Arquitetura e agroecologia - TCC DAU PUC RIO - João Vitor Ximenes, 2022.2

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[arquitetura e agroecologia]: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

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joão vitor ximenes anselmini

imagem de capa por matheus rosemberg

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arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas aluno joão vitor ximenes anselmini orientador fernando minto coorientador roberto lucas junior

arq1110 | projeto final de graduação departamento de arquitetura e urbanismo pontifícia universidade católica do rio de janeiro, 2022.2

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Agradeço e dedico este trabalho, primeiramente à Deus, pois sem Ele e sem minha fé, nada disso seria possível. À minha família, em especial aos meus pais Fátima e Sidinei, que fizeram de tudo por mim todos esses anos, abriram mão de muitas coisas para que eu pudesse realizar esse sonho hoje, batalharam muito para que eu pudesse ter todas as oportunidades que eles não tiveram e sempre me apoiaram em todas minhas decisões. Agradeço também ao meu irmão Daniel e minhas primas Samaria e Ingrid que sempre me apoiaram e estiveram comigo em cada passo da minha vida. Ao Freddie, meu amado gatinho que em meio à tanta loucura, sempre me trouxe afago e carinho.

Às minhas afilhadas, Bibi, Emily e especialmente à Vick, que me trazem imensa alegria e me fazem ser alguém melhor todos os dias.

Aos meus amigos e amigas de turma, sobretudo à Luísa, minha dupla, sócia e parceira. Ao Gabriel, Antônia, Kevin, Bárbara, Suzana, Millena, Guilherme, Pipe, Renato, Paola, Duda, João Marcos, Isabela, Mariana, Vanessa, Carina etc, que estiveram ao meu lado nesse trajeto árduo da graduação, tornaram todo o processo mais leve e as noites indormidas mais felizes.

Agradeço aos meus grandes presentes que ganhei do DCE PUC RIO e que carregam comigo a memória mais deliciosa desse lugar: Mateus, Gabriela, Maria, Julia, João Pedro e Duda.

Aos meus mais fiéis amigos e amigas que estão, estarão e mais que isso: sempre estiveram do meu lado desde sempre, à vocês, meu carinho especial: Mayara, Gigi e Luli, minhas

paixões de toda uma vida, minha sorte; Kallie, Victoria e Lívia, minha certeza, meu emotional support; Edu, Malu, Erika e Igor, minha fiel irmandade; Alice e Gio, parceiras e donas das minhas risadas mais sinceras; João Daniel, Natália, Edu, Adrienny e Andrea, meu amparo e suporte. Obrigado por confiarem em mim, me incentivarem, me fazerem acreditar que sou capaz, aguentarem meus surtos nesse longo trajeto.

Ao corpo docente da universidade, com quem muito aprendi, em especial ao meu orientador Fernando e coorientador Roberto Lucas, pela força, apoio e conhecimento. Em memória, ao Fernando Betim, meu primeiro chefe e Vera Hazan.

Às pessoas que contribuiram para que eu conseguisse ingressar nessa universidade: Pe. Marcos Vieira (em memória), Augusto Sampaio, Pe Waldecyr, Pe Marcos B. e Maurício.

Aos colegas do Acampamento Edson Nogueira, do Coletivo Terra, da SOLTEC-UFRJ e da AJUP, que muito me ajudaram neste projeto e me acolheram de forma fascinante, em especial Anna Beatriz, Matheus, Igor, Sandra, Lirayen, Elias, Bea e Sara.

Por último e mais importante, agradeço e dedico este trabalho, e em especial, essa graduação e todo meu esforço em memória de tia Lineda, que muito apostou em mim a vida toda e que sempre me incentivou a ser perseverante. Tudo que sou hoje, tudo que conquistei e tudo que vem por aí, tem muito dela e sei que estou orgulhando-a de onde estiver. Obrigado, tia, madrinha, parceira, segunda mãe, esse diploma é seu também.

4 | agradecimentos

“Não é porque você tem recursos limitados que deve aceitar a mediocridade.”

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Francis Kéré

No meu rancho lá na roça Sou bastante acomodado, Tenho meu fogão de lenha, Um café requentado, Um cachorro vira lata, Um galo bem encantado

Se você chegar lá vai ficar admirado, muitos frutos nas árvores fartura pra todos lados, vai ver que lá na roça tem um farturão danado.

Logo de manhasinha

O galo da seu cantado, O cachorro o latido, O gato dá seu miado, A vaca da seu mugido, E já estou levantado.

O que é interessante, O rádio está ligado, Os programas sertanejo São os mais escutados, E também as reportagens Para ficar informado

Esta é a minha história Da vida lá no roçado, Plantei minha paixão por lá Por isso estão convidados De passar o Natal comigo, Comendo queijo e melado, Lá na roça tem fartura Ninguém é ignorado

A Minha Vida Lá na Roça – Paulo Poeta

proposta de projeto final, joão vitor ximenes

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01 02 03 04

introdução

12-13 | apresentação 14-17 | contextualização espacial 18-19 | as lutas por terra e reforma agrária 20-23 | agroecologia: alternativa para vida campesina o território 26-31 | a mesorregião norte fluminense e seu papel nas lutas pelo território 32-39 | incoerências em escala territorial 40-53 | área de estudo: o acampamento edson nogueira 54-59 | interpretações de uma nálise de campo: do território virtual à vida na escala humana 60-65 | a unidade pedagógica marielle franco 66-71 | as condições atuais de abastecimento de água e tratamento de esgoto dentro do acampamento o projeto 74-75 | metodologia de projeto 76-81 | recorte de aproximação projetual 82-83 | objetivos e princípios de ação 84-87 | intervenções na escala macro 88-101 | o núcleo água: saneamento e abastecimento ecológico 102-106 | o sistema estrutural 107-125 | o novo centro de formação agroecológica bibliografia 126-127 | referências bibliográficas

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

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sumário

imagem da minha primeira visita de campo: quando eu tive certeza que havia escolhido o tema certo. um agradecimento especial para os colegas do mst, da soltec, do coletivo terra e sobretudo, aos companheiros do acampamento edson nogueira. registro de um momento especial

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

imagem 01
projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 10
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1.1 | apresentação

arquitetura e agroecologia:

alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

Cada vez mais têm se manifestado a mais cruel das diversas faces do sistema capitalista no brasil: a desigualdade social; sobretudo em um contexto de crise econômica e política mundial. Por consequência, a crise de habitação nas grandes cidades têm se aflorado e tornado ainda mais urgentes as discussões sobre a luta por moradia e por reforma agrária. Temos ao longo de todos esse anos, um grande histórico de conflitos por terras e edifícios que se encontram sem algum uso social, causados principalmente pela concentração fundiária, que é uma questão latente no nosso país.Essa situação contribui, principalmente, para o aumento da pobreza e aumento dos conflitos de busca pelo direito de habitar. A comercialização e limitação do acesso à terra, nos permite enxergar as nuances por trás desse sistema de privilégios e desigualdades.

Nessa esfera de desigualdades e resistências, a luta de movimentos sociais de ocupações de terras ociosas entra como protagonista na garantia do direito à moradia. Mais que isso, existe o enfrentamento das diversas limitações recorrentes nas ocupações rurais. O distanciamento das infraestruturas básicas de saúde, educação e trabalho, tornam-se um desafio muito grande, sobretudo quando se fala da conexão entre o campo e a cidade. Além disso,

a precariedade do sistema de energia e de saneamento básico, que são necessidades substanciais, interferem diretamente nas relações do indivíduo com a terra, impactanto na prática e no aprendizado do manejo agroecológico também dos recursos hídricos.

O acampamento Edson Nogueira (MST), objeto de estudo deste presente trabalho, está localizado na zona rural do município de Macaé, na rodovia RJ168. A ocupação vêm se organizando desde abril de 2018 e por meio de uma Unidade Pedagógica, os moradores e trabalhadores do acampamento buscam formar e alfabetizar jovens e adultos por meio da teoria e do manejo agroecológico, dando à essa terra uma função social e estimulando a cultura da produção alimentar e auto-gestionária e do trabalho coletivo e comunitário. Assim, este trabalho busca compreender as dinâmicas, as necessidades e as implicações sociais da comunidade nesse território e propor soluções sustentáveis que contribuam para a vida campesina nas ocupações, sobretudo as que permeam as questões de saneamento. O objetivo é entender como a arquitetura pode contribuir para dar autonomia às ocupações rurais.

imagem 01: foto de visita de campo c/ coletivo terra, parceiros e acampados - em maio de 2022 imagem 02: autor desconhecido - disponível em https://www.eosconsultores.com.br/dificuldadesabastecimento-de-agua-na-zona-rural/

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

12 01 | introdução
imagem 02
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| contextualização
1.2
espacial

imagem 03 fonte: imagem satélite retirada do google earth pro visitado em: 10-04-22

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

imagem 04 fotografia aérea tirada com drone em: 04-06-22 por: pablo vergara arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

mapa (1) assentamentos

rurais no brasil

Mapa recriado a partir de mapa existente de assentamentos rurais no brasil do ibge (2016) Fontes: 1. Assentamentos rurais. In: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Acervo Fundiário Digital. Brasília, DF: Incra, 2018. Disponível em: <http://acervofundiario.incra. gov.br/geodownload/geodados.php>.

2. Famílias assentadas: histórico até 2016. Brasília, DF: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, 2016. Disponível em:<http://www.incra.gov.br/tree/info/file/11934>.

até 500

número de famílias 501 a 1 000 1 001 a 2 000 1 001 a 2 000 250 500km

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Em um contexto de crise econômica, política e social, a crise de habitação nas grandes cidades têm se aflorado e tornado ainda mais urgentes as discussões sobre a luta por moradia e por reforma agrária. Assim, há muitos anos, entidades sociais como o Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) têm se organizado contra a concentração fundiária no país e têm trazido a moradia no campo como alternativa.

O MST, hoje, é a maior organização de luta por terra e reforma agrária do país e possui um alcance em esfera nacional e internacional, tendo bases organizacionais, ocupações e assentamentos espalhados por todas as regiões do Brasil.

