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Tema 2, leitura

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PASSANDO-SE

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ATIVIDADE I TEMA 2

Leitura e releituras

HABILIDADES BNCC EM13LP01, EM13LP50, EM13LP40 ATIVIDADE DE LEITURA

CONTEÚDO

Partindo de uma história ancestral (uma passagem do Velho Testamento), comparamos as interpretações, distorções e adaptações em contextos históricos distintos, e em diferentes formas de expressão artística até chegarmos às fake news. Em seguida investigamos a intencionalidade das “leituras” de modo a privilegiar este ou aquele objetivo ou visão de mundo, e a corroborar um sistema social baseado na subjugação de um segmento étnico.

OBJETIVO

Tornar o educando consciente dos elementos extrínsecos da narrativa, como o contexto sócio-histórico de circulação (perspectivas, época, papel social do autor) e a intencionalidade (leitor previsto, objetivos). Capacitar alunas e alunos a detectarem relações intertextuais e interdiscursivas entre obras de diferentes autores e época e o diálogo biunívoco entre a literatura e outras expressões artísticas, nomeadamente as artes plásticas. Tornar os alunos capazes de leituras mais amplas e ativas, e de compreender os contextos e subtextos socioideológicos nas narrativas.

JUSTIFICATIVA

A recente democratização radical dos meios de comunicação, quando qualquer indivíduo passou a poder “publicar” (“postar”) a partir de seus smartphones em redes sociais e, supostamente, passar de leitor passivo a

“produtor de conteúdo” — em que pese os aspectos positivos de liberdade preconizados por, entre outros, McLuhan — deu vazão a uma produção avassaladora de textos, curtos, superficiais e enfáticos, que dão sustentação a variadas “narrativas” da realidade, quase sempre independente dos fatos a que estavam minimamente vinculadas quando as “notícias” eram monopólio dos “meios de comunicação”. “Pós-verdades” e “fake news” são alguns dos nomes dessas “informações” curtas, que apelam para sentimentos de raiva e/ou medo do público para disseminarem-se de forma virótica e que muitas vezes, também como os vírus, infectam a vida civil e política dos brasileiros.

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9 Bombardeados, voluntariamente, por informações e outros estímulos, o jovem brasileiro precisa desenvolver urgentemente um filtro crítico pelo qual possa detectar, depurar e avaliar o contexto, as correlações com outras notícias e expressões e, sobretudo, a intencionalidade do emissor. As habilidades digitais definidas na Base Nacional Comum Curricular podem ser complementadas pelo desenvolvimento da Literacia Digital, especialmente nas habilidades de ramificação (construção de conhecimento a partir de navegação não-linear e hipertextual) e de informação (avaliação da qualidade e validade da informação). (Eshet-Alkali e Amichai-Hamburger, 2004).

Esta atividade propõe acompanhar as diversas leituras, por diferentes épocas, e em diversos meios, de uma história que, segundo estudiosos, veio da tradição oral e fixou-se em texto há, possivelmente, 3.000 anos: o livro bíblico do Gênesis, mais especificamente o trecho em que Noé amaldiçoou os descendentes de seu filho, Cam.

Um diálogo de Passando-se irá comentar como esse mito ancestral foi “lido” e transformado em argumento para sustentar o racismo. Em seguida, ainda em torno de Cam, desdobramos essa leitura, e suas consequências na vida dos afrodescendentes, em uma célebre pintura brasileira de fins do século 19. O passeio pelas diferentes interpretações, épocas e formas de expressão pode estimular os alunos a uma compreensão mais ampla, ativa e consciente da leitura.

METODOLOGIA

Para esta atividade, faz-se necessária a projeção de imagens.

Proponha para a classe a leitura do trecho de Passando-se em que Claire conta como foi morar com suas tias brancas, da página 45 [“A verdade é que ela estava curiosa. Havia coisas que queria perguntar a Clare Kendry.…”] até a 49 [“Aposto que elas eram boas e que se lamentaram mais tarde”].

Considerando que a personagem tinha 16 anos à época (a mesma idade de muitos dos alunos do Ensino Médio) pergunte quem se identifica com a situação apresentada.

Peça que os alunos interpretem, à sua maneira, as expressões como “arruinar uma garota” e “um pé na cozinha” e que identifiquem, na linguagem vernacular, outros eufemismos que reforçam o racismo.

