Jornal Cobaia - edição #136

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Cobaia

Itajaí, maio de 2015

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI

Edição 136 - Distribuição gratuita

Fotos: Bruno Golembiewski

Jornalismo, opção de risco Profissão foi eleita a mais perigosa do ano de 2014 - p. 02

Recebemos bem quem CONVÉM páginas 8 e 9

Educação indígena História e cultura dos índios é exigida pelo MEC - p. 14

Direito ou diferença? Onde o índio se encaixa em pleno século XXI? - p. 12


Itajaí, maio de 2015

Editorial

De cara nova

Fôlego novo Jane Cardozo da Silveira*

E

O novo Cobaia chegou! Foram alguns dias de conversas e tentativas de melhorar aquilo que já era bom. Nesta nova edição não apresentamos apenas um novo layout, uma nova imagem, uma nova roupa, apresentamos também novas ideias de algo que está sempre se renovando: o jornalismo. Fiel a suas raízes, algumas coisas no Cobaia permanecem, como o nosso desejo de que você, acadêmico,

a articulação entre ensino e extensão que o Curso de Jornalismo consegue materializar. E não só entre essas duas áreas, mas também em termos de pesquisa. Não é demais incluí-la nesse rol porque, embora de forma menos evidente, a pesquisa está presente o tempo todo a dar suporte às práticas de Eduardo Abreu* nossas turmas. Estudos como os realizados pelo Grupo Monitor Das poucas coisas que de Mídia contribuem para descobri dessa vida, uma delas fazer avançar o conhecimento é que não vale a pena tentar do jornalismo e aprimorar, deliberadamente encontrar a inicialmente, a produção felicidade. Você pode tentar, mas acadêmica, e depois, o que tudo que vai encontrar é a paz se produz nos veículos de e o conforto. Sozinhos, esses comunicacão para muito dois lados de uma moeda não além dos muros da Univali. compreendem felicidade. Haja vista a trajetória do egresso James Alberti, repórter São apenas passageiros. investigativo que vem ao longo do tempo remexendo nas A felicidade, entretanto, entranhas do poder para trazer não é uma busca. Sabiamente à luz verdades inconfessadas - canta Janeci, “Felicidade é só postura que já lhe rendeu um questão de ser”. Ou você é feliz, Prêmio Esso mas também uma ameaça de morte. É sobre James e a luta que trava para fazer o bom Jornalismo, e também sobre outras lutas, como a dos povos indígenas, que estão cheias as Começou no dia 30 de próximas páginas. Esperamos maio a Campanha do Agasalho que você as aprecie. 2015, uma ação do projeto Boa leitura! Univali Faz. A campanha mobiliza aproximadamente *Editora - Reg. Prof. SC 00187/JP duzentos acadêmicos voluntários dos cursos do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Gestão, que percorrem os bairros Fazenda, Dom Bosco e São Vicente, em

streamos nesta edição um projeto gráfico assinado pelo estagiário Gabriel Elias, que se dispôs a correr o risco de experimentar uma outra forma de apresentar, nas páginas do Cobaia, os conteúdos remetidos por nossos acadêmicos de todos os períodos. Ponto para ele, que munido de fôlego e boa vontade - atreve-se ao novo. E, mesmo em uma fase inicial do curso, não tem medo de se expor a críticas. Ao contrário, espera que estas venham para contribuir ao aperfeiçoamento do trabalho que realizamos neste jornal-laboratório. Um trabalho feito a muitas mãos. Neste número, por exemplo, contamos com a participação das professoras Valquíria Michela John e Laura Seligman, cujos alunos encaminharam à nossa redação uma série de reportagens produzidas nas disciplinas em que desenvolvem exercícios de produção de pautas e matérias jornalísticas. A professora Valquíria já tinha participado com seus alunos das edições de março e abril. Por conta dessa interação, dessa ponte entre sala de aula e laboratório, fica evidente

C

Você é conectado. O Cobaia também! issuu.com/cobaia

IN - Agência Integrada de Comunicação

outros jornais Brasil afora. Ou seja: no Cobaia, você é visto. Um diferencial do Cobaia é que as matérias que você produz são assinadas, o que nem sempre aconrtece em outros veículos, que omitem a autoria, deixando assim de dar o crédito ao repórter. Portanto, esperamos contar com a participação de todos. Bem vindos ao novo Cobaia. Você muda, o Cobaia muda!

Facetas da vida ou é infeliz. Porque não pode existir meia felicidade. Senão, nem felicidade o é. Das muitas facetas da vida, a felicidade é a maior. Você não sente, até que ela suma. Tenho certeza de que já ouviu, ou quem sabe, disse: “Eu era feliz e não sabia”. Parece interminavelmente cruel, mas a inconsciência da felicidade é o que a faz ser tão espetacular, e a maior faceta da vida. Compreenda: temos consciência, sobretudo, de processos, protocolos, e demais coisas palpáveis. Todo o restante,

sem exceção, supomos. Disso se criam lendas sobre deuses e preconceitos. Mas a felicidade não pode ser um processo. Não possui protocolo. Não é suposição. Felicidade é estado. É ser. Questão de ser. Portanto, é importante lembrar… Você tem que querer ser feliz. E então você já é.

Acadêmico do 3˚ período de Publicidade e Propaganda*

Campanha do Agasalho

Você muda, o Cobaia muda!

Expediente

participe deste jornal, afinal, ele é todo seu! Aproveitamos a oportunidade para lembrar que o Cobaia não circula apenas dentro dos muros da Univali. Nosso jornal é enviado para outras 65 instituições de ensino de todo o país, de norte a sul, de leste a oeste. Além destas várias instituições, o Cobaia também é enviado para emissoras de televisão, agências de comunicação, bibliotecas e

Itajaí, para arrecadar roupas e cobertores. Os estudantes primeiro visitam residências para solicitar a ajuda e, em outra ocasião, eles retornam aos domicílios para recolher as doações. Os agasalhos são triados e entregues aos Centros de Referência da Assistência Social

(Cras) dos bairros Imaruí, Nossa Senhora das Graças e Promorar, para que sejam distribuídos às famílias mais carentes. Você pode colaborar com a campanha depositando suas doações nas caixas coletoras que estão localizadas na Biblioteca Central e nos corredores do bloco B7, do Campus Itajaí.

4˚ Proler Nos dias 26, 27 e 28 de maio a Univali foi sede do çEncontro Regional do Proler. O evento, que teve início no Teatro Municipal de Itajaí com a apresentação da peça teatral “Casa Amarela”, contou com a participação do escritor e

ilustrador André Neves. André fez a palestra de encerramento do encontro. O professor Andre Soutal também aproveitou a oportunidade para lançar o livro “Criancices”, com contos que escreveu quando criança. Um ponto alto da agenda

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI

do Proler 2015 foi o Prolerzinho, programa dedicado às crianças que ofereceu feira de livros, contação de histórias, mostra de cinema e atividades esportivas. As atrações, no Campus Itajaí, eram gratuitas e abertas ao público.

Cobaia

EDIÇÃO: Jane Cardozo da Silveira /Reg. Prof. SC 00187/JP - PROJETO GRÁFICO: Agência IN DIAGRAMAÇÃO: Gabriel Elias da Silva - TIRAGEM: 2 mil exemplares - DISTRIBUIÇÃO: Nacional

REPORTAGENS: Ana Paula Marquetti, Bárbara Porto, Bruna Costa da Silva, Bruno Golembiewski, Carla Mereles, Daiane de Souza, Gabriel Elias da Silva, Gabriel José Fidelis, Isabela Elisa Corrêa, Juniétty M. Hugen, Katyanne Karinne Krull, Leandro de Souza, Luana Amorim, Maiume Elisabete Ignacio, Mariana Campos, Matheus Petter, Mikael Mello. Participação especial de Olga Luisa dos Santos.