A luta comprada pelo movimento é fruto de uma demanda inicialmente vinda da classe trabalhadora do campo, com objetivo de propor uma reorganização espacial e social a partir das dificuldades enfrentadas pelo produtores da agricultura familiar na vida campesina. No entanto, não deve-se limitar o movimento apenas à luta pela terra, uma vez que

“[...] seu reconhecimento não se limita a esta frente de luta específica, pois em sua trajetória construiu uma concepção de luta pela terra articulada, de forma vital, com outras lutas, como a luta pela educação, soberania alimentar, cultura, produção.” ¹

Além do MST, outros movimentos e coletivos se organizam há muitos anos contra a concentração fundiária no Brasil, mas apenas com o Artigo 184 da Constituição Federal² de 1988, as instâncias governamentais passaram a fazer políticas públicas voltadas para a reforma agrária através dos processos de assentamentos rurais. O número de famílias assentadas no Brasil teve o seu apogeu nos anos de 2005 e 2006, durante o primeiro mandato do ex-presidene Lula e passou por uma redução de ritmo nos seguintes anos (vide gráfico 1)

gráfico (1) assentamentos rurais (2002-2016)

1. AZAR, Zaira. O MST e a luta pela terra: uma luta para além das reformas Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 11951212, 2018r

2. “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, vutilização será definida em lei.”

gráfico 1 - assentamentos rurais (2002-2016) disponível em: <http// www.ibge.gov.br>

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números de
160k 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 140k 120k 100k 80k 60k 40k 20k 0
famílias
1.3 | as lutas por terra e reforma agrária

agroecologia: alternativa pra vida campesina

Em um país que a indústria de alimentos é controlada pelo agronégocio, um movimento de produção sustentável e ecológica se torna cada vez mais urgente. Dessa forma, a agroecologia surge como melhor alternativa para um modo de vida mais saudável, através de uma produção rica em nutrientes, sem agrotóxicos e produtos químicos e com uma tecnologia mais limpa, gerando menos impactos ambientais negativos. Assim, para um melhor entendimento dos objetivos deste trabalho, esse tópico visa formular de forma sintética os conceitos e as bases da agroecologia para que se compreenda a relação do termo com a construção civil-arquitetônica.

‘Eco’ vem da palavra grega ‘oikus’ que significa casa, lugar, e quer dizer que cada lugar tem seu sistema e seus ciclos sendo fundamentalmente diferente dos outros. Portanto, ‘Agro-Ecologia’ significa uma agricultura dentro dos contextos dos sistemas naturais.” (PRIMAVESI, Ana)³

Em ambas suas escritas, Ana Primavesi se refere à prática agroecológica relacionada ao solo e à plantação, entendendo que o objetivo dessa prática é, principalmente, a prevenção e eliminação das causas dos problemas, em lugar do combate dos sintomas, sempre de forma sistêmica e cíclica, isso é, principalmente, o que a difere da agricultura orgânica. Ou seja, sempre que os manejos na agricultura são realizados de forma à respeitar as condições locais do ambiente, sem que se alterem muito suas características, o solo se enriquece e se potencializa naturalmente, fortificando e intensificando o que ali for produzido.

Considerando isso, pode-se dizer que a agroecologia é muito mais do uma maneira de fornecer uma segurança alimentar: envolve cooperação entre um grupo de pessoas, existe interações entre clientes e feirantes, entre famílias, etc. O sistema de vendas dos produtos agroecológicos é totalmente integrado com as questões sociais, ambientais e políticas. Ou seja, a agroecologia agrega aspectos e valores sociais aos produtos, o que a difere da produção orgânica.

O sistema agroecológico é, portanto, um sistema que envolve qualquer circunstância da vida, sobretudo no campo: a alimentação, o manejo do solo e da água, a formação pedagógica e também a construção e seus métodos, por exemplo. Tendo essas informações em mente, se torna mais fácil compreender a co-relação entre o termo adotado e o viés arquitetônico. É de

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* engenheira agrônoma austríaca radicada no Brasil. Foi uma importante pesquisadora da agroecologia e da agricultura orgânica.

3. PRIMAVESI, Ana. A agricultura Orgânica e a Agroecologia - diferentes enfoques

imagem 05: acampado regando horta coletiva em maio de 2022 - Macaé. foto de autoria própria

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1.4
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imagem 05

extrema importância, portanto, que os sistemas construtivos do campo, sejam também agroecológicos, utilizando materiais naturais e de forma que o meio ambiente não sofra impactos com a extração de tais, como cita Francisco Barros** na sua obra “Por uma construção também agroecológica”:

“(...) o meio ambiente não sofre se os materiais forem extraídos para o próprio consumo, em pequena escala, com extração pulverizada e espalhada pelo território. Por exemplo, se for utilizado o tijolo de adobe, a terra e as fibras vegetais são retiradas das proximidades da obra, em pequena quantidade e por serem crus, dispensam a queima de carvão, ou gás nos fornos, além de não liberar CO2 para sua produção.” 4 (BARROS, 2016)

Tal como o agronegócio, o “construnegócio” também produz suas commodities5, como o ferro, o cimento e o vidro, por exemplo, e “opera sobre a matéria construída em todo o planeta”. Isso tem um efeito ecossistêmico muito grande, por isso, os materiais naturais entram como alternativa à fábrica de produção em larga escala de produtos da construção civil, pois são ricos e abundantes no meio rural e podem ser utilizados de forma sustentável para a construção campesina, considerando o aspecto cíclico e sistemático da agroecologia, mencionado por Primavesi. Dessa forma os materiais retirados de maneira conscientes da natureza podem ser devolvidos ao meio ou reutilizados de outras formas após a extração e o uso inicial, isso evita os grandes impactos ambientais.

Além disso, Barros fortalece a importância da desalienação do trabalho para que a construção seja agroecológica, isso significa uma re-organização da mão de obra e da força de produção: o sistema de autogestão, mutirão e cooperativismo, descentraliza a ideia de poder e não estimula a produção de mais-valia. A alienação do trabalho mencionada por ele em um curso de formação para o canal do MST SP no youtube, se sintetiza em 3 pontos-chave: 1. alienação do produto, ou seja, o trabalhador não tem relação com o produto que ele produz, apenas obede ordem do patrão para sua produção; 2. alienação do processo de trabalho, existe um planejamento por trás de toda produção e o trabalhador não participa da tomada de decisões; e 3. alienação da espécie humana, o trabalhador não tem acesso à quem consome o que ali foi produzido. Sendo assim, a agroecologia se manifesta também como alternativa para uma mudança significativa para esse cenário de produção

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

**. arquiteto, urbanista e militante do MST-SP

4. BARROS, Francisco. Por uma Costrução Também Agroecológica. In: Questão Agrária, Cooperação e Agroecologia (2016)

5. Commodities são produtos de origem agropecuária ou de extração mineral, em estado bruto ou pequeno grau de industrialização, produzidos em larga escala e destinados ao comércio externo. Seus preços são determinados pela oferta e procura internacional da mercadoria.

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robótica e alienada.

Por fim, entende-se neste processo de pesquisa que este caminho é a melhor alternativa para solucionar as questões habitacionais, alimentares e da construção para tentar suprir, em partes, os déficites existentes no campo, sobretudo num cenário atual pós-pandêmico e de desgoverno por parte gestão do atual Presidente da República*** e sua equipe. Este trabalho pretende então, explorar alternativas que permeiem os conceitos aqui abordados co-relacionando a agroecologia à pratica da construção arquitetônica, interconectando os saberes locais e vernaculares e o conhecimento científico e acadêmico para a construção de uma nova técnica alternativa que não se prenda ao sistema.

***. Jair Messias Bolsonaro, atual Presidente da República do Brasil (2022), que levou o país de volta ao mapa da fome das Nações Unidas. disponível em < https://g1.globo. com/jornal-nacional/ noticia/2022/07/06/ brasil-volta-ao-mapa-dafome-das-nacoes-unidas. ghtml>

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2.1 | a mesorregião norte fluminense e seu papel nas lutas pelo território

O Norte Fluminense é uma das mesorregiões do Estado do Rio de Janeiro e agrupa nove municípios, sendo eles: Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, Capabeu, São João da Barra, Campos, Cardoso Moreira, São Fidélis e São Francisco do Itabapoana (mapa 2).

Esse território tem um passado marcado pela produção em larga escala da atividade agrícola, sobretudo do cultivo de cana de açucar e produção de álcool, e a sua paisagem, era formada por um exagero de usinas e instalações de produção açucareira, o que reforçava o status de desigualdade e violências existentes ali por meio da relação entre usineiros x trabalhadores.

No entanto, apesar de um grande destaque econômico da região, em dado momento se inicia o processo de subordinação da agricultura à indústria, e com a modernização agrícola e novas técnicas do meio de produção, o governo para de incentivar essa produção, as usinas quebram e deixam os trabalhadores em situação de abandono, sem garantias de qualquer direito trabalhista e sem nenhum sustento monetário.

“A este processo culminou todo um movimento de deslocamento de contingentes populacionais precarizados e vulnerabilizados para as cidades da região, a que, diretamente se fez pela ocupação e crescimento das periferias urbanas, bairros e distritos por parte destes trabalhadores. A vida precária e sem perspectivas acabou por transformar este contingente de pessoas em trabalhadores livres, em força de trabalho disponível. A luta pela sobrevivência, agora no mundo urbano foi encurralando, compulsoriamente estes trabalhadores e assim passaram novamente, neste “limiar da vida” a ser “arregimentados para o corte de cana como “volantes” ou “bóias-frias”, sempre intermediados pela figura do “empreiteiro” ou do “gato”, como é denominado pelos próprios”6 (ALMEIDA, 2000 apud BARCELOS 2017).

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

fontes: BARCELOS, Eduardo. A luta pela terra/territorio no Norte do Estado do Rio de Janeiro: a formação dos assentamentos rurais de reforma agrária (LEMTOUFF)

6. Citação em: ALMEIDA, Érica T. Vieira. O Protagonismo do MST em Campos – Uma Alternativa à Reprodução Social dos Assalariados da Cana. Revista Vértices, ano 3, nº1. Mar. 2000. (retirada do artigo acima, de BARCELOS, Eduardo)

26 02 | o território

Em paralelo ao movimento de êxodo rural, a movimentação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi essencial para as garantias dos direitos coletivos dos trabalhadores -que juntos construíram o patrimônio das usinas e que as mesmas, se encontravam em situação de falência-. Como foi o caso da Usina Novo Horizonte, em Campos, que no ano de 1987, o sindicato conquistou a exproriação de 4500 ha de terra pelo Estado à serem destinadas à política de reforma agrária.

