração, negativa, se quiserem, mas depuração da sensibilidade infantil pura que nos acompanha sempre e que transparece e se refina em nós quando admiramos e nos revemos nos primarismos naturais dos artistas do povo, sem cultura, sem erudição. É o almada que delira na descoberta do carácter do tema, que se desentranha em dar-lhe o máximo de expressão, criando-lhe até uma natureza própria, se for preciso, até que a sua natureza de artista se possa sentir possuída do tema e da sua obra com a alegria final que é prémio do trabalho realizado com alma; com a mesma alegria infantil para a estampa do cavalo de pau. Almada, o último, o da assinatura de pau de bandeira para embandeirar nos dias festivos como o da abertura desta sua exposição – assina como desenha, timidamente, ou antes, prudentemente, no entanto com menos medo de errar do que de não errar. As suas aparentes falhas de desenho não derivam contudo de um propósito de errar, para se dar ares de primário: são uma consequência do propósito de despir o que faz de complicações, de procurar dizer tudo com o menor número de «gestos e palavras» possível, com a esquematização explosiva com que as coisas ocorrem ao espírito. E com um máximo de expressão. Ora este máximo de expressão consegue-se melhor quanto mais o desenho se aproxima daquilo que sentimos, em vez de ser daquilo que vemos (e que é muito o fruto, também, daquilo que sentimos). O que é preciso é não esquecer que não é só desenho aquele cujas linhas se ajustam, à transparência, como as da fotografia tirada

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Desenho (1922)


ao mesmo modelo. Se desenho é só isto, então... viva a fotografia!.. E não nos esqueçamos, para reforçar o que dissemos acima – que, com o hábito, nós deixamos de ver as pessoas como as vimos pelas primeiras vezes, prova de que alguma coisa interior nos pode modificar a visão. – E esta coisa interior é o que passamos a sentir e a saber dessas pessoas! Almada raramente trabalhou para a galeria; quase sempre o fez para si próprio. Um estranho egoísmo de dois bicos levava-o, por um lado a esquecer-se dos outros procurando apenas o que a ele próprio apetecia fazer – por outro, a esquecer-se de si, por não ir ao encontro daquilo que aos outros apeteceria que fizesse. Qualquer coisa lhe serve de tema: em tudo encontra pretexto para gozar a sós consigo e com os seus desenhos.

Desenho (1930)

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Mulher nua, sentada ou de pé, modelo real ou imaginário, são o «déclic» que põe o seu complexo organismo de... relojoaria em movimento. Complexo apenas nos poemas que gera a roda de uma curva de coxa ou curva de braço, curvas saboreadas não para atingir uma exactidão fotográfica que não interessa senão às objectivas, mas para alcançar a expressão que lhes atribuiu ou descobriu e que procura que os desenhos contenham a trasbordar. O desenho dum pé. duma bota, da mão que segura ou aponta, adquire, à custa duma análise profunda. uma fisionomia inconfundível que não se deve assimilar à caricatura, ou que é, sim, um caso caricatural da Natureza, como todos os que fogem dos cânones convencionados. À mão aristocrática ou a mão grosseira, depois de achada a geometria da sua expressão unitária, sofrem ainda as operações de conciliação com os outros particulares do modelo – e assim, nada há nos desenhos de Almada que não reflicta uma harmonia de linhas, uma relação harmónica de linhas, uma invenção de harmonias e de efeitos tal que parece encontrar-se em suspensão nos seus desenhos o movimento de comoção interior que os gerou. Composição! Arquitectura! Se alguma coisa se pode imputar a Almada, é ter de vez em quando a volúpia do feio, do belo horrível. Em Almada não há a tragédia do insatisfeito, mas há uma insatisfação constante, ainda que alegre. E esta insatisfação condu-lo ao feio, depois de ter passado muitas vezes pelo máximo de beleza... e não ter ficado por aí!... 
A doce humanidade que existe nesses dois lindíssimos painéis para os C.T.T. de Aveiro – nessas duas figuras de mulheres: a que se afinca na escrita da carta e a que se deleita na leitura da carta recebida; composições de notável beleza e verdadeiro ovo de Colombo da alegoria para um edifício de correios – torna-se a aterradora tragédia no«homem que leva a mulher às costas» – e é simplesmente desagradável (sem o atractivo da tragédia) no -Nu- (1941) com pés e mãos onde poderia haver a mesma beleza que há na estrutura arquitectónica geral da figura.

