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Eu amo meu filho, mas não gosto de ser mãe

“Eu amo meu filho,

mas não gosto de ser mãe”

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A figura mitológica da mãe e sua associação com a felicidade estão muito distantes da verdadeira noção da maternidade com todos os seus possíveis problemas – e até mesmo eventual arrependimento

Bruno Talevi Deborah Neiva Helena Sbrissia Lucas Grassi

Num Brasil onde 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro e a depressão pós-parto atinge mais de 25% das mães, a imagem construída em torno da maternidade é pouco próxima da vida real — diversas mães, cujas identidades serão preservadas, relataram falta de preparo, saudade de estar sozinha, distância da família e preocupações inesperadas; nada do que se vê em um álbum de fotos ou conversas de chá de bebê.

Joana* sempre teve muita facilidade com crianças. Com seu primeiro filho, aos 20 anos, não achou que fosse ser diferente. “Ainda costuravam minha barriga quando pensei: Meu Deus... esse bebê é meu. Eu vou ter que cuidar pra sempre”, contou.

A responsabilidade de uma vida dependente aparece de forma recorrente entre os relatos, e é um dos motivos de maior conflito emocional. Joana diz que pensava como a maioria das mulheres, que ao ter um filho isso seria motivo suficiente para o amar de forma incondicional e ignorar todos os problemas que surgem no dia a dia, como choros durante a noite, cólicas e a necessidade de dar de mamar. Mas não é nada disso: ela acusa a sociedade de passar a vê-las apenas como mães. Hoje ela nota que, há três anos, quando estava grávida, enfrentava sozinha uma depressão. “Me sentia feia, gorda, e odiava estar enjoada o tempo inteiro. Me culpava por ainda não amar incondicionalmente aquela

criança como eu lia em textos de outras mulheres esperando o seu filho.”

“A culpa é da sociedade que espera demais de uma mãe e, por consequência, a mãe espera demais dela mesma.”

- Giovana*

Em 2005, Cláudia* estava no auge de seus 20 anos e começando um novo relacionamento após enfrentar o término de um namoro de quatro anos. Passado algum tempo, sentiu uma forte dor no ouvido, motivo que a levou ao médico e descobrir uma gravidez de cinco meses. Ela reatou com o ex-namorado e viveu os quatro meses que restavam da gestação de maneira muito conturbada: com pouco apoio familiar, um psicológico abalado e falta de preparo.Cláudia, então, passou a concentrar-se somente em assuntos relacionados à gravidez para não precisar se preocupar com o relacionamento infeliz que enfrentava por causa do bebê.

Quando o filho finalmente nasceu, sua ficha caiu — estava em casa, sozinha, com um bebê e precisando de ajuda. Sem amigos, sem autonomia. Apenas sendo mãe. “Não sabia se estava certo ou errado, só sabia que eu não era mais eu.” Ela, que trabalhou durante toda a gestação, foi dispensada assim que a licença maternidade acabou.

Outro problema é quando o filho não é programado. Segundo dados da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, coletados entre 2011 e 2012, 40% das gestações mundiais não são planejadas. No Brasil, a média torna-se mais preocupante — mais de 55% das mulheres que tiveram filhos não fizeram o planejamento prévio.

Maria* conta que não se sentia pronta. Passou toda a gravidez em negação, adiou as compras necessárias e chorou quando a descobriu. Sentia medo, angústia e também revolta por ter se permitido fazer a coisa que mais tinha medo: engravidar. Quando era perguntada sobre o amor que sentia pela criança, respondia que não sabia como amar alguém que nunca tinha conhecido e que havia entrado em sua vida contra a sua vontade. E, quando o fazia, era condenada. “Me diziam: Nossa, como você é fria. Uma criança é uma bênção!.” Talvez não para todo mundo.

Apesar da primeira reação quanto à criança parecer traumática, muitas mulheres indicaram o mesmo padrão: de amor construído, e não intrínseco, como se espera. Quando se está grávida, é idealizado que, apesar de tudo, um filho pode curar qualquer coisa – inclusive quadros clínicos de depressão. A teoria cai por terra em casos como o de Giovana* que conta, inclusive, que o afeto pode vir com o crescimento, tanto da mulher, em seu papel de mãe, quanto da criança.

Segundo dados da Escola Nacional de Saúde Pública Oswaldo Cruz, 55% das mulheres brasileiras não planejaram a gestação.

Helena Sbrissia

No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro.

“Uma mãe é obrigada pela sociedade a amar seu filho desde quando ele ainda é um grão no útero. Uma mãe não pode reclamar que está cansada porque ‘é mole só cuidar de uma criança. Quem rala mesmo é o pai para sustentar vocês’.” Giovana conta que sofreu do quadro clínico de depressão pós-parto, e que ouvia constantemente das pessoas que aquilo era normal e que se tratava apenas de cansaço, algo comum para uma mãe de primeira viagem. “Uma mãe é uma mulher feliz e realizada, de acordo com a sociedade. Não podemos reclamar por termos a bênção da vida — mesmo que tenha sido algo indesejado. É o famoso ‘Fez? Agora aguenta. Agora cuida’.”

