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Tema 3, pós-leitura

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PASSANDO-SE

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ATIVIDADE I TEMA 3

Desigualdade social e variação linguística

HABILIDADES BNCC EM13LGG302, EM13LGG303, EM13LP05, EM13LP27 ATIVIDADE DE PÓS LEITURA

CONTEÚDO

Analisando o fenômeno da variação linguística na sua dimensão social e etária, observando sua ocorrência na vida cotidiana, investigaremos como certas formas de se expressar, no texto e na fala, quando discrepantes das variedades linguísticas de prestígio, são depreciadas como forma de estigmatizar as camadas sociais ou étnicas que as empregam, identificando esse fenômeno com o processo histórico de preconceito e inferiorização de camadas da população.

OBJETIVO

Sensibilizar o educando para o fenômeno da variação linguística, em especial em sua dimensão social, de forma a ampliar sua compreensão sobre a estigmatização da linguagem na manutenção de formas de desigualdade e preconceito, desnaturalizando e problematizando estas, e propondo ações que promovam o respeito às diferenças e às escolhas individuais.

Capacitar alunas e alunos a compreender e posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo, levando em conta seus contextos de produção e de circulação e a debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões manifestados, para negociar e sustentar posições, formular propostas, que levem em conta o bem comum e os Direitos Humanos.

JUSTIFICATIVA

O desenho de um “projeto de vida” de um jovem é em síntese uma tentativa de responder às questões “quem eu sou” e “quem eu quero ser”. Trata-se, portanto, da definição de uma identidade, nem tanto a individual, mas a que lançará esse jovem aos processos de incorporação e internalização de valores e papéis e à teia de relações que configura o processo de socialização.

A afirmação de sua identidade passa portanto pelos vínculos culturais a um determinado grupo e, por extensão, à elaboração e rejeição do “outro”, de quem não está no grupo. A constituição de um repertório cultural próprio, incluindo variações da linguagem (gírias etc), ainda que seja instrumental

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15 para a afirmação (ou até a conquista de território) de certo grupo, pode contribuir, inversamente para seu alijamento, quando, por exemplo, a variedade linguística desse grupo é referida e depreciativamente comparada com a variação de prestígio (ou a “norma culta”) em expressões de preconceito.

O “preconceito linguístico” torna-se então mais uma forma de invalidação de pessoas por sua origem, posição social ou “cor”. Não obstante toda a diversidade do imenso território brasileiro, aqueles que não se expressam com a variedade linguística de prestígio, isto é, a fala das zonas centrais do Rio ou São Paulo, correm o risco de terem sua fala taxada como “errada” e sua mensagem, invalidada.

Aprender a viver em sociedade significa, então, submeter-se a processos de socialização, ou seja, processos de incorporação e internalização de valores, papéis e identidades. É preciso intensificar o desenvolvimento de habilidades que possibilitem o trato com o diverso e o debate de ideias. Tal desenvolvimento deve ser pautado pelo respeito, pela ética e pela rejeição aos discursos de ódio. O grande desafio é desenvolver a capacidade dos estudantes de estabelecer diálogos entre indivíduos, grupos sociais e cidadãos de diversas nacionalidades, saberes e culturas distintas.

A atividade ora proposta parte da observação do fenômeno da variedade linguística quando empregada para marcar situações de desigualdade social e perpetuação do preconceito, no cotidiano. Após a reflexão, os educandos são estimulados ao diálogo empático e a assumirem o ponto de vista do “outro”, assim ampliando sua percepção crítica, colocando em prática a dúvida sistemática, elemento essencial para o aprimoramento da conduta humana, com vistas a assumirem uma postura ativa para o enfrentamento coletivo dos problemas sociais.

METODOLOGIA

O trabalho parte da participação de um personagem secundário em Passando-se, Jack Bellew, o marido racista da protagonista Claire, que não sabe que sua esposa, que está “passando-se” por branca, é negra. No trecho [pág. 47], Jack Bellew chega em casa e depara-se com uma reunião de Claire com suas amigas Irene e Gertrude, todas elas negras. Como elas têm a pele clara e são amigas de sua esposa e como, principalmente, estão em um ambiente

“branco”, John Bellew acredita que sejam todas brancas e as trata com cortesia, entremeando gentilezas com comentários racistas à guisa de humor.

