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As consequências de se recusar a um viajante uma noite de hospedagem

reunião de pessoas, oriundas das escórias da sociedade, ignorantes e degradadas demais para entender, e muito menos receber, uma ideia elevada ou luminosa — era um casebre sujo, desprovido de todo o conforto e onde o vapor do uísque era abundante e poderoso.

A guia de Sojourner estava encantada demais com os atrativos do lugar para querer partir, até que o uso excessivo do álcool gratuito a fez perder a capacidade de fruição e ela se deitou na cama até que pudesse recobrá-las. Sojourner, sentada em um canto, teve tempo para muitas reflexões e absteve-se de censurar, em obediência à recomendação: “não lancei vossas pérolas…”.31 Quando a noite estava longe, o marido da mulher adormecida despertou a dorminhoca e lembrou-lhe de que ela não havia sido muito educada com a mulher que havia convidado para dormir em sua casa e disse que seria mais apropriado retornarem para o lar. Mais uma vez emergiram no ar puro, o que, para nossa amiga Sojourner, depois de tanto tempo respirando o ar pestilento do salão de baile, foi muito refrescante e grato.

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Assim que o dia amanheceu, eles chegaram ao lugar que chamavam de lar. Sojourner viu então que não havia perdido nada em forma de descanso, permanecendo tanto tempo na festa, já que a cabana

31 Mateus 7:6. “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.”

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miserável deles oferecia apenas um estrado para dormir e, mesmo que tivessem outros, ela preferiria ficar sentada a noite toda a ocupar tal lugar. Eles educadamente ofereceram-lhe a cama, se ela desejasse, mas declinando educadamente, esperou a manhã com uma ânsia que nunca havia sentido antes, e nunca esteve tão feliz quando viu que o dia esparramava sua luz dourada mais uma vez sobre a terra. Ela estava mais uma vez livre e, enquanto durasse a luz do dia, era independente e não precisava de convite para prosseguir em sua jornada. Que esses fatos nos ensinem que nem todos os andarilhos do mundo são vagabundos e que é uma coisa perigosa compelir alguém a aceitar essa hospitalidade dos viciados e abandonados, a hospitalidade que eles deveriam receber de nós. Como podem testemunhar os milhares que já caíram nas armadilhas dos ímpios.

No dia quatro de julho, Isabella chegou em Huntingdon, de lá foi para Cold Springs, onde encontrou o povo fazendo preparativos para o encontro do movimento da temperança.32 Com sua vivacidade habitual, ela os ajudou nos trabalhos, preparando pratos no estilo de Nova York, para grande satisfação daqueles a quem ajudava. Depois de permanecer em

32 Movimento civil iniciado na década de 1820 nos Estados

Unidos para coibir o uso do álcool e combater os efeitos das bebidas, que culminou com a proibição conhecida como Lei Seca (1920-1933).

Cold Springs por cerca de três semanas, ela voltou a Huntingdon, onde tomou um barco para Connecticut. Desembarcando em Bridgeport, ela novamente retomou suas viagens para o nordeste, dando algumas palestras e trabalhando um pouco para conseguir pagar tributo a César, como ela dizia e, dessa maneira, chegou à cidade de New Haven, onde encontrou muitas reuniões das quais participou. Em algumas, teve permissão para expressar suas opiniões livremente e sem reservas. Ela também convocou reuniões expressamente para ter a oportunidade de ser ouvida e encontrou na cidade muitos verdadeiros amigos de Jesus, como ela julgava, com quem mantinha comunhão de espírito, não tendo preferência por uma ou outra seita, mas estando bem satisfeita com todos que lhe davam evidência de ter conhecido ou amado o Salvador.

Depois de assim prestar seu testemunho nessa agradável cidade, sentindo que ainda não havia encontrado um lugar permanente, foi dali para Bristol, a pedido de uma irmã zelosa que desejava que ela fosse para este lugar e mantivesse uma conversa religiosa com alguns de seus amigos por lá. Ela foi, conforme solicitado, encontrou as pessoas gentis e dispostas religiosamente, e através delas conheceu várias pessoas muito interessantes.

Em Bristol, um irmão de espírito, interessando-se por suas novas visões e opiniões originais, pediu como favor que ela fosse a Hartford, para ver e conversar com os amigos dele. Pronta para realizar

qualquer serviço ao Senhor, ela foi a Hartford, como desejado, trazendo na mão o seguinte bilhete desse irmão:

“IRMÃ, Envio-lhe esta mensageira viva, pois acredito que ela é alguém que Deus ama. A Etiópia33 está estendendo as mãos para Deus. Você pode ver por essa irmã que Deus, pelo próprio Espírito, ensina a Seus filhos as coisas que hão de vir. Por favor, receba-a e ela lhe dirá algumas coisas novas. Deixe que ela conte sua história sem interrompê-la e preste muita atenção, e você verá que ela tem a alavanca da verdade, que Deus a ajuda a levantar onde apenas poucos conseguem. Ela não sabe ler nem escrever, mas a lei está em seu coração. Envie-a para o irmão…, ao irmão…, e aonde quer que ela possa fazer o bem.

Do seu irmão, H. L. B.

33 “Etiópia” e “etíopes” eram usados à época, por metonímia, para significar “África” e “africanos”.

ALGUNS DE SEUS PONTOS DE VISTA E REFLEXÕES

Assim que Isabella viu Deus como um espírito todo-poderoso e onipresente, ela desejou ouvir tudo o que havia sido escrito sobre Ele e ouviu o relato da criação do mundo e de seus primeiros habitantes, conforme contido no primeiros capítulos do Gênesis, com interesse peculiar. Por algum tempo, entendeu tudo literalmente, embora lhe parecesse estranho que “Deus trabalhasse a cada dia, se cansasse e parasse para descansar”, etc. Mas depois de um tempo, começou a raciocinar sobre isso, desta maneira:

“Por que, se Deus trabalha de dia, e o trabalho de um dia o cansa, e Ele é obrigado a descansar, seja por exaustão ou por conta da escuridão, ou se ele espe-

rava pelo ‘frio do dia para andar no jardim’,34 porque estava incomodado com o calor do sol, então parece que Deus não pode fazer tanto quanto eu posso, pois posso suportar o sol ao meio-dia e trabalhar vários dias e noites seguidos sem ficar muito cansada. Ou, se Ele descansava à noite por conta da escuridão, é muito estranho que ele tivesse criado a noite tão escura a ponto de não conseguir ver a si mesmo. Se eu fosse Deus, certamente teria feito a noite clara o suficiente para minha conveniência.” Mas assim que ela colocou essa ideia de Deus ao lado da impressão que uma vez recebera tão subitamente de sua inconcebível grandeza e de toda a sua espiritualidade, nesse momento exclamou mentalmente: “não, Deus não para para descansar, pois é um espírito e não pode se cansar; não pode necessitar de luz, pois tem toda luz em si mesmo. E se ‘Deus é tudo em tudo’ e ‘trabalha em tudo’, como eu os ouvi ler, então é impossível que descanse, pois se o fizesse todas as outras coisas teriam que parar e descansar também; as águas não fluiriam e os peixes não saberiam nadar; e todo movimento cessaria. Deus não pode fazer pausas no seu trabalho, e ele não precisou de Sabat para descansar. O homem pode precisar deles, e deve fazê-los sempre que precisar descansar. No que se refere à adoração a Deus, Ele deveria ser adorado o tempo

34 Gênesis 3:8.

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