Assim, na década seguinte, se iniciou um processo de retomada da força nas lutas e conquistas pela terra e por reforma agrária na região Norte Fluminense. Em 1996, o MST entra na região com um trabalho ainda minuscioso, entendendo que o processo é lento mas que precisa de persistência. E desse modo, se inicia a recuperação das lutas por meio de atos, assembléias e principalmente, ocupações das terras pelas quais os trabalhadores foram expulsos.

Em 12 de abril de 1997, mais de 200 famílias das periferias de Campos se organizaram e ocuparam a Usina São João, essa portanto, foi a primeira ocupação consolidada na década. E assim o movimento se tornou muito maior do que busca por reforma agrária, mas também uma luta por melhores condições de vida e luta pela produção e comercialização da agricultura familiar.

imagens 06 e 07: ato pela reforma agrária –conceição de macabu /mesorregião norte fluminense rj - 1996 autores desconhecidos

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imagem 06 imagem 07

linha do tempo: contextualização histórica do norte fluminense de 1950 à 2010 fonte: BARCELOS, Eduardo. A luta pela terra/territorio no Norte do Estado do Rio de Janeiro: a formação dos assentamentos rurais de reforma agrária (LEMTO-UFF)

imagens 8 a 15: Ana Paula Alves Ribeiro; Instituto Historiar; IBGE; Boletim MST-Rio

imagem 08

expansão da paisagem usineira e industrial foto da usina cupim, em campos de goytacazes na década de 60, momento em que se consolidou a paisagem industrial da região com a construção de fábricas e usinas de produção agrícola.

organização das famílias camponesas através do mst trabalho de formiguinha do mst através da organização das famílias camponesas e das demais que passaram pelo processo de êxodo rural após sua expulsão

1960 1990

1950 1970

corte de cana nas terras da usina santo antônio trabalhadores rurais no processo de cultivo canavieiro, produção que alavancou a economia da mesorregião Norte Fluminense na década de 50.

imagem 09

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

década de fechamento de dezenas de usinas foi quando se deu a quebra da produção de diversas usinas e a expulsão do trabalhador rural dos campos, sem qualquer direito. imagem da usina são joão, primeira a ser ocupada mais à frente.

imagem 10 imagem11

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primeira ocupação de terra usineira a primeira terra a ser ocupada é a da antiga usina são joão, em campos. ela foi abandonada durante a crise do álcool e ficou sem qualquer uso. em 97, famílias de diversas regioes a ocuparam

ocupação de fazenda em macaé (hoje projeto de desenvolvimento sustentável osvaldo de oliveira)

1996 2000 1997 2010

primeiro ato pela reforma agrária na região imagem da primeira organização de mobilização do mst junto às famílias de trabalhadores nas ruas de conceição de macabu na luta pela reforma agrária

importante passo para a luta na região: projeto de extrema relevância para as ocupações e assentamentos da região atualmente consolidação de diversos assentamentos rurais de reforma agrária momento em que o mst se encontra com a base consolidada na região e várias ocupações e assentamentos estão já instalados nos municípios (mapa 2)

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

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imagem 12 imagem 13 imagem 14 imagem 15

mapa (2) mesorregião norte fluminense do estado do rio de janeiro e os assentamentos rurais

mapa de produção própria Fontes: 1. Assentamentos rurais. In: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Acervo Fundiário Digital. Brasília, DF: Incra, 2018. Disponível em: <http://acervofundiario.incra.gov.br/geodownload/geodados.php>.

2. base de dados IBGE, acesso em 2022. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatisticas.html>.

3. MPRJ in loco, acesso em 2022. disponível em: < http://apps.mprj.mp.br/ sistema/inloco/>

legenda limite municípios: vias expressas: vias secundárias: aproximação sítio de estudo: assentamentos rurais (incra): município de macaé: acampamento edson nogueira:

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

incoerências na escala territorial

Partindo de uma análise em escala territorial, foram identificados algumas questões de dimensão macro que interferem diretamente na escala do terreno. Existe o enfrentamento de muitas limitações que são recorrentes nas diversas ocupações rurais e que não é diferente nesse caso: o distanciamento das infraestruturas básicas de saúde,

mapa (3) a centralidade de macaé nos fluxos pendulares do estado do rio de janeiro

Mapa recriado com base em: BORBA, Rafael Corrêa; GOMES, Felipe J. Ribeiro; SOARES, Herivelton T. In. Uma radiografia da mobilidade no arranjo populacional de Macaé - Rio das Ostras/RJ.

Fontes: 1. Base de dados IBGE 2016; 2. SR. Sirgas 2000.

educação e trabalho, a conexão entre o campo e a cidade e a precariedade do sistema de saneamento básico (sobretudo tratamento de esgoto e abastecimento de água), que interferem diretamente nas relações do indivíduo com a terra e mais especificamente com o solo, impactanto na prática e no aprendizado do manejo agroecológico

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 32
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2.2
RIO DE JANEIRO

também dos recursos hídricos. Além disso, o baixo escoamento da produção alimentar, é um fator limitante para os ocupantes.

Essas questões influenciam a busca por empregos fora da zona rural e até do próprio município, apesar de ser um polo receptor do fluxo pendular de todo o Estado (vide mapa 3), o que se torna

completamente contraditório, pois o mercado de trabalho não comporta os moradores das ocupações e assentamentos rurais da região.

Por isso, o campo e a agricultura sustentável e familiar surgem como alternativas para resolução das muitas questões territoriais, que são afloradas em uma situação de acampamento.

“[...] Macaé, polo petrolífero e principal município do arranjo populacional, polariza os deslocamentos pendulares na escala regional, tendo interações espaciais com 411 municípios do país. A centralização dos deslocamentos pendulares em Macaé – o município recebe 55 577 trabalhadores e estudantes cotidianamente – gera externalidades negativas, como maior pressão sobre a infraestrutura do município e saturação do sistema viário (trânsito semelhante à das grandes metrópoles), impactos no bemestar e na produtividade dos proletários(perdem longas horas em deslocamentos) e inúmeros outros ônus para o município polo e para os trabalhadores.”

BORBA, Rafael Corrêa; GOMES, Felipe J. Ribeiro; SOARES, Herivelton T. Uma radiografia da mobilidade no arranjo populacional de Macaé - Rio das Ostras/RJ.

legenda número de deslocamentos: até 2605 entre 2606 e 5106 entre 5107 e 7606 entre 7607 e 10106 entre 10107 e 12605

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CABO FRIO RIO DAS OSTRAS CAMPOS DE GOYTACAZES

mapa (4) síntese região de macaé: centralidades e concentração de atividades econômicas

mapa de produção própria Fontes: 1.Portal de dados GEOMACAÉ, acesso em 2022. disponível em: < https://macae.rj.gov.br/geomacae/conteudo/titulo/shapefiles>

2. base de dados IBGE, acesso em 2022. disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatisticas.html>.

3. MPRJ in loco, acesso em 2022. disponível em: < http://apps.mprj.mp.br/ sistema/inloco/>

4. IPP, PCRJ maps, acesso em 2022. disponível em: < https://pcrj.maps.arcgis.com/apps/mapviewer/index.html>

BR-101 RJ-162 RJ-162 RJ-162 RJ-168

legenda

acampamento edson nogueira (mst):

hidrografia: limite macaé: vias expressas: vias secundárias: trajeto acampamento >> centralidade macaé: aproximação sítio de estudo:

principal centralidade do município (centro): concentração de atividades econômicas parque natural municipal atalaia (abastecimento):

(+) (-)

Através da análise de concentração de atividades econômicas da região de Macaé, se identificou a maior potencialidade de centralidade, que se localiza na área comercial do centro da cidade. Assim, foi calculada a rota de bicicleta do acampamento até o centro, dando um total de 20,2km em 1h05. Esse é uma possibilidade de trajeto feito pelos assentados que exemplifica a complexidade de mobilidade entre campocidade.

BR-101
BR-101 RJ-168 20,2km PRINCIPAL CENTRALIDADE 1h05
arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

mapa (5) infraestruturas de saneamento básico na região de macaé: abastecimento de água e tratamento de esgoto mapa de produção própria Fontes: 1.Portal de dados GEOMACAÉ, acesso em 2022. disponível em: < https://macae.rj.gov.br/geomacae/conteudo/titulo/shapefiles>

2. base de dados IBGE, acesso em 2022. disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatisticas.html>.

3. MPRJ in loco, acesso em 2022. disponível em: < http://apps.mprj.mp.br/ sistema/inloco/>

4. Google earth pro. acesso em 2022.

5. IPP, PCRJ maps, acesso em 2022. disponível em: < https://pcrj.maps.arcgis.com/apps/mapviewer/index.html>

RIO SÃO PEDRO RIO

legenda

acampamento edson nogueira (mst):

limite macaé: hidrografia geral: principais rios do município: infraestrutura de abastecimento de água e tratamendo de esgoto:

principal centralidade do município (centro): aproximação sítio de estudo: parque natural municipal atalaia (abastecimento):

área sujeita à inundação: 0-40% 40-70% 70-100%

Pode-se observar através da leitura desse mapa que o território do acampamento se localiza em uma zona rural, que possui entre 0-40% de infraestruturas de saneamento básico.

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RIO MACAÉ

mapa (6) infraestruturas nas proximidades do acampamento mapa de produção própria Fontes: 1. Google earth pro. acesso em 2022.

Museu do mobiliário, Fazenda Airis raio de 2km

legenda

acampamento edson nogueira (mst):

Por se tratar de uma zona rural, distanciada das dinâmicas urbanas, o entorno imediato ao terreno se limita a dois pontos principais na proximidade, que não interferem e nem auxiliam as atividades da ocupação: Uma subestação de redes elétricas e um museu parte do patrimônio histórico de Macaé.

Subestação de Iriri Furnas centrais elétricas raio de 1km

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2.3 | área de estudo: o acampamento edson nogueira

O acampamento Edson nogueira fica localizado na zona rural do Município de Macaé, próximo ao Córrego de ouro, na rodovia RJ-168 (imagem ao lado). A terra que hoje constitui a ocupação, é de posse da prefeitura e era destinada à construção de um matadouro, que nunca aconteceu. Assim, cerca de 74 ha de terra sem qualquer utilidade e com uma vasta riqueza natural e ambiental passou a ser ocupada em abril de 2018 pelas famílias assentadas do PDS Oswaldo de Oliveira7 em conjunto com o MST.

