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Tema 1, pré-leitura
from Passando-se MDP
by EdLab Press
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PASSANDO-SE
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PROPOSTAS DE ATIVIDADE II
ATIVIDADE II TEMA 1
As leis de Direitos Humanos e suas interpretações
HABILIDADES BNCC EM13CHS601, EM13LP26, EM13LP27, EM13CHS605 ATIVIDADE DE PRÉ-LEITURA
CONTEÚDO
Leitura crítica de textos e dispositivos legais ao longo da história, em âmbito universal (Declaração dos Direitos Humanos), nacional (Constituição) e local (posturas municipais e estatutos particulares) analisando o contexto em que foram redigidas, e as contradições lógicas e éticas entre as próprias legislações e contrastando-as à prática social efetivamente observada. Essa leitura procura ampliar a compreensão de direitos e deveres, na perspectiva dos processos históricos da América do Norte e Sul e inclusão precária de grupos de afrodescendentes na ordem social e econômica atual.
OBJETIVOS
Capacitar os educandos a compreender e posicionar-se criticamente com relação aos processos de legitimização e regularização de desigualdades e supressão de direitos de um segmento da população ao arrepio de marcos civilizatórios como a Declaração dos Direitos Humanos.
Estimular os alunos a participar, de forma consciente e informada, do debate público sobre a afirmação e defesa dos direitos pessoais e coletivos, engajando-os na busca de solução de problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando, participando de discussões, campanhas e debates e produzindo textos.
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20 JUSTIFICATIVA
[Domínio público, licença CCØ. Disponível neste link.]
Para o jovem poder assumir o protagonismo e projetar, com confiança e qualificação, o rumo que sua vida tomará, nos campos pessoal e profissional, é preciso primeiro deslocá-da posição passiva e conscientizá-lo tanto do seu potencial quanto dos direitos a que possa reivindicar e exercer e dos deveres para o enfrentamento coletivo dos desafios da comunidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral.
“A ninguém é dado desconhecer a lei” é um princípio ancestral do Direito, atestando que ninguém pode ser dispensado de cumprir seus deveres ape-
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21 nas alegando não saber que eles existem. Porém o mesmo princípio aplica-se ao inverso: desconhecer que a Lei abriga nossos direitos, e não reivindicá-los ou protegê-los, tem consequências graves para nossa vida pessoal e nossa comunidade.
“Na prática a teoria é outra”, é outra frase de efeito muitas vezes invocada para explicar como o que a lei preconiza em caráter universal algumas vezes choca-se com sua aplicação específica e efetiva. Tome-se por exemplo o tema básico da igualdade entre as pessoas. Desde as revoluções iluministas que abriram a Era Contemporânea em fins do século 18, há documentos gloriosos como a “Declaração dos Direitos do Homem” que afirmam, já de saída, que “os Homens nascem e são livres e iguais em direitos.” Mas efetivamente o que se observou nos mais de dois séculos que se sucederam a sua publicação? A escravidão — a mais extrema forma de desigualdade — persistiria no Brasil, por exemplo, mais de 100 anos depois que a Declaração foi promulgada. O século 19 viu o imperialismo e o colonialismo subjugarem e oprimir pessoas da África, Ásia, Oceania e Américas, como se os que nascessem nessas terras não fossem também “livres e iguais”. “Alguns são mais iguais que os outros” brincou George Orwell, mostrando a hipocrisia da Europa, onde foi escrita a Declaração dos Direitos do Homem, que se viu envolvida em massacres baseados na suposta desigualdade racial e étnica, no próprio território (Holocausto).
“Direitos humanos são para humanos direitos” é outra frase com que deparamo-nos com frequência, e que demonstra como os Direitos dos Homens estão longe de serem “Universais”, como quer afirmar a Declaração da ONU (1948). O apelo (muitas vezes violento) à desigualdade, amplificado por porta-vozes do medo e raiva nas redes sociais é uma razão urgente pela qual a escola deve contribuir para a formação de alunos conscientes de seus direitos e com coragem para reivindicá-los.
Nesta atividade, portanto, vamos contrastar textos legais à prática social observada, refletindo sobre o contexto histórico no qual foram redigidos e promulgados como forma a ampliar a origem das desigualdades persistentes na realidade brasileira (nomeadamente o racismo) para nos munirmos de ferramentas para a transformação da sociedade e aplicação concreta dos preceitos legais da igualdade entre as pessoas.
METODOLOGIA Primeira etapa
Coletivamente, ou em grupos, os alunos devem construir uma “Linha do
Tempo da (Des)Igualdade)”, ordenando cronologicamente os trechos (de textos legais e de Passando-se) abaixo elencados. Os alunos podem, a critério do(a) educador(a), pesquisar outros trechos que ajudem a compor e ilustrar a linha do tempo.