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«Arlequim» (1923)

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E por outro lado tem a candura idílica da «Sesta» (1939-76) não portuguesa e tão bonita; a estampa aristocrática da «Menina à escocesa» (1928-30) a e elegância saudável, helénica, da «Dançarina repousando de pé» (1934-53); e a outra «Sesta» (1937-64), pelo entrançado de corpos e de sombras. Estou cada vez mais convencido de que naquilo em que Almada é grande é nos seus desenhos a lápis, alguns dos quais têm a sina das coisas destinadas a não morrerem. Com a sua colecção de lápis pretos de diferentes gradações de dureza – desde o lápis que se esfarela até ao prego que quase não risca – Almada obtém efeitos de cor e de matéria como se estivesse trabalhando com uma paleta riquíssima de cores e tons. Com uma vantagem: a de que os desenhos a lápis têm mais sobriedade, mais unidade, mais dignidade. Não há tentações dispersivas, nem solicitações inquietadoras, como quando se trabalha com a cor, e os resultados são calmos, repousantes. Almada trabalha assim: – Descobriu um tema, um tema que pareceria a outro árvore morta; a sua sensibilidade inteligente descobre nele uma história; o seu alto poder de expressão veste-o de predicados e motivos de interesse; constrói com ele uma estrutura... E então entra em acção a sua técnica prodigiosa do claro-escuro a lápis, com que goza, com que goza até ao esgotamento: o prazer de unificar, igualar uma zona ou fundo; o brunir, amaciar da sombra numa superfície curva; o envolver, fundir num só os escuros que andavam dissociados; o acentuar dos limites; o reforçar dos negros até à densidade máxima; o esfumar subtil duma sombra já de si apagada – tudo isto ele faz com um virtuosismo muito pessoal e inexcedível. Com tudo isto, a árvore que a outros parecia morta deu fruto, e esse fruto, onde se condensam virtudes e defeitos, é um fruto dum travo, dum paladar estranho: fruto da árvore Almada, espécie oriental cujos frutos, bem vistos, são talvez

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«As Banhistas» (1925)


no fundo «olhos de faraó», perfumados a âmbar, gostosos de resinas, de canela; estranhos como o físico desse «Narciso do Egipto». Almada: Escrevi... Escrevi sem plano prévio, sem esqueleto! Sinto que isto pode ser quando muito um começo, um esboço duma análise da tua maneira de ser de artista ou de trabalhar. Sinto que me ficou tanta coisa por dizer que quase chego a desejar não ter escrito nada! Fica-me também a impressão dum tema estragado, dum frasco de perfume caro entornado no chão. E no entanto estou certo de que seria capaz de trabalhar melhor o que escrevi de me aproximar tanto da verdade que lhe pudesse tocar com a mão... Saiu isto… paciência!… Parece-me também que devia ter dito mal de ti, para que da minha consciência me afastasse o receio de ter sido mais amigo do que crítico... Não sei… E vão perguntar-me coisas, objectar-me coisas... Estarei eu em erro? Serás tu apenas «o poeta Almada Negreiros» em vez de ter sido, como eu julgo, um farol numa época?

«Milonga» (1940)

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«O Contorcionista» (1929)

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O Desenhador (In catálogo da exposição «Almada», Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna, 1984)

Margarida Acciaiuoli



«Arlequim e Columbina» capa, Ilustração, n.º 79 (16 Fevereiro 1929)

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Almada Desenhador


Almada desenhador é uma identificação imediata e justa, numa certa valoração da carreira de um artista que se foi definindo em vários registos dentro de uma mesma categoria poética. Porém, falar separadamente do desenho, da pintura, do teatro, do ensaio, ou mesmo da poesia, é confiar ao discurso o poder didáctico de formulações fragmentárias. sobre uma obra que foi, mais do que tudo, um gesto contínuo, numa estridência de acção que se revela num grafismo unívoco. Servindo, por isso, menos os lugares onde se determinou, do que a necessidade sentida em se afirmar como presença activa, Almada estabeleceria a relação adequada entre as várias possibilidades formais da arte e o real, fazendo coincidir esse real com a realidade e com o sujeito que, assim, as interpelava. Nele, esta conjugação permanece como característica definidJra, perfilou traço, onde o risco surge numa espécie de iluminação desta sobrepo­sição sempre assumida. Foi sobre ela, aliás, que o desenhador trabalhou, reve­lando desde o recuado tempo do Colégio dos Jesuítas, uma vocação específica para esta forma de inscrição. Mais tarde, em 1927, ele próprio