Através de uma organização agroecológica auto-gerida e em comunidade, o acampamento hoje conta com cerca de 60 famílias ocupantes que vivem no trâmite campo-cidade por conta de trabalho e também da prática da produção alimentar em pequena escala. Hoje, a comunidade dispõe de uma cozinha coletiva (imagem 19) , uma horta coletiva, espaços de plantação e produção de alimentos, parada agroecológica (ponto de vendas de produtos agroecológicos), banheiros compartilhados e um centro de formação: a Unidade Pedagógica Marielle Franco (imagem 18), que possui um espaço físico de cerca de 12m² e atualmente ministra de forma coletiva, aberta e gratuita - e através de parcerias com universidades da região -, Cursos de agroecologia, Ensino de jovens e adultos (EJA) e Curso Básico de Formação de agentes de saúde. Tudo isso é fruto da luta coletiva por reforma agrária popular e por direito à moradia.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

7. Projeto de desenvolvimento sustentável localizado em Macaé, fruto de uma ocupação do ano de 2010 de uma antiga fazenda abandonada.

imagem 16: placa de memória do início da ocupação foto por pablo vergara (2022)

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imagem 16

vista aérea satélite via google earth pro com demarcação de terreno

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42
19
projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini
imagem 17 imagem 18 imagem

As construções, como em qualquer ocupação, são de estruturas e vedações provisórias, de fácil remanejo e tamanha precariedade, no entanto, são de grande admiração quando se fala de técnicas construtivas e composição de elementos. As moradias são formadas por diversas tipologias e por diversos materiais de reuso: placas de mdf e compensado reutilizados, peças de pvc, portas de armários antigos, esquadrias etc.

“O baldio instaura assim uma comunidade provisória que existe de forma sempre precária entre lonas, bambus e uma infraestrutura emergente que precisa se compor com a terra, a topografia do terreno, a chuva, o sol, os encontros imprevistos, as ameaças de despejo. “Subir bloco”, ou seja, construir estruturas duras e estáveis, não é permitido aqui. Trata-se portanto, de uma proposição sobre habitabilidade.”8 (SOUZA, 2020, p. 236)

Os moradores estão em constantes ameças de despejo e reintegração de posse, que muito amedronta as famílias que dependem e sobrevivem naquele espaço. Por isso, a organização espacial, os métodos construtivos e as dinâmicas territoriais são inconstantes, permitindo maior fluidez e reorganização.

“A forma-acampamento é uma forma propositalmente precária, no sentido ontologicamente dilatado que Judith Butler vem conferindo a essa noção - não tanto como uma forma de vitimização, mas como uma emergente arquitetura em aberto onde é possível responder, experimentar o que podemos fazer de nós mesmos.”9 (SOUZA, 2020, p. 237)

8 e 9. SOUZA, Alana. No avesso do político: experimentações de uma vida baldia. In: GALDINO, Victor; MEDEIROS, Cláudio. Experimentos de filosofia pós-colonial, 2020

imagem 17: criança caminhando próxima à organização das moradias (2022); foto de autoria própria

imagem 18: vista de entrada da Unidade Pedagógica (2022) foto de autoria própria

imagem 19: fila na cozinha coletiva na hora do almoço (2022) foto de autoria própria

imagem 20: configuração geral do acampamento vista da parte superior (2019) foto acervo coletivo terra

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 43

imagem 20

Em novembro de 2022, a Assessoria jurídica popular (ajup) aplicou um questionário em campo aos moradores e moradoras, neste continha uma parte introdutória de análise de dados pessoais e em seguida, uma série de perguntas a respeito da experiência dos mesmos em relação à ocupação. Com as informações desse questioário, formulei alguns esquemas gráficos que nos ajudam a compreender os aspectos que formam o perfil físico, social e político do Edson Nogueira.

O questionário foi preenchido por 48 pessoas, sendo cada um deles e delas, representantes de uma composição familiar, totalizando assim cerca de 111 pessoas. É importante deixar claro que nem todas as famílias estavam presentes no dia da coleta de dados, portanto as informações aqui presentes gráfico 2 (g.2) | percentual de moradores(as) por faixa etária

são baseadas nas respostas obtidas. Assim, a partir de uma análise em cima desses dados, temos que: a quantidade de homens e mulheres é bem equilibrada, sendo homens a maioria (g.1); a maioria das pessoas são homens adultos e mulheres adultas e idosas (g.2/g.3), sendo grande parte, pessoas pretas e pardas (g.4); a composição familiar, majoritariamente, é composta por 1 ou 2 pessoas por moradia (g.6), o que é preocupante considerando o quantitativo da população idosa presente na ocupação; as profissões mais citadas estão voltadas aos meios de produção alimentar e cuidados domiciliares: agricultores(as) e lavradores(as), domésticas e mulheres do lar (g.5); por fim, de forma dominante, a população da ocupação não possui formação escolar completa (g.7).

este gráfico considera o número total de moradores presentes na ocupação registradas nos questionários respondidos (111 pessoas), sendo: crianças .................... 0 a 11 anos adolescentes ......... 12 a 17 anos adultos(as) ............. 18 a 64 anos idosos ........................... 65+ anos

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 44

crianças (11,7%)

adultas e adultos (52,3%)

idosas e idosos (28,8%)

fonte: acervo pessoal de dados da AJUP adolescentes (7,2%)

gráfico 1 (g.1) | percentual de moradores(as) por gênero

este gráfico considera o número total de moradores presentes na ocupação registradas nos questionários respondidos (111 pessoas)

homens (54,1%)

gráfico 3 (g.3) | percentual de moradores(as) por gênero e faixa etária

mulheres (45,9%) meninos (crianças) (4,5%)

fonte: acervo pessoal de dados da AJUP

este gráfico considera o número total de moradores presentes na ocupação registradas nos questionários respondidos (111 pessoas)

mulheres adultas (20,0%) meninas (crianças) (7,3%) homens adultos (31,8%)

homens jovens (6,4%) mulheres jovens (11,7%) homens idosos (11,8%) mulheres idosas (17,3%) fonte: acervo pessoal de dados da AJUP

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 45

gráfico 4 (g.4) | percentual de moradores(as) por etnia/raça

este gráfico considera o número total de representantes familiares presentes na ocupação, responsáveis por preencher o questionário (48 pessoas)

gráfico 6 (g.6) | percentual do número de pessoas por moradia

este gráfico considera o número total de moradores presentes na ocupação registradas nos questionários respondidos (111 pessoas)

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

parda (45,8%) indígena (2,1%) branca (12,5%) preta (39,6%) 1 pessoa (25,0%)

4 pessoas (8,3%) 3 pessoas (12,5%)

6 pessoas (2,1%) 2 pessoas (47,9%)

7 pessoas (4,2%)

fonte: acervo pessoal de dados da AJUP fonte: acervo pessoal de dados da AJUP

46

gráfico 5 (g.5) | percentual de profissões mencionadas pelos moradores/as

este gráfico considera o número total de representantes familiares presentes na ocupação, responsáveis por preencher o questionário (48 pessoas)

lavrador(a) (12,5%)

pedreiro (8,3%)

do lar (12,5%) cozinheira (10,4%)

gráfico 7 (g.7) | percentual por grau de escolaridade

agricultor(a) (22,9%)

motorista (4,2%) doméstica (12,5%) outras profissões (16,7%)

este gráfico considera o número total de representantes familiares presentes na ocupação, responsáveis por preencher o questionário (48 pessoas)

ensino médio incompleto (14,6%) sem instrução (8,3%)

ensino fundamental incompleto (56,3%)

ensino fundamental completo (2,1%)

ensino superior incompleto (2,1%) ensino médio completo (16,7%)

fonte: acervo pessoal de dados da AJUP fonte: acervo pessoal de dados da AJUP

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 47

Aqui, uma breve análise da paisagem através de uma colagem de foto-sobre-foto para uma construção panorâmica da situação existente e maior entendimento do leitor e leitora.

edson nogueira

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

48
01 02

03

04 05

legenda

01. rodovia rj168 02. unidade pedagógica 03. moradias parte baixa 04. moradias alto do morro 05. plantações/hortas/roças

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 49

No ano de 2019, o Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ) aprovou um edital para assistência técnica para habitação de interesse social (ATHIS) e a partir disso, uma organização de profissionais da arquitetura e da engenharia entitulada de Coletivo Terra, em parceria com o MST, inicia um trabalho de melhor ocupação e organização para o local.

Esse trabalho foi realizado através de dinâmicas e atividades práticas com os moradores do acampamento, envolvendo-os diretamente de forma participativa no processo de formação do projeto. Essas atividades reforçaram a ideia de que eles são capazes de se reproduzirem e manterem suas vidas no território campesino através da mão de obra independete e coletiva e do uso e reuso sustentável dos materiais naturais ali dispostos.