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22 A linha do tempo deve ter três eixos paralelos, situando os documentos em a) Mundo, para documentos de caráter universal; b) Estados Unidos, para o trecho de Passando-se e para legislações locais e c) Brasil. A linha do tempo pode ser apresentada com recursos visuais plásticos (cartazes), com emprego de ferramentas digitais (“Powerpoint”, video etc).
Os trechos, que devem ser apresentados aos educando fora da ordem cronológica aqui listados, são:
1. Trecho de Passando-se em que Irene, receia que descubram que seja negra e por isso a expulsem do restaurante em que está tomando chá. A cena ocorre em fins da década de 1920, em Chicago, Norte dos Estado
Unidos.
Tornou a olhar para cima e, por um momento, seus olhos castanhos devolveram educadamente a encarada dos olhos negros da outra, que nem por um instante desviaram ou hesitaram. Irene fez um pequeno desdém mental. Ah, se quiser, pode olhar! Tentou tratar a mulher, e seu olhar, com indiferença, mas não pôde. Todos os seus esforços para ignorá-la foram inúteis. A espreitou pelo canto dos olhos. Ainda a estava olhando. E que estranhos olhos lânguidos ela tinha!
E gradualmente foi crescendo em Irene uma perturbação leve e interna, odiosamente familiar. Ela riu suavemente, mas seus olhos se acenderam.
Será que aquela mulher, seria possível que aquela mulher, de alguma forma, sabia que, diante de seus olhos, no terraço do Drayton, estava sentada uma negra?
Absurdo! Impossível! Os brancos eram tão estúpidos a esse respeito, sobre o que eles acham que conseguem distinguir; e pelos “sinais” mais ridículos: unhas, palma da mão, formato da orelha, dentes e outras bobagens. Eles sempre a tomavam por uma italiana, espanhola, mexicana ou cigana. Nunca, quando ela estava sozinha, teriam remotamente suspeitado de que ela era uma negra. Não, a mulher sentada ali, a encarando, não teria como saber.
Mesmo assim, Irene sentiu, por sua vez, raiva, humilhação e medo a invadirem. Não é que ela sentisse vergonha de ser uma negra, ou que a chamassem assim. Era a ideia de ser expulsa de um lugar, mesmo na maneira educada e cautelosa com que o Drayton provavelmente o faria, que a perturbava.
2. Trecho da Constituição dos Estados Unidos da América, escrita na
Filadélfia, Norte dos Estados Unidos, 1787
Acreditamos por auto-evidentes estas verdades, de que todos os homens são criados iguais, e que são agraciados por seu Criador de certos Direitos inalienáveis, e que entre esses está a vida, a liberdade e a busca de felicidade.
3. Trecho da “Declaração do Homem e do Cidadão”, escrita em Paris, França, em 1789 (aqui por “homem” entende-se toda a humanidade)
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23 Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
[Domínio público, licença CCØ. Disponível neste link.]
4. Trecho da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, redigida conjuntamente pela Organização das Nações Unidas em 1948
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. […]Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
5. Constituição Brasileira de 1988, redigida e promulgada no Brasil
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
6. “Car act”, lei estadual da Louisiana, sul dos Estados Unidos, promulgada em 1890 (Foi a primeira vez que o racismo foi oficializado por uma lei. Um homem, que tinha um bisavô negro, foi preso com base nessa lei e entrou na justiça. A Suprema Corte acabou julgando legal e assim legitimou que os governos, clubes e instituições particulares vetassem a entrada de negros. O precedente jurídico possibilitou uma série de
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24 leis de segregação racial, as “Leis Jim Crow”, em suposto conflito com os preceitos de igualdade na Constiuição estadounidense.
Qualquer passageiro que insista em sentar-se no vagão ou compartimento no qual, pela raça a que pertença, não é o seu lugar, pagará multa de 25 dólares ou, na falta, ficará detido por não mais de vinte dias na prisão paroquial.
7. Código Geral das leis de Birmingham, Alabama, Sul dos Estados Unidos, 1948-1950
É contra a lei um restaurante no qual brancos e pessoas de cor são servidas na mesma sala, a não ser que tais pessoas brancas de de cor sejam de fato separadas por uma divisória sólida, estendendo-se do chão até uma altura de 7 pés (2,10 metros) ou mais alta, e a não ser que haja uma entrada separada da rua para cada um dos compartimentos.