Espaço do Leitor Cobaia

Você tem alguma sugestão para fazer, ou alguma matéria que gostaria de ver publicada? Conte com a gente! cobaia@univali.br

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Jornalismo

Itajaí, maio de 2015

Profissão

C perigoso

Uma das tarefas mais importantes para a sociedade também é uma das mais arriscadas

Gabriel Elias da Silva

Banco de imagens

24 horas, seriam as denúncias de corrupção no partido. O jornalista ucraniano Oles Buzina foi assassinado no dia 16 de abril deste ano, na porta de casa. Oles era conhecido por suas visões “pró-russas”. No dia anterior à morte do jornalista, o político “prórusso”, Oleh Kalashnikov, foi encontrado morto. Ainda no mês de abril, o STF negou habeas corpus ao acusado de matar o jornalista Décio Sá, assassinado com cinco tiros no dia 23 de abril de 2012. Décio era repórter político do jornal O Estado do Maranhão, e mantinha um blog independente chamado Blog do Décio. A polícia diz que o jornalista foi morto por causa de uma publicação em seu blog sobre o assassinato do empresário Fábio Brasil, envolvido em trama de pistolagem com os integrantes de uma quadrilha. Décio deixou a esposa, que estava grávida. 2014 – ano violento para os jornalistas

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encedor do Prêmio Esso de Jornalismo em 2010, o jornalista James Alberti, egresso da Univali, está sob ameaça de morte. Repórter investigativo, James agora é obrigado a se esconder para preservar sua vida. Formado pela Univali em 1996 e hoje trabalhando como produtor da RPC TV, afiliada da Rede Globo no Paraná, James estava em Londrina, investigando uma rede de corrupção e pedofilia na Receita Estadual. Após a veiculação da denúncia e a prisão de cerca de 20 envolvidos, ele foi ameaçado. Segundo o Sindicato dos Jornalistas, James foi perseguido, e um esquema para matá-lo por meio de um assalto simulado veio à tona. A RPC TV teve que providenciar a remoção do jornalista da cidade e do estado. Mas a emissora fez questão de continuar na cobertura do caso. Em abril, mais jornalistas paranaenses sofreram

ameaças: repórteres do jornal Gazeta do Povo estavam sendo forçados por policiais civis e militares a quebrar o sigilo de fonte e revelar como obtiveram informações para uma série de reportagens que denunciavam desvios de conduta de policiais. Em Goiás, o jornalista Cristiano Silva, do site Goiás 24 horas, foi ameaçado por Sílvio Eduardo, assessor da deputada estadual Adriana Accorsi, do PT. O jornalista recebeu ameaças do tipo: “Lá fora eu quero ver, eu te acho, eu te mato”. Uma das causas das ameaças, segundo o próprio site Goiás

Apesar desse cenário tenebroso, segundo o relatório anual da FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas, 2014 teve uma redução de casos de agressão em comparação com o ano de 2013. Assim mesmo, o jornalismo foi eleito a profissão mais perigosa no Brasil em 2014. O maior número de agressões ocorreu em manifestações populares: 65 jornalistas foram agredidos durante manifestações de rua, enquanto em 2013 o número era de 143 agressões. Em 2014, por ser ano de eleições no país, partidos e candidatos recorreram à Justiça para tentar impedir

a circulação de conteúdos, principalmente na internet. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), numa parceria com o Google, contabilizou cerca de 190 ações judiciais, a maioria delas contra o próprio Google, tratando de propaganda eleitoral e não da divulgação de informações jornalísticas. A região brasileira com mais registros de violência contra jornalistas em 2014 é o Sudeste, com 72 casos. Seguido do Nordeste, com 24 casos; Sul, com 16; Norte, com 10 e Centro-Oeste, com 7 casos. Ao todo, 76,74% dos atos de violência são contra jornalistas do sexo masculino, e 17,06% contra jornalistas do sexo feminino. Os tipos de mídia também são contabilizados: 32,56% dos casos de violência são contra jornais impressos; 24,03% contra a TV; 10,85% contra agências de notícias; 10,85% contra mídias digitais; 8,53% contra freelancers; 3,88% contra revistas e 2,33% contra rádios. Os agressores são, na maioria dos casos, policiais e guardas municipais. Torcedores esportivos são os menos violentos com jornalistas. O relatório completo, com detalhamento de cada caso, encontra-se disponível ao

“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. George Orwell.

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público no site fenaj.org.br. Novo ano, novas estatísticas No dia 15 de maio deste ano, o Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná e do Paraná, e a FENAJ organizaram uma manifestação no calçadão de Londrina. O ato marcou o lançamento da campanha “Basta de Perseguição à Jornalistas”. O presidente da FENAJ, Celso Schroder, disse na ocasião que “enquanto permanecer a impunidade e a falta de atitudes concretas por parte das autoridades para proteção ao trabalho dos jornalistas, continuaremos caminhando para um quadro alarmante de ameaça à democracia no país”. Uma pesquisa dos EUA aponta que “repórter de jornal” é a pior profissão de 2015. Se já não bastasse isso, com o avanço da internet e a diminuição de jornais impressos devido às publicações digitais, a profissão de repórter também está sob ameaça, considerando a diminuição do número de assinaturas de jornais. A perspectiva de contratação de repórteres até 2022 é de -13%. Contudo, o jornalismo, seja ele impresso ou digital, se renova a cada dia, dando espaço e oportunidade para todos os profissionais. Quem quer ir além, tem a capacidade de renovar o jornalismo e fazer da profissão mais que um ganha-pão, uma paixão. Por isso, a equipe do Jornal Cobaia e o corpo docente da Univali desejam força a James Alberti, e vida longa ao nosso bom e velho jornalismo, seja impresso, audiovisual ou digital!


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Compromisso

Casamento ou

C união estável

O sagrado matrimônio, em tempos de crise, tem se tornado mais caro que o esperado

Daiane de Souza

O

casamento tradicional tem cedido cada vez mais espaço aos novos tipos de união. Desde o início das sociedades, o casamento era tido como sonho da maioria das mulheres, que viam nele sua única chance de ser feliz. Outras, como Jane

Pereira, foram diretamente influenciadas pelas famílias a seguir a tradição do matrimônio. “Eu não casei morrendo de amor. Casei por insistência dos meus pais que exigiam que eu honrasse o nome da família e fizesse como eles”. Segundo uma pesquisa da empresa Quem Casa Quer

Site, os noivos brasileiros gastam em média R$ 40 mil em sua festa de casamento. “É tudo muito caro. Só falar que é para casamento que o preço vai lá pra cima”, relatam Ana Lúcia e Paulo da Costa, que oficializaram sua união em uma cerimônia clássica, para 200 convidados, em novembro passado. “Foi quase um ano

e meio pesquisando, fazendo orçamentos, preparando todos os detalhes”, acrescenta Ana Lúcia. Já Emanuele e Deloni Ancelmo contrariam as estatísticas: em apenas dois meses o jovem casal organizou todo o casamento com um investimento final de R$ 9 mil. “Não tínhamos muita noção de quanto tudo custaria, e como nosso orçamento era bem limitado, decidimos que nós mesmos faríamos todos

na igreja vestida de branco, para ele a cerimônia não era algo assim tão importante. Apesar das divergências e da cobrança, o casal só sentiu de fato a necessidade de formalizar a união quando questões burocráticas e profissionais exigiam que ambos fossem oficialmente casados. Qual o momento certo para realizar um sonho? Mesmo que num primeiro momento tenha aberto mão de seus desejos, Roseana não voltaria atrás.

Foto: Daiane de Souza

Eu não casei morrendo de amor. Casei por insistência dos meus pais que exigiam que eu honrasse o nome da família e fizesse como eles Jane Pereira

os preparativos, sem contratar nenhum profissional”. Há 22 anos vivendo sob o mesmo teto, Roseana Viebrantz e Duglas Greuel sempre tiveram opiniões diferentes a respeito do casamento: enquanto ela nutria o sonho de entrar

Foto: Michele Canez

Após 22 anos de união estável, Roseana e Duglas estão de casamento marcado, e provam que nunca é tarde para realizar um sonho

A cerimônia religiosa é cada vez mais cercada de pompas e os custos podem assustar

Cobaia

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“Não faria nada diferente porque amar é isso, esperar o tempo dos dois. E, cá entre nós, eu fui muito paciente – um total de 22 anos!” O casamento está marcado para o dia 03 de junho.


Abstrato

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Arte

C figurativo

O trabalho de um artista que chama a atenção pela riqueza visual e suas ideias do inconsciente

Gabriel Elias da Silva

C

tinta a óleo. Nessa idade, ele pintava sob a influência de artistas locais. Jonas Paim vem de uma família sem muito poder aquisitivo: filho de pais separados, a mãe, faxineira, segurava a barra das despesas em casa. Cresceu na rua como todo garoto de família simples, mas, mesmo jogando bola ou correndo por aí, Jonas nunca deixou que seu talento se perdesse pela cidade. Com esforço, dedicação e a ajuda de uma professora, aos 15 anos ele fez sua primeira

exposição. Não demorou pra que sua arte fosse apreciada e ele, convidado a fazer outras

todo tipo de forma, de animais a figuras enigmáticas até o simples abstrato. Aos 31 anos

A natureza, pessoas e animais eram o que inspirava Jonas a criar

exposições. A natureza, pessoas e animais eram o que inspirava Jonas a criar naquela época. Desde então, ele já participou de salões de arte e várias mostras. As obras mostram

Reprodução facebook

ores vivas, desenhos que chamam a atenção, formas geométricas, animais e objetos. Foi assim que eu conheci o trabalho de Jonas Paim, um artista plástico: as cores quentes prenderam meus olhos nos quadros que estavam em exposição em uma festa em Florianópolis. Recém-mudado para Curitiba, nascido em Caxias do Sul – RS, Jonas começou a desenhar aos dez anos de idade. Aos trezes anos começou a pintar em tela com

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de idade, a imaginação fértil do artista se expressa de forma espontânea e com cores vivas. Jonas Paim classifica sua obra como abstrato figurativo. Para criar, ele usa tinta acrílica

em tela. “Meu objetivo como artista é encantar o público com minhas ideias do inconsciente”, ele resume. Se você quiser conhecer mais o trabalho de Jonas Paim, ele está no facebook “Jonas Paim”, onde sempre publica as obras mais recentes para a apreciação de todos. A arte figurativa abstrata foi uma das principais formas de representação dos povos medievais desde o Renascimento, no século XVI, até a atualidade.