Por fim, o escopo do Edital passou a ser apenas voltado às moradias camponesas, mas considerando o plano diretor proposto anteriormene pelo coletivo.

imagens 21 a 23: aulas práticas de bioconstrução na unidade pedagógica (2019); fotos por coletivo de comunicação MST-RJ disponível em: < https:// mst.org.br/2020/12/15/ agroecologia-apontaoutro-modelo-parahabitacao-no-campo/>

imagens 24 a 29: processo participativo dos moradores na construção projetual (2019) fotos do acervo Coletivo Terra

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

50
2.3.1 | serviço
assistência técnica: edital
de
CAU ATHIS
imagem 21 imagem 24 imagem 27 imagem 22 imagem 25 imagem 28 imagem 23 imagem 26 imagem 29

PLANO DE USO UNIDADE PEDAGÓGICA DE AGROECOLOGIA - MST MACAÉ, RIO DE JANEIRO

NÚCLEO TECNOLOGIA 311 m2

Laboratório de construção, Escritório, Sala de aula semi aberto, Galpão de armazenamento de ferramentas, Marcenaria, Serralheria, Galpão de o cina elétrica, Confecção de máquinas agrícolas

NÚCLEO PENSAMENTO 706.5 m2

Secretaria pedagógica- escritório, Sala de reunião, Sala administrativa e nanceira, Biblioteca com sala de estudo, Sala de teatro, Banheiros, Salas de aula fechada- salas de aula reversivel, Laboratório, Escritório

NÚCLEO MORADIA 850 M2 + 272 m2 + 460 m2

Alojamento com banheiro, Acampamento pedagógico, Lavanderia, Casa camponesa, Camping, Banheiro e Vestiário

NÚCLEO CIRANDA 242 m2

Sala Semi-Aberta que sirva de refeitório, Sala fechada, Banheiro e fraldário, Espaço escritório, fraldário, Espaço descanso, Brinquedoteca\videoteca, parquinho, horta pedágogica, jardim sensorial

NÚCLEO ARTE E CULTURA 269 m2 + 1,021 m2

Sala de o cina, Serigra a, Estoque de materiais e artesanato, O cina de musica, Sala de multimidia e audiovisual, Banheiros, Salas de reunião, Telecentro, Sala dos servidores e Câmeras de vigilância, escritório, espaço de memória rj, An teatro

NÚCLEO SAÚDE 350 m2

Meditação, Terrapia, Massagem, Laboratório Biológico, Meliponário, Jardim Fitoterápico, Bosque de ervas, Secretar-

NÚCLEO COZINHA 1227 m2

Espaço de comercialização Parada Agroecológica, Culinária da terra, Estacionamento carros fora, Exposição culinária da terra, mural de comunicação, banheiro, guarita, estacionamento carro fora\dentro,cozinha, banheiros, agroindustria, refeitório educandos, quintal produtivo, lavanderia de utensílios, horta mandala, espaço de comercialização, escritório e sala de reunião,

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

51 12.00 15.00 18.00 21.00 24.00 9.00 12.00 9.00 9.00 12.00 15.00 18.00 21.00 24.00 27.00 30.00 33.00 36.00 39.00 9.00 12.00 15.00 18.00 9.00 12.00 36.0033.0030.0027.0024.0021.0018.0015.00 39.00 9.00 12.00
15.00 15.00 18.00 21.00 24.00 27.00 30.00 12.00 15.00 18.00 21.00 24.00 27.00 30.00 33.00 36.00 39.00 42.00 9.00 00 12 0 24.00 27.00 30.00 33.00 0 36 00 9 00 15 00 8 21.0024.0027.0030.00 12.00 00 5 00 36.00 39.00 42.00 45.00 48.00 51.00 54.00 57.00 60.00 51.00 54.00 57.00 60.00 63.00 66.00 69.00 72.00 75.00 48.00 9.00 12.00 310 Torre 11,00 10,57 CÓRREGO BR 101 Iriri CANALDO LAGARTO RJ 67 DO OURO 719.667,79 71,97 14,87 TOTAL LEGENDA CURVA DE NÍVEL CERCA MEIO FIO VALA PONTE TALUDE BREJO TALUDE BREJO BREJO 25.0029.0030.00 20.00 22.00 14.00 15.00 16.00 17.00 12.00 13.00 11.00 11.00 12.00 13.00 14.00 15.00 12.0013.00 10.00 11.00 15.00 12.00 13.00 7,20 7,53 7,42 7,97 S15 7,94 7,68 8,08 8,68 9,63 9,51 6,55 6,54 6,53 6,52 6,51 7,05 7,25 7,55 ÁREA A ÁREA B m² ha alq QUADRO DE ÁREA 692.193,53 69,22 14,30 27.474,26 2,75 0,57 ÁREA A ÁREA B NQ NG NM A declinação magnética cresce 7' minutos ) anualmente Setembro / 04 Data: PREFEITURA MUNICIPAL DE MACAÉ Título: Propriedade: Estado: Folha: Escala: Levantamento Planialtimétrico Única 1 : 2000 Rio de Janeiro Macaé Município Horto Municipal Telefax.: (22) 2736 4548 Cep: 28053 - 100 CNPJ 01.424.656 0001 02 Pecuária - Campos dos Goytacazes Av. Presidente Vargas, nº 147 - Apt° 01 Levantamentos Topógraficos Ltda. DIAGONAL E = 196385.00 E = 196585.00 E = 196785.00 E = 196985.00 E = 197185.00 E = 197385.00 E = 197585.00 E = 197785.00 N = 7525331.00 N = 7525531.00 N = 7525731.00 N = 7525931.00 N = 7526131.00 N = 7526331.00 N = 7526531.00
12.0015.0018.0021.0024.0027.0030.0033.0036.0039.0042.0045.0048.0051.0054.0057.0060.00
| plano de uso proposto pelo coletivo terra
imagem 30
[ ]

Além das ações feitas pelo Coletivo terra, os moradores da ocupação têm acesso à um serviço de assistência jurídica através de um coletivo composto por advogados e advogadas, estudantes e professores de diversos cursos, mas sobretudo, de Direito. A Assesoria Jurídica Popular (AJUP) acompanha o processo pelo direito dos moradores ao Termo de Cessão de Uso da terra ocupada (de posse da prefeitura) desde o início, e tem presença assídua na Unidade Pedagógica, participando para além disso, de reuniões com as coordenações dos núcleos de base e assembléias que garantem que os acampados entendam a situação jurídica do processo que tramita na prefeitura e seus demais direitos. É de extrema importância o papel do coletivo neste contexto, pois asseguram que os moradores terão acesso à informações seguras e que será feito um processo justo e constitucional, sem que ninguém saia prejudicado ou que alguém aja de má fé. Apesar do acompanhamento do processo judicial, a participação da AJUP no Edson Nogueira não se resume apenas à isso. Por meio de uma parceria com o Núcleo de Direito da UFF - Rio das Ostras, por exemplo, o coletivo conseguiu promover atendimentos com o próprio corpo de estagiários da universidade, que foram presencialmente e promoveram atendimentos que englobavam o direito do trabalho e previdenciário. A AJUP também foi a responsável pelo questionário apresentado neste capítulo anteriormente, que conta com uma ampla gama de informações dos moradores, garantindo que essas informações sejam registradas para fins não só processuais, mas também de segurança.

imagem 30: processo participativo da produção do projeto piloto através de um mapa referenciado pelos próprios moradores, concluído mesmo com falta de iluminação no local

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 53

2.3.1.1 | serviço de assessoria técnica: AJUP

2.4 | interpretações de uma análise de campo: do território virtual à vida na escala humana

Neste tópico 2.4 em específico, me dou a liberdade da coloquialidade na escrita, de forma que a minha perspectiva de visita de campo seja o mais honesta possível e transpasse aos leitores a verdade da minha experiência no território de pesquisa.

Dia 14 de maio de 2022, ainda com muitas incertezas sobre a temática deste trabalho e sobre qual vertente eu seguiria, fui ao acampamento junto ao Coletivo Terra. Marcamos o encontro próximo à estação de metrô do Largo do Machado e saímos com a van por volta das 07h e pouco antes das 10h fomos recebidos com muito carinho pelas moradoras sentadas na entrada da ocupação e pelos demais que nos perceberam e foram ao encontro. Ali já me sentia à vontade.

Na minha frente, de cara avisto a cozinha coletiva com homens e mulheres trabalhando já no preparo do almoço. À minha direita, cerca de 5 crianças e alguns adultos jogando bola. Ao fundo, um mundo.

Alguns passos à frente, um senhor vem ao nosso encontro com um bloco de BTC (bloco de terra comprimida) em mãos para mostrar o resultado fruto do workshop do coletivo em 2019. Ali eu já sabia um dos materiais que eu usaria neste trabalho. Fomos em um dia de sábado, especificamente, pois são os dias que geralmente acontecem as aulas da unidade pedagógica (u.p.) que naquela semana tinha como tema, por coincidência (ou não), “o manejo agroecológico da água”.

Caminhamos em direção ao espaço físico da u.p. e aos pouco as pessoas se achegavam. As cadeiras se organizavam de forma radial, fazendo que no centro daquele espaço se concentrasse a atenção. Em questão de minutos, ao som de tambores, chocalhos, berimbau e alguns outros instrumentos, uma música da cultura capoeirista:

Santo Antônio eu quero água /Santo Antônio eu quero água / Quero água pra beber / Quero água pra lavar / Quero água pra benzer/ Quero água

Eu não sabia, mas existe uma cultura no MST conhecida como mística, que é um ritual pré-atividades que acontecem através de poesias, cantos, encenações, etc. É um momento de envolvimento com a atividade e com as participantes. Algumas pessoas receberam um pedaço rasgado de papel, cada um com uma frase diferente sobre a temática, que foram lidos entre trechos do canto, trazendo a reflexão à tona.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

imagem 31: crianças jogando bola (2022); foto de autoria própria

imagem 32: moradora fazendo almoço na cozinha coletiva (2022); foto: fernando minto

imagem 33: bloco de btc produzido no acampamento (2022); foto de autoria própria

imagem 34: mística (2022); foto de autoria própria

imagem 35: papel recebido na aula sobre manejo agroecológico da água na unidade pedagógica (2022); foto de autoria própria

imagem 36: aula em unidade pedagógica (2022); foto de autoria própria

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Ali muitos assuntos foram trazidos, mas como a temática abordava a água como eixo central, os caminhos seguiam por ela. Muito se falou sobre a relação com o córrego, com os meios de coleta de água, dos banheiros coletivos existentes e das possibilidades: surgem na roda o banheiro seco, a bacia de evapotranspiração e algumas outras alternativas. Nesse momento, o interesse latente dos acampados se tornou muito visível. Ali, então, já me despertavam algumas reflexões. Fui conhecer a ocupação e muito me espantou a capacidade e o talento para os artifícios e ofícios da construção. As moradias são todas construídas com materiais de reuso: pvc, madeiras, descartes de esquadrias, etc. Eles literalmente se viram como podem e com o que têm. As casas possuem aspectos muito interessantes e constroem diferentes tipologias da construção, cada uma com suas particularidades, semelhante à obras de arte. Lembro até hoje de uma construção já abandonada feita com um jogo de encaixes de tábuas velhas de madeira, tal qual um quadro de Mondrian, enquadrando ao fundo, a vasta paisagem de montanhas e vegetação. Além do reuso de materiais velhos, ali já acontecem iniciativas de uma construção que conta com um processo mais ecológico. A gente encontrou o bambu como protagonista, por exemplo, em diversas construções, usados de forma estrutural, como vedação, cerca, cobertura, malha de taipa de mão e até como assento. A terra, por sua grande abundância, também está presente nas diversas moradias, nas construções de taipa, nos fornos, bancadas, etc.

imagem 37: aula em unidade pedágogica, explicação sobre banheiro seco (2022); foto de autoria própria

imagem 38: galinheiro construído de bambu com recorte de encaixe no morro de terra(2022); foto: fernando minto

imagem 39: construção com taipa de mão (2022); foto: fernando minto

imagem 40: construção com estrutura e vedações em bambu (2022); foto de autoria própria

imagem 41 e 43: bambus; foto: sandra kokudai

imagem 42: aula em unidade pedagógica; foto: sandra kokudai

imagem 44: banheiros coletivos existentes (2022); foto: sandra kokudai

imagem 45 e 46: construções E.N. (2022); fotos: sandra kokudai e autoria própria

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imagem 44 imagem 45 imagem 46

Entre atividades, abaixo de duas mangueiras enormes e provavelmente centenárias, tivemos um momento de troca, conversas e explicações do momento da atividade prática do dia. Aquele é o ambiente de encontros que mais me agrada. Dali foram feitas umas atividades de manutenção do filtro de água da acupação, uma equipe da ufrj ensinou os acampados a fazerem essa manutenção.