O Desenhador

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teorizou essa natural aptidão, caracterizando-a como «a mais antiga das expressões do ho­mem», comportando um sentido universal que a distingue de todas as outras, graças à sua capacidade de «imediatez» e «clareza» (1). Essa constatação instala-o sem esforço na mais perfeita correspondência entre o «ver» e o «sentir», na mais original e indestrutível espontaneidade – porque «única ma­neira de fixar a atenção» –, a braços com a natureza inesgotável dos temas, sempre instáveis entre o ser e o seu aparecer. Pertencendo ao que se entendeu chamar a «primeira geração» dos artistas modernos portugueses, com entrada em cena ao longo dos anos 10 – nos Salões dos Humoristas (1912 e 1913) e pela grande polémica do futurismo, nas páginas das revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917) –, Almada foi uma intervenção buscada e antecipada. Sob a aparência do sensacionalismo, este «poeta do Orpheu e tudo», este «Narciso do Egipto», foi o desenhador mais consciente do seu tempo. O mundo que ele constitui, sempre variado e imprevisível, des­prende de si uma fascinação diversa daquela que se verifica em Cristiano Cruz, Emmérico Nunes ou Barradas, como também diversa seria, pouco depois, a sua marcação na tradução futurista a par de Santa-Rita, Mário de Sá Carneiro e ÁIvaro de Campos. Apostado no elemento desrealizante por excelência, que é o tempo, Almada pôde fazer confluir a sua acção com a invenção de si mesmo, nascendo, assim, deste ajustamento, desenhos naturais e ines-

«La Goya» (Diário de Lisboa, 20 Abril 1923)

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perados. por trazerem consigo a sua história genealógica. Postos lado a lado, os primeiros dese­nhos de Almada permitem articular um itinerário, desde as estáticas alegrias infantis até à descontracção e audácia insuperáveis de um quase puro grafismo. Pelo meio, ficaram temas que se unem numa roda, cujo centro de gravidade cai, por vezes, fora do desenho, determinando um espaço formal que não é nem erótico nem ideológico. Que o tema da Commedia dell’Arte o tenha fascinado e menos significativo do que a futurização que ele põde fazer confluir na aber­tura de sentido dessas figuras, tratando-as aquém da sua história, numa invenção de si e de uma trajectória formal, que acabará por definir como «caminho para a pintura» (2). Passando de motivo a motivo, de cena a cena, ele reconstrói um quotidiano nacional e lisboeta, até, em 1919-1920, poder fazer-lhe a história. Por outro lado, ao adoptar esta cidade como sua, ela tornar-se-ia até então no objecto privilegiado de apontamentos ágeis e saborosos, logo anunciados com a publicação do seu primeiro desenho, em 1911, em A Sátira. Intitulado «razão ponderosa», esse apontamento trazia já a marca de uma observação transformada em «atenção», numa fixação formal que se desenvolveria, no ano seguinte, no desenho publicado no n.o 4 de A Rajada (periódico de Coimbra, dirigido artisticamente por Correia Dias). Entre um desenho e outro, algumas hesitações se verificam entre «influencia­ções» e «tentativas», visíveis nas colaborações em A Manhã, A Bomba (ambos periódicos do Porto), ou em A Lucta (órgão do partido de Brito Camacho), ou mesmo, ainda, nos três números de um jornalzinho feito a copiógrafo no Colégio Internacional de Lisboa, numa idêntica direcção que culmina na «I Exposição dos Humoristas», nesse ano de 1912. Sobre ela escreveria Veiga Simões, aten­ tando no «sopro de graça adolescente de quem vive gritando as coisas com sorrisos leves», nelas «passando leve» também (3). Todavia, o mesmo O Desenhador

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«Razão ponderosa» (A Sátira, 4 Junho 1911)