Destacando o trecho abaixo,

Claire deu um sorrisinho malicioso e prosseguiu. “Além do mais, na visão delas, o trabalho duro era bom para mim. Eu tinha sangue negro nas veias, e elas pertenciam à geração que havia escrito e lido longos artigos com títulos como ‘Será que os negros vão trabalhar?’ Sim, elas não tinham tanta certeza de que Deus tinha obrigado os filhos e filhas de Cam a suar por ele ter feito graça com o velho

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10 Noé quando bebeu mais do que devia. Lembro-me das tias me contando a toda hora que aquele velho bêbado havia amaldiçoado Cam e seus filhos para todo o sempre”. [pág. 45]

Apresente em seguida à classe os versículos bíblicos (Gênesis 9:20) que relatam “a maldição de Cam”:

E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. E viu Cam, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai. E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos. E disse: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo. Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo. [Tradução Nova Almeida Fiel Corrigida]

[Ilustração das Crônicas de Nuremberg, 1493. Domínio Publico. Disponível neste link]

Peça à classe para identificar a época em que a história foi escrita, ou fixada em texto (há quase três mil anos), o local onde foi escrita (Oriente Médio) e a cultura em que foi escrita. Explore com os alunos as possíveis interpretações do relato bíblico e a interpretação usada na argumentação racista a

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11 partir do século 19. Questione as consequências dessa interpretação específica para os descendentes de africanos, como Claire e Irene, bem como para os brasileiros.

Apresente à classe o quadro Redenção de Cam, do pintor Modesto Brocos, pintado em 1895:

[Museu Nacional de Belas Artes. Domínio Publico. Disponível neste link.]

Correlacionando a “Redenção” (quadro) à “Maldição” (relato bíblico) peça para a classe discorrer sobre a intenção do pintor e o contexto histórico e social no qual o quadro foi criado.

Em seguida, apresente à classe, para debate, a análise da antropóloga Tatiana Lotierzo:

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PASSANDO-SE O contexto de difusão do mito bíblico sobre a maldição de Noé é o do início da chamada Era Moderna, quando a cristandade europeia buscava formas de justificar a escravização de habitantes do continente africano, sob o marco do cristianismo.

O mito é reinterpretado por Brocos [o pintor] que aponta, seguindo as teorias da sua época, que a salvação – ou “redenção” – dos descendentes de Cam se daria por meio da sua extinção, por efeito do branqueamento [gradual a cada geração.]

A ‘Redenção de Cam’ tem sua própria tese no marco racista oitocentista, um pensamento que se exprime como um modo de ver, uma perspectiva que é oferecida ao olhar de quem a observa.

[Nexo Jornal, 12 de junho de 2018. Disponível neste link]

A partir da última frase, peça para os alunos identificarem e comentarem como as diferentes formas de expressão — de textos, a pinturas e a “memes” — tentam impingir ao leitor/espectador a perspectiva ou opinião do autor/emissor.

A partir disso, abra a discussão sobre “Fake news”, pedindo exemplos, avaliando os riscos e as consequências e escrevendo, com a turma, dicas para detectar um post ou mensagem malicioso e conter sua disseminação. As dicas devem estar em linha com os preceitos da literacia digital: avaliar a qualidade fonte e a intenção do autor; procurar outras fontes confiáveis para corroborar a informação; avaliar se houve uma edição apelativa e não reproduzir, repostar ou reenviar sem critério.

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PASSANDO-SE HABILIDADES

EM13LP01 Relacionar o texto, tanto na produção como na leitura/ escuta, com suas condições de produção e seu contexto sócio-histórico de circulação (leitor/audiência previstos, objetivos, pontos de vista e perspectivas, papel social do autor, época, gênero do discurso etc.), de forma a ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de análise crítica e produzir textos adequados a diferentes situações.

EM13LP40 Analisar o fenômeno da pós-verdade – discutindo as condições e os mecanismos de disseminação de fake news e também exemplos, causas e consequências desse fenômeno e da prevalência de crenças e opiniões sobre fatos –, de forma a adotar atitude crítica em relação ao fenômeno e desenvolver uma postura flexível que permita rever crenças e opiniões quando fatos apurados as contradisserem.

EM13LP50 Analisar relações intertextuais e interdiscursivas entre obras de diferentes autores e gêneros literários de um mesmo momento histórico e de momentos históricos diversos, explorando os modos como a literatura e as artes em geral se constituem, dialogam e se retroalimentam.

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