As diversas obras de Jonas Paim que estão à venda e outros quadros podem ser conferidos na página do artista no facebook


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História

Escravização

C contemporânea

No século XXI, condições análogas ao trabalho escravo continuam a desafiar a dignidade humana

Carla Mereles e Matheus Petter

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Lei Áurea, instituída no Brasil desde 13 de maio de 1888, passou a considerar ilegal um ser humano ter outro como sua propriedade. Sabe-se que o direito conquistado não representou um fim verdadeiro do trabalho análogo ao escravo, uma vez que ele continua presente, clandestina e ilegalmente, na realidade da sociedade brasileira. Três mil e quinhentas pessoas, em média, foram resgatadas dessa condição de 2000 a 2013, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Portanto, esse direito conquistado, previsto em legislação – na Constituição de 1988 como na Consolidação das Leis do Trabalho - não aboliu por completo essa prática. A Lei Áurea, embora tenha proibido, não eliminou a escravização de seres humanos. Na contemporaneidade, desatrelaram-se as correntes,

exclusivamente escrava, e São Paulo, que tinha também imigrantes trabalhando nas fazendas de café. O poder girava em torno da elite, que se revezava nos altos cargos públicos, sendo as políticas e legislações feitas a fim de beneficiá-las. Havia, porém,

É declarada extinta desde a data

desta lei a escravidão no Brasil” – é o que afirma a Lei Áurea

Processo cruel Para se entender o processo de escravização no país, é preciso voltar no tempo. No século XIX, o Brasil monárquico era sustentado por uma elite latifundiária localizada em dois polos, Rio de Janeiro, que utilizava mão de obra

Cobaia

pessoas interessadas na industrialização e outras que repudiavam a escravatura, esses, portanto, apoiavam a abolição. Pressionavam a monarquia à proibição da atividade escrava esses setores da sociedade e principalmente a Inglaterra, país pioneiro na atividade industrial e ao qual interessava mais um mercado consumidor, portanto, uma sociedade não escravocrata. Antes de ser promulgada uma lei que abolisse, verdadeiramente, a escravidão, outras foram sancionadas para atenuar os efeitos da prática na sociedade. A Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, proibiu o tráfico negreiro e dificultou, além da compra, a manutenção do sistema, visto que, por ser ilegal o transporte de cativos ao Brasil, se tornou muito mais caro e arriscado conseguir escravos. Então, apesar de as crianças não poderem ser independentes e as pessoas além de 60 anos terem sofrido muito com a

Tristes trópicos Legislação falha, números assustadores e uma mídia que, tradicionalmente, não fala a respeito do assunto: esse é o panorama que encontram aqueles dispostos a lutar pela dignidade e liberdade humana, direitos humanos fundamentais e previstos em lei. A ONG Repórter Brasil é dedicada à pesquisa e combate à prática, o Ministério Público do Trabalho (MPT), assim como o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, promovido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), são instituições atentas à

gravidade e importância do tema. A fiscalização para que se ponha um fim nas condições análogas às de escravização de pessoas pode ser feita pela própria sociedade civil através de denúncias ao MPT e no MTE. Desde 2003 o MTE e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mantinham uma “lista suja” que abriga nomes de pesssoas ou empresas em cadastro público que foram processados administrativamente por terem sido flagrados usando trabalho escravo. Esse cadastro foi suspenso em 2014 pelo STF, pois foi questionada a sua constitucionalidade.

Dados do MTE e da Comissão Pastoral da Terra

contudo, atesta-se essa mesma prática milenar de negar às pessoas o direito à liberdade e à dignidade. O historiador Valdori Schveper, de 61 anos, afirma que a Lei Áurea não contemplou o lado dos escravos completamente: “Esse pessoal estava vivendo uma vida inteira mal, ou bem, mas tinham comida, tinham roupa, nem que fossem trapos, mas tinham; tinham local pra dormir, nem que fosse uma senzala e, de repente, esse pessoal, por força de uma lei, agora não é mais escravo. Mas o que os caras tinham pra se virar lá fora?”

escravização, a Lei do Ventre Livre e a do Sexagenário os alforriou, respectivamente em 1871 e 1885. As relações passaram a mudar com a industrialização, pois essa depende do mercado, e o trabalhador escravo, por não ser assalariado, não teria como consumir produtos da indústria. Logo, em 13 de maio de 1888 foi conquistada uma tardia vitória na sociedade brasileira. “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil” – é o que afirma a Lei Áurea, que considera ilegal a detenção de um ser humano por outro como sua propriedade.

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Bolsa atleta para alguns Leandro de Souza e Mariana Campos

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uatrocentos e dezoito. Esse é o número de atletas beneficiados pelo programa Bolsa Atleta, da Fundação Municipal de Desportos (FMD) da Prefeitura de Blumenau. Esse auxílio foi criado em 2006, inicialmente sendo disponibilizado aos inscritos em um período de 10 meses, de março a dezembro. Em janeiro de 2015, o benefício passou a ser concedido o ano inteiro, sendo o primeiro município do estado de Santa Catarina a tomar esta medida. Agora, durante 12 meses, os atletas podem utilizar o dinheiro obtido para bancar competições em que representam a cidade. As inscrições são feitas no começo de cada ano, mas há exceções: a bolsa é oferecida mediante a aprovação por meio de entrevista e somente as modalidades permitidas podem beneficiar-se. “As modalidades que estão autorizadas a receber

a bolsa são as que constam no Sistema Catarinense de Desporto, que aparecem em competições organizadas pela Fundação Catarinense de Esporte, a Fesporte”, explica Sérgio Galdino, presidente da FMD Blumenau. “Também é preciso que o atleta pertença a um clube oficial e tenha obtido bons resultados em competições”, completa. Para quem começou a vida no esporte cedo, o benefício da bolsa é a maneira de dar continuidade à trajetória. É o caso do atleta blumenauense Moacir Zimmermann, graduado em Educação Física e praticante da modalidade de marcha atlética. Moacir começou ainda quando jovem, na escola, com o incentivo de uma professora que o indicou para iniciar a prática com João César Sendeski, da FMD, atual treinador do esportista. O atleta coleciona grandes títulos e já participou até de campeonatos mundiais. Em 2000, Berlim e Sérvia,

em 2011 na Coreia do Sul e China. Também já disputou os jogos Pan-Americanos, em Guadalajara, no México, em 2011 e três copas do mundo. Além disso, já foi campeão e recordista dos Jogos Abertos de Santa Catarina por oito anos consecutivos. “Decidi me inscrever a partir do momento que obtive resultados positivos. Foi um processo fácil. O benefício me traz tranquilidade pra treinar. Acredito que Blumenau é a melhor equipe de Santa Catarina, amo competir por Blumenau”, diz Moacir. A realidade é diferente para a atleta Ana Rosa Castellain. Aos 29 anos, ela é campeã mundial, tricampeã PanAmericana, tricampeã SulAmericana e hexacampeã brasileira de levantamento de peso, modalidade que pratica desde 2006. Como o esporte não consta nos permitidos pelo auxílio municipal, Ana passou a tentar o Bolsa Atleta estadual.

Foto: Mariana Campos

As modalidades esportivas do Programa Bolsa Atleta são: natação, judô, handebol, atletismo, karatê, triathlon e xadrez.