Em dado momento, fui com alguns companheiros ver um pouco do córrego que passa pela ocupação, mesmo que rapidamente, senti a fortaleza daquele elemento presente naquele espaço e pude entender também as dificuldades da relação de distância entre o movimento cotidiano e o rio.

Pois bem, minha relação com o tema deste trabalho de conclusão era de extrema ignorância. Eu tinha um interesse e muita curiosidade e foi necessário me despir das vestes de um quase-arquiteto para que essa experiência pudesse ser vivenciada verdadeiramente. Eu quis estar ali como companheiro, como aluno aprendiz, deixando minha profissão de lado por um momento e absorvendo tudo que dava pra tomar pra mim e enriquecer não só esse projeto, mas meus conhecimentos. Eu fantasiei um trabalho participativo que não pode ser real pelas diversas dificuldades e pelas circunstâncias da vida: tempo, dinheiro, distâncias, etc. Mas essa pouca experiência na terra daquele território foi suficiente para que eu pudesse aprender muito do que trago hoje aqui e que pudesse partilhar isso de alguma forma com pessoas que terãos as mesmas curiosidades que eu tive.

imagem 47: aula no espaço de assembléias e encontros (2022); foto: fernando minto

imagem 48: atividade prática U.P. (2022); foto: sandra kokudai

imagem 49: córrego foto: matheus rosemberg

imagem 50: escada esculpida em morro de terra (2022); foto de autoria própria imagem

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imagem 51

Foi necessária a visita de campo para que se entendesse que a tão citada Unidade Pedagógica Marielle Franco não se tratava apenas do espaço construído, mas sim da ocupação como um todo. Este acampamento não é definido tal qual qualquer outra ocupação de terra improdutiva ocupada por parte do MST que se estabelece e atua na linha de frente da produção alimentar saudável a partir da perspectiva da agricultura familiar e da agroecologia, eles e elas, por conta prórpia, se colocam como uma ocupação voltada para a formação em si, em diversas vertentes, mas sempre envolvendo a agroecologia.

É pertinente lembrar que o MST tem como objetivos principais não só a luta pela terra ou a luta por reforma agrária mas também a luta por mudanças sociais no país. Dessa forma, é fundamental a importância da forma como essa ocupação se coloca enquanto agente de formação voltada para a população de modo geral, tendo em vista que a educação é a base primordial para toda e qualquer transformação social.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

imagem 51: aula em unidade pedagógica (2022); foto de autoria própria

imagem 52 a 60: atividades da unidade pedagógica registradas pela equipe de mídia do mst das aulas de formação de agentes de saúde, construções coletivas, curso de agroecologia, etc.; fotos: instagram U.P. (vide QRCODE)

60 2.5 |
a unidade pedagógica marielle franco

Enquanto espaço físico, a unidade pedagógica é constituída por uma construção improvisada com aproximadamente 12m² (vide planta baixa da situação existente na página a seguir), local onde acontecem a maioria das atividades, no entanto, elas não se limitam à esse ambiente. Essas atividades de formação acontecem por vários dos espaços coletivos da ocupação, que variam de acordo com as necessidades exigidas pelo ministrante, sobretudo quando são atividades práticas e nas situações em que têm uma grande quantidade de pessoas. As aulas de formação são organizadas de forma coletiva pelos moradores e moradoras do Edson Nogueira e do PDS Oswaldo de Oliveira e também em parceria com as universidades e demais centros acadêmicos e de formação da região.

A equipe de mídia do movimento sempre está presente para fazer os registros das aulas, dinâmicas, construções e demais feitos produzidos pela U.P. Esse material sempre é divulgado através do Instagram, como pode ser visto nessas imagens abaixo. O conteúdo pode ser acessado através do QRcode ao lado, que os encaminham diretamente à pagina.

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 61

imagem
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imagem 61

A partir da minha perspectiva de análise sendo apenas um observador dianta da dimensão do objeto de estudo, considero que, apesar de toda organização e logísta para fazer acontecerem todas e quaisquer atividades na sede atual da U.P., acredito que as atuais condições carecem de algumas infraestruturas e também de maiores espaços para a concentração dessas atividades, como se pode observar na planta baixa acima.

Por isso, sendo esse o principal ponto de convergência do acampamento e de encontros voltados para a formação na região, acredito que precise de mais atenção e qualidade arquitetônica para melhor desempenho e conforto das atividades.

imagem 61 e 62: conversas em unidade pedagógica (2022); foto de autoria própria e de sandra kokudai, respectivamente

63
arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas
imagem 62
0 1 3 5

unidade pedagógica

imagem 63: foto aérea feita com drone da unidade pedagógica hoje (2022) foto: pablo vergara

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

2.6 | as condições atuais de abastecimento de água e tratamento de esgoto dentro do acampamento

Em conversa com os moradores e demais parceiros da ocupação, entendi que o presente trabalho deveria permear, principalmente, pelos caminhos da água - elemento em escassez no território- em correlação com a prática formativa. A água, enquanto substância essencial, surge como necessidade mais urgente no acampamento, tanto em questões de abastecimento e tratamento em escala macro, como em questões de uso individual em escala micro.

Hoje, encontramos o elemento água no acampamento de algumas formas, ainda que insuficiente: existe um poço artesiano que funciona através de uma bomba manual (imagem 30), que é manejada quando necessário e é um dos recursos responsáveis por abastecer as 60 famílias e as unidades compartilhadas. Além disso, um pequeno córrego passa pelo terreno, em dois trechos, sendo toda e qualquer construção afastada desse trajeto d’água, justamente pela preservação e manutenção agroecológica da qualidade das nascentes. Essas águas são utilizadas para tarefas cotidianas como cozinhar e tomar banho, por exemplo, no entanto, exige um esforço para sua coleta e transporte até as moradias, principalmente para a população idosa que vive ali e precisa constantemente desse recurso.

Existe também, um duto de água fria de pvc (imagem 29) que passa pelas terras da ocupação de forma exposta e que recebe

imagem 64: duto pvc água fria que recebe água do parque atalaia (2022); foto de autoria própria

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

66
imagem 64

água do Parque Natural Atalaia, responsável pelo abastecimento de água de uma parte da região de Macaé. Essa água que é transportada pelo duto até a ocupação, é hoje a maior fonte de água dos moradores. Essa água fica armazenada em uma cisterna coletiva de 5 mil litros (imagem 31). Porém, sobretudo no verão, a cisterna não consegue ser suficiente para abaster todas as moradias e demais atividades.

Em concomitância à questão da água, muito se fala da falta de tratamento de esgoto na região, assunto trazido durante as aulas da Unidade Pedagógica. Muitas das moradias não possuem banheiros individuais, assim, os moradores utilizam um banheiro coletivo que se encontra em condições muito precárias e funciona sem um sistema de tratamento, ou seja, os resíduos são jogados na natureza (supõe-se que através de sumidouros9). Dessa maneira, a falta de tratamento pode ser muito prejudicial, pois a tendência é que haja uma poluição do lençol freático, água retornada para os moradores pelo poço.

9. poço com abertura inferior que permite a infiltração do efluente (pré tratado pela fossa ou não) no solo.

imagem 65: bomba manual em atividade (2022) foto de autoria própria

imagem 66: atividade coletiva para produção de filtro d’água (2022) foto de autoria própria

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 67

imagem 66 imagem 65

filtro água potável

cisterna 5k litros

imagem 67: construção coletiva de filtro d’água (2022) foto de autoria própria

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

o córrego

imagem 68: córrego passando pelo território (2022) foto matheus rosemberg (soltec-ufrj)

[03] [00] [00] [00] [00] [00] [00]

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 72

[00] [00] [00] [00] [00] [00] o projeto

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 73

projeto 3.1 | metodologia de projeto

A metodologia escolhida consiste em um processo que busca alternativas para uma melhor organização projetual através da lógica metodológica que se baseia principalmente na investigação e participação dos moradores da ocupação. É descer do salto e entender que esse trabalho, apesar de ser executado por mim, não é e nem pode ser feito sozinho. Pode ser uma metodologia arriscada, mas que não engessa na cronologia do processo, permitindo sempre voltar em outras etapas e recomeçar o processo novamente.

produto final está coerente com o processo e as questões?

SIM

06. Desenvolvimento do objeto de projeto em concomitância com a participação do público alvo (04). Momento de trazer todas as conclusões dos itens anteriores.

05. Peneira do conteúdo recolhido: formulação das questões a serem trazidas à etapa projetual e amarração das soluções propostas.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

74
INÍCIO
NÃO
FOR MU LA ÇÃO
DE SEN VOLVI MEN TO 03 | o

ÇÃO

importância da presença no campo de estudo

01. Processo de contextualização em relação à temática, de entendimento sobre o MST, sobre as ocupações, as questões históricas que permeiam a luta pela reforma agrária e sobre o papel da arquitetura nas ocupações de terra

02. Identificação das problemáticas na escala territorial de Macaé e do Norte fluminense: assentamentos da região, redes de apoio, questões de saneamento básico, conexão entre campo e cidade, escoamento alimentar, movimentos pendulares, atividades econômicas, etc.