“Olá, Nig”, foi sua saudação a Clare.

Gertrude, que começava a erguer-se, voltou a se sentar e olhou secretamente para Irene, que havia prendido o lábio com seus dentes e olhava admirada para o marido e a esposa. Era difícil de acreditar que até mesmo Clare Kendry pudesse permitir ter sua raça ridicularizada por um estranho, mesmo que este

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16 fosse seu marido. Então ele sabia, ao fim das contas, que Clare era uma negra? Pela conversa do outro dia, Irene havia compreendido que ele não sabia. Mas que grosseria, certamente um insulto isso de ele chamá-la assim na presença das convidadas!

Nos olhos de Clare, quando apresentava seu marido, havia um brilho estranho, uma zombaria talvez. Irene não conseguia definir.

Uma vez concluída a mecânica das apresentações, ela perguntou: “Ouviu do que o Jack me chamou?”

“Sim”, Gertrude respondeu, rindo com uma disposição obediente.

Irene nada falou. Seu olhar manteve-se focado no rosto sorridente de Clare.

Os olhos negros fluíram para baixo. “Conta para elas, meu bem, porque me chamou assim.”

O homem deu risadinhas, espremendo os olhos, não desconfortavelmente, Irene sentiu-se obrigada a reconhecer. Explicou: “Bem, vocês vejam, é assim. Quando nos casamos, ela era branca como um — como um — bem, branca como um lírio. Mas eu afirmo que ela está ficando cada vez mais escura. Eu digo para ela que, se não se cuidar, um dia desses vai acordar e descobrir que se transformou em uma nigger.”

Soltou uma risada ruidosa. A risada de Clare, tinindo como um sino, juntou-se à dele. Gertrude, após mais uma mudança desconfortável em seu assento, acrescentou a sua, estridente. Irene, que estava sentada com os lábios bem comprimidos, gritou “essa é boa!” e começou a gargalhar. Ela ria e ria e ria. As lágrimas escorriam de seu rosto. Suas faces doíam. Sua garganta ardia. Ela riu e continuou a rir, bem depois de as risadas dos outros terem abrandado. Até que, atentando para o rosto de Clare, a necessidade de um riso mais contido para essa piada impagável, bem como de cautela, a atingiu. E cessou de vez.

Clare entregou a seu marido o chá e pôs sua mão nos ombros dele, com um leve gesto de afeto. Falando com confiança, e também por diversão, disse: “Por deus, Jack! Que diferença faria se, depois de todos esses anos, você descobrisse que eu era um ou dois por cento de cor?”

Bellew estendeu a mão em um movimento de repúdio, final e definitivo. “Oh não, Nig”, declarou. “Comigo não tem isso. Sei que você não é uma nigger, então está tudo bem. Por mim você pode ficar mais preta o quanto quiser, já que sei que você não é nenhuma nigger. Esse é o meu limite. Nada de niggers na minha família. Nunca houve e nunca haverá.” […]

Para quem chegasse agora, refletiu Irene, aquele pareceria o mais caloroso dos chás, cheio de sorrisos, piadas e risadas hilariantes. Ela disse, com humor, “então não gosta dos negros, senhor Bellew?” Mas sua curiosidade estava somente em seus pensamentos, não em suas palavras.

John Bellew deu uma curta risada de contestação. “Não me entenda mal, senhora Redfield. Não é nada disso. Não é que eu não goste deles: eu os odeio. E Nig também odeia, mesmo que esteja tentando tornar-se uma. Ela não aceitaria uma criada negra aqui, nem por amor nem por dinheiro. Não que eu quisesse também. Elas me dão arrepios. Esses nojentos desses demônios pretos.”

Isso não era engraçado. Teria Bellew, perguntou Irene, conhecido algum negro? O tom defensivo em sua voz disparou outra mexida nas cadeiras da desconfortável Gertrude, e, mesmo com toda a aparente serenidade, um rápido

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17 olhar de reprovação da parte de Clare.