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Segundo ela, a FMD Blumenau orienta os interessados a fazer a inscrição, dando todas as instruções. Como Ana tinha os resultados necessários, acreditava que conseguiria se inscrever. Mas não foi isso que aconteceu. “Sempre que eu enviava, eles me diziam que havia erro na documentação, sendo que segui todas as instruções passadas pela FMD Blumenau. Arrumei várias vezes, reenviei documentos e mesmo assim continuavam dizendo que estava errado. Fiquei seis meses tentando e nunca deu certo”, reclama. Ana acabou conseguindo o Bolsa Atleta do Governo Federal. Porém, ela conta que a quantia recebida não é suficiente e está em atraso. Teve que procurar mais um emprego para custear suas despesas, além de vender vários itens pessoais para conseguir ir a competições. De acordo com o Artigo 1º da Lei Complementar nº

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Esporte

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A Prefeitura oferece esse apoio a atletas municipais, mas com restrições

528 de 18 de julho de 2005, o Programa Bolsa Atleta tem o objetivo de valorizar e apoiar atletas de alto rendimento, incentivar jovens valores e desenvolver a prática do esporte como meio de promoção social, por intermédio de projetos específicos, mediante a concessão de bolsas remuneradas. Na Univali, o Programa Bolsa Atleta é destinado a alunos do CAU e da graduação. O Artigo 6º da mesma lei estipula os valores em reais destinados aos bolsistas, dividindo-os em três categorias: a) Internacional - para atleta de destaque Pan-Americano, Sul-Americano, Olímpico, Paraolímpico e Mundial, até R$ 3.000,00/mês; b) Nacional - para atleta adulto ou juvenil, no valor mensal de até R$ 2.500,00; c) Categoria Estadual - para atleta estadual adulto, infanto-juvenil, juvenil ou infantil, no valor mensal de até R$ 1.500,00.


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Estrangeiros

Recebemos bem

C quem convém

Despreparo de órgãos municipais põe em risco qualidade de vida de haitianos em Itajaí

Bárbara Porto e Bruno Golembiewski

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Clotide, de 26 anos, enxergou em Ernist a oportunidade de encontrar um serviço. Ao passar pela construção onde o conterrâneo trabalha, na Avenida Marcos Konder, ela se sentiu mais em casa ao conversar no dialeto Crioulo, principal idioma do Haiti. “Acabei de conhecer ele, vim perguntar se ele sabe de algum trabalho pra mim”, explica a moça, que desde que chegou a Itajaí, há três meses, não conseguiu trabalhar. “Graças a Deus, meu marido tá trabalhando, senão, não dava”. Clotide e o marido deixaram a filha pequena com a avó no Haiti há um ano e oito meses. Ela sente saudades de casa: “Lá que eu fico feliz, é minha casa, tem minha família, aqui sou estrangeira”. Antes de vir para Santa Catarina, eles moraram em Manaus, no Norte do país, onde, para ela, é melhor : “Lá é melhor para nós, aqui, algumas pessoas olham de cara feia, não querem falar com a gente só porque somos haitianos”. Depois de uma longa hesitação, ela completa: “Isso é racismo”. Clotide é uma mulher magra e tão alta quanto seu mais novo amigo Ernist. Apesar da fase difícil, tem um riso espontâneo. Ela conta as principais dificuldades que enfrenta por aqui, uma delas é o português. “A gente sabia que no Brasil se fala português, mas nunca tinha ouvido uma palavra até chegar aqui. Às vezes as pessoas falam comigo e muita coisa não entendo”.

de Referência e Assistência Social) tenham se reunido algumas vezes para discutir o assunto. “Não podemos fazer nada sem uma orientação do Governo Federal. Perante a lei, damos aos haitianos o mesmo tratamento que os outros estrangeiros, o que acontece é

que vamos adaptando algumas situações”. As “situações” a que Sandra Pinheiro, Assistente Social na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Itajaí, se refere, são alguns auxílios que os órgãos municipais desempenham.

Ajudam a encontrar moradia e emprego, com a intenção de que se tornem autônomos. Mas muitos acabam se desiludindo. Os haitianos vêm para o Brasil com a expectativa de ajudar suas famílias, mas Sandra diz que a realidade é outra. “Eles trabalham para

Fotos: Bruno Golembiewski

ão são mais casas. Não existem mais prédios. Não restou muita coisa. É um amontado de pequenas partes que nem se pode mais identificar o que foi um dia. As faces são de desespero, quase terror. Expressão de quem perdeu o teto, a família e viu sua pátria em cacos. As fotos do terremoto que atingiu o Haiti em 2010 são surreais. Na ocasião, mais de 250 mil pessoas foram feridas, 1,5 milhão ficaram desabrigadas e o número de mortos chegou a 316 mil, de acordo com o governo local. Hoje, pouco mais de cinco anos após o tremor, a reconstrução de Porto Príncipe, capital do país, segue precária e desigual. Tendas erguidas pelas Nações Unidas na época, ainda servem de moradia para centenas de milhares nas ruas da cidade. Atraídos pelo potencial econômico brasileiro, fugindo da miséria e em busca de melhor qualidade de vida, muitos haitianos chegam ao Brasil todos os dias. A principal porta de entrada para estes imigrantes é a região Norte do país. Em Santa Catarina, as cidades que mais recebem haitianos são Itajaí, Florianópolis, Balneário Camboriú e Navegantes. Há dois anos, Ernist Honoat partiu da cidade onde nasceu, Gonaïves, no Haiti, para tentar melhorar de vida no Brasil. Ele tem 37 anos e deixou dois filhos e a mulher na terra natal. É um homem alto, forte, o suor escorre pelo rosto enquanto

Atraídos pelo potencial econômico

brasileiro, fugindo da miséria e em busca de melhor qualidade de vida

fala. “Vim pra cá porque lá no Haiti não tem serviço”. Há poucos instantes, Ernist estava erguendo uma parede de mais um dos prédios que estão sendo construídos em Itajaí. “Mando dinheiro que ganho nos serviços todo mês para minha família”. Em busca de um emprego,

Cobaia

Recentemente Clotide esteve em uma reunião com representantes de secretarias da prefeitura, que não a ajudou muito. Em Itajaí não há nenhuma política pública específica para os haitianos, embora a Secretaria de Desenvolvimento Social junto aos CRAS (Centro

Muitos haitianos chegam ao país, deixando filhos e esposas, em busca de uma vida melhor e na esperança de mandarem algum dinheiro para suas famílias

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Ernist Honoat é um destes estrangeiros quie vieram ao Brasil em busca de uma vida melhor

É no posto de Atendimento a Estrangeiros que os haitianos recebem as primeiras informações necessárias para dar continuidade à vida em um novo lugar

A grande maioria dos haitianos trabalha em empreiteiras por não exigirem grau de escolaridade elevado

conseguir se manter aqui e ajudar suas famílias no Haiti. Só que quando vão enviar o dinheiro, pelo banco, as taxas são altas e o que chega ainda é pouco. Por isso muitos acabam tendo que ter dois empregos”. A principal diferença do imigrante haitiano para os demais é o visto. O deles é o chamado “visto humanitário”. Ele amplia as oportunidades e a permanência da pessoa por cinco anos no país. Embora algumas ações municipais para colaborar com a permanência do povo haitiano em Itajaí tenham sido feitas, isso ainda não é suficiente. “Passam em média 100 haitianos por dia e mais ou menos cinco conseguem emprego. Muitas empresas não contratam por causa do português”. Para Ilda Nicolau, assessora no Programa de Orientação do Mercado

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de Trabalho, na prefeitura, a situação está complicada. O número de haitianos em Itajaí não pode ser mensurado com exatidão. Mas para a Secretaria de Desenvolvimento Social já passam de duas mil pessoas. Estão elas vivendo um sonho brasileiro que nunca existiu? O fato é que a única coisa feita até agora pelos órgãos públicos é buscar emprego para estas pessoas. Talvez isso não funcione porque elas não conseguiram seu espaço na sociedade, ainda vivem à margem e são vistas como “aqueles que vieram roubar emprego”, quando na verdade só buscam uma melhor qualidade de vida, como faz todos os dias a maioria das pessoas no mundo inteiro. E como fizeram, um dia, nossos antepassados europeus e asiáticos.