Qualquer pessoa que, sendo proprietário, mantenedor ou gerente de qualquer taverna, estalagem, restaurante, quadra de esportes, estádio ou outro ambiente ou espaço público, ou ainda um servidor, balconista ou empregado de dito proprietário, mantenedor ou gerente, que em consciência permitir que um Negro e uma pessoa de cor joguem juntos ou na companhia um do outro, em qualquer partida de baseball, softball ou outro esporte com bolas, nessa casa ou em um espaço sob sua responsabilidade, supervisão ou controle, será punido conforme estipulado na Seção 4.
8. Estatuto social de constituição do Esporte Clube Bahia, publicado em 1906 no Brasil.
Art. 6º do Capítulo 2º, da Admissão dos sócios Para admissão do Clube é necessário: a) ser proposto por um sócio em gozo de seus direitos; […] que a proposta tenha parecer favorável da comissão de sindicância. Parágrafo único: em hipótese alguma poderá fazer parte do Clube pessoas de côr.
9. Lei nº 14.363, de 15/03/2011, promulgada em São Paulo, Brasil.
Artigo 1º - Fica vedada qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, orientação sexual, identidade de gênero, condição social, idade, porte ou presença de deficiência, ou doença não contagiosa por contato social no acesso aos elevadores de todos os edifícios públicos ou particulares, comerciais, industriais e residenciais multifamiliares existentes no Estado de São Paulo.”;
§ 1º - Os avisos de que trata o “caput” deste artigo devem configurar-se em forma de cartaz, placa ou plaqueta com os seguintes dizeres: “É vedada qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, orientação sexual, identidade de gênero, condição social, idade, porte ou presença de deficiência, ou doença não contagiosa por contato social no acesso aos elevadores deste edifício”.
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PASSANDO-SE SEGUNDA ETAPA
Mostrando o que foi produzido pela classe ou pelos grupos, sem cartazes ou apresentações digitais, estimule a discussão a partir das seguintes perguntas:
Se, como dizem as Constituições e Declarações, as pessoas são iguais, será que elas são tratadas, na prática, como iguais? Quais são as diferenças na forma como a sociedade trata determinados grupos, a partir da condição social ou “cor”?
Da “Constituição dos Estados Unidos” e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” — os primeiros documentos a afirmar a igualdade dos homens — no fim do século 18 até os dias de hoje, o começo do século 21, a “Igualdade entre os homens” tornou-se uma verdade ou “ficou só papel”? Nós evoluímos ou estamos no mesmo estágio que em 1789 no referente aos direitos iguais para todo mundo?
Seria admissível hoje legalmente um clube, por exemplo, vedar a entrada de pessoas por conta da “cor” ou do gênero? E, se a lei o permitisse, seria ético, por exemplo, que um clube impedisse a entrada de brancos?
Embora nunca tenha havido, no Brasil, leis que proibissem ou coibissem o direito de ir e vir dos negros, como houve nos Estados Unidos, será que houve (ou ainda há) aqui espaços e territórios culturalmente vedados aos afrodescendentes?
Na sociedade norte-americana racista onde se desenrola a história de Passando-se o espaço dos brancos era vedado, cultural ou legalmente, aos negros, mesmo que estes fossem, como Irene, claros a ponto de “passarem-se por brancos” e que tivessem uma alta posição sócio-econômica. No Brasil há uma graduação que torne os negros mais “iguais” aos brancos se forem mais claros ou ricos?
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PASSANDO-SE HABILIDADES
EM13LP26 Relacionar textos e documentos legais e normativos de âmbito universal, nacional, local ou escolar que envolvam a definição de direitos e deveres – em especial, os voltados a adolescentes e jovens – aos seus contextos de produção, identificando ou inferindo possíveis motivações e finalidades, como forma de ampliar a compreensão desses direitos e deveres.
EM13LP27 Engajar-se na busca de solução para problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando e/ou participando de discussões, campanhas e debates, produzindo textos reivindicatórios, normativos, entre outras possibilidades, como forma de fomentar os princípios democráticos e uma atuação pautada pela ética da responsabilidade, pelo consumo consciente e pela consciência socioambiental.
EM13CHS605 Analisar os princípios da declaração dos Direitos Humanos, recorrendo às noções de justiça, igualdade e fraternidade, identificar os progressos e entraves à concretização desses direitos nas diversas sociedades contemporâneas e promover ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência, respeitando a identidade de cada grupo e de cada indivíduo.
EM13CHS601 Identificar e analisar as demandas e os protagonismos políticos, sociais e culturais dos povos indígenas e das populações afrodescendentes (incluindo as quilombolas) no Brasil contemporâneo considerando a história das Américas e o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual, promovendo ações para a redução das desigualdades étnico-raciais no país.
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