«Mulher ao espelho» (1953)

articulista não deixou de observar a influência de Cristiano Cruz, evidente não apenas na «concepção técnica», mas também «na mesma escolha nobre de assuntos». Essas proximidades de então, com incursões em diferentes jeitos ou procuras, continuadas ao longo do ano de 1913, nas colaborações esporádicas no Jornal de Arganil, O Século Cómico e no quotidiano A Capital, revelar-se-iam como necessário ponto de partida, se atentarmos depois na originalidade que mostram algumas produções – como a cabeça de Judite – apresentadas na sua primeira exposição individual, em Março desse mesmo ano. Aliás, dois meses após a realização desta exposição, e num depoimento recolhido pelo jornal A Tarde – a propósito da II Exposição dos Humoristas –, Almada aconselharia a «esque­cer» Rafael Bordalo Pinheiro em favor de Celso Hermínio, num jogo de prefe­rências de que há que retirar algumas conclusões. A simplificação do traço com que por vezes envolve figuras dialogantes, síntese de adjectivações que come­çam a dispensar o texto, remetenos para uma fina ironia dissolvida num «polimorfismo» que Fernando Pessoa não deixou de sublinhar na crítica feita à sua primeira exposição individual (4). Tentando uma classificação, dir-se-ia que primeiro está «Lisboa e quem lá vive», e aí vemos tiques, costumes, modas (pretexto logo de uma capa para a revista Contemporânea em 1915), com os novos hábitos do Cine e suas apropriações e paradoxos, mais óbvios nas capas da Ideia Nacional de 13 e 20 de Abril de 1916 – e, por isso, assim tornados títulos na perfilhação de um «arlequim com uma espingarda» ou na retratação de um «Cristo na cruz sem rosto», em polé­mica paralela à exegese literária do grupo Orpheu. Este era, aliás, o resultado de uma contínua intervenção sua, vivida em presença de um outro desenhar –com corpo dado em conferências e espectáculos – confrontado em simultâ­neas situações caricaturais, de pessoas ou coisas, num hábito que lhe ficara dos 54

Almada Desenhador


tempos do colégio e que dera, já em 1911, curiosas caricaturas de políticos e homens da República. Num e noutro discurso falavase então de «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», tornada também, em Abril de 1914, evidente capa de um número do Papagaio Real, numa linha de preocupações antigas que já se haviam manifestado nos primeiros jornais manuscritos de 1905-1906 –, e que, igualmente, dera origem a um outro desenho, publicado no ano anterior, no Jornal de Arganil (5). O mundo pessoal de Almada tem, na verdade, trabalhos ou estudos em carac­terizações obsessionais, num grafismo próprio que evolui a par de uma assi­natura que se dá por inteiro ou se encurta engrossando, de «nome de guerra em nome de guerra», até à sua definitiva afirmação – inscrita num auto-retrato, de 1919, datado de Paris – alma de Almada, onde o «d» se distingue em rup­tura do nome e de uma paralela superação arlequinesca de si próprio. Porém, este mundo de Almada cria-se à luz, sem subterfúgios, enquanto escreve «A Engomadeira» (1915) ou o «K4, O Quadrado Azul» (1917), numa marcação visual de situações e ambientes onde os objectos falam numa antecipação do -Antes de Começara, e que mais real se tornaria ainda na -Invenção do Dia Claro- (1921). Os arlequins, que «não fazem rir nem chorar», constituem neste contexto outra série de imagens, numa idêntica perseguição de si e dos outros (mantida desde a década de 10), numa progressiva conquista gráfica, podendo, por esta razão, aplicar-se ao desenvolvimento desta sequência a definição de desenho que Almada formula em 1930, no depoimento que acompanhou os seus trabalhos ao I Salão dos Independentes (6). Esta temática, teimosamente inscrita ao longo de quase toda a sua produção, permite-nos verificar entre os seus momentos mais decisivos, como aqueles que fizeram nascer a peça –«Pierrot e Arlequim» (1922) e o óleo «Retrato Clássico de Arlequim» (1941), a conjugação permanente de um universo, no qual o desenhador se particulariza, ultrapassando coincidências de moda ou de meras referências simbólicas. Não é, com certeza, O Desenhador

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Desenho (1937)