Itajaí, maio de 2015

Cultura

Tradição

C preservada

Antigos costumes e tradições indígenas continuam em uso no século XXI

D

e acordo com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), os 3 a 5 milhões de indígenas que estavam no Brasil em 1500 estão reduzidos hoje a 138 mil. Apesar do massacre a que foram submetidos os primeiros habitantes das Américas, é grande e valioso o legado desses povos, mesmo que grande parte da sociedade não o perceba. Mauri dos Santos, aposentado de 66 anos, é descendente indígena. Ele conta que herdou dos antepassados o hábito de pescar e de consumir

Isabela Elisa Corrêa e Mikael Mello

chá para curar doenças. Esta tradição tem origem no conhecimento dos pajés ou curandeiros das aldeias, que faziam experiências com ervas e, quando constatavam que elas tinham poder curativo, transformavam-nas em remédio. Para ele, é muito importante a contribuição dos índios à cultura brasileira, com destaque para a caça e a tradição do cultivo e consumo da mandioca, presente na vida de várias pessoas. Quando perguntado se pratica alguns dos costumes citados, ele diz

que consome chás de alecrim, cana de cheiro, capim limão e boldo para dores estomacais, em vez de medicamentos industrializados. “Hoje a cachaça é feita da cana de açúcar, mas antigamente os índios faziam da mandioca ou do milho, dando o nome de Cauim. As índias mastigavam o milho verde e cuspiam dentro de uma cuia, deixavam fermentar e após isso coavam, fazendo uma bebida forte, muito semelhante à cachaça atual”, explica Mauri. João Francisco dos Santos,

de 77 anos, é instalador hidráulico e irmão de Mauri. Ele conta que a ascendência indígena vem por parte materna, lembrando também que, desde a infância, ele e seus irmãos consumiam, como principal refeição, batata e aipim, além de chás de ervas. Assim como o irmão, ele opta por tomar chá em vez de medicamentos quando está doente. São nítidos os traços da presença indígena nos dias atuais, sejam em forma de costumes ou no aspecto físico. Mesmo assim, muitas pessoas

Fotos: Isabela Elisa Corrêa

Mauri dos Santos e João Francisco dos Santos, descendentes de indígenas

Cobaia

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desprezam e até renegam essas influências, é o que acredita Cláudia Beatriz Venâncio, de 50 anos, secretária de Cultura do município de Tijucas. Para Cláudia, é preciso trabalhar no resgate desta cultura e dar oportunidades para que os índios desenvolvam seus projetos, dentre os quais, o artesanato. Para o historiador Marlus Niebuhr, de 48 anos, desde a época do Brasil Colônia, os primeiros habitantes já eram fundamentais na construção da Nação. Ajudaram os portugueses a adquirir conhecimento sobre a terra, tanto geográfico como militar. Marlus ainda acrescenta que o uso da rede para dormir e os banhos diários são aspectos não vistos tão facilmente como herança dos índios. “Muita das palavras do nosso idioma têm origem no Tupi, que na verdade é um tronco linguístico e não uma língua em si. Entre elas temos catapora, jiboia, pitanga e mandioca, além de nomes de cidades e bairros, como Aracaju, Guarulhos, Jacarepaguá e Itajaí. Esse é um dos principais fatores para preservarmos a cultura indígena. Como ainda temos uma ligação muito forte com esses povos, é crucial que isso se mantenha para as próximas gerações”, finaliza. Assim como Mauri e Marlus, o historiador e professor Moacir da Costa, 42 anos, afirma a grande importância de se preservar a cultura indígena: “Acredito que as minorias de poder são imprescindíveis para se pensar o todo de nossa sociedade. Não consigo conceber o todo sem perceber a parcela, neste sentido não dá para dissociar a cultura indígena da brasileira”. Segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), os principais saberes indígenas estão ligados à percepção e à compreensão da natureza e se manifestam no trabalho, nos ritos, nas festas, na arte, na medicina, na comida, na bebida e na língua, que tem sempre um significado cosmológico primordial.


Memória

Itajaí, maio de 2015

Cultura

C

portuguesa

História e Cultura juntam-se à paisagem para compor mais um atrativo turístico

ovoado que teve sua população aumentada pela chegada de migrantes açorianos entre o fim do século XVIII e o início do XIX, o município de Barra Velha, no litoral norte de Santa Catarina, vem trabalhando para manter características da cultura desse povo entre as novas gerações. Tradições locais das mais destacadas são a realização anual da Festa do Divino Espírito Santo e a conservação da vila de pescadores.

seguro desemprego. José Carlos Fagundes, 55, professor de História, diz que não há hoje nenhuma comunidade que mantenha intactos apenas hábitos e manifestações da cultura lusoaçoriana. “Barra Velha é hoje uma comunidade miscigenada, tem a influência de índios e negros.” Mas, ele reitera que tradições como a Dança de São Gonçalo, o Boi de Mamão e o Terno de Reis seguem firmes entre os remanescentes da cultura portuguesa nas comunidades locais. A riqueza cultural da cidade e suas origens luso-açorianas são um atrativo turístico. Na historiografia oficial, o fundador do povoado foi o pescador português Joaquim Alves da Silva, que ao mandar grande quantidade de óleo de baleia para a então capital, o Rio de Janeiro, comoveu o Imperador Dom Pedro I e fez com que ele lhe presenteasse com as terras que hoje formam o município.

Maiume Elisabete Ignacio e Ana Paula Marquetti

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Festa do Divino

para receber a comitiva imperial e através das orações e da cantoria sentem-se abençoadas. O culto ao Divino é cercado por rica simbologia pela qual se transmite a mensagem de

imperador e pela imperatriz. Artes da Pesca Os pescadores artesanais conservam seu espaço na praia de Barra Velha. Lutando

A riqueza cultural da cidade e suas

origens luso-açorianas são um atrativo turístico

caridade e fraternidade. Entre os muitos símbolos presentes na tradição, destaca-se a bandeira. Feita em tecido vermelho, com a imagem de uma pomba branca ao centro, é presa a um mastro de madeira arrematado, ao alto, por uma guirlanda de flores que cerca outra pequena imagem do pássaro-símbolo do Espírito de Deus. Ornamentada por muitas fitas, a Bandeira do Divino é levada de casa em casa pelo

Fotos: Banco de Imagens

Segundo o blog “Descortinando Histórias”, produzido pelo historiador local Juliano Bernardes, “o culto ao Espírito Santo é a maior referência identitária da presença açoriana em qualquer parte do mundo”. Neste ano, a programação da festa começou após a Páscoa, com 33 dias de peregrinação

da Bandeira do Divino por todas as comunidades da paróquia, e ainda pelo município vizinho de São João do Itaperiú. Ao término da caminhada, iniciaram-se as novenas promovidas por setores e entidades públicas, sempre encerradas com oferta de jantar aos fiéis. Os rituais em honra ao Divino culminam com três dias de festa: na parte sacra da celebração, realizam-se procissões e missas em que se coroa um casal como Imperador e Imperatriz do festejo. Na agenda social, tem shows regional e nacional, quermesse na praça da Igreja Matriz e queima de fogos na Lagoa, no centro da cidade. O Imperador da Festa do Divino de Barra Velha em 2015, Aldemiro José de Lima, 62 anos, fala da importância da data para a população. Ele destaca quanto o processo das caminhadas é esperado com ansiedade pelas famílias, que preparam suas casas

A Festa do Divino Espírito Santo é feita de sentimento, de religiosidade e também de uma simbologia que representa a Fé dos devotos

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para manter vivas as artes legadas pelos antepassados, eles estão congregados como categoria trabalhadora numa Colônia de Pesca. O presidente da entidade, José Moacir Viana, 61, reforça que a finalidade da instituição é também manter documentos atualizados perante os órgãos competentes. São exemplos o encaminhamento da carteira de pescador profissional, a permissão para a pesca e o


Direito a C diferença

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Cultura

São grandes as dificuldades para se incluir o índio na sociedade

Bruna Costa Silva

Difícil adaptação “A julgar pelas pesquisas que realizamos temos que distinguir entre dois tipos de estágios civilizatórios dos indígenas brasileiros, prefiro chamar de povos autóctone, o estágio original ou semi original, que acontece na região Sul do Brasil. As grandes dificuldades são justamente o contato com a civilização e a adesão dos indígenas ao modo de vida dos não indígenas. A partir do momento que este contato é estabelecido, dificilmente os povos autóctones conseguem voltar ao seu estágio original. Quando um ser humano sai de um estágio quase que das cavernas e tem contato com as tecnologias do presente, o choque cultural é muito grande. Basta ver o simples olhar de um indígena ao se deparar com um automóvel ou um avião, ou até mesmo uma televisão. Porém, quando ele entra em um carro

Cobaia

e vê que o mesmo trajeto que ele faria a pé em um dia, de carro faz em 30 minutos, se dá conta que viver na civilização atual é muito melhor. A mesma coisa acontece com os vícios e as doenças da chamada civilização. O indígena é presa fácil neste processo, pois lhe falta conhecimento sobre os pontos negativos de tudo isso. Não é à toa que grande parte dos índios aculturados recentemente são alcoólatras”, explica Celso. Política pública