Bellew respondeu: “Graças a Deus, não! E espero não conhecer! Mas conheço gente que os conhece melhor do que esses pretos conhecem a si mesmos. E leio nos jornais a respeito deles. Sempre roubando e matando as pessoas. E...”, acrescentou, soturno, “coisa pior”.

Da direção de Gertrude veio um estranho som suprimido, como uma fungada ou um riso. Irene não conseguia identificar. Houve um breve silêncio, durante o qual ela temeu que seu autocontrole estivesse a ponto de mostrar-se frágil demais para conter sua crescente raiva e indignação. Sentiu um ímpeto de gritar para o homem ao seu lado: “e você está aqui, cercado de três demônios pretos, bebendo chá”.

Peça à classe para observar que o personagem Jack Bellew, uma vez que se achava somente entre pessoas brancas, deu vazão ao seu preconceito livremente e, assim, empregou termos extremamente ofensivos para se referir às pessoas negras, quase sempre sob a desculpa do “humor”; e que ele empregou uma mesma palavra (“nigger”) em duas situações com “significados” (conotações) opostas: usou o termo ofensivo “nigger” para atacar um grupo e uma contração, “Nig” para expressar afeto por sua esposa.

— Que expressões cotidianas são usadas para reforçar estereótipos e preconceitos contra pessoas por conta de sua cor, posição social, origem e gênero? [Peça exemplos]

— Qual diferença (se tanto) quando se empregam tais expressões em um contexto de agressão ou de “humor”. [Suas conotações/denotações]

— Qual seria a linguagem de Jack Bellew se ele tivesse consciência de que estava conversando com mulheres negras? Seria da mesma forma se conversasse com homens brancos?

— Qual a relevância do contexto e da situação social para definição da variedade linguística (“norma culta” em contraste com gírias e regionalismos)? Nós falamos do mesmo jeito não importando a situação ou em ambientes diferentes — com os pais ou amigos, no trabalho, escola, internet… — usamos formas de falar diferentes?

— Há uma forma “certa” de se escrever e falar? Se sim a quem “pertence” essa forma de falar? E quem fala “errado”?

Após essas reflexões, a classe deve ser dividida em dois grupos, para um debate. Inicialmente, cada lado defenderá uma das seguintes teses:

A tese “corretista”. Todos os grupos devem falar e escrever do mesmo jeito, o “correto”, em todas as situações, evitando ruídos causados por “erros” e gírias para que assim a comunicação fique mais clara, exata e “igual”, favorecendo o bem comum.

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PASSANDO-SE A tese “libertista”. Cada grupo deve falar e escrever do jeito que quiser e com a sua linguagem particular, porque o estabelecimento de uma “forma certa” significa impor a linguagem de um grupo prestigiado e a estigmatização dos outros, o que reforça a desigualdade e prejudica o bem comum.

Cada lado deverá abrir com uma defesa oral de sua tese, de até cinco minutos, alternadamente, a que se seguirão duas rodadas de réplicas. À critério do educador, nesse ponto os grupos “trocam de lado” e devem começar a defender a tese oposta à que tinham combatido.

O fim do debate deve gerar um “compromisso” escrito, com ponderações de ambas as partes.

HABILIDADES

EM13LGG302 Posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo presentes nos discursos em diferentes linguagens, levando em conta seus contextos de produção e de circulação.

EM13LGG303 Debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas.

EM13LP05 Analisar, em textos argumentativos, os posicionamentos assumidos, os movimentos argumentativos (sustentação, refutação/contra-argumentação e negociação) e os argumentos utilizados para sustentá-los, para avaliar sua força e eficácia, e posicionar-se criticamente diante da questão discutida e/ou dos argumentos utilizados, recorrendo aos mecanismos linguísticos necessários.

EM13LP27 Engajar-se na busca de solução para problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando e/ou participando de discussões, campanhas e debates, produzindo textos reivindicatórios, normativos, entre outras possibilidades, como forma de fomentar os princípios democráticos e uma atuação pautada pela ética da responsabilidade, pelo consumo consciente e pela consciência socioambiental.

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