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Guia, terapeuta e melhor amigo: a interação entre humanos e cães traz benefícios há mais de 500 mil anos

Bruno Talevi

Deborah Neiva

Helena Sbrissia

Lucas Grassi “Desde o primeiro momento você vai ouvir: ‘confie no seu cão’. E quando você para na primeira travessia, no primeiro meio-fio, tudo o que você pode fazer é isso: confiar no seu guia.”

O fisioterapeuta Roberto Conceição começou a perder a visão aos 8 anos. A partir de 2005, precisou recorrer à bengala, aos aparelhos eletrônicos para baixa visão e tecnologias assistivas para concluir as ações do dia a dia com autonomia e independência.

Contudo, aos poucos, Roberto percebeu que a bengala não era mais suficiente para suprir suas necessidades. Segundo ele, o objeto não identificava obstáculos acima de sua cintura, o que causava acidentes com certa frequência durante suas caminhadas.

Foi em dezembro de 2015 que ele encontrou Dexter – seu cão-guia. O animal, ao contrário da bengala, é capaz de antever o obstáculo e decidir o que fazer. E foi junto do seu novo parceiro que o fisioterapeuta pode reencontrar sua liberdade e autonomia.

“Como o relacionamento é diário, é como uma montanha-russa. Nem sempre é tudo lindo, é como uma relação interpessoal: em alguns momentos você tem vontade de sumir. Mas, no fundo, a relação com o cão, e em especial o animal-guia, é um negócio meio maluco. Ele é uma parte de você – e isso não tem como traduzir.”

Roberto conta que o processo de escolha e a adaptação ao cão-guia não são tarefas fáceis. O animal, ao contrário da pessoa, está pronto e treinado – o processo se trata, basicamente, do aprendizado do futuro dono: aprender os comandos, a perceber o cão e conduzir as situações em que o cachorro é incapaz de tomar a decisão sozinho.

O adestrador Rafael Wilineski explica que, no Brasil, há também a dificuldade de entender o trabalho de um cão de assistência. Culturalmente é muito comum fazer carinho em um animal na rua, ou então parar para o agradar. “É como a gente estar trabalhando e chegar alguém para fazer carinho na nossa cabeça.”

Roberto complementa ao dizer que, quando há um agrado, há também a perda de concentração do cão – e, consequentemente, a possibilidade de um acidente. É uma obrigação fazer essa orientação, porque a pessoa, se identificar um animal de assistência novamente, vai lembrar das palavras ditas anteriormente.

CÃES: OS PROTAGONISTAS

Rafael, além de adestrador é dono de Messi e Pinhão. Messi, além de diversas atividades de interação assistida, participa de diversas rodas de leitura para crianças — ajudando a despertar o gosto pelos livros nos pequenos.

“É como se o cachorro estivesse prestando atenção no que a criança está lendo, então muitas vezes aquele julgamento social que é feito mesmo que sem querer pelo adulto não acontece.” Rafael explica que o cão apenas observa o aluno lendo, então a criança fica mais confortável. “Os animais mexem com a questão emocional das crianças.”

Os benefícios da interação entre crianças e cães vão desde um desenvolvimento afetivo e educacional acima da média, fortalecimento do sistema imunológico, redução do índice de problemas alérgicos, diminuição da ansiedade e do estresse, menor incidência de problemas como sedentarismo e melhora no desenvolvimento muscular infantil.

“O Chico veio para completar tudo o que eu acreditava e queria para a minha vida. Ele parece ter sido feito sob encomenda para mim e para o trabalho que ele desempenha.”

Ana Michelotto é psicopedagoga, participante do projeto Focinhos e dona de Chico, que integra a iniciativa criada pelo Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP) da PUCPR. O primeiro contato dela com a instituição de ensino superior foi por meio de um programa de pós-graduação de ciência animal, e sua pesquisa tratava sobre a interação entre os cães terapeutas e crianças com autismo.

Durante o seu mestrado, Ana pesquisou diversas inovações que poderiam ser feitas para promover a saúde mental e a sua importância para os alunos universitários, e foi assim que nasceu o Focinhos. Ela conta que recebe diversos retornos e resultados positivos em relação ao desempenho acadêmico do indivíduo e seu estado psíquico. “Todos os dias que a gente vem com os animais para a universidade, há alguma história. Um estudante chega e fala ‘vocês animaram meu dia, porque tava muito difícil.’ E a gente sabe que muitos deixam a família longe – e até mesmo os animais de estimação – para estarem aqui. Quando eles encontram os animais pelo câmpus há a sensação de pertencimento e proximidade.”