O governo instituiu em 1967 uma entidade ligada ao Ministério da Justiça, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como setor indigenista oficial do Estado brasileiro. Madeleyne Machado é Assessora de Comunicação da FUNAI e esclarece a respeito da entidade que “Não compete ao órgão fazer a inclusão dos povos indígenas. Desde a Constituição de 1988, os povos indígenas têm assegurado seu modo de vida tradicional e cabe à União oferecer condições para que vivam como consideram mais adequado”, afirma. No decorrer dos anos surgiram ong’s, comunidades, blogs e páginas como a comunidade “Índio de Todas as Tribos” que concede auxilio e divulga em fotos a cultura

das tribos locais. Fundada em 2 de novembro de 2013, é dirigida por Laureano Goulart Gonçalves, 42 anos, que descreve a finalidade da comunidade. ‘’O nosso trabalho é sério e de grande colaboração para toda a cultura indígena que transcende todos os sentimentos mesquinhos e incompetentes dos que nada fazem, nada somam e atrapalham quem faz a diferença por um mundo melhor e com menos preconceito com a comunidade indígena.” A política de atenção aos povos indígenas no Brasil tem como documento-base o Estatuto do Índio, que regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los à comunidade nacional. Assim ficou conhecida a lei de numero 6 001, criada em 1973. No papel, está tudo escrito. Mas, e a execução? Marluse Castro Maciel, 43 anos, professora no Instituto Federal Catarinense, formada em Direito, posiciona-se com cautela sobre o que realmente acontece: “Os índios são cidadãos brasileiros, aliás, eles são os verdadeiros cidadãos brasileiros, todas as terras eram deles. Um dos direitos fundamentais para o índio é o acesso à terra, que já era deles. A posse da terra para o

índio é coletiva, ou seja, não existe sítio, ou lote individual. Por isso, é garantido a eles o direito de morar numa reserva indígena. Este ano houve uma discussão acalorada no Congresso Nacional pedindo que a remarcação das terras indígenas fosse feita pelo legislativo e não pelo executivo. Isso será um problema, pois a bancada ruralista do Congresso Nacional é grande e por eles acabariam com todos os índios. E os índios têm mesmo todo direito, e por que não teriam? “. Falando sobre a relação dos povos indígenas com a sociedade brasileira atual, a professora Marluse observa que temos povos vivendo em pleno estado de natureza como no Xingu, na Amazônia, e há povos que já apresentam muitos elementos da civilização urbana, e acabam tendo que se adaptar a essa realidade. Porém, hoje, apesar dos projetos de incentivo à cultura indígena que temos em nosso país, os índios são deixados de lado. A sociedade aceita, por exemplo, que haja recursos para preservação da cultura germânica, mas critica os recursos enviados para a preservação da cultura indígena”. Estudo da cultura Pesquisa feita pelo professor

Banco de Imagens

A

cada ano presenciamos cada vez menos a presença das tribos indígenas. Nestes tempos de acelerado avanço tecnológico e da ciência, como ficam os índios? Como eles se encaixam nessa sociedade que em pleno século XXI ainda ostenta tamanha desigualdade racial? Nas primeiras histórias contadas pelos nossos professores, desde crianças ouvimos dizer que os portugueses usaram violência e religião para escravizar e tomar as terras dos índios. A situação prosseguiu pelos séculos e resultou no reduzido número de índios que o Brasil tem hoje, aos quais com frequência são negados direitos básicos, como o da propriedade da terra. Afinal, onde estão os índios, quando foi a última vez que você os viu andando pelas ruas e levando uma vida igual à de qualquer outro cidadão? Do que têm medo e por que se escondem? Professor e jornalista, Celso Deucher, 48 anos, autor de 27 livros sobre a história regional no Vale do Itajaí Mirim e Sul do Brasil, fala sobre quais são as dificuldades de adaptação que os índios enfrentam.

O rio, a floresta, os índiosessa relação deixou de ser harmônica com a chegada dos brancos

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Celso Deucher aborda com um olhar diferenciado a questão indígena. O professor Celso esclarece: “Penso que temos que por fim a esta aberração que é manter os índios presos a suas reservas como se fossem animais. Estas pessoas têm o mesmo direito de usufruir das modernidades atuais e suas coisas boas e por que não dizer, das ruins. É parte do processo. Basta vermos o que aconteceu nos últimos 300 anos em termos de Sul do Brasil e nos últimos 150 anos em termos de Santa Catarina, em especial Brusque. Todos os povos indígenas que havia nesta região, ou foram exterminados, ou acabaram sendo assimilados pelos imigrantes”. O professor Celso acrescenta: “Os que foram assimilados conseguiram sobreviver e hoje são profissionais excepcionais, chegando inclusive a empresários e industriais. Hoje é possível ver, entre nós, diversos descendentes de indígenas que não mais sabem nem o que é uma aldeia. Fato notório é o caso dos descendentes de João Bugre, um dos mais famosos indígenas de Brusque, que residiu toda a sua vida na região do bairro Santa Terezinha e que foi assimilado pela população local, sendo um dos seus mais ilustres cidadãos, tendo inclusive dado nome a praça e rua. Salvo do extermínio promovido pelo temido Martim Bugreiro, João Bugre e sua família tornaramse cidadãos de uma sociedade que ao longo do tempo acabou por vê-los primeiro como seres humanos e não mais pelo estereótipo do silvícola. Assim será com os demais indígenas que ainda hoje vivem em reservas ou fora da linha de contato da civilização. O que temos que fazer é buscar formas de assimilarmos estes povos e criar mecanismos de proteção a sua cultura, não mais ligada à questão da permanência nas suas terras tradicionais. Quanto mais empurrarmos estes povos para os confins dos sertões, mais estaremos exterminando suas tribos já a partir do momento que estes povos têm contato com a atual civilização. Infelizmente, eu diria.


Herança

ameaçada Juniétty M. Hugen e Luana Amorim

U

Cundya, 33 anos, o artesanato é a base do sustento. Há três anos em Balneário Camboriú, ele conta como é a prática desenvolvida e os motivos que o levaram a tornar-se artesão. Inicialmente, os indígenas peruanos utilizavam peles de animais, como a lhama, para a confecção das peças, porém, hoje, isso não é mais possível. Marco aprendeu sozinho as técnicas de manipulação dos materiais, sendo seu objetivo a independência e a liberdade para viajar. “Essa é uma maneira fácil de ganhar dinheiro e o bom disso é que se pode fazer em qualquer lugar, como no ônibus.” Seu produto é vendido na Vila do Artesanato, em Balneário. No local, o consumidor encontra desde filtro dos sonhos até colares, ‘’sempre tento criar produtos diferentes, com materiais puros”, relata o artesão. A esposa de Marco, Juliana Menegassi, 37 anos, é bióloga e mestre em ecologia. Para concluir seu mestrado, passou oito anos na reserva dos Baniwa, no Amazonas.“Qualquer indígena quer expor seu trabalho, eles

querem atenção”, conta. Os Baniwa usam os objetos artesanais em seu cotidiano e na agricultura. Tanto os homens quanto as mulheres confeccionam esses produtos. “É a expressão da sua cultura material e imaterial.“ Balneário Camboriú recebe grupos indígenas com frequência, principalmente entre janeiro e março. Os grupos expõem seu trabalho na rua, que é garantia de renda por alguns meses do ano. Conforme o Secretário de Desenvolvimento e Inclusão Social, Luiz Maraschin, 56 anos, os Kaingang, Guaranis e Xokleng são os grupos mais presentes no município. Os Kaingang ficam acampados e são os mais organizados, já com os outros grupos há dificuldade de diálogo. “Às vezes, eles não

comunicam sobre sua chegada e instalam-se nas calçadas da cidade, como aconteceu este ano, com os índios Pataxós de Porto Seguro”. O artesanato vendido pelos índios tem como base a taquara e a pena, e são comuns produtos como arcos, flechas, cestos e pinturas. Apesar da qualidade das confecções, nem sempre eles têm larga escala de produção. “Como já aconteceu, eles vão em busca de produtos nas lojas de R$1,99, o que gera problemas com a concorrência comercial e a insatisfação do consumidor”, ressalta o secretário. Os desafios enfrentados são em relação à permanência desses grupos na cidade, pois não existe um local adequado para isso. Já na questão da integração com a sociedade, o

Artesanato

C

A delicada manufatura artesanal indígena enfrenta a concorrência da produção em série

secretário diz que ‘’as pessoas estabeleceram um sentimento humanitário com os índios e reconhecem sua importância’’. Na visão do consumidor, o artesanato estabelece relação cultural, que identifica e expressa a figura do índio e seus costumes, como comenta a professora Ita Marcia Hack, 51 anos: ‘’Desde a infância, devido minha educação, associo o artesanato ao índio. Eu sempre gostei e ganhei muito artesanato. Minha tia morou no Paraná e sempre me presenteou. O que me impressiona no artesanato é o material, puro”. diz ela, que tem em casa vários exemplos de trabalhos feitos por esses nativos. “Nunca uma peça vai ser igual à outra, é uma experiência incrível ver essa prática’’.