por acaso, que José-Augusto França vê no «Arlequim sentado à mesa do Café» (1922) uma possível futurização do «Retrato de Fernando Pessoa» (1954), e curioso seria atentar, para além da colocação dos personagens, na abertura de sentido que a encenação daquela figura consente. Na verdade, se a peça teatral facilmente se adaptava a um certo jogo da vida lisboeta da época, iludindo na sua realidade a des-realidade nacional – numa continuidade de gesto e gosto pela invenção de uma história ou de uma pátria «que o merecesse», o «Retrato clássico de Arlequim» (1941), já não tem fim fora dele mesmo, e esta permanente referência deixa de conter, a partir de então, qualquer oculto mistério ou fascinação que o conduza a qualquer outra coisa, para além de si mesmo. Nisso reside, possivelmente, o único trágico que pode caracterizar a sua aventura como desenhador, entretanto dispersa por colaborações em periódicos, que, prolongando-se pelas décadas de 20, 30 e 40, se faziam acompanhar de um concomitante processo de individualização. Dai que a progressão e a continuidade dada pelos seus auto-retratos (1912-49), as incursões em temáticas classicizantes, como a série de «Nus» (1938-41) e «Maternidades» (Agosto 1941) ou as recuperadas pelo tempo (que trazia necessidades formais a que a «natureza-morta», por exemplo, servia, como igualmente serviam as caracterizações de tipologias populares e seus hábitos), possam ser entendidas como sinal de uma preocupação outra, que pela sua permanência supera a representação onde o desenhador se fixa.

«Leitura» (1940)

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Almada Desenhador


As ilustrações na Contemporânea (logo em 1915, depois interrompidas e só retomadas entre 192223), no Diário de Lisboa (desde o seu primeiro número em 1921, ilustrando uma crónica de António Ferro, numa colaboração curiosa que se verifica com uma certa regularidade), no Sempre Fixe (criação da mesma empresa, lançada em 1926), na revista De Teatro (entre 1922-23), no Domingo Ilustrado (em 1926) e na Ilustração (entre 1928 e 1929), dão-nos a omnipresença de um autor, revelado no seu centro, entre auto-retratos e retratações variadas que o ajudam a particularizar-se: «contorcionistas», «bailarinas», «marinheiros», «soldados», «toureiros», figuras de fugidia passagem ou residentes em «situação», com notáveis retratos identificáveis (como o de Alfredo Cortez, em 1926, ou o de Fernando Pessoa, em 1935) ou de perfil indefinido – todos eles alternandose entre a viva marcação dos «Pierrots e Arlequins» ou dos «Arlequins e Columbinas», como a que figurou numa capa da Ilustração, em 1929. Entretanto, a passagem de Almada por Madrid (1927-32) dera-lhe outras oportunidades. Colaborando, pontualmente, na Gaceta Literária e na Revista do Ocidente, ele ilustrou com uma frequência notória as crónicas e os contos de Gomez de La Serna (em La Esfera, de Novembro de 1927 a Agosto de 1930 e no Nuevo Mundo, de Julho de 1928 a Agosto de 1930), paralelamente à realização de uma série de capas para as colecções La Novela de Hoy e La Farsa. DifeO Desenhador

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«Arlequim» (1922)

«Nu» (c. 1940)


«Nu» (s/d)

renciado embora, todo este trabalho permite-nos apreender a linguag,em através da qual as coisas e a imaginação comunicam entre si, insistindo sempre o desenhador na forma como elas o surpreendem ou o confundem. Não sem razão, notou Cottinelli Telmo, por altura da primeira retrospectiva de Almada, que abrangia trinta anos de produção (1911-41), uma «constância» nos seus desenhos, apesar da diversidade dos temas que ele abordava. Na verdade, a noção de dispersão não se aplica a Almada, por paradoxal que pareça. O seu universo e o gesto com que o contorna não têm fim fora dele, e os múltiplos desenhos que captam «mulheres encostadas a uma balaustrada», «conversando», «Iendo», «escrevendo» (estudos para os frescos dos CTT de Aveiro, 1940), ou as retratações mundanas de famílias perfiladas («Carlos Ramos», 1925 e «Novais Teixeira», 1927), ou ainda as «sestas» surpreendidas («Mulher deitada», 1927; «Repouso de ceifeiros», 1932; a «Sesta», 1939), contêm todos um pretexto de fixação da atenção, em aprofundamentos do olhar dados pela perseguição da exterioridade das coisas... Nesta determinação, que é acompanhada por um conhecer outro – que o leva à pintura –, há que situar a referência aos «antigos», de Homero a Platão e Aristóteles até chegar a Francisco de Holanda, passando necessariamente por Delacroix, Braque e Picasso, no caminho «natural» que, para Almada, é o desenho. Inscrevendo-os como fundo do seu «auto-retrato» de 1943, ele assume-se como o mais narcísico desenhador, numa conversão de poeta-pintor a pintor-filósofo. Agora, já não bastavam os arlequins em transfigurações futuras, mas a sua dissolução no processo da Humanidade, do saber, até que o seu rosto revele uma «auto-reminiscência» (1949). De resto, em 1944, no prefácio que Almada escreveu para «Um homem de barbas» de Manuel de Lima, ele pôde constatar que tanto Arlequim como Pierrot – «invólucros de determinados mistérios que ele!’; próprios não 58

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«A sesta» (1939)

atingem e que copiam das nossas pessoas» – eram «águas passadas, já não (movendo) moinhos». O que Almada encontra, como afirma no «Mito, Alegoria e Símbolo» (1948), «só a ele pertence e em propriedade» – e esse encontro é o ajustamento do sujeito consigo mesmo.