A dona de Chico explica que essa atividade assistida com os animais, em que o estudante fica livre para interagir e o cachorro também, tem como intenção diminuir o estresse e a ansiedade causados pela rotina.

“O Chico veio para completar tudo o que eu acreditava e queria para a minha vida.” - Ana, dona de Chico.

HUMANOS: OS COADJUVANTES

Essa relação quase simbiótica entre os seres humanos e os cães já é antiga. Registros arqueológicos têm indícios de que tudo começou há cerca de 500 mil anos, na Era Glacial. Desde então, seres da espécie bípede vêm se beneficiando com tudo o que os caninos podem trazer para a vida.

Proteção contra alergias, socialização e aproximação de pessoas, alívio do estresse, redução da pressão arterial, combate à depressão, elevação da autoestima, liberação dos hormônios da felicidade e diminuição da solidão. De acordo com a psicopedagoga, esses são apenas alguns dos benefícios que os cães trazem para a vida dos seres humanos.

Letícia Castanho é veterinária e conta que desde 2005 havia o sonho de realizar alguma interação entre espécies para que houvesse essa troca de experiências. Foi assim que nasceu O

projeto Amigo Bicho “do coração de uma pessoa que queria muito ajudar através dos animais.”

Ela faz voluntariado na Associação Paranaense dos Portadores de Parkinson (APPP), em que o objetivo é sempre, em conjunto com o profissional de saúde, melhorar a qualidade de vida dos pacientes. São realizadas diversas atividades em conjunto com os animais para trabalhar com a coordenação motora fina e a motricidade.

De acordo com a terapeuta ocupacional Paula Lima, a pessoa que tem doenças de Parkinson fica muito nervosa, por exemplo, ao tentar pegar algo muito pequeno, porque a coordenação motora fina está comprometida. Com o cão, o paciente não pensar na dificuldade, apenas em realizar a atividade.

O principal diferencial, segundo Letícia, da terapia com os cães, é que em muitas das vezes o paciente sequer percebe que está fazendo o exercício, porque a atividade se torna mais agradável. “Eu me sinto extremamente grata por poder fazer esse trabalho com os animais para ajudar tantas pessoas. Não tem explicação: é amor. Em uma de suas formas mais puras.”

Paula conta que diversos pacientes começam com a rejeição do animal por medo ou por nunca terem convivido com um cachorro em casa. Aos poucos, eles vão se achegando e os cães, aos poucos, sentem que podem fazer a aproximação. “Uma senhora de muita idade uma vez, no fim de uma dessas visitas, chegou para mim e disse: ‘Doutora, foi durante uma hora com eles que eu esqueci que tinha Parkinson. Eu consegui ser feliz junto com eles por todo esse tempo até me lembrar que tinha a doença.’” Cães de assistência e interação assistida: o que diz a legislação

Helena Sbrissia

Os cães conhecidos como de assistência são animais que, desde o nascimento até a entrega para o usuário, são treinados de maneira controlada, com duração aproximada de dois anos. Esses animais são protegidos pela lei, que garante uma certificação e uma documentação de trabalho — e, graças a isso, eles podem ter acesso a lugares públicos como aviões, táxis, navios etc. Já os cães de interação assistida (atividades, educação e terapia) têm diferentes funções que podem ser exercidas — e nenhuma lei para os proteger. Portanto, se um indivíduo precisar da presença terapêutica do animal não pode levá-lo para a faculdade, aviões e locais mais restritos. Segundo Rafael, essa diferença ocorre porque um animal de interação assistida pode ser até mesmo um cavalo. “Hoje vemos alguns trâmites em estados com proposições neste sentido, para que eles possam ter a mesma condição dos cães de assistência. Mas a questão semântica não é discutida no sentido legal.” Contudo, a entidade sendo pública ou privada, pode abrir por conta própria a possibilidade do acompanhamento — como é o caso de universidades como a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a rede de cinemas Cinemark, em que é permitido o acesso de animais junto com os seus donos caso haja a necessidade. O adestrador explica que os cães de assistência são englobados em cinco categorias: para mobilidade reduzida; para crianças dentro do espectro autista; para pessoas com discapacidade ouvinte; cão de alerta (para pessoas portadoras de diabetes tipo 1, epilepsia e outras doenças) e os clássicos e mais conhecidos cães-guia. No Brasil, o processo de treinamento para esses animais é muito custoso tanto pela entrega do animal quanto pela formação do instrutor. Esse custo acaba por dificultar uma melhoria na condição dos instrutores em formação e impossibilitar o treinamento de mais cães para assistirem às pessoas com cada vez mais frequência.

Bruno Talevi

Dexter é o cão-guia de Roberto há quatro anos.

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