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A direção é delas
Anelise Wickert
Embora ocupem 30% das funções de motoristas e cobradoras, as mulheres ainda sofrem preconceitos por trabalhar no transporte coletivo
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São 22 pontos entre o terminal do Pinheirinho e o Palmeira, que fica na região do bairro Umbará. Em cerca de 20 minutos, passa-se pelas ruas Angelo Rigolino, João Amadeu Pedro Bom, Faustino Raimundo Pellanda, Nicola Pellanda, Carlópolis, La Salle, Izaac Ferreira da Cruz, Emanoel Voluz, Winston Churchill e Léon Nícolas. Essa é a rota que Anna Dal Nagro, faz todos os dias, como motorista da linha Palmeira do transporte coletivo na cidade de Curitiba.
O começo da carreira foi por influência do pai, motorista do transporte escolar, que sempre levava Anna nas idas e vindas da escola. Quando cresceu, ela trabalhou com caminhão, mas, por desejo, não demorou a assumir o volante de um ônibus. Como o transporte urbano exige um mínimo de dois anos de experiência para admissão, os primeiros passos da motorista foram no serviço particular trabalhando com o transporte de empresas.
Adquirida a experiência, Anna percorreu os caminhos para entrar no transporte público, passando pelos testes burocráticos e práticos. Inclusive, no teste em que foi aprovada, seis homens acompanharam-na no desafio. Apenas ela e um outro colega conseguiram a aprovação da empresa.
A motorista conta que a rotina no trabalho tem sido gratificante, já que com o passar do tempo na linha, ela foi formando novos amigos. E esses amigos “sempre trazem presente e lembranças, algumas amigas dão chocolates, toda semana elas trazem alguma coisinha”. Para ela, o bom tratamento é sinal da satisfação dos passageiros com o trabalho realizado por elas e também do carinho com o “busão das mulheres” (Anna trabalha junto de uma cobradora). Satisfeita com a rotina de trabalho, Anna ainda relata que são raros os casos em que ouviu comentários preconceituosos e diz que procura não dar importância a essas opiniões. Na sua opinião, “a única coisa que pode ser melhorada no trabalho é a segurança”. Por sorte, ela nunca foi vítima de assaltos, mas conta que a grande maioria de seus colegas já passaram por essa situação.
Anna também é motorista engajada em atrair mulheres para trabalhar na mesma área. Segundo ela, algumas amigas precisam de incentivo para criar a coragem de ir atrás da carteira e passar nos testes.
A representante das mulheres no Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SINDIMOC), Vanusa Pereira Coelho, conta que atualmente cerca de 30% dos cargos nessas categorias são ocupados por mulheres. Ela acredita que as mulheres, principalmente nos dias atuais, são preparadas e capazes para trabalhar em qualquer função, embora ainda tenha alguns cargos que não são desempenhados por mulheres, como é o caso dos controladores de tráfego.
“Antigamente, as empresas não contratavam mulheres, hoje embora sejam a minoria, as empresas já abrem mais espaços. Mas, infelizmente, ainda há um grande preconceito por parte dos homens, principalmente se a mulher estiver trabalhando como motorista. Por isso, é importante que as mulheres que trabalham ou usam o sistema coletivo de transporte (passageiras) se unam e acreditem em seus sonhos. Nenhuma de nós jamais deve aceitar ser diminuída pelo fato de ser mulher”, conta Coelho.
Anelise Wickert Gabriel Domingos Mariane Pereira
Gabriel Domingos Selma foi a primeira mulher a dirigir o biarticulado no transporte coletivo de Curitiba.
A redação da revista CDM entrou em contato com a assessoria do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SETRANSP) e, no total são 6,6 mil motoristas e cobradores no sistema de transporte de Curitiba, sendo que 4,5 mil são homens e 2,1 mil são mulheres. Na função de motoristas são cerca de 3,2 mil homens e apenas 80 mulheres no comando dos volantes, ou seja, são 40 homens para cada mulher. Os dados abrangem todas as linhas de ônibus de Curitiba (circulares municipais, intermunicipais e linha turismo).
Em comum com Anna, o caminhão fez parte do início de carreira de Selma Aparecida de Oliveira de 39 anos. Ela sempre gostou de dirigir e ainda mais de viajar, mas com um filho pequeno a mãe mudou os rumos da profissão e ingressou no transporte público. Selma diz que o transporte coletivo “é uma caixinha de surpresa” cada dia o trabalho oferecendo uma novidade e algo diferente.
Ela, que começou em 2009, faz parte de um grupo de mulheres pioneiras em ocupar o espaço de motoristas no transporte público. Como ela, eram poucas as mulheres que dirigiam na época e, por isso, surgiu uma pequena resistência para que ela assumisse a função. Mas, com o apoio psicológico e de outros colegas, Selma conseguiu passar em todos os testes e hoje dirige a linha interbairros IV.
A motivação para se tornar motorista nasceu na família de Selma, praticamente todos os familiares tiveram carreira como caminhoneiros. E ela seguiu os passos da família, se tornando, em Curitiba, a primeira mulher a assumir a direção do tradicional bi-articulado.
Porém, assumir o volante do vermelhão veio com certas dificuldades: “Foi nesse período que eu enfrentei mais preconceito”. Hoje, a relação com os passageiros é de muito respeito e as situações de desrespeito diminuíram muito, além disso, se criam vínculos de amizade com as pessoas que frequentam a linha todos os dias.
Anelise Wickert Fonte: Sindicato das empresas de ônibus de Curitiba e Regiaáo metropolitana
Selma também nunca pensou em outros caminhos, ela conta que teve a oportunidade de cursar uma faculdade, mas, por preferência nunca deixou a profissão de motorista. Para ela o ponto positivo é fazer o que gosta e o que sempre teve contato desde a família. Embora satisfeita, Selma diz que ainda é possível melhorar e, para isso, seria importante uma união entre as empresas, os motoristas e as autoridades.
Nos quase dez anos de carreira no transporte público a maior alegria de Selma foi o tempo que passou com seu filho pequeno. Após trocar o caminhão pelo ônibus, ela teve a oportunidade de passar um longo tempo com o filho e ele certamente ajudou muito para que ela fosse pioneira no transporte de Curitiba.
Daniel Henrique, 8 anos, filho de Selma, trabalhou junto com a mãe em muitos dias. Fez, inclusive, muito sucesso com os passageiros que paravam para conversar. Além disso, Selma conta que o menino, orgulhoso, sempre dizia na escola a mãe trabalha com o ônibus azul. Além da experiência como caminhoneiras Anna e Selma têm em comum o local de trabalho, que é a Viação Cidade Sorriso, empresa que possui projetos para capacitar novos profissionais com a escola de motoristas. Embora as vagas para novos motoristas sejam proporcionadas a mulheres e homens, Guedley Cristina da Rocha, assistente de compliance, conta que as cobradoras da empresa tem buscado a capacitação para tornarem-se motoristas. Atualmente, no quadro de funcionários, a Cidade Sorriso conta com sete mulheres que trabalham na direção do transporte coletivo de Curitiba.
Selma Aparecida de Oliveira, 39, motorista
Gabriel Domingos
Todos os dias, Selma trabalha dirigindo ônibus das linhas interbairros IV e Sítio Cercado/Pinheirinho.