03. Levantamento e mapeamento das questões primordiais a serem tratadas: compreensão na escala de intervenção, análise do acampamento, como funciona o abastecimento de água, tratamento de esgoto, quais são as carências e demandas dos moradores, quais as metas da ocupação, as dificuldades de sobrevivência e as formas que a agroecologia se apresenta no território.

04. Metodologia história de vida: experimentar, sentir e observar o campo através do olhar do morador. Visita de campo, conversa com os ocupantes, participação em aulas da unidade pedagógica, coleta de material fotográfico e definição da temática a ser trabalhada ao longo do projeto.

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 75

IN VES TIGA PRO BLE MATI ZAÇÃO DI AG NÓS TICO EX PERI MEN TAÇÃO

3.2 | recorte de aproximação projetual

O acampamento, como já mencionado, tem cerca de 74 hectares de terra, no entanto, a ocupação se encontra bem consolidada na área mais próxima à rodovia RJ-168, onde se encontram as moradias e as construções coletivas. Sendo assim, a decisão é trabalhar nessa área, como destacada na imagem abaixo.

vista aérea: limites do terreno da ocupação e demarcação da área de aproximação a ser estudada

legenda limite acampamento: rodovia rj-168: córrego: aproximação sítio de estudo:

76
projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini Fontes: Base de dados IBGE

área de aproximação: situação existente base produzida a partir de levantamento presencial, coleta de informações do google earth e alguns dados georreferenciados

legenda

área de plantações moradias córrego unidades coletivas: 1- encontros

2- cozinha

3- banheiros

4- unidade pedagógica

5- ponto de vendas horta/bosque m.f. coletivo sistema de abastecimento:

6- duto água fria (parque atalaia)

7- cisterna 5 mil litros

8- bomba manual (poço artesiano)

1 2 3 4 5 6 7 8

área de aproximação: situação existente base produzida a partir de levantamento presencial, coleta de informações do google earth e alguns dados georreferenciados

unidade pedagógica moradias banheiros coletivos cozinha coletiva encontros/atividaes

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

80

córrego moradias

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 81

3.3 | objetivos e princípios de ação

Apesar dos improvisos e das tecnologias utilizadas pelos moradores no enfrentamento das diversas dificuldades, o acampamento ainda carece das necessidades mais básicas, principalmente de saneamento e unidades de suporte para as atividades comunitárias e coletivas, tais como cirandas infantis, melhores espaços voltados para prática da formação, depósitos e armazens, banheiros bem estruturados e canteiros de construção agroecológica. Sem financiamento de políticas públicas e suporte governamental, e considerando a riqueza e abundância de materiais como a terra e o bambu na região, se conclui que a melhor solução se encontra nas práticas da construção agroecológica e na bio-construção.

Por meio de uma experiência em contato com o território, através de conversas com os moradores e acompanhamento das atividades da Unidade Pedagógica, o presente trabalho se propõe a trazer soluções para as questões levantadas pelos acampados e que são consideradas mais urgentes, entendendo as limitações da proposta, da realidade local e do tempo estabelecido.

Sendo assim, entendendo que existem dezenas de demandas urgentes e que nem tudo está ao alcance da figura do arquiteto e da arquiteta, a intenção é focar na temática que hoje, é mais pertinente para os moradores: a questão hídrica, de abastecimento e saneamento, transitando entre as soluções em escala macro (territorial) de atendimento à todo o acampamento e focando, sobretudo, em questões imediatas em escala mais aproximada, que estejam ao alcance dos moradores, para que de forma coletiva, consigam trabalhar no processo de execução.

A situação de acampamento é uma alternativa provisória para que os moradores esperem a condição de concessão de uso da terra por parte da prefeitura, para assim, conseguirem se estabelecer de forma mais segura no território. Pensando nisso, a proposta de plano diretor apresentada anteriormente como resultado do primeiro edital do CAU ATHIS em 2019 foi utilizado como diretriz para tomadas de decisões do projeto.

O projeto abrange então, 3 dos 4 pilares do saneamento básico: abastecimento de água, drenagens pluviais e esgoto eficiente, apenas não considera o descarte de resíduos sólidos e limpeza urbana.

imagem 29: duto pvc água fria que recebe água do parque atalaia (2022); foto de autoria própria

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imagem 69: córrego passando pelo território (2022) foto matheus rosemberg (soltec-ufrj)

3.4 | intervenções na escala macro

O projeto, portanto, se resume em uma rede de saneamento que se interliga considerando 3 escalas de intervenção: 1. a escala total do terreno; 2. a escala da ocupação atual apresentada; 3. a escala humana de intervenções mais imediatas. As etapas 1 e 2 serão mencionadas brevemente mas não serão aprofundadas tal como a etapa 3 que receberá uma atenção especial neste trabalho.

águas águas da chuva

águas da chuva

A primeira proposta de intervenção consiste na construção de grandes bolsões naturais de armazenamento das águas do corrégo existente e das chuvas para abastecimentos futuros. Funciona da seguinte maneira: se criam desvios do córrego até esses desníveis topográficos construídos e sigam novamente o fluxo natural do córrego (como indicado pelas setas que o acompnham na imagem).

Além disso, os bolsões servem para armazenar também as águas pluviais, pois foram posicionados em espaços estratégicos de pequenas depressões topográficas, sendo os espaços mais baixos das elevações montanhosas do terreno, assim, a água da chuva é diretamente encaminhada paras os bolsões. De imediato, não se mostra necessário a aplicação de soluções para o saneamento já que essa área ainda não está ocupada e pelo fato das águas do córrego serem águas limpas.

legenda limite acampamento:

rodovia rj-168: córrego: intervenções: bolsões d’água p/ armazenamento e abastaecimentos futuros

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

A segunda etapa, portanto, consiste numa aproximação da área de recorte, onde acontece hoje a ocupação. Aqui, se propõe dois sistemas de saneamento que trabalham o abastecimento de água especificamente das moradias da ocupação: processo de filtragem da água do córrego e substituição da bomba manual existente por um sistema de energia solar.

abastecimento geral substituição da bomba manual do poço artesiano por um sistema de bombeamento solar fotovoltáico. nesse sistema, a energia solar ativa o funcionamento da bomba, que faz o transporte da água do poço para as cisternas e uma outra bomba através de um tubo de recalque, transporta a água da cisterna pros reservatórios superiores e assim, esse sistema abastece as residências do acampamento.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 86

pvc para abastecimento via parque atalaia 3. cisternas de armazenamento

1.painel solar 2.bomba 4.bomba 5.estrutura reservatório da caixa d’água 6. caixa d’água 7. duto de

2. jardins filtrantes.

1. córrego

3. lagoa construída

filtragem água do córrego para abastecimento geral sistema de filtragem da água do córrego através de um sistema de jardins filtrantes, responsável pela desinfecção da água coletava, que em seguida é despejada numa lagoa construída e já melhor tratada para o consumo. essa alternativa possibilita pensar uma alternativa de bombeamento para o resto do acampamento como na possibilidade 1.

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 87

| o núcleo água: saneamento e abastecimento ecológico

A terceira etapa, como mencionado, é pensada na escala do indivíduo, nos parâmetros da construção. O ponto pricinpal dessa proposição é o núcleo água, que consiste em um módulo coletivo de uso consciente e compatilhado do elemento água na ocupação. É pra onde se convergem as expectativas desse projeto. Toda a construção capta a água da chuva, que passa por um sistema de tratamento e redistribuição para reuso.

O núcleo conta com banheiro seco que não utiliza água, cabine com chuveiro para banho, cabines apenas para urina, lavatório de mãos/bebedouros e tanque para lavagem de roupas.

O núcleo água foi projetado considerando um ponto de locação, respeitando a logística hoje existente na ocupação e substituindo os banheiros coletivos que se encontram em situação de calamidade, mas a sua configuração foi pensada de forma que pudesse haver uma possível replicação por outras partes da ocupação, podendo ocorrer de 3 maneiras: completo com as 8 cabines; a metade com 4 cabines; ou uma cabine individual.

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini

88
3.5
cabine banho cabine urina perspectiva núcleo

banheiro seco núcleo água

cabine urina cabine banho banheiro seco tanque

tanque lavatório/ bebedouro

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 89

estratégias de ocupação

Hoje, a forma como os moradores se organizaram diz muito sobre suas necessidade e expectativas, portanto, decidi respeitar por questões primordiais o espaço que hoje é destinado aos banheiros coletivos para a implantação do novo núcleo água.

planta de situação

|
• joão vitor ximenes anselmini 90
projeto final de graduação

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 91

planta baixa núcleo água

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 92
1 1 2 3
6

1

2

legenda:

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 93

3 4
1. cabine urina 2. cabine banho 3. banheiro seco 4. lavatórios 5. bebedouros 6. tanques 0 1 3
5 6
5

Nesse desenho podemos ver dois dos sistemas utilizados no projeto: a captação de água da chuva e o banheiro seco e uma parte do abastecimento dos bebedouros e lavatórios, que será melho explicado no desenho seguinte.

| O banheiro seco é um sanitário seco que transforma os dejetos humanos em adubo orgânico. Não se utiliza água nesse sistema, ele funciona a partir da ação das bactérias e microorganismos que transforma os resíduos humanos em composto orgânico fértil. A câmara é responsável por abrigar todo esse processo e evitar qualquer contaminação, ela precisa ser isolada e estar voltada sempre para o norte, pois recebendo a ação direta do sol

| Captação de águas da chuva Essa proposta tem como partido garantir mais uma fonte de água para a ocupação, de forma ecológica e segura, mantendo sempre um ciclo de uso, captação e reuso.

A água da chuva que entra em contato com toda a cobertura é coletada na calha (1) e conduzida pelas tubulações, passa por um processo de filtragem no chove-chuva (equipamento de limpeza e purificação da água) (2), em seguida é armazenada no reservatório (3) e bombeada para a caixa d’água (4 e 5) para assim, ser reutilizada em seguida nos equipamentos do núcleo (como será mostrado à seguir).

