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Raízes do pinhão
José Assir de Lima admira suas araucárias.
Henrique Zanforlin
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A exploração da madeira e o desmatamento puseram a araucária em extinção. Hoje, pesquisadores acreditam que o seu valor não está no tronco, mas no pinhão
Henrique Zanforlin Na região metropolitana de Curitiba, perto da cidade de Lapa, um mar de araucárias se estendia pelas planícies, e suas sementes eram bastante consumidas pelos indígenas que lá habitavam. Com a chegada dos imigrantes, aquela árvore ganhou extrema importância econômica: o tronco centenário tinha um diâmetro que não dava para abraçar, e a sua madeira reta a tornava perfeita para a produção de móveis. “Há 60 anos, tinha valor a terra onde havia pinheiro. Tem gente que ficou milionária porque comprou terra”, conta
José Assir Lima, agricultor, produtor de abobrinha, pepino, repolho, alface, que possui 40 cabeças de gado.
Ao contrário da vastidão de araucária que se imagina, sua fazenda possui
um céu azul e limpo. O que restou da exploração dos imigrantes se resume a algumas nuvens verdes, copas das poucas araucárias que protegem os bois do sol.
Assir conta que ela gostava de cuidar das vacas, tirar o leite, sentir o vento no rosto, um espírito que a levou ao atletismo para correr a prova dos 800 metros. Outros dois estão estudando Agronomia, para, quem sabe, continuar o trabalho do pai.
O produtor não gosta muito de araucárias: “É uma coisa que o terreno fica sem valor, ainda mais mato. Quem vai querer comprar uma área para ficar lá só o mato?”. Mas, como não pode evitá-las, há alguns anos fez um teste: pegou os pinhões que caíram em seu terreno e foi vender na Central de Abastecimento do Paraná (CEASA). Como ele faz todas as quartas e sextas feiras, acordou a 1 hora da manhã para chegar lá pouco antes das 3h, ficando
lá até meio dia. O retorno financeiro o surpreendeu e logo ele ficou conhecido em sua região. Seus vizinhos levam pinhão para ele, que chegou a vender mais de 100 sacos de pinhão, cerca de 3 mil kilos por viagem. Apesar de 2019 não ter sido um ano bom para a sua venda, a semente continua sendo um fator importante de sua vida financeira. “É uma produção extra e com a qual você não gasta nada, não precisa adubar, não precisa pulverizar”. Além disso, ele conta que o fato de a araucária produzir por três meses torna o negócio ainda mais interessante, é um dinheiro que passa
despercebido. “Eu e minha esposa estamos interessados, já andamos atrás de, futuramente, fazer disso uma renda para quando me aposentar.”
O plano de Assir é objeto de estudo para uma dupla de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Valdeci Constantino é doutor em Produção Vegetal, e desenvolve métodos que visam viabilizar a produção de pinhão em escala. “Hoje em dia, não tem produtor de pinhão, não existe ainda. O que há é extrativista, então o cara vai coletar o pinhão no mato que ele tem”. Com o uso de enxertos e manejo adequado, uma araucária pode começar a produzir pinhão com dez anos de idade, 5 a menos do que seria o natural. Além disso, a técnica permite a seleção das espécies e de sexo, o que otimiza a produção. “Posso fazer previsões de produtivida
de com base nas espécies que plantei, além de controle de qualidade ao longo dos meses.”
O pesquisador também explica que a safra não ter sido boa é uma característica natural da planta, que gasta muita energia para produzir a pinha, e depois precisa de um repouso antes do próximo inverno. Segundo dados da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a safra de pinhão na região da Lapa, em 2018, foram 10 mil quilogramas inferior do que a do ano anterior. O preço pago aos produtores, por sua vez, aumentou cerca de 10%, chegando a R$ 2,72 por quilo.
Constantino ainda explica que a produção de pinhão em escala é uma forma de preservar a araucária, que hoje resta apenas 1,5% da mata original. Pelo fato de a araucária viver por mais de 500 anos, o estímulo do plantio pode reconstruir essa vegetação. Ou seja, mesmo que o agricultor viva até seus sonhados 100 anos de idade, suas araucárias ainda estarão produ-
“A araucária não deu certo pela beleza, não deu certa pela legislação, a única maneira é pelo bolso.” Valdeci Constantino, pesquisador
Henrique Zanforlin
Henrique Zanforlin
E como Assir gosta, ele diz já ter tido oportunidade de se mudar para cidade, mas preferiu manter-se na tradição, nas festas regionais polonesas de sua esposa e a comida caseira, como pinhão assado na brasa.
A professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cilene Ribeiro é pesquisadora na área de patrimônio nutricional, e conta que o pinhão é muito mais do que uma semente, e faz parte da nossa cultura. “A comida não é uma coisa neutra, tem muitos sentidos e muitos significados, a gente tem muitos laços afetivos, muitas memórias.”
Isso dá ao pinhão um valor maior do que o nutricional, ambiental ou até mesmo econômico. O pinhão carrega consigo um sabor de família, de inverno. “As pessoas se reuniam ao redor de pequenos braseiros para assar o pinhão direto nessa brasa. Então, existe até uma simbologia de catar o pinhão na mata e comer junto.” Apesar de a brasa ter sido substituída por uma panela, a comida ainda nos aproxima e faz presença nas festas tradicionais. O que seria da festa junina sem o pinhão?
zindo pinhão para seus filhos, netos e futuras gerações.“A araucária não deu certo pela beleza, não deu certa pela legislação, a única maneira é pelo bolso.”
O terreno onde Assir mora vem desde seu avô, que, contra todos da família, emprestou dinheiro para o único neto que tinha gosto pela terra, e que até hoje sonha em virar fazendeiro. Assir mudou quando se casou, há 32 anos, e à época o agricultor só tinha uma bicicleta, uma picape e as poucas vacas emprestadas do seu avô. Nesses anos todos, ele criou sua família e aos poucos fez uma plantação, chegando a ter 40 funcionários e 200 mil pés de morango. Foi quando uma chuva de granizo destruiu sua plantação e o afundou em dívidas. Passou os próximos três anos pagando contas e os poucos funcionários que restaram. Por isso, ele fala que não pressiona os filhos para continuarem o negócio da família. É preciso gostar.
Araucária enxertada.
Repensando o pinhão Farinha à base do pinhão ajuda celíacos
O jeito de comer pinhão não muda há séculos, e é isso que está tentando fazer a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Cristiane Helm. A nutricionista está desenvolvendo uma farinha a base de pinhão, que possui um baixo teor de gordura, e alto valor de proteínas e fibras alimentares, as quais previnem doenças gástricas. Ela conta que dessa forma é possível conservar o alimento, “conseguimos baixar o teor de umidade para 5%, podendo então ser estocado e durar por meses.”
A farinha também está sendo vista como uma alternativa para quem sofre de doença celíaca, uma espécia de reação alégica ao glúten, proteína encontrada no trigo e na cevada.
Henrique Zanforlin