Fotos: Luana Amorim

m cesto tecido por ambulantes ou um simples brinco de penas. A influência dos povos indígenas pode ser encontrada de diversas formas no nosso dia a dia. Falar sobre os índios é falar da construção cultural brasileira. Segundo o professor de história Luiz Carlos Pause Júnior, 31 anos, esse tipo de manifestação tem origem antes mesmo da colonização, iniciando-se com a arte rupestre. ‘’Essas produções eram usadas para decoração e em ritos religiosos. ‘’ Ele cita, como exemplo, o artesanato feito em cerâmica pela tribo dos Tapajós, na Ilha dos Marajó, que é muito antigo, mas ainda está presente na comunidade. O professor ressalta que hoje há uma grande perda dos valores culturais e de seus reais interesses, tornando esse trabalho uma fonte de renda para quem o produz. “Os índios não se preocupam mais em realmente expor sua cultura, mas sim em fazer algo do qual a sociedade necessita, como se fosse um capitalismo indígena”. Para o índio peruano Marco

Itajaí, maio de 2015

A Festa do Divinoindígena Espírito é O artesanato Santo é feita de sentimento, todo feito com as mãos, de religiosidade e também utilizando matéria-prima de uma simbologia que a natureza que oferece representa a Fé de cada um

Todos os produtos são comercializados na Vila do Artesanato, localizado na Avenida Central, em Balneário Camboriú

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Educação

Educação

C indígena

A história indígena é exigida pelo Mec e ganha espaço nas escolas de ensino fundamental e entre educadores

Gabriel José Fidelis e Katyanne Karinne Krull

R

educação infantil. Entretanto, repassar esse conteúdo aos estudantes de uma forma atrativa e diferenciada não é tarefa fácil. Segundo a pedagoga especializada em Alfabetização, Alzira Josiani Rodrigues, a abordagem dentro da instituição busca ressaltar a importância da diversidade cultural, dando um enfoque à educação infantil. Dessa forma, o conteúdo é estudado visando a maneira como as crianças aprendem, dentre inúmeras coisas, os costumes e a alimentação desses povos. Muitos são os hábitos indígenas que chamam a atenção e que, muitas vezes, são desconhecidos pela geração atual de crianças. Para isso, o CAU busca trazer para a realidade dos alunos toda essa cultura através da prática. “Nós trabalhamos de forma lúdica, com a literatura infantil e músicas. A gente conheceu

também alguns costumes alimentares indígenas, como a mandioca, e eles inclusive experimentaram a mandioca cozida. Também fizemos um brinquedo indígena, logo depois da história, cada aluno construiu a sua peteca, eles amaram”, destaca a professora Alzira, se referindo a um trabalho desenvolvido em sala de aula. Além das atividades práticas, os alunos conhecem na teoria um pouco mais sobre a cultura indígena. Para a pedagoga, que também atende crianças de 4 a 5 anos, ilustrar a cultura do povo indígena facilita a compreensão. Dessa maneira, ela busca trazer livros que falem sobre a vida dos índios, como por exemplo, a organização de uma aldeia, a relação das tribos com a natureza e diversas outras coisas que alimentam a imaginação da criança e a fazem entender o assunto. A professora do 5º ano do CAU, Nara Regina Rebello, destaca a importância de mudar alguns paradigmas e tratar o assunto com uma relevância que muitas vezes é deixada de lado. “O foco maior na educação com relação ao papel do índio, não é o índio como alguém que resgate a cultura, pintar a criança de índio e ir pra casa, não. E sim relembrar esses primeiros povos que aqui estavam e eram os

Durante o Olhares Múltiplos 2015, os acadêmicos receberam a visita do índio Yamalui, da aldeia Kuikuro, do Alto Xingu. donos desta terra. Foram eles o primeiro povo a ser escravizado pelos europeus e que deixaram muita contribuição, essa é a visão que tento passar aos meus alunos”, esclarece. Devido ao avanço da tecnologia e a facilidade que as crianças de hoje possuem para obter informações, a exigência com que tratam alguns assuntos é visível. De acordo com a professora Nara, o questionamento mais frequente é: “-Esse índio de hoje é o mesmo do passado?” Ela explica que hoje em dia as crianças veem os índios na tv com celular, calça jeans e tênis, algo muito modernizado. Por isso, considera importante resgatar o índio como primeiro habitante a povoar o Brasil.

A aluna Ana Beatriz Seara Schlickmann, do 5º ano do Ensino Fundamental I, está aprendendo a lição: “[...] eles viviam nessa terra primeiro. A área era deles e eles que deveriam ter tomado posse e não os portugueses.”, critica a menina. Segundo a professora responsável pelo Ensino Fundamental I do CAU (dos 3º aos 5º anos), o índio é lembrado como um ser que fez e continua fazendo parte da cultura brasileira. Por isso, o tema e o índio são abordados ao longo do conteúdo que os livros do Colégio trazem. Assim, para essa faixa etária, é tratado de forma menos lúdica, com base teórica nos livros didáticos.

Fotos: Eduardo Gomes

egulamentado por lei, o estudo da história dos povos indígenas no Brasil está incluído no currículo escolar. Mas a diretora do Colégio de Aplicação da Univali (CAU), Arlete Steil Kummm, observa que a importância de o conteúdo ser ministrado em sala de aula vai além da obrigatoriedade e abrange o inicio da história do povo brasileiro. Para ela, tais discussões na escola são fundamentais para que os alunos reconheçam a relevância da cultura indígena na história do nosso país. “É um respeito a nossas origens, um respeito a nossa história, um resgate que a gente precisa passar de geração pra geração”, destaca. Dentro do CAU, atividades em torno do conhecimento da cultura indígena são voltadas de forma mais frequente à

Ele também fez uma apresentação de flauta

Cobaia

O índio mostrou um pouco sobre sua cultura e seu estilo de vida

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Brasil

Itajaí, maio de 2015

Pesquisa

Conectado U

Gabriel Elias da Silva

Fotos: Gabriel Elias da Silva

m dos mais antigos grupos de pesquisa da Univali, cadastrado há cinco anos no CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Técnologico, o Monitor de Mídia assumiu a coordenação catarinense do projeto Brasil Conectado. O Monitor de Mídia avalia a qualidade do noticiário da imprensa catarinense, seus deslizes éticos e suas relações com a ciência e a educação. O monitoramento é feito por alunos e professores. Agora, as professoras Laura Seligman e Valquíria Michela John passaram a ser coordenadora e vice-coordenadora, respectivamente, do projeto Brasil Conectado. A Rede Brasil Conectado é formada por universidades públicas e privadas de todo o país, e desenvolve pesquisas nacionais e corporativas. Até então, a rede catarinense era coordenada pela professora Maria José Baldessar, da UFSC. A atual pesquisa que o projeto desenvolve se chama “jovem e consumo midiático em tempos de convergência”, que tem o objetivo de entender as práticas da juventude brasileira na internet. Durante três meses, em 2014, jovens do Brasil inteiro foram estimulados a responder um questionário sobre seus hábitos de consumo

C

Professoras da Univali coordenam projeto catarinense de âmbito nacional

O Monitor de Mídia é uma oportunidade para acadêmicos interessados em aprender e colocar seus conhecimentos em prática midiático na internet, e fora dela. “Houve uma ampla resposta a essa pesquisa, que agora está sendo tabulada em cada estado, e a partir dessa realidade identificada em cada estado, será feito um comparativo com as respostas em nível nacional. Com isso, pretende-se ter uma visão mais atual de qual é o conceito mais próximo de cultura juvenil neste ambiente que a maioria da juventude frequenta”, afirma a professora e nova coordenadora do projeto,

Laura Seligman. A próxima etapa do projeto é fazer uma avaliação com as respostas de todos os estados. Confira a entrevista com as professoras. COBAIA: Qual a importância dessa conquista para a Universidade? Laura Seligman: Toda pesquisa tem importância pra qualquer universidade, porque a universidade só se faz baseada em três pilares: o ensino, a pesquisa, e a extensão. Essa pesquisa

Da esquerda para a direita: professora Laura Seligman e professora Valquíria Michela John

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específica é importante porque nos lança, principalmente no nosso curso de comunicação social, numa rede nacional de pesquisa, e isso só nos engrandece enquanto instituição. Dá visibilidade ao nome da universidade e ao nome dos pesquisadores, e traz novas práticas para o nosso cotidiano de pesquisa acadêmica. COBAIA: Como se sente sendo coordenadora do projeto? Laura Seligman: Da mesma forma que eu me sentia antes, integrando a equipe. Era um trabalho muito bem distribuído. Nós abraçamos com todas as forças, mesmo antes, quando fomos convidados a integrar a equipe. A mim, especificamente, tem um significado especial, porque a minha tese, que está em desenvolvimento, trata do mesmo tema: cultura e jovem em ambiente de convergência midiática. Então é um feedback muito bom, poder olhar esses dois lados e conseguir palpar melhor os resultados, tanto de uma pesquisa quanto de outra. Mas, de uma forma geral, a gente tem é muito trabalho pela frente, sempre. Não é um trabalho quantitativo, que as pessoas respondem e está lá o resultado, é uma pesquisa de muito fôlego, porque,

enquanto os dados estão sendo recolhidos, estavam sendo traçados comparativos que fizessem sentido na hora de analisar os dados. Agora temos que avaliar de forma qualitativa. As professoras A professora Valquíria Michela John, vicecoordenadora, é doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui graduação em Jornalismo pela Univali (2000) e mestrado em Educação pela UFSC (2004). Ela é integrante do Obitel - Observatório Ibero Americano de Ficção Televisiva. A professora Laura Seligman, coordenadora, é doutoranda em Comunicação e Linguagens na Universidade Tuiuti do Paraná. Mestra em Educação na Univali (2008), graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1986) e tem Especialização em Prática do Jornalismo Moderno em curso realizado pela Universidade de Navarra e o Grupo RBS (1990). É editora da revista acadêmica Vozes e Diálogo, e vice-coordenadora da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa - Renoi.