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Retrato do jornalista Joaquim Novais Teixeira, mulher e filho (1927)

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NOTAS 1.

Ver artigo «O Desenho» (in A Ideia Nacional, 9-7-1927), [in Obras Completas, voI.

1.

Lisboa, 1972).

1. 1. 1. 1.

5, ensaios 1, Lisboa, 1971].

Cf. «Cuidado com a pintura» (in Obras Completas, vol. 6, textos de intervenção, A Águia, II, 2, p. 19, Porto, 1912.

Ver artigo «As caricaturas de Almada Negreiros», de Fernando Pessoa, in A Águia, III, 16, 1913.

Jornal de Arganil, 5-4-1913 .

«Duas épocas tem o desenho: a primeira, época da atenção respeitando o instinto, a outra, a da correcção do instinto procurando a harmonia. Passa da

sinceridade primária ou romântica à impassibilidade construtiva ou clássica, naquele mesmo sentido em que Ingres definiu a obra clássica: a que não faz rir

nem chorar» (texto de Almada Negreiros, in Catálogo do I Salão dos Independentes, Lisboa, 1930).

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Catรกlogo



1.

Auto-Retrato com Prancheta, 1928 LĂĄpis, 161 Ă— 44 ass.; dat. Col. Jorge de Brito

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2

Auto-Retrato com Paleta, Sintra 1926 Lápis, 134 × 27 ass.; dat. Legenda: «Os olhos são para ver e o que os olhos vêem só o desenho sabe» Ao meu amigo Mário Ribeiro Sintra 26 Col. particular

Catálogo

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3

Retrato de Alfredo Cortez, Lisboa 1926 Lápis, 32,5 × 25,5 ass.; dat. Dedicatória: «para Alfredo Cortez Lx. 26» Col. particular

4

Rosto de Mulher, 1932 Lápis, 53,5 × 36 ass.; dat.

66

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Col. Particular


6.

Rosto de Mulher, 1933 Lápis, 32,5 × 23 ass.; dat. Col. particular

5

D. Rufino Blanco Fomlona, Madrid 1927 Lápis, 37 × 26,8 ass.; dat. Col. particular

Catálogo

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7

Accessit, 1932 LĂĄpis, 34 Ă— 22,7 ass.; dat. Col. C.A.M.

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8

9

Peixeira, Madrid 1928

Peixeira, 1933

Lápis, 31,5 × 24

Lápis, 38 × 28

ass.; dat.

ass.; dat.

Col. particular

Col. Jorge de Brito

Catálogo

69


11

10

La Jota, 1926

Campino, 1933 Lápis de cera , 47 × 33 ass.; dat.

ass.; dat. Col. Jorge de Brito

Col. Jorge de Brito

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Lápis, 133 × 25

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12

Banhista, 1932 Lรกpis sobre papel 330 ร 220 mm ass.; dat. Col. Rosa Bustorff Burnay

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13

Santa Mulher, Lisboa 1937 Lápis, 69 × 47 ass.; dat Dedicatória: «à Rose Mary e ao Ruben Lisboa 29-3-52 presente pelo seu casamento» Col. C.A.M.

14

Marinheiro e Rapariga, 1928 Lápis, 62,5 × 40,5 ass.; dat. Col. C.A.M.

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16

A «Soirée», 1927 Lápis, 52 X 36,5 ass.; dat. Col. particular

15

Senhora e Crianças Lendo, Madrid 1928 Lápis, 60 × 47 ass.; dat. Col. particular

Catálogo

73


17

Casal Sentado num Banco, 1933 Lápis, 44,5 × 59 ass.; dat. Col. particular

18

Auto-Retrato com Sarah Affonso Lápis, 68,5 × 50,3 n. ass.; n. dat. Col. Particular

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19

Figuras de Circo, 1933 Lápis de cera, 50,2 × 48,2 ass.; dat. Legenda: «À Sarah Affonso com a minha maior admiração» Col. particular

Catálogo

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20

Camponeses Repousando, Lisboa, 1937 LĂĄpis, 41,5 Ă— 61,5 ass.; dat. Col. Particular

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22

21

Repouso, 1932

Saltimbancos, 1938

Tinta da china, 30 × 40

Lápis, 64,5 × 52,5

ass.; dat.

ass.; dat.

