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O autor

B. Kucinski, assim, com o primeiro nome abreviado, é o nome literário adotado pelo jornalista Bernardo Kucinski, um escritor que se apresentou como autor de ficção há pouco mais de uma década e que rapidamente se tornou uma figura central na literatura brasileira contemporânea. Sim, porque até a publicação, em 2011, de K.: Relato de uma busca, Kucinski não era um autor de obras de ficção. Era como um dos mais respeitados jornalistas do país e como professor do ensino de jornalismo, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, que seu nome era conhecido.

Kucinski, portanto, estreou bastante tarde como ficcionista. Nascido em 1937, já havia ultrapassado os 70 anos e, inclusive, se aposentado como professor. Mas o lançamento de K. mudou rapidamente sua imagem pública, devido ao sucesso alcançado pela obra. Desde 2011, o autor de Júlia – nos campos conflagrados do Senhor tem publicado intensamente, entre romances, contos e novelas. Júlia é seu sétimo livro de ficção. Atualmente com mais de 80 anos, B.

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Kucinski prepara um novo livro de contos e a continuação de sua novela distópica A Nova Ordem, também publicado pela editora Alameda.

O que levou um jornalista consagrado, como Bernardo Kucinski, a embrenhar-se na ficção e tentar construir uma nova obra, depois de uma trajetória bem sucedida como jornalista? A resposta, talvez, esteja nos próprios livros do autor. Júlia é um deles, mas K.: Relato de uma busca já indicava uma explicação. O romance tem como pano de fundo uma história familiar, ao retomar o desaparecimento de sua irmã Ana Rosa Kucinski, militante política ligada à Ação Libertadora Nacional, a ALN, em 1974, junto com seu esposo, o também professor da Faculdade de Química da USP Wilson Silva. Ana Rosa e Wilson foram assassinados por agentes do aparato repressivo durante a ditadura militar e o corpo de ambos permanece desaparecido até hoje.

Por meio da figura de um pai que busca preservar a memória da filha, B. Kucinski registra uma inversão da lógica “natural”: em geral, são os filhos que devem promover a memória dos pais, e não o contrário. Este livro recebeu importantes prêmios literários, entre eles o Prêmio São Paulo de Literatura de 2012, e tornou-se um marco de uma nova leva de livros que retratam os anos do regime militar. Já foi traduzido para 13 línguas.

A ditadura militar não era um tema estranho a Kucisnki, que se graduou em física antes de se embrenhar na profissão de jornalista. Na verdade, pode-se dizer que foi a necessidade de contar o que se passava no Brasil que o conduziu ao jornalismo. No final dos anos 1960, B. Kucisnki conseguiu furar os bloqueios que a censura impunha à publicação de informações no Brasil e, em 1971, portanto antes mesmo do sequestro e desaparecimento de Ana Rosa, publicou na França o livro Pau de Arara, La Violence Militaire au Brésil (Pau de arara, a violência militar no Brasil), denunciando as torturas a que eram submetidos nos cárceres os opositores do regime militar. Durante a década de 1970, Kucisnki escreveu sobretudo para veículos estrangeiros, que conseguiam com mais facilidade escapar dos mecanismos de censura da ditadura, e para veículos alternativos de imprensa. Ainda nos anos 1970 e 1980, dedicou-se a mostrar o caos econômico deixado pelos militares, em livros como A ditadura da dívida e Jornalismo econômico. Em 1991, defendeu como tese de doutorado na Universidade de São Paulo um estudo detalhado sobre a organização dos diferentes veículos alternativos de imprensa dos anos 1970 e início dos anos 1980, trabalho que foi publicado com o título Jornalistas e revolucionários inicialmente pela editora Scritta e posteriormente pela Edusp.

A trajetória de B. Kucinski mostra como a expressão de seu conhecimento sobre a ditadura militar migrou da produção jornalística para a literária, recorrendo a uma escrita com características realistas, capaz de transformar essa grande história do país em material ficcional, tocando de forma ao mesmo tempo objetiva e delicada em temas difíceis, mas necessários, de modo a sensibilizar artisticamente as novas gerações para um tema fundamental da nossa história. A ficcionalização de episódios da época tornou-se, de certo modo, um caminho para completar uma tarefa a que B. Kucinski dedicou-se durante toda a vida. Por fim, vale a pena registrar que sua trajetória é também uma amostra de como uma formação múltipla, em que ciências exatas, ciências humanas e atividade criativa, podem conviver e se complementar num indivíduo.

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