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 94

corte transversal aa’

lavatório/ bebedouro

câmara isolada banheiro seco

torre caixa d’água (5) bomba (4)

reservatório de água (3)

calha (1)

tubo de exaustão banheiro seco chovechuva (2) 0 1 3 5

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 95

A água captada da chuva, como mostrada na imagem anterior, passa por todo esse processo de armazenamento e tratamento e em seguida é distribuída para os sanitários da cabine urina, para os chuveiros da cabine banho e para os lavatórios, bebedouros e tanques de lavagem de roupas. No tratamento das águas cinzas e negras, utilizou-se dois sistemas diferentes

torre caixa d’água caixa de gordura bacia de evapotranspiração

cabine banho banheiro seco cabine urina

para cada tipo. As águas negras são coletadas pelas tubulações dos vasos sanitários, é encaminhada para a caixa de gordura para que os detritos sejam retidos e em seguida é transferida para a bacia de evapotranspiração, que é um sistema de tratamento de água por meio de microorganismos decompositores e de um processo de filtragem dessa água que evapora através do processo de cabine banho corte longitudinal bb’

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 96

filtragem. No tanque B e C, os aguapés se responsabilizam pela filtragem da água em duas etapas e em seguida passa pelo tanque de areia para filtrar as impurezas ainda resistentes. Logo após, a água tratada é armazenada em um reservatório e essa água está própria para reuso, tal como para irrigação, por exemplo. (Vide esquemas detalhados na imagem abaixo).

irrigação

bomba

caixa de gordura

cabine banho cabine urina tanque A

tanque B tanque C tanque de areia reservatório

1 3 5

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 97

transpiração das plantas. Já as águas cinzas, provenientes dos lavatórios, tanques e banhos, passa por um processo de tratamento conhecido como living machine, que consiste no tratamento ecológico por fitorremediação. A água passa pela caixa de gordura para retenção dos detritos, depois passa pelo tanque A, formado por cascalhos para iniciar o processo de 0
arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas
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99
100
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arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

101

3.6 | o sistema estrutural

A fim de diminuir o máximo possível os impactos ambientais nessa construção e nas demais, o método construtivo é também agroecológico. Nessa linha, a estrutura foi pensada toda de forma independente e formada através de pórticos de bambu, material existente na região, de fácil reposição e de rápido crescimento.

Os pórticos são pensados de modo a se reproduzirem e se adaptarem da maneira que as necessidades demandam. São compostos por um sistema de pilares treliçados e um sistema sanduíche de bambus, que pelos seus encaixes, ora é um viga única, ora é uma viga dupla. Para vencer programas de grandes vãos, a estrutura se adapta com o sistema de viga vagonada, que consiste numa peça também de bambu e tirantes de aço, atuando na redução dos esforços de flexão e deformações da viga.

O uso deste material permite que as dimensões, as formas e angulações do pórtico se adaptem e que os moradores, após o aprendizado da construção, possam utilizar das técnicas para produzirem novas possibilidades de repetições e sanar as urgências existentes: pode estruturar uma moradia, um galpão, uma escola e diversos outros programas.

>>

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

1 2 3

det.01 det.03 e 04 6

4 5 5 det.02

legenda:

1. lona acrílica tensionada impermeável

2. trama estrutural de vigas vagonadas em bambu tratado

3. viga vagão c/ 1 montante

4. viga vagão c/ 2 montantes

5. conjunto de pilares treliçados em bambu tratado

6. paredes estruturais com blocos de terra comprimidos (btc)

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 104

viga sanduíche vagonada c/ bambu de Ø10cm tratado

conector gancho tipo anzol c/ barra roscada, porca e arruela conectando viga sencundária à estrutura principal

barra roscada, porca e arruela atravessando o corpo dos bambus p/ sustentação de montante

viga secundária de bambu Ø10cm tratado c/ encaixe em corte boca de peixe

cabo de aço galvanizado com revestimento fechamento de montante c/ madeira de reuso

parafuso olhal em aço inox para fixação

pilares em bambu de Ø10cm tratado

preenchimento c/ graute para garantir fixação

abraçadeira tipo mangote em aço inox para melhor estruturação da base

placa de base de pilar metálica em cruz p/ ancoragem e encaixe do pilar de bambu base e fundação em concreto armado

montante da viga vagonada c/ bambu Ø10cm tratado solo

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 105

detalhe
detalhe 01
02

detalhe 03 detalhe 04

viga sanduíche vagonada c/ bambu de Ø10cm tratado

barra roscada, porca e arruela atravessando o corpo dos bambus barra roscada, porca e arruela atravessando o corpo dos bambus

cabo de aço galvanizado com revestimento

esticador gancho/olhal em aço inox parafuso olhal em aço inox para fixação

mão francesa sanduíche em bambu Ø10cm tratado mão francesa sanduíche em bambu Ø10cm tratado

viga sanduíche vagonada c/ bambu de Ø10cm tratado

peça de bambu Ø10cm tratado fazendo conexão da viga peça de bambu Ø10cm tratado fazendo conexão da viga

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 106

4.5 | o novo centro de formação agroecológica

A partir da intenção inicial de fazer uma nova proposição de práticas agroecológicas de saneamento na região da ocupação através do núcleo água, surge também a necessidade de estruturar isso de forma concreta e simular possiveis aplicações. A atual Unidade Pedagógica Marielle Franco é o principal ponto de convergência do acampamento e de encontros para formação na região hoje, no entanto, como já exteriorizado, carece de algumas infraestruturas e de espaços para desenvolvimento de algumas atividades.

Desse modo, aqui se firma a proposta de projetar uma nova sede para abrigar o centro de formação da ocupação, com espaços maiores, com maiores aproveitamentos e um novo programa pensado de acordo com as necessidades listadas pelos moradores no projeto CAU ATHIS, considerando uma adaptação do núcleo água como parte do programa.

A proposta consiste em transformar o novo centro de formação agroecológica em um polo de captação e abastecimento de água e tratamento de esgoto de forma sustentável, resolvendo algumas questões de programa como também de infraestrutura. A ideia por trás do projeto é centralizar e trazer a aplicação das propostas de saneamento do núcleo água à uma estrutura e a partir dela mostrar a possibilidade de replicação pela área.

imagem 70: projeto com participação coletiva (2022); foto acervo coletivo terra

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 107

imagem 70

| estratégias de ocupação

Ao observar a planta da situação existente da ocupação, pode-se perceber que o assentamento das moradias, mesmo que de forma orgânica ou até aleatória, formam pequenos núcleos entre elas, proporcionando espaços de conexão e possíveis trocas entre os moradores. Ou seja, a naturalidade das ocupações individuais gera pequenos vazios para onde tudo se converge.

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

Por meio dessa análise e entendendo que essa atuação involuntária se concretiza e pode-se materializar através de uma forma circular, tomo como partida um ponto central e linhas guias que, numa lógica radial, me permite transitar por diversas possibilidades de ocupação.

Ao lado, os diagramas que sintetizam o processo de criação da forma, respeitando os fluxos existentes ao redor da Unidade Pedagógica hoje e se apropriando da radialidade da malha construída para a concretização da modulagem estrutural e arquitetônica.

projeto
vitor ximenes anselmini 110
final de graduação
joão

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 111

legenda

| núcleo água

1• banheiro seco

2• banho

3• apenas urina 4• lavatório e tanque

| núcleo formação

5• salas de aula/atividades

6• sala administrativa

7• biblioteca / estudos

8• pátio central

A forma circular da planta baixa permite com que o programa do projeto abrace a construção em si e crie esse espaço central de aconchego e de grande potencialidade. Assim, as salas de aulas e atividades, agora se tornam espaços polivalentes, com grandes possíveis aberturas na parte interior, permitindo uma interlocução das múltiplas atividades e aproveitamento de espaços, comunicando e fortalecendo a integração interior/exterior.

Além disso, a construção conta com uma adaptação do núcleo água, uma sala administrativa e um espaço de biblioteca e estudos, além dos grandes recintos e varandas que se formam ao decorrer dos espaços.

a

planta baixa u.p.

projeto final de
vitor ximenes anselmini 112
graduação
joão
1 5
0 1 2 2 3 3 4 5 a’ 6 8 7 3 3 1 5 10

O projeto utiliza de uma adaptação do sistema estrutural de bambu, respeitando a forma radial da construção, independente do sistema de vedação, com uma intenção de ventilação cruzada e iluminação natural.

As paredes são construídas de BTC (bloco de terra comprimida) e sao autoportantes, com sistema de esquadrias feitos de varetas de bambu e madeira de reuso, mantendo uma linguagem com a forma da estrutura.

esquadrias de madeira e bambu

pórticos de bambu

corte aa’ unidade pedagógica

projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini 114

det.05

águas da chuva

cobertura em lona acrílica tensionada e impermealizada águas da chuva

núcleo água cobertura em lona cobogó com btc

esticador/gancho para lona em aço inox

calha secundária receptora de águas pluviais calha condutora de águas pluviais para sistema de tratamento

abraçadeira tipo mangote em aço inox

detalhe 05

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 115

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas

0 1 5 10

As esquadrias são montadas a partir de uma estrutura de madeira eucalipto de reuso e por filetes de 1/4 de uma vareta de 3cm de diâmetro de bambu, mateirias que se encontram por grande parte da região.

As janelas possuem um sistema de cava que permite que que as folhas corram e se fixem abertas através de uma corrente e um gancho. O desenho da janela aberta acompanha o mesmo desenho triangular dos pilares da estrutura treliçada de bambu.

As portas atuam através de um sistema pivotante de giro, permitindo maior fluidez entre os espaços. Seu sistema construtivo se assemelha ao da esquadria das janelas.

sistema de cava para deslizamento de folha com gancho e corrente limitadora para fixação de abertura da janela

06

1. filetes de bambu 2. moldura folhas 3. moldura externa da esquadria

116
projeto final de graduação • joão vitor ximenes anselmini
| esquadrias
1 2 3
detalhe
perspectiva explodida janela

sistema de dobradiças

1. filetes de bambu 2. moldura folhas 3. moldura de reforço das folhas 4. moldura externa da esquadria

arquitetura e agroecologia: alternativas sustentáveis como suporte para as ocupações de terras campesinas 117

1 3 4 2 perspectiva explodida porta detalhe 07 corte janela
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