Col. particular

Col. particular do Porto

Catálogo

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Catรกlogo

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23 (pagina anterior)

A Sesta, 1939

Carvão, 68 × 100 ass.; dat. Col. Museu Nacional de Arte Contemporânea

24

Nu ao Espelho, 1937 Lápis sobre papel 361 × 236 mm ass.; dat. Col. Particular, Lisboa

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25

26

Mulher Debruçada Lendo

Nu Sentado de Costas, 1946

Lápis, 29,5 × 21

Carvão,47 × 31

ass.; n. dat.

ass.; dat.

Col. particular

Col. Jorge de Brito

Catálogo

81


27

Casal Abraçado, 1948 Lápis, 26,5 × 19,5 ass.; dat. Col. particular

28

Maternidade Lápis, 68 × 56 ass.; n. dat. Col. Jorge de Brito

29

Mulher Despindo-se, 1933 Tinta da china, 30 × 40 ass.; dat. Col. particular

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30

Par nu, 1939 Lápis sobre cartão 500 × 506 mm ass.; dat. Col. Particular, Lisboa

31

Gémeos (Constelação), 1937 (Estudo para o fresco da sede do Diário de Notícias) Lápis, 96 × 66 ass.; dat. Col. particular

32

Nu Feminino Sentado, 1938 Lápis, 64 × 50 ass.; dat. Col. particular

Catálogo

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34

Par Nu, 1939 Lápis, cartão, 50 × 50 ass.; dat. Col. particular

33

Par Nu, 1939 Lápis, 36,7 × 26 ass.; dat. Col. particular

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35

Maja, Madrid 1932 Aguada, 24 × 31,2 ass.; dat. Col. particular

36

Figura feminina deitada, 1943 Lápis sobre papel 660 × 680 mm ass.; dat. Dedicatória: «A Europa jaz, posta nos cotovelos: o rosto com que fita é Portugal: Fernando Pessoa, Mensagem» Col. Particular, Lisboa

Catálogo

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37

Três jovens, 1935 Lápis sobre papel 695 × 460 mm ass.; dat. Col. Particular, Lisboa

38

Mulher Deitada Escrevendo, 1940 Lápis, 44 × 101 ass.; dat. Legenda: «Para o Arq.o Adelino Nunes do amigo e companheiro» Lx. 11-2-41 Col. Jorge de Brito

39

Mulher Deitada Lendo, 1940 Lápis, 44 × 101 ass.; dat. Col. Jorge de Brito

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Catรกlogo

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40

Rapariga Apoiada na Mesa, 1934 LĂĄpis, 49,5 Ă— 45,5 ass.; dat. Col. particular

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41

Rapaz Sentado à Janela Lápis, 54 × 38 n. ass.; n. dat. Col. particular

Catálogo

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42

Duas Mulheres do Povo LĂĄpis, 65 Ă— 50 n. ass., n. dat. Col. Jorge de Brito

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43

Auto-Retrato, 1948 Lรกpis, 68 ร 45,8 ass.; dat. Col. C.A.M.

Catรกlogo

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44

Retrato de Fernando Pessoa, 1935 Tinta da china, 49 × 34 ass.; dat. Col. particular

45

Casal Abraçado, 1948 Tinta da china, cartão, 46 × 70 ass.; dat. Col. Particular

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46

Cabeรงa de Arlequim Lรกpis, 34 ร 22 ass.; n. dat. Col. particular

Catรกlogo

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47

Égua e jumento, 1948 Lápis sobre papel 485 × 480 mm ass.; dat. Dedicatória: «Para a Marga e Dario, Natal 48» Col. Particular, Lisboa

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49

Crianรงa a Cavalo e Mulher, 1945 Lรกpis, 63,8 ร 43,4 ass.; dat. Col. particular

Catรกlogo

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50

Homem com Mulher às Costas, 1948 Lápis, 69,5 × 45,7 ass.; dat. Col. particular

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