O filho de Giovana tem 1 ano, e ela conta que apesar de sempre ter se preocupado e sentido a necessidade de o proteger, não o amava nos primeiros meses. “Não conseguia olhar para ele e sentir aquele amor incondicional de mãe que eu tanto ouvi falar durante a minha vida, e eu me sentia mal por isso, afinal, é esperado que uma mãe ame seu filho, né?.” Hoje, ela o ama de maneira incondicional, segundo ela, mais do que a si mesma, mas que talvez não tivesse conseguido sentir aquilo. “A culpa é da sociedade que espera demais de uma mãe e, por consequência, uma mãe espera demais dela mesma.”

Segundo levantamento do PNAD 2015, 84% das crianças são criadas primariamente pela mãe — somada à jornada dupla, a pesquisa indicou que as mães empregadas empreendem 18 horas semanais com cuidados com a casa, enquanto pais desempregados dedicam apenas 12 horas. Essa realidade vem mudando de forma lenta e gradual. Os canais de Youtube, livros sobre maternidade, e até mesmo conversas com a futura avó, mostram uma realidade que não se canta nas cantigas.

Daniela* conta que tinha em mente diversas idealizações sobre o pós-parto do filho enquanto ele ainda estava na barriga. Que tudo era lindo e maravilhoso, e que ela saberia exatamente o que fazer, além de o amar incondicionalmente — afinal, era mãe. Para ela, tudo mudou bem cedo, logo no segundo dia de vida do bebê: ele teve icterícia neonatal precoce. A bilirrubina — substância encontrada no sangue que quando em alta quantidade pode diagnosticar problemas no fígado — chegou a níveis alarmantes. “Ele só chorava e eu não sabia o que fazer, só chorava também. Ficava pensando por que eu inventei aquela história de ter bebê, onde eu fui me meter.”

As dificuldades vieram logo no começo e foi preciso tempo para que se ajustassem um com o outro. “Eu morria de medo de ficar sozinha com ele, entrava em pânico mesmo, então sempre ficava alguém comigo ou minha mãe ou minha vó, o que por um lado foi bom, mas por outro foi péssimo, muitas interferências e muitos pitacos.”

A relação com o pai também foi problemática. O divórcio veio antes do quarto aniversário. Daniela conta que

as atividades desempenhadas pelo pai pouco mudaram desde quando eram casados. “A participação dele consiste em pagar a pensão e pegar o menino uma vez ao mês pra passar o fim de semana.”

Porém, a maternidade ainda é vista como algo maravilhoso. “A verdade é que a maternidade é muito cansativa e solitária, muito mais emocionalmente do que fisicamente. Ser mãe é uma luta diária, não existe comercial de margarina.” Esse é o lado da maternidade que não se conta no chá de bebê.

“Ficava pensando por que eu inventei aquela história de ter bebê.”

- Daniela*

*O nome das mães foi alterado para preservar as identidades de cada uma. Ao todo, 32 mães aceitaram dar depoimentos sobre os problemas que tiveram — e ainda têm — durante a maternidade.

Depressão pós-parto?

Lucas Grassi Depressão pós-parto não é sinônimo de não gostar de ser mãe. Esse estado,que não incomumente afeta mães depois do nascimento de uma criança, pode estar relacionado a inúmeros fatores, tanto emocionais quanto físicos.

O que se entende hoje é que existem situações que podem ajudar a provocar o quadro - ou piorá-lo. Entre eles, estão a falta do apoio familiar, privação de sono, vício em drogas, alimentação inadequada, desequilíbrio hormonal.

Quando se discute essa condição, existe uma preocupação natural com a dinâmica mãe-bebê. Instintivamente, preocupa-se, em primeiro lugar, com o estado da criança em relação à situação depressiva da mãe. A provedora da vida, nesse caso – e em muitos outros – toma o segundo (ou vigésimo) plano. Para se desmistificar a situação, é interessante se atentar ao fato de que não apenas mulheres desenvolvem um estado depressivo pós-nascimento. Homens, geralmente pais, também são diagnosticados com depressão pós-parto.

Na realidade, a depressão do homem em relação à paternidade se associa, de acordo com publicação do Ministério da Saúde, à preocupação em torno da própria capacidade em educar um recém-nascido. A ansiedade, somada ao aumento das responsabilidades, está entre as causas do problema.

Voltando para as mulheres: manifestações de irritabilidade, choro com frequência, diminuição de energia e motivação podem ser sinais de depressão pós-parto. Se não tratada, a doença pode se desenvolver e chegar a um estado crônico conhecido como psicose pós-parto.

Nesses casos, é importante que haja completa atenção com a mulher e o recém-nascido. Entre os sintomas estão: desconexão com o bebê e pessoas ao redor, vontade extrema de fazer mal ao bebê e/ou pessoas ao redor, pensamentos delirantes e irreais, sono perturbado.

No processo de tratamento, o Ministério da Saúde recomenda que sejam feitas sessões de terapia hormonal e exercícios para fortalecer o laço emocional entre mãe e filho(a). Todo o acompanhamento psiquiátrico e psicoterápico é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

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