Itajaí, maio de 2015

V ” s i f r e P o “Tecend Santos

A jornada do herói D

o pequeno município de Leoberto Leal, Nelson Francisco Dias saiu com uma mala cheia de expectativas. Junto à vontade de mudar de vida vinham os princípios do rapaz criado em meio ao trabalho duro das plantações de fumo. Brusque estava prestes a ganhar mais um filho, que chegava com o intuito de construir uma carreira na renomada indústria têxtil local. A simplicidade com que conta sua história revela as origens desse homem tão conversador. O destino ou até mesmo a sorte deram a Nelson Francisco Dias a oportunidade de reescrever uma trajetória que, inicialmente, parecia destinada à lida na roça. Eram os anos oitenta e, apesar da crise inflacionária que estremecia o país, na então progressista Brusque Nelson peregrinou de fábrica em fábrica. Deixou “ficha” em todas elas e não demorou muito para que a Renaux o chamasse para um teste. Mas, justamente no dia, ele estava doente e internado com uma infecção, não tinha condições de concorrer à vaga, precisava marcar outra data para a prova. A proposta, aceita pelo RH da empresa, deu ao rapaz uma segunda chance. Mesmo sem experiência, o resultado foi positivo.

necessário, trocava as peças dos teares. Quando a empresa adotou o sistema 11X1, no qual os funcionários trabalhavam onze dias e folgavam um, assumiu a função de reserva de ajudante de tecelão e cobria os sábados de folga dos colegas. Após seis anos no cargo, o ponto alto da carreira finalmente foi alcançado: Nelson tornouse tecelão. Extremamente dedicado, era o tipo de funcionário que não negava nada a ninguém. “Tudo o que eles me mandavam fazer, eu fazia”. Aos domingos, enquanto muita gente ia dormir mais cedo para começar bem a semana, ele estava no ponto de ônibus para ir à fábrica. O relógio marcava 22h e a jornada de trabalho mal estava começando. Durante 25 anos, substituiu a noite pelo dia. Mesmo estando sempre na Renaux das 22h às 5h, ele confessa que nunca se adaptou ao horário. Não conseguia dormir durante o dia, se sentia agitado e qualquer barulho atrapalhava o sono. Ainda assim, de modo diferente do vizinho de máquina, Modesto, o terceiro turno não lhe deixou sequelas. E acrescenta: “Se hoje fosse pra trabalhar de madrugada eu não queria mais”.

O espanto e a janela

Nelson não teve o sono roubado pelos anos de dedicação em frente aos teares da indústria, mas adquiriu um problema na coluna que o impossibilita de realizar qualquer movimento brusco. Por conta das peças pesadas levadas nas costas de um lado a outro do setor, ficou três anos encostado. Porém, os problemas não ganham muita relevância na conversa. O que Nelson valoriza agora são mesmo os dez anos na função que exerce até hoje. Ainda como limpador, aprendeu a fazer o famoso nó de tecelão. “Primeiro de tudo o cara que me ensinou disse: - Leva um rolinho de fio pra casa, durante a folga tu tentas fazer o nó”. -

O espanto foi imediato. “Quando ouvi aquele barulho de máquina e tear quis fugir por uma janela. Cheguei a pensar que não iria conseguir”. Mas, um motivo maior o faria encarar o desafio: tinha uma família para sustentar. Em 1988, colegas que se tornariam grandes amigos lhe foram apresentados. O novato ficou responsável pela limpeza dos teares no setor de tecelagem. Depois de conhecer bem os enormes e ensurdecedores equipamentos, ele foi promovido a auxiliar de tecelão. O serviço passava a ser mais pesado. Na correria, abastecia com fios e, se

Cobaia

Nó de tecelão

O movimento, a agilidade e o resultado da junção dos dois fios eram tão importantes, que se não fosse feito bem pequeno e apertado, ele não passaria entre os pentes do tear. Enquanto fala, Nelson exibe um grande sorriso, sinal de satisfação por contar com alguém interessado em ouvilo falar detalhadamente sobre sua experiência profissional. Ao lembrar o quanto era difícil trabalhar à noite, faz questão de me explicar o motivo pelo qual não trocava de turno: o salário. Diferente dos funcionários de outros turnos, a turma da madrugada ganha um adicional e trabalha menos horas por dia. Ele se recorda de que, quando entrou, em torno de 300 pessoas exerciam funções no terceiro turno. Nos últimos meses da empresa, apenas 27 ainda permaneciam nesse horário. Em meio aos “rolos” da empresa, como ele mesmo cita, permaneceu trabalhando depois de aposentado. Quando o pagamento do FGTS foi liberado judicialmente, Nelson descobriu que a empresa não depositara o fundo de garantia. Pergunto a ele sobre a motivação para permanecer em um local mesmo após saber que seus direitos não estavam em dia. E esclarece: “Sair de lá para ganhar o mesmo salário não adiantava. E outra, eu já estava acostumado com aquele pessoal e, principalmente, pensava no sustento da minha família”. Consciente dos problemas e das necessidades, ele relembra o quanto foi difícil a jornada. Doente, com pedras nos rins, não faltava para não perder a gratificação que a Renaux dava aos funcionários pela assiduidade. “Eu ia muitas vezes trabalhar com dor, com o remédio no bolso para não precisar faltar”. Tr a b a l h a d o r e s comprometidos como ele integravam grande parte do quadro de funcionários das “três grandes” tecelagens de Brusque: Renaux, Schlösser e Buettner. Uma declaração de Nelson revela a seriedade com que tratavam seus empregos:

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Da roça ao tear, a trajetória de um trabalhador brasileiro “Era um orgulho o cara chegar e dizer para os outros que trabalhava na Renaux”. Um outro nó Mas esse sentimento converteu-se em insatisfação. “No dia 10 de maio de 2013 não saiu pagamento, dia 15 demos o prazo para eles nos pagarem. No dia 21 não entramos mais para trabalhar e só ficou o pessoal do escritório. Disseram que nos chamariam de novo, porque estavam mudando a diretoria. Prometeram acertar os pagamentos, e recontratar o pessoal, com o prazo para agosto”. Há um ano Nelson vive outra realidade. À espera de respostas, sente-se mal sempre que passa em frente à Renaux. “Foi 25 anos que eu estive lá dentro”. Com um jeito espontâneo de relatar os acontecimentos, admite: “Adquiri tudo o que eu tenho por ter trabalhado lá”. Não esconde que se a empresa voltasse a funcionar, ele retornaria, dessa vez, para o segundo turno. “Quantos pais de família não puderam comprar uma bala pra um filho no Natal de 2012, quando os salários já estavam atrasados, porque esperavam por aquele dinheirinho, por

Foto: Olga Luisa dos Santos

Por Olga Luísa dos

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Série

aquele pagamento”. O tom alto revela sua excitação. “Eu sempre digo: Numa firma que nem a Renaux não deveria ter acontecido isso. Até hoje eu não entendo o que aconteceu. O cara entrar em 88 como eu entrei, e botar a mão na cabeça, pensar na situação em que ela chegou, não dá pra entender”. Hoje, aos 53 anos, Nelson não larga a profissão que lhe trouxe tantas oportunidades. Dessa vez com o desejo realizado de trabalhar à tarde, é tecelão em uma pequena fábrica próxima de sua casa, no bairro Santa Luzia. Os mesmos funcionários das três principais empresas da cidade são atualmente os trabalhadores que tantas fábricas procuram. Considerados “padrão”, têm uma relação familiar com os empreendimentos, completamente diferente dos profissionais recém-inseridos na indústria têxtil. Antes de sair da casa de Nelson, noto como fomos privilegiados por ter tanta gente repleta de conhecimento e sedenta por aprendizado. Pessoas dedicadas, fortes e que, mesmo à espera de reconhecimento, guardam sentimentos bons por aqueles locais onde passaram a maior parte de suas vidas.


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