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O preço da educação

Em busca de conquistar o sonhado diploma, estudantes enfrentam as adversidades da vida para tentar permanecer na faculdade

Carolina de Andrade Gabriel Dittert Thais Porsch

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Com olheiras nos olhos, o cabelo um pouco despenteado e um sorriso cansado,Henrique Castro, 23 anos, relembra a época em que cursava Jornalismo. Não faz tanto tempo assim, mas a sensação é de que parece que foi em outra realidade. Ele não demora a responder quando vem a pergunta se sente falta de estudar.

“Posso falar que ficar fora da faculdade fez muito mal para a minha autoestima”, admite.

Sentado na beirada da cama de casal, espaço que divide com sua mulher, o ex-estudante mora em um apartamento no Centro de Curitiba. É um imóvel antigo, porém bem cuidado. Sua rotina se divide entre o trabalho como entregador, da startup Rappi, e o apartamento. Não há tempo para desvios. Nem para estudar.

“Depois que terminei o ensino médio, eu não queria ficar parado. Eu queria engrenar uma formação. Aí escolhi Jogos Digitais porque achava que gostava disso. Passei no vestibular e entrei”, conta Castro. Ele cursou os ensinos fundamental e médio em escola pública, porém não atingiu a pontuação para conseguir a bolsa do Prouni. Sua única opção era o Fies - Financiamento Estudantil, que exime o aluno de pagar a mensalidade até seis meses depois de formado, e quando começa a pagar, os juros cobrados são abaixo do mercado.

Já faz um ano que Damaris Pedro, 33 anos, trancou sua matrícula no curso de jornalismo. Ela tinha bolsa de 50% pelo ProUni, mas mesmo assim não conseguiu manter os boletos em dia. “Eu entrei na faculdade mais tarde, aos 28, então eu era independente, morava sozinha, não tinha ajuda dos meus pais. Tinha que trabalhar e estudar. Pagava aluguel e começou a ficar pesado pra pagar a faculdade”, conta.

O Prouni permite ficar dois anos sem estudar e Damaris está há um e meio. Enquanto falava sobre o processos fez uma pausa e desabafou com tristeza: “Foi doloroso o processo de trancar a faculdade… Eu tentei de todo o jeito”, salientou com veemência. “Fazer empréstimo, pegar de amigo… não teve como.”

Castro também teve que parar de estudar Jogos Digitais. Mas por outro motivo. “No segundo ano, foi nítido que eu estava atrasado, aí eu resolvi trancar”, declara resignado.

Castro,porém, optou por Jornalismo. A pretensão era voltar para a mesma universidade que começou o primeiro curso, mas, segundo as informações que passaram a ele, não seria possível fazer outro curso na mesma instituição. Foi aí que o problema só aumentou. Para a surpresa do estudante, ao fazer a transferência no sistema do Fies, havia a informação de que o aditivo não havia sido feito. Ao entrar em contato com o órgão responsável, teve uma resposta tardia.

“Eu solicitei ao MEC antes de começar o curso, e o órgão só respondeu depois que terminou o prazo.” Ele não conseguiu fazer a matrícula do segundo semestre, teve que trancar o curso e ainda saiu com a dívida do semestre anterior inteira. Mais da metade dos universitários interrompem a faculdade em algum momento. O que complica o retorno à faculdade é a dívida que fica.

Para renegociar com a faculdade, Damaris explica que é necessário um cartão de crédito com limite alto e, mesmo sendo bolsista, não teve condições de arcar. “Eu comecei pagando [o curso] R$870 e a última vez estava pagando uns R$1.100. Para mim era uma grana muito alta, ainda é, né?”

Todavia, a jovem fala que sua maior dificuldade não foi a questão financeira, mas sim conciliar a vida profissional - de trabalho com organização de eventos e gestão de bandas, sem horário definido - com a faculdade. “Eu gostaria de ser uma aluna 100%, mas não consigo, então me contentei em ser uma aluna 70%.” Ela revela que aproveitava o máximo que podia as aulas, pois sabia que no contraturno os livros seriam substituídos por telefonemas estressantes e o volume alto de caixas de som.

“Eu pensava: ‘Ah, beleza, um pontinho não vai fazer diferença na minha nota, então não vou entregar esse trabalho’. Realmente não dava, eu dependia do meu trabalho. Eu aceitei não ser uma aluna 100%”, admite Damaris. Apesar das dificuldades, ambos ainda não desistiram. Damaris anseia por poder voltar a estudar. “Falta praticamente um ano para eu me formar. Eu preciso voltar, mesmo estando devendo um período.” Já Castro afirma que, depois de todos os problemas, quer estudar.

“Meu sonho é ser aviador”. Ele sabe que o curso é caro, começou a planejar a ir para fora do país, trabalhar, juntar dinheiro, e voltar para fazer o curso.

“Eu brinco, às vezes, que queria ser ignorante, porque o pouco de conhecimento que se tem, faz você ter uma percepção maior da realidade, e isso não é legal”, desabafa Castro.

Gabriel Dittert

Castro e Damaris (foto) não se conhecem, mas compartilham a dor de trancar a faculdade por falta de dinheiro.

DEFICIÊNCIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

por Gabriela Savaris

Henrique Castro e Damaris Pedro são apenas pequenas peças nas estatísticas de desistência no Ensino Superior. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no Brasil, cerca de 56% dos estudantes que ingressaram em uma universidade acabaram desistindo no meio do caminho ou trocaram de curso no decorrer da graduação. Desse número, 84,4% dos que interromperam a faculdade eram alunos de universidade privada. Mais de 1 milhão de alunos já passaram por situações de instabilidades com a vida universitária, entre os anos de 2010 e 2015.

Todavia, estudantes que possuem bolsas de financiamento tendem a concluir os cursos mais que a média nacional, de acordo com o Inep. Em 2016, 53,3% dos alunos da rede privada com Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) concluíram a graduação – sem Fies, 35%. Com e sem ProUni, os percentuais são 56% e 34%, respectivamente.

O coordenador do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Antonio Kozikoski, aponta que existe uma preocupação de fazer o mínimo por parte do Poder Público - com o acesso dos alunos à educação superior - mas não existem políticas para depois que o aluno ingressa na faculdade. “Na minha qualidade de coordenador, eu tenho que fazer apreciação de pedidos de reconsideração de bolsistas. E muitos deles de fato relatam a dificuldade de levar a faculdade junto ao trabalho e a família.”

Kozikoski compartilhou que é muito difícil estabelecer uma métrica ou algo diferenciado nas avaliações e frequências dos alunos que ingressam na faculdade via políticas públicas, pois isso pode comprometer a qualidade do ensino entregue a eles.

“Esse cenário tende a crescer na medida em que o Poder Público olha mais para o que gravita em torno. Desde o fomento da Educação Básica, até mesmo oportunidades de emprego e áreas sociais para melhorar a realidade mesmo.” Segundo o professor, o ideal é lutar por uma realidade em que não haja a necessidade de cotas, ou políticas públicas, pois o problema na educação deve ser trabalhado em sua estrutura e não apenas com respostas rápidas.

Thais Porsch

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